sexta-feira, 30 de novembro de 2007

“Levar a carta a Garcia”

As obrigações avolumam-se dia para dia e não têm contemplações com o estado de espírito, disposição, cansaço e até mal-estar. Muitas têm que ser cumpridas porque são relevantes e de elevado interesse cívico.
Perguntam-me, com certa frequência, por que razão aceito tantas tarefas. Nem eu sei responder, quando me apercebo já estou metido nelas até às orelhas. Muitos, pensam, mas mal, que eu retiro proventos dessas actividades. Quando digo que recebo uma senha de presença cujo quantitativo mal dá para os táxis e refeições, além de ter de pagar IRS sobre o mesmo, ficam muito admirados, isto no caso de receber, porque nalgumas nem isso!
Tirando o cansaço, que começo a sentir e que não é bom sinal, confesso que tenho aprendido muito e, de acordo com as minhas capacidades, feito todos os possíveis para “levar a carta a Garcia”.
A expressão “levar a carta a Garcia” é sinal de dever cumprido, como é do conhecimento geral. O que eu não sabia, confesso, era a sua origem.
Hoje, após mais uma reunião do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, tive tempo de sobra, mais de uma hora, o que me permitiu, na Gare do Oriente, vasculhar a exposição de livros que nesta altura do ano já é habitual. Adquiri dois livros. Um do pessimista Schopenhauer, “Sobre o sofrimento do mundo”, e o outro, intitulado “Uma carta para Garcia”, meio escondido entre várias obras, de Elbert Hubbard. Folheei o livro, muito pequeno, e seduziu-me o facto de ir conhecer a história que está na base de uma frase tão usada. No preâmbulo o autor explica como nasceu a obra que foi escrita na noite de 22 de Fevereiro de 1899 em apenas uma hora. O que é certo é que é considerada a segunda obra mundial mais editada a seguir à Bíblia!
A história assenta na guerra entre a Espanha e os Estados Unidos. O presidente dos Estados Unidos queria comunicar com o líder dos rebeldes cubanos, o general Garcia, que se encontrava algures nas montanhas da ilha. Mas como? Alguém lhe disse: “Há um homem chamado Rowan que encontrará Garcia, se é que alguém o pode encontrar”. Rowan pegou na carta, guardou-a numa bolsa impermeável junto ao coração, desembarcou em Cuba, embrenhou-se na selva e três semanas depois apareceu do outro lado da ilha. Rowan, quando recebeu a carta não perguntou: - Onde está Garcia?
“O herói é aquele que faz o seu trabalho, o que leva a carta a Garcia”. “Rowan foi o verdadeiro herói da guerra de Cuba uma vez que tinha ido só e cumprido a sua missão”.
Nunca li um livro tão rapidamente, quinze minutos, de acordo com o relógio da estação, aconchegado sob um delicioso sol outonal. Confesso que nunca aprendi tanto em tão pouco tempo.
Uma edição a não perder e a ofertar a jovens, e a menos jovens, a fim de que hajam cada vez mais pessoas a “levar a carta a Garcia”.
Tantos Garcias por aí à espera de uma carta...

“Uma carta para Garcia” de Elbert Hubbard - Padrões Culturais Editora

8 comentários:

  1. Anónimo22:15

    ...e cada vez menos são os que estão dispostos a entregá-la, meu caro Professor.
    Já ninguém reconhece os heróis porque a generosidade e a disponibilidade para o serviço público são olhados, pelos poderes efectivos, sempre com desconfiança.

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  2. Caro Professor Massano Cardoso
    As pessoas não acreditam na generosidade, na atitude das pessoas que querem fazer coisas, sem qualquer intuito comercial ou material, simplesmente porque querem ser úteis, ajudar, viver mais intensamente ou lhes dá prazer.
    Ainda há "almoços grátis"! Mas as pessoas desconfiam...

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  3. É verdade caro Professor Massano Cardoso, passamos o tempo a reivindicar e a protestar, por vezes como eternos descontentes e insatisfeitos, sem nos preocuparmos com a nossa "missão" na vida e nas instituições que são, não nos esqueçamos disso, a "fonte financiadora" das nossas vidas e também o campo de nossa realização pessoal. Por diferentes motivos ou razões, cada vez menos, aparece quem esteja predisposto a levar a carta a Garcia. A verdade é que também, cada vez menos aparecem lideres com carisma suficientemente motivador.
    Porém, uns não invalidam os outros.
    ;)))

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  4. Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma

    Até quando o corpo pede um pouco mais de alma

    Eu sei, a vida é tão rara

    a vida não pára não... a vida é tão rara

    (diz o poeta)

    http://www.youtube.com/v/H3Yyaqqd9gg&rel=1

    Deixo-lhe o Adagietto (5ª Sinfonia) de Gustav Mahler. Gosto de ouvi-la, depois de "ter levado a carta ao Garcia". Talvez goste também ...
    É obrigatório ouvir de olhos fechados.



    A vida é tão rara, Caro Salvador.

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  5. Ao que parece, continuam a existir Garcias com sorte.
    Este, recebe carta da nossa amiga Pézinhos, acompanhada de belíssimas letras e músicas.
    Não é para todos... é para os Garcia.
    ;))))

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  6. Uma bela carta que se lê com muito prazer e de olhos fechados…
    Belo presente.
    Obrigado.

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  7. Caro Prof. Massano, quando se começa a sentir o peso de tantas "cartas" e a parecer tentador um livro de um filósofo pessimista, talvez seja a altura de começar aquele difícil exercício de dizer "Não" de vez em quando, só porque lhe apetece. Não só pelo que diz o Zé Mário, é verdade que cada vez há menos pessoas dispostas a fazer a ainda menos pessoas dispostas a reconhecer quem faz. Também porque o noto cansado, sobretudo por isso, olhe que temos direito a um pouco de egoísmos para recarregar baterias!

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  8. POIS É...?
    Esquecem apenas uma coisinha de nada...!?
    É que nesse tempo os veículos, se é que já os havia, eram de quatro patas...!
    (Fico que nem posso...?) rs.

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