quinta-feira, 10 de maio de 2007

Judicialização da política?!

Interessante. Até há bem pouco tempo, exigir-se (pelo menos) a suspensão do mandato do político constituído arguido era tido como a conduta devida. Passou a ser o novo padrão oficial da ética e da moral públicas. Ai daquele, perante mandado policial ou notificação onde constasse a palavra, que não se despisse logo ali da qualidade em que foi investido pelos cidadãos, não abandonasse imediatamente o cargo e o mandato, tamanha a indignidade do epíteto.
De repente, porém, ouvi duas personalidades, com ar da mais sentida indignação, falar em "judicialização da política" (Prof. Carmona Rodrigues) e proclamar o valor do princípio da presunção de inocência de arguidos e mesmo de acusados (ainda que por outras palavras, o Dr. Paulo Portas). Compreendo perfeitamente o sentimento do Prof. Carmona Rodrigues. Duvido da sinceridade e da falta de calculismo do Dr. Portas.
Independentemente das motivações que levam estas personalidades a preocuparem-se subitamente com a alegada prevalência da vontade do magistrado sobre a vontade do eleitor, a verdade é que a preocupação é extemporânea, quando não suspeita de ser uma reacção à dor própria. É que se existe risco de "judicialização da política", ou se ela ocorreu no caso da Câmara de Lisboa, então esperar-se-ia que a denúncia do senhor Presidente da Câmara não fosse feita somente quando o próprio foi constituído arguido, mas logo que vereadores da sua equipa o foram no âmbito do mesmo inquérito. Nessa altura, o Prof. Carmona Rodrigues não se insurgiu contra a ordem partidária de suspensão do mandato, nem se ouviu um protesto, sequer murmurado, do Dr. Portas. Ambos viviam em paz com a "judicialização da justiça" então em curso...
Já me estendi em excesso porque o que eu queria anotar era muito singelamente isto: embora a Justiça tenha muitas culpas, esta de pretender tutelar a política não lhe pode ser assacada. Quem definiu um novo quadro de pretensa ética não foi a Justiça. Foram (alguns) políticos. Não é a lei nem são os magistrados que determinam que um cidadão que exerce funções públicas e é constituído arguido tenha de por esse facto de deixar de as exercer. Quem determinou essa nova regra foram (alguns) políticos, secundados pelos novos guardiões da moral do reino e dos analistas do politicamente conveniente e do socialmente oportuno.
Aliás, com a actual conformação do estatuto legal de arguido (em especial no que respeita ás situações em que a lei torna obrigatório este estatuto), seria absurdo face à Constituição extrair essa consequência.
Certo é que de absurdos está a nossa vida política cheia.
Mas quem se importa quando o absurdo bate à porta alheia ou a indignação não é politicamente oportuna?

5 comentários:

  1. Viva,

    Ser fundamentalista nesta questão é um erro não só político como um acto de injustiça. Não se pode deitar para um caixote do lixo a presunção da inocência e é evidente que cada caso deve ser analisado com muito cuidado. Por vezes, politicamente, uma situação que não é considerada crime pode até ser mais grave que a suspeita de um crime.

    Posto isto acho que, sem olhar para este caso em concreto, assiste-se é a uma politização da justiça e não o contrário. Sendo assim concordo com a análise aqui apresentada sem prejuízo de achar que esta vereação já tinha poucas condições de governabilidade.

    Cumprimentos,

    ResponderEliminar
  2. Parece-me este post de uma lógica difícil de rebater, mas também concordo com o Ricardo quanto às condições de governabilidade, resultantes, entre outras, das atitudes que FA aqui descreve.

    ResponderEliminar
  3. Anónimo11:44

    Meus caros, quanto às condições de governabilidade da CM de Lisboa, aqui manifestei, logo em Fevereiro, a minha perplexidade pelo facto de a maioria não se ter apercebido da absoluta falência da gestão camarária. Estou por isso de acordo com a V. análise. Análise que mais faz ressaltar como errada é esta ideia de condenar sem culpa formada!
    Quanto ao que o Ricardo anota sobre a existência de uma politização da justiça, confesso que não sinto que esse seja uma realidade ou mesmo um risco. Penso aliás que há muito que não temos - e continuamos a não ter - política de justiça, tal o pavor que ministros e secretários de estado têm em definir orientações e directivas quanto a prioridades nesse domínio.
    O que eu receio verdeiramente não é a judicialização da política nem a politização da justiça. É a "desjudicialização da Justiça". A Justiça feita na rua. Ou nos verdadeiros tribunais populares em que se transformaram jornais e TV´s. O desarme censuratório de algumas condutas que provocam insegurança pública (como o furto, as ofensas corporais, a ofensa aos direitos de personalidade...) que este governo considera minudências e de cujo combate abdica.
    Se tivesse paciência escreveria sobre isso. Mas confesso que me começa a faltar sobretudo para me referir a essa cega e desequilibrada por vontade própria ou por incapacidade de alguém lhe tirar a venda e de lhe dar um jeitinho na balança...

    ResponderEliminar
  4. Fico muito satisfeito por apoiarem Marques Mendes na decisão de pedir a renúncia aos vereadores eleitos na lista do PSD por falta de condições políticas para governar a Câmara e não por Carmona Rodrigues ser arguido.

    ResponderEliminar
  5. Estive na única Assembleia Distrital de Lisboa do PSD, na vésperas de Natal (!) do actual mandato. Esta limitou-se a uma moção de apoio cego à Câmara e a cada um dos seus vereadores. Ninguém disse nada sobre o que tinha sido feito, o que se estava a fazer e o que iria ser feito.
    Sobre a questão BragaParques não ouvi até hoje qualquer explicação da parte do Presidente da Camara ou de outros vereadores. E isto em politica é fatal.
    Das duas uma: Ou se confia nos juizes como pessoas sérias e independentes ou não. Se fundamentadamente não se confia então o poder poltico tem que considerar que existe um problema e resolvê-lo. Não pode é quando se sente atingido argumentar com o perigo do justicialismo para impedir que os juizes façam o seu trabalho.
    Sobre Carmona Rodrigues apenas posso ter feelings. Desconheço em absoluto o que fez e não fez e sou densfensor da presunção de inocência. Mas, falando no plano politico, em politica, e Carmona está na politica, um politico tem que se saber explicar.
    António Alvim

    ResponderEliminar