terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A interpretação da lei e a lição de Cinderela...

Estive a ver os Prós e os Contras em que o tema era a nova legislação sobre o tabaco. Ficámos a saber que a letra da lei diz que pretende proteger os não fumadores mas que o “espírito da lei” é proibir o fumo. Ficámos a saber que há excepções, designadamente nos bares, restaurantes e discotecas que tenham um espaço próprio para fumadores, mas que os requisitos, depois de devidamente “interpretados” de acordo com o tal espírito, são simplesmente absurdos e praticamente impossíveis de cumprir. Depois de uma grande zaragata, ficámos a saber que os donos desses estabelecimentos se preparam para interpor acções, providências cautelares e o diabo a sete para impedir que a Direcção Geral de Saúde bloqueie administrativa e arbitrariamente, aquilo que a lei, numa leitura de boa fé, admite. Foi um espectáculo lamentável de leituras enviesadas, subtilezas, jogos de poder, os responsáveis mal informados ou mal intencionados a deixar ali a “sua” visão do tema, coincidisse ou não com o que se lê no texto.
Há um episódio muito emocionante na história da Cinderela. Como se lembram, ia haver o baile do príncipe, a família tinha sido convidada, mas a madrasta disse-lhe que ela não tinha um vestido adequado e que, sem isso, não poderia ir. Mas a menina descobriu o vestido na arca e foi, muito esperançosa, pedir para acompanhar as irmãs. Ora, a madrasta não tinha a menor intenção de a deixar ir mas disse que sim, desde que conseguisse lavar as janelas, limpar o chão, passar a ferro, coser a roupa, tudo a tempo e horas… E acabava, triunfante: - “SE terminares o trabalho, então sim, poderás ir ao baile!” e afastava-se com um riso mau, sabendo que as condições eram incumpríveis.
Esta parte da história mostrava às crianças o odioso da falsidade, da manha de quem não quer assumir a sua vontade e arranja mil e uma formas ínvias de fazer com que alguém não consiga obter o resultado que ela quer contrariar. Daqui resulta um sentimento de injustiça para os que tentam cumprir e uma situação de favor para os que conseguem a benevolência de quem dita as regras. Através desta história, as crianças aprendiam a rejeitar e a sentir desprezo por este tipo de atitudes…

10 comentários:

  1. Minha cara Suzana, não vi o Prós e Contras mas, pela descrição aposto que foi animado e divertido.

    De qualquer forma, escrevo-lhe para lhe dizer que no seguimento desse episódio, da Cinderela, aparecem as fadas e depois todos os animaizinhos para a ajudarem nas tarefas e ela acabou por ir ao baile.

    Em com a lei do tabaco vai ser a mesma coisa. Vai haver sempre alguém que vai fazer aparecer as fadas e os animaizinhos, não tenha a menor dúvida.

    ResponderEliminar
  2. Para fazer uma lei para proibir fumar em locais públicos fechados não basta dizer "Artigo Único: É proibido fumar em locais públicos fechados". Se fosse só assim era uma ameaça ao mercado do parecer jurídico, onde os professores dos advogados fazem fortunas à conta da sua própria incapacidade de produzir algo eficiente.

    Bolas, como é possível que algo que é tão racionalmente simples - "É proibido fumar em locais públicos fechados" - quando enquadrado numa lei da República Portuguesa se torne motivo de interpretações, espíritos, critérios, excepções e inclusões?

    Até poderíamos dizer que foi azar, foi só esta, afinal o "legislador" (expressão eufemística que dá um carácter etéreo à incompetência e à asneira) foi infeliz, mas amanhã a coisa está resolvida....Mas não, isto é assim com o fumo, com a bebida, com a comida, com a lei das leis, com os médicos, com os doentes, com as doenças, com os remédios,...e fica para todo o sempre, não há solução. Não existe a menor possibilidade de, um dia, uma lei da República Portuguesa dizer aquilo para que foi publicada.

