quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Reforma da Segurança Social - II: "Distribuir os ovos por diferentes cestas"

A ideia de que só há uma soluçaõ não
faz sentido. O interesse nacional exige
um debate sério, despido de demagogia
política, na busca da melhor solução.


A ideia de que só há uma solução para reformar a segurança social não faz sentido. O interesse nacional exigiria um debate sério, despido de demagogia política, na busca da melhor solução.
O Pais não pode estar permanentemente sobressaltado com a insustentabilidade da segurança social, com medidas políticas avulsas de saneamento financeiro que, sendo necessárias para reduzir a despesa pública, provocam perdas financeiras e sociais graves e significativas para os futuros pensionistas, em particular para as gerações mais novas. Os Portugueses querem saber com o que é que podem contar no futuro.

Governo e Oposição colocam, e bem, o dedo na ferida quando assinalam que a evolução do perfil demográfico é uma determinante nas opções políticas a fazer. Com efeito, não é mais possível ignorar as consequências económicas do envelhecimento da população. O resultado será, como sabemos, um cada vez menor número de contribuintes a financiar, em cada momento, um cada vez maior número de pensionistas. O problema económico advém, portanto, de um duplo efeito negativo: uma redução da receita, por via da redução de contribuintes e um aumento da despesa, por força do aumento de pensionistas e da sua maior longevidade.A persistirem taxas de natalidade muito baixas, deixaremos de ter no futuro trabalhadores que financiem as nossas pensões de amanhã.

Esta consciência tem vindo a gerar nos cidadãos uma crescente ansiedade, perfeitamente legítima, quanto à capacidade do Estado assegurar no futuro o pagamento das pensões aos trabalhadores que hoje no activo pagam as suas contribuições para a segurança social.

As medidas do Governo, que considero indispensáveis e correctas na actual conjuntura, actuam essencialmente do lado da redução de pensões e de direitos, ou seja, diminuem a despesa pública.Mas não constituem só por si uma reforma da segurança social, muito embora se lhes reconheçam efeitos estruturantes. São, com efeito, medidas paramétricas que introduzem melhorias no modelo de repartição. São disso exemplo, a antecipação da aplicação da nova fórmula de cálculo das pensões e a introdução do “factor de sustentabilidade”.

O impacto em particular destas medidas na vida dos cidadãos, tornou-se inevitavelmente grande porque infelizmente, deixámos acumular durante muitos anos os problemas e os riscos inerentes ao modelo de repartição, não tendo sido capazes de antecipar e corrigir com coragem e determinação políticas um sistema devotado ao fracasso.Ora, as medidas do Governo sendo endógenas ao sistema, não alteram o modelo base de financiamento da segurança social, que pelas razões apontadas deixou de ser auto-sustentável.

A tentativa de resolução dos problemas com que nos deparamos no modelo de repartição está bem patente na severidade dos efeitos das medidas do Governo e nas projecções desfavoráveis da evolução a longo prazo da conta da segurança social (com uma nova ruptura calculada pelo Governo para 2034!).

Com este rumo, a segurança social continuará a depender excessivamente do Estado e serão inevitáveis, no futuro, mais cortes nas pensões e/ou aumento de impostos. Com efeito, a redução de pensões recentemente anunciada e o aumento da carga fiscal por via da consignação de 1% do aumento do IVA aprovado em 2005, permitem apenas aguentar o sistema por mais alguns anos.

A discussão da introdução de uma componente de capitalização permitiria reflectir sobre os benefícios de os cidadãos pouparem para a reforma e sobre o desagravamento de alguns dos actuais riscos de injustiças sociais, especialmente em relação à classe média e às novas gerações, as quais irão pagar uma nova factura perante uma futura e inevitável ruptura financeira do sistema.

O Governo deveria aproveitar o seu ímpeto “reformista”, não só para quebrar o preconceito ideológico de que o modelo de repartição é bom e o modelo de capitalização é mau, mas também para desmistificar o “papão” da privatização da segurança social. Não está em causa a sua privatização.

Capitalização e privatização são coisas muito diferentes. Capitalização significa acumulação de poupança. O que está em causa, sim, é determinar que níveis de pensões é que o Estado pode e deve garantir através da repartição e que parte das contribuições dos trabalhadores e/ou das empresas devem ser canalizadas para a acumulação de poupança. A capitalização, assim entendida, é parte do sistema público de segurança social. Aceitar o princípio da capitalização constituiria uma oportunidade de instituir um novo modelo de relacionamento entre o Estado e os cidadãos, assente numa partilha de responsabilidades e riscos na reforma.

Creio que ficaríamos todos mais descansados se “distribuíssemos os ovos por diferentes cestas”.




5 comentários:

  1. Cara Margarida,

    A reforma da SS não é nada, tem toda a razão, mas a proposta do PSD era confrangedora. Ainda bem que não chegaram a acordo porque esse acordo ia ter uma durabilidade muito maior que esta "reforma" e ia ser muito pior.
    Também não concordo consigo que existam muitas soluções. A solução é só uma, é fundir todos os regimes e deixar a absurda ideia de que investir em obrigações do tesouro é capitalização. A repartição (no bolo) cobre os curtos prazos mas é a capitalização (do bolo) que garante os longos prazos. Todas as outras levam ao colapso da SS.
    Em concreto, a SS devia ser gerida por quem sabe, não por quem pensa saber. Essa seria a melhor das reformas, o resto vinha por acrescento.

