"Oh, praga infame!
Oh, repugnante enfermidade!
Que torna os orgulhosos reis mais repulsivos do que mendigos (Envoltos em trapos, sacudindo as costas,
Atormentados por chagas piolhentas).
Tantas, que nem adianta esfregar,
Ou trocar camisas e lençóis de cama
Pois, como nas nascentes, a água segue a correnteza,
Enxame segue enxame, nascem os devoradores
Da própria carne frutífera, que (até a chegada da Morte)
Faz de si mesma um execrável festim."
De vez em quando, sou confrontado com situações pouco vulgares, mas que há alguns anos eram frequentes, caso dos piolhos.
Um jovem, todo aperaltado, apareceu-me com queixas de comichão intensa a nível da região púbica. Pelo interrogatório suspeitei que estaria face a um problema de pediculose púbica. Mas eis que, para minha grande surpresa, o jovem saca de uma pequena caixa de plástico. Ao abri-la disse: - Oh senhor doutor são assim, muitos e pequeninos! O fundo da caixa estava cheio de antipáticos e horríveis parasitas provocando intensa repugnância. – Oh homem feche lá a caixa, antes que algum salte! Expliquei-lhe o que eram e como se adquiriam. Ficou de boca aberta, dando a entender que, sendo assim, já sabia onde os tinha apanhado. Complementei a lição de parasitologia com as respectivas medidas terapêuticas. Nunca tinha ouvido falar em piolhos e quejandos!
Esta pequena história fez-me recordar alguns aspectos da história dos piolhos.
Guillame de Salluste, huguenote francês do século XVI, escreveu a obra “La Semaine” sobre a criação do mundo. “Piolhos, o castigo de Deus”, constitui um dos capítulos. Acreditava-se então que o mal dos piolhos,“ a mais horrível das doenças”, era um castigo de Deus aos tiranos, sacrílegos e inimigos da religião. Na antiguidade, Aristóteles foi um dos primeiros a referir-se a este mal, mas tinha outra interpretação para as causas, atribuindo-a ao excesso de humidade e à temperatura morna do corpo.
A história da medicina revela que se tratava de um verdadeira doença democrática, não poupando a realeza ou as classes mais baixas, cujos corpos serviam de pasto a milhares e milhares de piolhos. Apesar dos dramas, estes insectos repugnantes desenvolveram um papel muito importante na evolução da espécie humana. Como é sabido, os seres humanos, ao contrário dos seus primos antropóides, são desprovidos de pelos. O que levou ao desaparecimento deste revestimento tão característico das outras espécies? Segundo alguns autores, foi a necessidade de libertar as mãos para outras tarefas que não fosse o catar! Talvez sim, talvez não.
É curioso verificar que, nos antropóides, o acto de catar é uma forma de socialização, diminuindo a agressividade entre os membros, além de ajudar a estabelecer verdadeiras hierarquias. Ao perdermos os pelos, diminuímos os alimentos de tão repelente bicharada e, consequentemente, as mãos libertaram-se para permitir a humanização. Claro que os piolhos, mesmo assim, não abandonaram as suas “pastagens” preferidas, até porque o cabelo não desapareceu (apesar dos carecas), nem os pelos púbicos.
Os autores portugueses, quando queriam dar uma imagem social de repugnância, utilizavam a expressão “piolheira”. Fialho de Almeida e Raul Brandão utilizaram-na nas críticas e obras. Este último, nas suas Memórias, descreve que, em Junho de 1903, passou uma noite em casa do Columbano com o Rafael Bordalo Pinheiro. Conta que o artista das “Caldas” ouviu da boca do rei, em Paris, a seguinte expressão: - "Isto aqui é uma terra, lá é uma piolheira". Claro que uma expressão real desta natureza propagou-se de tal modo que ainda hoje é referenciada amiúde pelos nossos concidadãos, quando querem expressar de forma ultra-rápida a sua indignação e revolta. Presumo que não haja palavra tão rica e expressiva como esta: “piolheira”. E, com certificado real!
Os piolhos ainda andam por aí, banqueteando-se à maneira. Mas também não deixa de ser curioso que o acto ancestral de catar ainda permaneça na imaginação de muitos seres humanos, os quais não abdicam de continuar a usar esta técnica primitiva face a criativas “comichões”! Uns verdadeiros “chatos”…
Fica por explicar porque é que dizemos aos chatos para se irem catar...
ResponderEliminarLembro-me que uma vez o meu filho mais velho apanhou no infantário uma boa carga de piolhos.
ResponderEliminarVerificado o mal, disse à minha mulher que o melhor era passar por uma farmácia, a comprar o remédio dos piolhos. Disse-me que tinha vergonha e que era melhor ir ao médico. Tinha facilidade em tal, pelo que logo fui com ela mostrar ao médico o pimpolho e os piolhos.
-Então o que os traz por cá?
-Oh Sr. Dr., o meu filho tem a cabeça cheia de parasitas, diz a minha mulher...
-Parasitas? Então mostre cá o piolhoso!...
Excelente médico, o Dr. Roque!...
Pois eu estive quase tentada a tirar as minhas filhas dos escuteiros quando me disseram que a preparação para o primeiro acampamento incluia prevenir os piolhos. É claro que com o tempo acabei por facilitar,lá chegou o dia em que me esqueci e as meninas foram sem o tal tratamento. pageui cara a brincadeira, um trabalhão tirar aqueles nojentos de cabelinhos finos de criança, enfim, uma verdadeira "chatice".
ResponderEliminarA biografia de Churchill conta que,uma das vezes em que ele caíu em desgraça, pediupara ser colocado na frente de batalha e deram-lhe o comando de um grupo derrotado, desmoralizado e sem disciplina. A primeira vez que lhes falou como comandante, disse que a primeira missão ia ser ...combater os piolhos! Parece que foi muito importante para a moral das tropas e para lhes aumentar a autoestima.
Já estou a sentir comichões por todo o lado, Dr. Dr., por favor, isto é sintoma de poder estar na iminência de me tornar um piolhoso???
ResponderEliminarE agora, quem é que me irá catar?