quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Agitação nos mercados financeiros (II)

Na edição de hoje do Financial Times, com chamada na 1ª página - “Fear is good” – o habitual articulista Martin Wolf assina um notável comentário sobre os acontecimentos dos últimos dias nos mercados financeiros.
Este texto está, creio bem, nos antípodas do que justificou o meu anterior POST sobre este mesmo assunto e que apresentei como “hino ao disparate”.
Wolf disseca o fenómeno das crises financeiras, utilizando um modelo com as sucessivas fases (7) em que essas crises se desenvolvem.
A partir desse modelo procura caracterizar a crise actual, num interessante exercício interpretativo.
A crise actual é mais uma de muitas - este tipo de fenómenos é tão velho como o próprio capitalismo financeiro, diz Wolf citando um economista do séc. XIX, Bagehot e uma famosa obra deste, “Lombard Street”.

Vejamos então as 7 fases do fenómeno, primeiro em teoria.
1.Tudo começa com um acontecimento – ou conjunto de acontecimentos – o “displacement”, que altera a percepção da generalidade das pessoas, agentes do mercado, quanto ao futuro.
2. Num segundo momento, verifica-se uma subida de preços no sector afectado por aquela percepção.
3. A seguir, vem o crédito fácil e seu serventuário, a inovação financeira.
4. Depois acontece o over-trading, com o mercado invadido por uma vaga de arrivistas a que Wolf apelida de “greater fools”.
5. A 5ª fase é a da euforia, em que tipicamente os ignorantes (sob a irresistível atracção do ganho fácil) aparecem na esperança de enriquecer como aqueles que chegaram muito antes deles.
6. Na 6ª e penúltima fase, destaca-se o profit-taking daqueles que se apercebem, por experiência ou por informação mais avançada, que o boom já não dura muito.
7. Na última fase acontece a inevitável repulsão - todos querem sair, em pânico, ver-se livres do que antes tanto desejaram possuir.

Como é que Wolf enquadra os acontecimentos dos últimos anos neste modelo de análise?
O “displacement” iniciou-se em 2000, com uma significativa descida dos juros, acentuada em 2001 após os acontecimentos de 11/09.
Essa forte descida dos juros fez subir os preços das habitações.
O crédito fácil que se seguiu, com os juros muito baixos (negativos em termos reais) foi estimulado por inovações financeiras que induziram os que concediam os créditos a despreocupar-se com a sorte destes, considerando que o problema já não era deles (já não estava no seu balanço...).
Aí começou um processo, em grande escala, de aquisição de casas já não para habitação ou outro uso mas apenas com a intenção de as revender com ganho fácil.
O fenómeno da expansão dos “sub-prime loans”, acompanhado de investimentos em grande escala por hedge-funds e outros investidores nesse tipo de activos (seus derivados em especial), marca a fase da euforia.
Na penúltima fase, já em 2006, começou o profit-taking e a baixa de preços.
Finalmente, nas últimas semanas, os investidores têm tentado desfazer-se a todo o custo dos activos em especial dos derivados dos “sub-prime”, com a crise subsequente que conhecemos.

8 comentários:

  1. E, curiosamente, ninguém fala dos fundos imobiliários, como se estivessem a guardar essa bronca para outra altura.

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  2. Caro Tavares Moreira,

    Para Nouriel Roubini, que vem analisando a questão das sub-prime há muito tempo, o maior problema reside agora na impossibilidade de
    avaliar a sua dimensão.

    E é muito claro na sua acusação à falta de transparência do sistema financeiro.

    Esta questão da opacidade dos mercados financeiros atormenta quando a tormenta aparece. E depois esquece.

    Acontece que, com o crescimento exponencial da dimensão do fenómeno, um dia não vai haver meios para manter barco à tona.

    Ou vai?

    Cito:

    "First, we have no idea of what the subprime and other mortgage losses will be: $50 billion, $100 billion, $200 billion? They could be as large as $500 billion if the US enters in a recession and we have a systemic banking and financial crisis. The uncertainty about these losses depends on the fact that we have no idea of how deep and protracted the housing recession will be and how much will home prices will fall. If home prices were to fall – as my research suggests as likely – more than 10% in the next year or so, the subprime carnage will massively expand to near prime mortgages and prime mortgages. There is already plenty of evidence that the delinquencies are not limited to subprime mortgages as a number of near prime and prime lenders are now bankrupt or in trouble (AHM, Countrywide just to cite two examples). The worse the housing recession will be the worse these now uncertain losses."
    ...

