O CM reuniu para aprovar o diploma que cria a figura do Senhorio de Cariz Social, anunciado dias antes pelo membro do Governo da Pasta. Em geral, a ideia mereceu aplauso dos presentes, sublinhando que “tinha passado bem na comunicação social”.
- O preâmbulo, - explicou o titular da pasta, - sublinha o carácter inovador da dinamização do mercado do arrendamento em parceria com os proprietários empenhados na justiça social, compensando com benefícios fiscais a decorrente perda de rendimentos.
O membro do Governo com a área fiscal franziu o sobrolho e mexeu-se na cadeira:
- Mas alguém fez contas? Há estudos? A mim ninguém me perguntou nada!
O do Orçamento manteve um silêncio pesado, há alturas em que nem vale a pena falar.
O colega apressou-se a acalmar aquela ameaça de tempestade. “- Caro colega, estamos aqui abertos a aperfeiçoamentos, podemos temperar as expectativas e, com o tempo, ir melhorando o regime.”
Depois de breve discussão, a parte final do preâmbulo foi alterada: “...justiça social, compensando com estímulos a definir". Aprovado.
- O art. 1°, prosseguiu o responsável, fica assim: “É criada a figura do Senhorio de Cariz Social (SCS).” Aplauso geral, já imaginando as manchetes dos jornais no dia seguinte.
- O art. 2º, prosseguiu, será o cerne do regime,dai a sua minúcia:
1) “Os proprietários que, por sua livre iniciativa, quiserem arrendar casas abaixo do preço de referência de mercado, beneficiarão de estímulos adequados à sua perda de rendimento, em termos a definir em diploma legal.
2) Os preços de referência de mercado serão fixados por Resolução do Conselho de Ministros, identificando, entre outros, as regiões, distritos, concelhos, freguesias, bairros, ruas, tipo de população, planos municipais de desenvolvimento, dimensão, qualidade e exposição solar das habitações a beneficiar deste regime, tendo em conta as propostas de todas as autoridades locais e regionais, bem como das associações do sector.
3) Só terão acesso ao Estatuto de SCS os proprietários que destinarem os arrendamentos às classes sociais média e baixa, de acordo com os parâmetros de estratificação social que vierem a ser definidos por decreto lei.
4) Para efeitos de enquadramento nos parâmetros a definir nos termos do número anterior, os inquilinos destinatários terão que fazer prova da sua condição de recursos junto das Finanças, demonstrando que não poderiam pagar rendas de mercado nem, em alternativa, mudar de residência onde os preços de referência sejam mais baixos.”
Silêncio no CM. Cada membro do Governo estava a avaliar que parte das tarefas futuras lhe estaria reservada para o bom sucesso desta política de cariz social de dinamização do mercado.
Prosseguiu o apresentador, radiante por ter sabido antecipar as objecções, como o demonstrava o silêncio reinante.
- O art. 3º reza assim:
1) “Os beneficiários do Estatuto de SCS ficam sujeitos a todas as incompatibilidades previstas na lei para os cargos políticos e para os contratantes públicos, com as necessárias adaptações, não podendo, designadamente, arrendar a preços de cariz social a familiares, amigos, conhecidos, sócios ou a quem quer que seja que tenham alguma vez visto na vida.
2) A violação do disposto no número anterior dará origem, para além da coima, à perda da propriedade em benefício do Estado ou, se o imóvel for antigo e exigir custos de manutenção, à transição automática do SCS para a situação dos actuais senhorios com inquilinos anteriores a 1990.
O membro do Governo com a responsabilidade da simplificação adminsitrativa avaliou os trabalhos de Hércules e duvidou que a dinamização de mercado com a virtuosa justiça fiscal viesse a ter efeito antes de decorridas duas ou três legislaturas. Para além do investimento necessário, é claro.
Um outro, conceituado jurista, receou que a oposição pudesse arguir inconstitucionalidade pelo tratamento benéfico dado aos novos SCS enquanto os senhorios antigos continuam obrigados a praticar justiça social a troco de coisa nenhuma.
