Na noite de ontem, enquanto a atenção não cedeu às exigências de repouso, fui assistindo no Prós e Contras da RTP a um tão interessante quanto inesperado debate sobre as eleições presidenciais que se realizarão em 2016. Inesperado, porque creio que poucos seriam os que, há algumas semanas, imaginariam que o tema das eleições presidenciais pudesse ocupar o espaço público como tem ocupado, relegando para plano secundário a escolha que os portugueses em breve vão ser chamados a fazer e da qual depende o futuro da governação do País. A perspetiva de à crise económica, financeira e social que ainda não passou, se somar uma crise de estabilidade política no cenário pós-eleitoral, pareceria suficiente para que o debate se centrasse no posicionamento de quem vai lutar por uma maioria na próxima legislatura. Mas não tem sido assim, para mim surpreendentemente.
A parte do debate a que assisti não ficou a dever o seu interesse ao que ali foi dito, nem à particular qualidade dos intervenientes, mas porque confirmou algumas das correntes e opiniões algo esquizofrénicas sobre o nosso sistema político.
Muito em síntese, como eco do debate, ficou-me o seguinte:
(a) Foi mais uma vez percetível que, apesar de se dizer que não existe uma verdadeira questão constitucional a propósito dos poderes e funções do Chefe do Estado, ninguém parece satisfeito com o atual estatuto juridico-político do Presidente da República. E todos, à direita e à esquerda, parecem defender para o PR um papel que não seja o de mero guardião da Constituição, mas o de um moderador mais ativo. Isto é, não deixando de ser árbitro independente e imparcial, pretende-se que seja um árbitro que entra no jogo e influencia o seu desfecho.
(b) Sem assumir claramente esta visão - o gaulismo não tem entre nós muitos adeptos... - a verdade é que o sentimento de quem publicamente vem manifestando opinião sobre a atuação dos antigos PR da democracia e se pronuncia sobre o perfil do futuro Chefe do Estado, aponta implicitamente para uma alteração da matriz do nosso sistema político, aproximando-o do modelo francês ao reconhecer as vantagens de uma maior intervenção presidencial, não só através do poder de iniciativa do controlo da constitucionalidade das leis ou do veto político, mas da partilha da função governativa e da interferência nas opções legislativas. Recordo-me no entanto - ó paradoxo! - que na campanha eleitoral que levou à eleição do atual PR para o seu primeiro mandato, a crítica que à esquerda lhe era feita (sobretudo vinda de altos dirigentes do PS), era a de que Cavaco Silva tinha um perfil demasiado intervencionista, prognosticando-se que, uma vez eleito, não resistiria à tentação de se libertar dos limites constitucionais que lhe impunham o dever de neutralidade perante a ação governativa. Os mesmos que ontem criticavam Cavaco Silva por estas tendências, condenam-lhe hoje os silêncios e a ausência de alternativa que o PR deveria ter às opções políticas do Governo...
(c) A falta de clareza do discurso neste domínio avoluma os equívocos acerca do papel de um Chefe do Estado que entre nós não é chefe do governo, equívocos que aliás ontem no debate foram patentes. Reconhecem-se vantagens no reforço dos poderes constitucionais do PR, atenuando consequentemente a vertente parlamentar do sistema. Recordo que foi António Costa quem há dias propôs que no processo de escolha do Governador do Banco de Portugal o PR tivesse participação direta e formal, o que mereceu o apoio da atual maioria. Como se recorda a simpatia que merecem propostas de envolvimento do PR na composição do Tribunal Constitucional ou dos conselhos superiores das magistraturas. Porém, a provar a esquizofrenia, esses sinais são imediatamente contrariados por um discurso que rejeita liminarmente qualquer ideia de alteração da Constituição nesta parte, em nome da santificação do atual semi-presidencialismo. Com reflexos evidentes na definição do perfil dos candidatos, como também ontem se evidenciou.
(d) Finalmente, um apontamento mais conjuntural. Fica-me a sensação de que este precoce início da corrida presidencial pode também servir para confirmar a tendência de alguns para serem vítimas do seu ego ou dos exageros do seu taticismo. O debate de ontem parece por em causa a estratégia dos que se sustentam na notoriedade pública que detêm, convencidos de que o adiamento do debate presidencial para depois das legislativas liquidaria as hipóteses de adversários fortemente apoiados, mas sem o seu nível de notoriedade. No entanto, nunca tantos, em tão pouco tempo, ficaram a conhecer aquele de quem se dizia que tinha poucas hipóteses por ser pouco conhecido...
NOTA: Este é o post n.º 10.000 do 4R. Mais do que a resistência do Quarta República ao tempo e mais do que a fantástica cifra de visitas que o contador exibe - mais do 3,5 milhões -, impressivo é este número de entradas. Se a ele somarmos as participações dos comentadores, sem o estimulo e envolvimento dos quais este blogue já não existiria - o resultado é um enorme edifício. Fica o registo.
ResponderEliminarAntes de mais, parabéns ao Quarta República e votos de que continue animado em muitos mais milhares de "posts".