    ResponderEliminar
  3. Cara Suzana,

    Eu também vi o debate, pelo menos uma boa parte dele.
    E também já li a lei, se é que se pode considerar leitura o que eu estive a fazer perto de uma hora com aquele texto à frente. Aquilo é uma peça realmente muito mal construída, pelo menos para ser lida.
    E sou um fumador inveterado (20 a 30 cigarros por dia, todos os dias), há muito convencido mas ainda não determinado a abandonar o clube – como muitos. Continuo a fumar.
    Como em tudo na vida, as conclusões que se tiram de qualquer debate, discussão ou acontecimento depende sempre da perspectiva em que avaliamos a situação. É a velha história da garrafa meio cheia ou meio vazia.
    Por isso, atrevo-me a dizer, que parece que não vi o mesmo debate. Ou pelo menos reparei (também) noutras coisas.
    Só esteve em discussão, naquilo em que a lei tocava, os bares, restaurantes e os casinos. O resto parece que estavam todos de acordo.
    E quando os argumentos “socialmente aceites” contra a proibição nestes locais falharam, entrou-se na descredibilização da lei e dos intervenientes (claro que se puseram a jeito), seja por via de uma alegada impossibilidade de cumprimento (o legislador não sabe nada disto), seja pela falta de “planos de pormenor” (chico-espertice – já encontrei um furo), ou pela alegação de obscuras intenções (vem aí o fim do mundo).
    Falou-se em questões economicistas, que não entendi, como se os fumadores já não pagassem bem a sua saúde com os impostos que pagam pelo que fumam. E vão pagar muito mais. E bem!
    Os outros países, uns dias são exemplo: grandes baluartes da liberdade, modelos de desenvolvimento, cidadãos de comportamento cívico exemplares, etc. Mas quando temos que FAZER como eles, ter o COMPORTAMENTO deles, aqui del-rei a liberdade individual (para fazer mal, digo eu). Alto aí que só importamos o que não devemos. Que somos o país do 8 ou 80.
    Pois para mim, o dito bem português, que nos tolhe, é mais o “sol na eira e chuva no nabal”. Se nos derem laranjas, lamentamo-nos delas não virem descascadas.
    Ou, como tão bem caricaturaram os Gatos Fedorentos no boneco do prof. martelo (com palavras minhas que não me recordo das originais): Isto está mal? Está. É preciso mudar? É. Vamos mudar isto? Não.
    Com toda a estima.

    ResponderEliminar
  4. Vi parte do programa, mas depois desisti. Não fiquei admirado com certas posturas de alguns responsáveis., nomeadamente quando invocam os direitos dos fumadores. É indiscutível que têm direitos e que merecem ser respeitados. O que me custa compreender é a atitude face aos não fumadores, ignorando que têm também direitos que foram durante tempo de mais postos em jogo sem qualquer contemplação ou o mínimo de respeito.
    Quanto ao resto usa-se a retórica e argumentos diversos para por em causa a lei. No entanto, o bom senso irá um dia por prevalecer com ou sem lei, quando os cidadãos interiorizarem certos conceitos. No fundo o que estamos a assistir é m fenómeno de transição cultural que num povo como o nosso demora um pouco mais do que habitual. Daqui a alguns anos estes programas irão fazer as delícias dos investigadores., do género “Quem diria que certas individualidades, no passado, tiveram aquelas posturas”!

    ResponderEliminar
  5. Caro Massano Cardoso, ao que vi parece que não houve grande dificuldade de aceitação por parte dos portugueses nas limitações ao direito de fumar, em geral respeita-se a proibição, contrariados ou não. A questão é que não foi decretada a proibição de fumar, nem a lei o sugere, mas pelos vistos há entre os responsáveis da fiscalização quem entenda que o deveria ter feito. Foi este, caro SC, o grande pomo de discórdia e o facto é que o DGSaúde não conseguiu explicar coisa nenhuma, o representante da ASAE remeteu para as instruções da DGSaúde e ficou a sensação de que é melhor ninguém se meter a adaptar os espaços para fumadores porque poderá sempre vir uma exigência especial que... É isto que é intolerável e não me pareceu que houvesse qualquer resistência ao cumprimento da lei. Mas, por este caminho, vai passar a haver,é exactamente o que diz o ANthrax, se o sentimento de arbítrio surge, há mil ajudas para por termo à situação. O que é que afinal se pretende com a lei, é conciliar os dois direitos - fumar e não fumar -ou, indirectamente, proibir o fumo? Uma norma como sugere Tonibler parecia-me mais razoável, mas não foi essa a opção, embora, aparentemente, seja essa a acção.É isto que está errado e que ontem se discutiu, a medida em si já está decidida e aceite pacificamente.