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  2. Sempre gostava de saber qual das soluções que se apresentam responde a esta singela pergunta:
    o que podemos legitimamente esperar da ou como solidariedade das, por parte das, gerações futuras?
    ou na fórmula mais económica, qual é a previsão da capacidade de esforço que as gerações futuras estão dispostas a aceitar?
    Cumprimentos
    Adriano Volframista

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  3. Caro Tonibler,

    De facto não existem muitas soluções. Basicamente existem dois sistemas de financiamento de pensões:
    - O sistema de repartição, também conhecido por pay-as-you-go, em que os activos (trabalhadores) financiam, em cada momento, através das contribuições que fazem para a segurança social, as pensões, em cada momento, devidas aos pensionistas.
    - O sistema de capitalização, em que os activos financiam, através da acumulação e rentabilização de uma parte daquelas contribuições canalizadas para contas de poupança individual, as suas futuras pensões.
    Qualquer dos sistemas comporta riscos e daí ser preferível combinar os dois, definindo uma pensão que tem uma parte que é financiada por repartição e a outra financiada por capitalização.
    O peso de cada sistema numa solução mista tem, naturalmente, diversas combinações possíveis.
    Um dos principais traços da "reforma" do Governo é que para o futuro se mantém, como aconteceu até agora, o exclusivo do sistema de repartição no financiamento das pensões públicas.
    Existe no sistema público de Segurança Social o "Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social" que é gerido em sistema de capitalização. Recebe saldos do sistema público de pensões e transferências do OE e destina-se a acumular uma reserva financeira que permita fazer face a uma situação em que não haja dinheiro para pagar pensões, isto é, as contribuições não são suficientes para pagar as pensões. Este Fundo investe os fundos que recebe em acções, obrigações e outros activos financeiros e imobiliários.
    A "reforma" do Governo prevê que este Fundo será utilizado a partir de 2015, data em que, de acordo com as suas previsões, as contribuições dos activos, nesse momento, não serão suficientes para fazer face às pensões em pagamento. Isto é, prevê-se que o sistema de repartição entrará de novo em ruptura em 2015.
    Questões sobre quem deve gerir o Fundo e sobre se o Fundo é ou não bem gerido são importantes, mas colocam-se num outro plano. Para já o que veio a público é que vão ser mandatados gestores, nacionais e estrangeiros, para gerir parcelas do seu património. Quanto às taxas de rendibilidade que têm sido divulgadas confesso que me dizem pouco, porque não é divulgado o nível de risco dos investimentos realizados.

    Caro Tonibler,
    A questão é simples: é bom continuarmos com “todos os ovos na mesma cesta”, isto é, a depender exclusivamente do sistema de repartição?

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  4. Caro Adriano Volframista,

    Coloca muito bem a questão.
    Com esta “reforma” a resposta está dada. As actuais gerações vão entrar no sistema sabendo que vão sofrer cortes, já programados, nas suas futuras pensões, de modo a viabilizar as pensões das gerações mais velhas e as suas próprias pensões.
    O risco de mais para a frente o poder político cortar de novo nos seus direitos, agora revistos, é grande. De modo que o futuro não será risonho!
    Nesta "reforma" não lhes foi dado qualquer grau de liberdade de escolha, no sentido de optarem por uma parte das suas contribuições ser canalizada para capitalização e de renunciarem a uma pensão dependente exclusivamente do Estado.
    Esta “reforma” é feita essencialmente à custa das gerações mais novas, como não poderia deixar de ser. O problema é que não se alterou a lógica de financiamento e, portanto, fica de novo em aberto, perante uma nova ruptura financeira do sistema, a necessidade de reduzir pensões e/ou aumentar impostos.

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  5. Caro LMSP,

    Coloca duas questões muito simples, mas muito importantes, que vou tentar responder:

    1ª " Pensa que só pelo facto de retirarmos do sistema parte das contribuições, para seguros ou outros afins, vai aumentar o bolo das contribuições?"

    "Desviando" contribuições do actual sistema de repartição para um sistema de capitalização, as contribuições do primeiro sistema diminuem e as do segundo aumentam.

    O que acontece é que, diminuindo as primeiras, os direitos sobre a pensão futura também diminuiriam e, portanto, o esforço de financiamento seria menor e seria também menor, em caso de ruptura financeira do sistema, uma eventual perda na pensão futura.

    2ª "Porque razão não damos a mesma reforma a todos? Quem tem um ordenado alto tem de mantê-lo? Não teve oportunidade de acumular e capitalizar ao longo da carreira?"

    Para tal seria necessário possibilitar que uma parte das contribuições que financiam hoje o sistema de repartição pudessem ser canalizadas para a capitalização, admitindo que a pensão futura seria constituída por duas parcelas:

    - Uma parcela - "fixa" - que corresponderia à pensão financiada em repartição, com um máximo;
    - Outra parcela - "variável" - que corresponderia ao capital acumulado por via da capitalização (contribuições + rendimentos) gerada ao longo da carreira do trabalhador.

    Este sistema “misto” parte do princípio, portanto, que seria dada ao trabalhador a "oportunidade de acumular e capitalizar ao longo da carreira" uma parte das contribuições que no actual sistema (e assim se vai manter no futuro, de acordo com a "reforma " da segurança social do Governo, entretanto aprovada)são totalmente absorvidas pelo sistema de repartição para pagar pensões.

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