quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Ainda não foi desta!

A Margarida Corrêa de Aguiar já se referiu aqui à notícia sobre a reprovação que a norma do artigo 3º do Decreto nº 139/X, da Assembleia da República, que visava alterar a Lei Geral Tributária e o Código de Procedimento e Processo Tributário, mereceu do Tribunal Constitucional.
É uma boa notícia.
Recorde-se que esta norma, se entrasse em vigor, autorizaria o Fisco, numa intolerável atitude de retorsão, a quebrar o sigilo bancário a quem fizesse uso do direito constitucionalmente consagrado de impugnar actos da Administração ofensivos da lei ou de direitos legítmos dos cidadãos.
Devo confessar que tendo eu assistido a muitas tentativas de agressão do cidadão pelo poder, poucas foram, que me recorde, as que assumiram tamanha gravidade.
Apesar da enormidade, a medida proposta pelo Governo passou com grande tranquilidade no Parlamento e não foi sequer objecto de atenção pela comunicação social ou pelos habituais paladinos da defesa dos direitos e das liberdades.
Aliás, o próprio Presidente da República, como já aqui comentei, entendeu que o problema era jurídico antes de ser político e remeteu o decreto para a instância superior de controlo da constitucionalidade, renunciando ao exercício do direito de veto político, isto é, a dar um sinal sobre a necessidade da maioria respeitar limites intangíveis. Apesar de se meter pelos olhos dentro a desproporcionalidade da medida, própria de um Estado policial como corajosamente referiu Paulo Rangel no debate parlamentar (em boa verdade, o único deputado que verdadeiramente pôs o dedo na ferida).
E é isto que me preocupa independentemente de se ter travado, por ora, a tentativa de agressão.
Preocupa-me esta passividade, que põe a nú que a oposição a este poder se faz pelo acessório, desprezando o essencial.
Preocupa-me esta falta de consciência da sociedade sobre os direitos individuais, muito em especial sobre direitos fundamentais e entre eles o direito à privacidade, direitos que devem ser encarados, mais do que nunca, como limites a um poder do Estado que cada dia que passa se julga - com motivos, diga-se - mais incontrolado e incontrolável.
É certo que ainda não foi desta que o Governo e a obediente maioria que o sustenta conseguiram consumar esta agressão.
Mas apesar da meritória decisão do Tribunal Constitucional, não estou certo que o Governo e a maioria desistam. Está no genes dos actuais dirigentes sobrepor com violência o Estado ao cidadão. Por isso esta é bem mais do que uma mera questão de discurso. É uma questão de mentalidade que não mudará senão por conveniência, em período pré-eleitoral.
E se estou certo disso, estou também convencido que mais tarde ou mais cedo, a menos que se mudem as mentalidades, o Estado voltará à carga. Vestido de rosa, laranja ou azul...
Veremos então se as saudavelmente democráticas forças de bloqueio continuam a funcionar. Oxalá!

5 comentários:

  1. Pois é... aquilo que atrás eu já disse é comentário suficiente sobre a apatia de todos os que defendem a liberdade neste país!

    Por essas e por outras é que estou sériamente a pensar em mudar de país... porque se eu quiser viver num estado policial vou para a Coreia do Norte!

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  2. Curiosamente, o facto do crime ser na forma tentada não desculpa a esmagadora maioria dos meliantes que não sejam políticos.

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  3. Post muito lúcido e incisivo este, caro Ferreira de Almeida.
    Subscrevo-o, aproveitando para lembrar que uma das poucas vozes que ouvi bater-se contra este atentado - fora do Parlamento - foi a do Prof. Diogo Leite de Campos.
    Creio que é de justiça lembra-lo tb nesta circunstância.

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  4. Subscrevo e aplaudo este texto.
    De facto, este governo tem uma apetência muito grande para transformar este país num estado policial, em que o cidadão não tem quaisquer direitos.

    A este propósito é justo realçar a advertência que o Drº Mário Soares “ fez para dentro”, a semana passada, chamando atenção para a arrogância que ultimamente emerge das cabecinhas de alguns membros do governo.
    Quer dizer: o homem não perde o tique de rei, mas, não há dúvida que é necessário alguém fazê-lo!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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