Acesa discussão, da qual resultou consenso sobre a indispensável Norma Transitória:
“Até à entrada em vigor dos diplomas previstos no presente decreto lei, o Estatuto de SCS é aplicável, sem quaisquer compensações, a pedido dos inquilinos que solicitem junto das Finanças a respetiva redução da renda contratada em regime livre, propondo um preço socialmente justo, apresentando para o efeito a declaração de IRS do ano anterior.
O valor fixado pelas Finanças, nos termos do número anterior, entra em vigor no dia seguinte à sua comunicação ao SCS."
À saída do Conselho, um dos Ministros comentou, satisfeito, que este era o caminho para se domesticar o mercado de arrendamento.
Esta-se mesmo a ver que os senhorios vão sentir o seu cariz social "estimulado"... sobretudo pela indefinição dos estímulos a atribuir pelo Estado, em compensação da perda de rendimentos.
ResponderEliminarTeriam andado melhor os governos, se quando a crise começou a agudizar-se e as famílias a ficarem desempregadas, a não conseguir satisfazer os seus compromissos com os bancos que lhes concederam empréstimo para aquisição de casa própria, tivessem encontrado um compromisso de benefícios fiscais que impedisse as resoluções de hipotecas a esmo que se verificou.
Resultado, socialmente foi o descalabro, desemprego, e falta de habitação, com a agravante que muitas casas, vendidas em leilão foram compradas por agiotas que viram no negócio uma mina de ouro. A gula cega do capitalismo e o baixar de calças dos governos que a ele se rende, borrifaram-se para o "cariz social" e adoptaram o slogan "cada um que se amanhe".
Afinal, nem assim os bancos conseguiram evitar as falências, encontrando-se a maioria em processo de negociação de rescisões, de fecho de agências e de contribuição para o aumento dos números do desemprego.
Agora o(s) governo(s) pedem caridade aos senhorios, acenando-lhes com um doce, possivelmente envenenado?!
Continua-se neste país a querer tapar o Sol com a peneira e a não decidir medidas sérias, concretas, justas e adequadas à(s) realidade(s).
Vá, lá; ao menos, desta vez não copiaram uma qualquer lei em vigor num qualquer país...
Tenho por certo de que a reunião do CM que a Suzana refere só pode ser a da redacção do CM, Correio da Manhã, com vista a escolher o título e o conteúdo da edição...
ResponderEliminarParabéns, Suzana, pelo magnífico texto!
Caro Bartolomeu, tem toda a razão no que diz, o descalabro do endividamento teve consequências enormes na perda da habitação por muitas famílias, que viram as suas casas vendidas ao desbarato para o banco recuperar o que pudesse é, além disso, o que náo foi suficiente ainda ficou a carga dos despojados, sem casa, sem dinheiro e com as dívidas. Outros países tentaram mitigar isso, por cá falou-se muito mas, que eu saiba, náo se fez nada. Alguns bancos aceitaram ficar a receber dos devedores uma " renda" mais baixa que as prestacóes depois de lhes terem ficado com as casas, mas náo sei se teve alguma expressáo. Aguardemos pelo diploma que há-de criar o Senhorio Social, receio bem que não seja muito diferente desta ficção que aqui deixei...
ResponderEliminarCaro Pinho Cardáo, às vezes o conteúdo de certos diplomas mais parece feito na redacção de um jornal sensacionalista, esperemos que o "modelo" que aqui deixo seja só divertido e não venha a ter nenhuma adesão ao que vier a ser aprovado!m
Mas não espere, cara Suzana, não espere, que da geringonça coisa boa não há que esperar...
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarO CM simbólico! Mas na verdade, temos que nos perguntar quantas leis são aprovadas sem regulamentação, cheias de regimes transitórios, com a intervenção de um cem número de entidades, sem estudos publicados e impactos calculados, etc. A urgência política sobrepõe-se, muitas vezes, a tudo o resto. Enfim, tudo o que não deveria ser.
Caro Pinho Cardão pelo que se vai vendo, o SCS já vai nascer desengonçado!
ResponderEliminarNão deve andar longe da realidade...
ResponderEliminarÉ o meu receio...
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