domingo, 1 de outubro de 2006

Nunca conseguirão ler um poeta!...

Em 23 de Fevereiro publiquei um post sobre a verdadeira macacada que constitui o TLEBES: Terminologia linguística para o ensino básico e secundário. Segundo essa terminologia, entre outros mimos, os substantivos deram o pio e passaram a “nomes” e, entre os vários “nomes” passou a haver os epicenos, para além dos agentivos e dos de qualidade!...
Agora, e lendo o DN de 5ª feira passada, aprendi um pouco mais sobre esta doutíssima e relevante matéria.
Por exemplo, o complemento circunstancial passa a chamar-se modificador, a oração, porventura para não atentar contra a laicidade da escola, passa a chamar-se frase e o humilde artigo é agora promovido a determinante artigo!...
Mais 210 designações são introduzidas para as criancinhas aprenderem: o designador rígido, a coerência pragmático-funcional, a catáfora e o quantificador universal constituem pedras preciosas da colecção. E há muito mais pérolas verdadeiras!...
Os críticos e pessoas com algum bom senso dizem que o impacto de tal salsada será uma verdadeira hecatombe.
O que é facto é que 17 escolas e 90 professores já se tornaram cobaias de tal disparate e um número indeterminado de alunos o vêm sofrendo na pele.
Quem anda radiante são as equipas auto-denominadas científico-pedagógicas do Ministério da Educação que têm ocupação fácil garantida, pois a experiência irá sendo sucessivamente ampliada até ser generalizada em 2009.
Ah, e no TLEBES a palavra nenhum passa a ser classificada como quantificador universal, definindo bem o sentido da reforma.
O sentido e o conteúdo, já que a tal palavriado nenhum conceito corresponde.
No meio disto, lembra-me a Balada da Neve, de Augusto Gil:

Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!...
Mas as crianças, senhor,
Porque lhes dais tanta dor?
Porque padecem assim!...
......
E uma infinita tristeza
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa…
Cai neve na natureza
E cai no meu coração.

Porque, coitadas delas, com tanta catáfora e tanto epiceno, nunca conseguirão ler um poeta!...

6 comentários:

  1. Por isso há que apostar no inglês dos nossos filhos. Porque o português está-se a ver no que vai dar, não está?

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  2. Meu Caro Amigo Pinho Cardão,

    Felicito-o pelo texto irónico e corrosivo que escreveu, que V. oportunamente terminou com a inesquecível Balada da Neve de antanho, que então naturalmente se aprendia, dispensando as catáforas, os sintagmas e os quantificadores universais, que julgava cativos da Matemática.

    Pobres inocentes criaturas, as que ficarão submetidas a tão sádicos exercícios mentais, que nada ajudarão no domínio do Português, afinal, o que deveria preocupar os autores desses vanguardistas programas de ensino, que nos vão desgraçadando a todos.

    É urgente travar esta renovada ofensiva de um suposto iluminismo linguístico que, sem ensinar Português, vem dificultar, ainda mais, o culto do idioma pátrio nas novas gerações, já tão mal amparadas neste propósito.

    Onde parará agora o tal direito à indignação dos Portugueses, em tempos tão incentivado por ilustre figura desta nossa desconcertante Democracia ?

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  3. Um mimo, de oportunidade e graça, este seu texto, caro Pinho Cardão!
    Quanto à sua conclusão, concordo inteiramente, pois, por entre a multiplicidade de epicenos e determinantes universais, quem conseguiria arranjar tempo, e vontade, para ler um poeta? Mas, diga-me o meu caro: não é isso mesmo que se pretende? Mais ainda, enquanto as criancinhas se afadigam a encontrar os automatismos que lhes permitem encontrar o designador rígido, a coerência pragmático-funcional, a catáfora e o quantificador universal na riqueza dos textos, não pensam no significado dos mesmos, e gente que não pensa é do que mais precisam algumas das luminárias deste país. Em terra de cegos...
    Como bem diz o Tonibler, invista-se no inglês!

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  4. Caríssimo Cardão, vai ver que, com tanta modernice, essa gente ainda acaba a fumar (como na anedota do alentejano...).
    Um abraço.

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  5. Anónimo17:41

    Meu caro Pinho Cardão, associo-me aos amigos que antes de mim elogiaram este post pela sua oportunidade, mas sobretudo pela seriedade da crítica que não poderia ser mais certeira.

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  6. Caro Cardão:
    Hei-de contar-lha pessoalmente. Aqui não dá, nem em verso...
    Um abraço.

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