Quanto aos poderes constitucionais do Presidente da República comento a sua afirmação:
"apesar de não existir uma verdeira questão constitucional a propósito dos poderes e funções do Chefe do Estado, ninguém parece satisfeito com o atual estatuto juridico-político do Presidente da República."
Se ninguém parece satisfeito há, de facto, uma verdadeira questão constitucional, conclui o cidadão comum, não jurista e muito menos constitucionalista, suportando-se apenas na segunda parte da afirmação que lê.
Por outro lado, como pode conceber-se um árbitro independente e imparcial que, ao mesmo tempo, entre no jogo e influencie o seu desfecho?
A eleição por sufrágio universal do PR depois da redução dos poderes presidenciais com o propósito de subalternizar Eanes no seu segundo mandato, criou um semi-presidencialismo à portuguesa
que é uma delícia para o incumbente em tempos tranquilos mas que, inevitavelmente, gera a esquizofrenia de comentários que refere em alturas conturbadas.
Preso por ter cão, preso por não ter, porque Constitucionalmente não se sabe se tem, se não tem, se deve ter ou não ter.
Ou sabe?
Portugal é um país onde se pratica o bilinguismo com extrema naturalidade e normalidade. Ou seja: fala-se o portugues e o seugutrop em simultâneo. Isto significa que quando o português fala, quando expõe uma ideia, quando aprova uma lei, quando discute uma questão; consegue dizer uma coisa e o seu contrário, simultaneamente. Chego a pensar se cada português não terá, em lugar de um, dois cérebros... alojados dentro da caixa cornea em posições inversas.
ResponderEliminarParabéns aos autores do blog pelo Grande número. Quanto ao edifício... estará também abrangido pela reavaliação anunciada, para ajuste do IMI, com base na estagnação do mercado imobiliário?
Meus caros Rui e Bartolomeu, os vossos comentários corroboram, parece-me, as minhas próprias percepções, esta esquizofrenia na defesa de um modelo e do seu revés. Seja como for, e com especial pedido de desculpas ao Rui Fonseca, alterei o texto na parte que transcreveu para não deixar mal expresso o que queria na verdade transmitir.
ResponderEliminarMuito bem celebrado o n° 10 0000 com este excelente post! Dez anos é muito tempo é, no entanto, nunca cansa ler e apreciar um texto bem pensado e bem escrito! Um grande abraço a todos os 4republicsnos que, grão a grão, chegaram aos...10 000!
ResponderEliminarJosé Mário
ResponderEliminarNão vi o programa, mas gostei de ler o seu post! Como em muitos outros assuntos, o ziguezague é frequente, ora se defende uma coisa e logo se defende o seu contrário. Talvez que o mundo ande depressa de mais e crie a sensação de que a estabilidade é um factor de instabilidade.
As marcas alcançadas são o reflexo da qualidade do que fazemos, todos em conjunto, na escrita, na leitura, no comentário, no debate. Um grande edifício, sim!
Pensava eu que V.Exª se iria pronunciar sobre a qualidade do programa e seus intervenientes.
ResponderEliminarSistemáticamente aparece um convidado(ou faz-se convidado) um sujeitinho que dá pelo nome de Jorge Novais, ao que parece constitucionalista. Com um despudor e de falta de princípios se arroga a malhar, malhar, sempre q vai a este programa em Cavaco Silva. Que se saiba Cavaco Silva ganhou contra 5 dos candidatos abençoados por este sujeitinho. O q é lamentável é q niguém lhe atirou com um pano encharcado de m....Eu que sou um ignorante e se fosse um dos convidados não lhe admitiria tais propósitos. Este sujeitinho acha-se um iluminado, ora com tantos predicados deveria candidatar-se ás presidenciais.
É um tipo mal educado, pretencioso, obcecado,parece uma criança quando lhe tiram um boneco, enfim um sabichão palerma e q desconhece os seus limites.
Sampaio da Nódoa para ele tresandava a perfeição.
Parece-me que Fátima Campos Ferreira precisa de renovação.
Caro Ferreira de Almeida:
ResponderEliminarFelicito-o pelo seu post: por ser o 10.000º e, mais que tudo, pela qualidade.
Quanto ao Programa, o que não se renova morre. Aquilo tornou-se um cada vez mais do mesmo: as mesmas caras, as mesmas discussões, os mesmos tiques, os mesmos alvos, os mesmos comparsas políticos, as mesmas ideias...Até para protecção de imagem da jornalista, que há muito conheço e considero, o programa devia ficar em pousio por uma largo tempo, para arejar.
Quanto à defesa de posições constutucionais e ao seu contrário, já estamos mais do que habituados. Por mim, deixei de ligar.
Mas não façam outra Constituição, não, e verão o tombo que levam...
Sim, depois de um mandato em que o PR colaborou na falência do estado e noutro que esteve na linha da frente da oposição à sua recuperação, eu diria que intervencionismo é exactamente o que não se quer.
ResponderEliminarQue se preocupem em definir condições de impeachment que foi o que se viu que faltou. De resto, tudo vai ficar a depender da pessoa que elegerem. Votem melhor da próxima, esse é que é o ponto.
PS: 10000 é fantástico. Parabéns!!!