Nas minhas deambulações sem destino deu-me para ir por uma velha estrada atraído pelas cores de um outono a morrer, mas mesmo assim a querer mitigar o negro de uma paisagem indefinida. Ao sair de uma curva vi um carro adornado ao longe numa pequena ravina. Pensei que seria mais uma vítima do maldito incêndio de outubro. Quando me aproximei vi que o carro não estava queimado. Um pisca estava ligado. Achei estranho e pensei que algo teria acontecido. Apesar do local não ser adequado a estacionar, saí do carro e escorreguei pela ravina com alguma dificuldade. Pressenti que teria havido um acidente. Não conseguia ver nada no interior, o para-brisas estava partido e os airbags tinham disparado . De repente vi uma mão. Não se mexia. Toquei-lhe. Estava quente. Perguntei se estava bem. Uma voz determinada disse que sim. Estava bem. Era voz de mulher que correspondia perfeitamente com a pequenina mão sapuda. Senti angústia. Disse-lhe que era médico, como se isso fosse a solução para o problema. O que é certo é que ficou tranquila. Claro que naquelas circunstâncias não podia fazer nada. Estava encarcerada. Comecei a fazer algumas perguntas para saber o seu estado. – Acho que tenho um lenho na testa. Fiquei com a sensação de que o quadro não seria grave. Tomei as providências necessárias, pedindo socorro. O problema é que nestes casos o tempo quase que para de uma forma assustadora. Mantive uma conversa o mais interessante possível. Soube quem era, o que fazia, onde morava, a idade, quem eram os pais, tudo o que se possa imaginar. Em matéria de conversação nunca me faltaram temas! Explicou-me como o acidente tinha ocorrido. Foi uma aranha que andava no carro há algum tempo e que quis afugentar. Distraiu-se e foi pela ravina. Também lhe contei algumas histórias sobre aranhas. Que conversa mais parva, falar de aranhas naquela posição, de joelhos e de mãos dadas. Mãos dadas. Durante algum tempo tive de fazer telefonemas e atender o telefone da jovem. Era a mãe. Expliquei-lhe o que é que se tinha passado, mas acalmei-a com autoridade. Ficou mesmo calma. Subitamente a jovem sinistrada pediu-me: - Senhor doutor?- Sim, diga. - Dê-me a sua mão se faz favor. Estou nervosa. Dei-lha durante todo o tempo até chegar o socorro. Aguardei que a desencarcerassem. Quando ia a ser transportada para a ambulância aproximei-me e fiz-lhe uma festa na cara. Sorriu em forma de agradecimento e piscou-me o olho. A mãe, que entretanto tinha chegado, e com a qual falei duas vezes, indicando onde estávamos, aproximou-se, deu-me um beijo e agradeceu.
Afinal, enxotar aranhas, distrai mais a atenção que falar ao telefone enquanto se conduz. No entanto, faz toda a diferença a passagem de um anjo da guarda pelo local.
ResponderEliminarQue bom logo pela manhã ler esta história de bem fazer.
ResponderEliminarPor oposto ao que diariamente nos entra pelos os ouvidos e olhos, é nestas alturas que realizamos que ainda é bom viver neste mundo.
Obrigado pela partilha.
Simplicidade comovente, Professor.
ResponderEliminarCpmts.