    ResponderEliminar
  6. Anónimo12:08

    Meus caros,
    Também eu assisti a parte do programa, até ao ponto em que comecei a ficar intoxicado.
    Escreveram, todos, um pouco daquilo que penso.
    A parábola da Cinderela, assenta neste caso como uma luva, Suzana. É mais um caso de hipocrisia legislativa que - veremos - não sei se não terá como consequência o sacrificio de alguns seguramente competentes e bem intencionados, mas hiper-zelosos dirigentes da nossa Administração Pública...
    Sou particularmente sensível ao que, no seu estilo claro e directo, anotou Tonibler. Não creio, como ele, que exista um lobi organizado de pareceristas a pugnar pela má legislação. Mas que parece que existe, lá isso parece! É de facto lastimável a qualidade das nossas leis. É uma doença.
    Mas há que dizer que esse mal não é privativo do legislador português. Se lerem algumas das directivas e regulamentos comunitários(sobretudo os de polícia económica) perceberão que o mal atinge sobretudo as instituições comunitárias.
    Aliás, o estilo do legislador português, porventura à força de tanta transposição que não passa afinal de tradução, é cada vez mais UE alike...
    E nalguns casos como é fácil definir regras claras para as pessoas, afinal a quem se destinam, perceberem.
    Não deixo de concordar em especial num ponto com a perspectiva de SC, sendo cada vez mais notória esta dualidade de critérios quando nos comparamos positivamente ou negativamente com os outros para justificar as atitudes que nos convêm. Perspectiva que nos levava para o domínio da responsabilidade individual e para o declínio do dever...
    O meu caro Professor Massano Cardoso, com a sabedoria que todos lhe reconhecemos, expressou um sentimento que com ele partilho. Questões de mudança de hábitos e de costumes com a dimensão social como estes de que estamos a falar, são processos de alteração gradual e paulatina, apesar da aparente fractura que num primeiro momento geram.
    Não há lei, por muito bem feita que seja, ou aparelho de repressão montado para a fazer cumprir, que tem a virtualidade de acelerar o que tem o seu ritmo.
    Alterar atitudes como as que estão em causa, é um caminho a fazer-se, no seu tempo e ritmo próprios, e tão mais conseguido quanto quem tem a missão de definir esse caminho for sensato e razoável. A meus olhos, porém, é o que tem faltado: sensatez e razoabilidade neste como noutros assuntos da mesma natureza, que em tantos casos tem feito sobressair o animus policial de muita boa gente...

    ResponderEliminar
  7. Ai, ai Prof. MC :))

    Ai, ai!

    Eu não sei se alguém já reparou mas, isto aqui - embora pareça - não é uma guerra de fumadores vs Não fumadores.

    Se estivermos a falar em termos de princípios, penso que é unânime - entre aqueles que fumam - que os não fumadores têm o direito de assim permanecerem. De resto, o que a "malta" quer é ter sitio onde se possa fumar.

    Tirando isso, se fumar é um perigo para a saúde pública (como querem dar a entender que é), pois o melhor é fechar a Tabaqueira. Nada como cortar o mal pela raiz, não é verdade? Havendo oferta, há procura. Não há oferta, não há procura (simplificando a coisa e ultrapassando a questão de passarmos a fronteira para ir comprar cigarros a Espanha).

    A minha posição relativa à lei do tabaco é muito simples. Acho que a lei, além de hipócrita, é uma perfeita cretinice. Ainda por cima, vem de uma instituição que por um lado se arma em Paladino da Saúde e sai em socorro dos pobres indefesos que não fumam (excluindo a morte por cancro do pulmão, poderão morrer subitamente - ou não - de outra coisa qualquer, mas pelo menos morrem felizes), por outro lado fecham maternidades e serviços de saúde a torto e a direito. Então? Onde é que está a protecção dos pobres e indefesos?