    "This increased financial uncertainty is in part due to the increased opacity and lack of transparency in financial markets."

    http://www.rgemonitor.com/blog/roubini/210688/

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  3. Tonibler,

    Lá chegaremos, descanse que lá chegaremos.

    Rui Fonseca,

    A propósito do seu oportuno comentário, ainda esta manhã pude ler um outro texto da mesma edição de ontem do F.T., inserto na 2ª página, sob título "Turmoil tests system that spreads risk".
    É aí suscitada a questão das consequências - em termos de risco sistémico - da profunda alteração que se verificou nos mercados de crédito nos últimos anos proporcionada pelo instrumento denominado SECURITIZAÇÃO.
    Quer dizer que os Bancos por toda a parte mas com mais intensidade nos USA e na Europa, tiveram a possibilidade de passar para o mercado, para milhares de investidores, atrvés do veículo "security", uma boa parte das suas carteiras de crédito, em especial do crédito imobiliário (por este ser mais facilmente "seguritizavel").
    Hoje não se sabe aonde estã o risco, embora se saiba que a comunidade dos Hedge-Funds será um dos grandes players.
    Por isso a curiosa expressão que se encontra num parágrafo desse texto e que me permito traduzir "O problema é que agora há granadas a explodir por todo o lado, e ninguém sabe onde explodirá a próxima..."
    A discussão prossegue qto às vantagens e inconvenientes destas alterações no sistema financeiro.

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  4. Dr. Tavares Moreira
    Excelente caracterização do fenómeno das crises financeiras. As crises financeiras vão-se repetindo – são cíclicas - porque na formação dos "crashs" estão sempre associados os "oportunistas" do lucro fácil e rápido e os investidores "anjinhos" que acorrem à espiral dos ganhos na mira de também eles fazerem muito dinheiro! São quase inevitáveis. Há como que um mercado a prazo de “crises financeiras”!
    Estes fenómenos estão cada vez mais sofisticados em termos de engenharia financeira, envolvendo grandes escalas, incluindo a dimensão geográfica.
    O risco sistémico apresenta-se por estas razões cada vez maior.
    É por isso que é cada vez mais importante a função das autoridades de supervisão dos mercados financeiros, cuja tarefa é cada vez mais complexa não só pelo o efeito da globalização mas também pela rapidez da criatividade financeira que normalmente vai muito à frente...

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  5. Como é do nosso conhecimento, a economia americana é alimentada por bolhas. Dantes foi a bolha informática, agora a imobiliária. Não vejo este cenário de uma forma tão assustadora. O cenário pós 11 de Setembro foi bem mais preocupante, se bem que a guerras que se seguiram revitalizaram a economia com a mão da fortíssima indústria do armamento. A bolha imobiliária sucumbiu e já há dois anos me lembro de um aviso dado pelo nobel Joseph Stiglitz quanto ao perigo iminente da bolha imobiliária. Certamente, e em breve, algo aparecerá para repôr a bolha imobiliária, falta agora saber o quê e dentro de quanto tempo. apesar da minha admiração pelos americanos tenho que lhes reconhecer um defeito. Não aprendem com os erros. Do Vietname ficou uma parede em Washington para relembrar os que lá ficaram. Pelos vistos G. W. Bush não olhou para ele antes de se espatifar no Iraque. A criação e rebentamento das bolhas é erro persistente na economia Americana. Deixo no entanto o aviso aqui no 4R . A próxima bolha deve ser gerida com mais atenção e devem também ser procuradas alternativas estáveis para um crescimento sustentável da economia americana.
    Aguardo comentários.
    Saudações Républicanas

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  6. Comentário muito ácid e incisivo, caro André All-garvio!
    Já percebi que as boites do All-garve são uma bela fonte de inspiração para comentários político-económicos.
    As bolhas ~especulativas são realmente um problema mas não se resumem, bem longe disso, aos mercados americanos.
    Há que estar muito atento ao que possa vir a passar-se no sector imobiliário em Espanha, até porque uma constipação na economia espanhola, nas condições actuais, poderá significar uma pneumonia aguda na Portuguesa.
    Quanto ao Presidente G.W. Bush, o ilustre Comentador ainda mantém a semelhança ao líder do PSD L.M. Mendes ou já encontrou melhor termo de comparação?
    Porque não a comparação a J.N. Pinto da Costa, que tanto agrecia incendiar a guerra norte-sul?

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  7. Muito interessante esta explicação, Prof. Tavares Moreira, fiquei a perceber um pouco desta confusão toda!

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  8. Caríssima Suzana,

    Só lhe peço que em próxima oportunidade não deixe de fazer delete do Prof, que me deixa ruborizado...

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