    Respeito a lei pelos mesmos motivos que passo nas passadeiras (e que eu saiba também há uma lei que penaliza quem não as usa). Porque, normalmente, o viver em sociedade diz-me que tenho de respeitar o outro e o meu respeito pelo outro implicava (antes da lei), o respeito pelos meus colegas de trabalho e por quem almoçava comigo, por exemplo. Neste momento, aquilo que anteriormente fazia voluntariamente, tornou-se numa obrigação e quando me obrigam a fazer coisas a minha noção de respeito tende a sofrer alterações. Além de sofrer alterações predispõe-me para a prevaricação.

    Enfim, presumo que seja humano.

    ResponderEliminar
  8. Escreve a cara Suzana, no título que atribui a este (como sempre) maravilhoso post "lição de Cinderela"... pois muito bem escolhido, digo eu, que aprovo completamente e comungo da inquietação que o nosso amigo Tonibler expressa no nº período do seu comentário. A Cinderela do conto infantil, reflecte as Cinderelas que a todo o passo conhecemos na vida real e que se caracterizam pela constância e tenacidade na vontade do querer. Faltam estes dois adjectivos à lei do tabacâme, tal como o nosso amigo refere, o que faz com que, aqueles que têm pouca vontade de a cumprir, persigam aquele senhor... o que fuma no casino e que, trasladado para a história da Cinderela, poderia perfeitamente caber no papel da madrasta, assim como os aentes da ASAE, caberiam porreiramente no papel das manas invejosas. Fica-nos a faltar, para completar o elenco da nossa história, as fadas, os ratos que afinal foram cavalos, as aboboras, o sapatinho de cristal, que cabe exclusivamente num determinado pé e nunca em nenhum outro, e por fim, o maravilhoso e apaixonado príncipe.
    Ok! façam de conta que eu não comentei nada até este ponto e peço-vos que atentem somente na divisa de Santo Quintino "Sê constante, eu te assisto".
    Santo Quintino, é um santo originário do norte de frança, o seu culto foi trazido por cruzados que vieram do norte de frança para ajudarnas lutas da Reconquista, portanto, anteriormente à formação do reino de Portugal. A protecção deste santo é ainda actualmente pedida para doenças de ouvidos e dores de cabeça, no caso dos lavradores, para protecção dos seus celeiros.
    Constância, querida amiga, é fundamental, tanto para os que legislam, como para os que cumprem a lei, como para os que desejam deixar de fumar, como ainda, para aqueles que desejam manter-se fumadores.
    ;)))

    ResponderEliminar
  9. Caro Bartolomeu
    Interessante esta da Constância...
    Só espero que ela (a constância) não se meta nos xarritos...
    :))))

    ResponderEliminar
  10. Anónimo19:07

    Mas também ficámos a saber que a legislação sobre o tabaco é um imbuste e foi feita por quem não teve tomates para simplesmente proibir de fumar.
    É que a qualidade do ar em recintos fechados está amplamente regulada pelo Decreto-Lei 79/2006, conforme no programa referiu, e parece que ninguém percebeu, o Director-Geral de Saúde.
    Com a simples entrada en vigor deste decreto (tem tido uma implementação faseada e entrará integralmente em vigor no princípio do próximo ano), toda a gente poderia fumar onde muito bem quisesse, e todos os fumadores passivos estariam protegidos. Claro que tem repercussões económicas...
    Com este Decreto-Lei, fumadores e não-fumadores podem conviver no mesmo ambiente e sem segregação.
    A piada disto tudo é que os restaurantes, que agora optaram pela decisão de proibir o fumo por causa dos encargos com os sofisticados sistemas de climatização, muito provavelmente vão ser obrigados a instalar este sistema no início do próximo ano. Tudo por causa de um Decreto-Lei que não proibe de fumar, mas obriga a que todos os estabelecimentos tenham boa qualidade de ar.
    Sem fundamentalismos, mas com respeito pelos direitos individuais, fumadores, ou não.
    abrasivo

    ResponderEliminar