domingo, 13 de julho de 2008

Economia: debilidades estruturais agravam-se

Uma das “verdades oficiais” mais difundidas nos últimos anos consiste em reconhecer que existem progressos resultantes de vários programas estruturais lançados pelo Governo: (i) no domínio das finanças públicas, com o processo de “sustentada” redução do défice; (ii) no domínio da simplificação administrativa, com o Simplex e outras magias, (iii) na reforma da administração pública, embora aqui reconhecendo um atraso considerável em relação aos objectivos fixados; (iv) na saúde, com uma ousada política de encerramento de unidades de prestação de cuidados de saúde excessivamente pulverizadas; (v) na criação de instrumentos de apoio ao investimento empresarial como o estatuto PIN e outras iniciativas.

Alimentou-se mesmo a convicção, muito repetida pelo Ministro da Economia, por exemplo, de que se tinham criado condições para o País resistir melhor a eventuais choques externos e para entrar finalmente na tão desejada “convergência” para o nível médio de rendimento da Europa.
O trabalho de casa tinha sido feito, os bons resultados de 2007, com o PIB a crescer 1,9% – embora ainda sem a tal convergência – eram sinal de que estávamos no bom caminho…

Eis que chega 2008…e tudo se esboroa, num ápice. Não só a economia não tinha a final condições para resistir a um choque externo, de grandes dimensões de resto, como evidencia sinais iniludíveis de agravamento das suas antigas debilidades estruturais.

Vem isto a propósito da conjunção de duas variáveis que não seria de todo possível numa economia em fase de superação dos desequilíbrios estruturais:

- A quase estagnação da economia, traduzida numa taxa de variação do PIB que não deve chegar a 1%, podendo quedar-se por cerca de 1/3 da previsão inicial do Governo (2,2%, recorda-se) – e continuando sem a almejada convergência;
- O défice record das contas com o exterior que medido pelo saldo da balança corrente é capaz de exceder este ano 12% do PIB.

Esta conjunção é fatal e só pode ter, em minha opinião, uma explicação plausível: agravamento da perda de competitividade das produções de bens e serviços com origem em Portugal.
Mas isto significa, muito simplesmente, deitar por terra a “verdade oficial” com que iniciei este texto.
Esta evolução coloca-nos no pior cenário possível, que é a aceleração do processo de endividamento externo – e o consequente aumento do “sufoco financeiro” já tão visível – ao mesmo tempo que estamos a fazer imensos sacrifícios (ou existe pelo menos essa noção, generalizada)…
Quer isto dizer que estamos a fazer sacrifícios para quê? Para nos endividarmos ainda mais?…
Significa então que estamos numa crise SEM FIM À VISTA?
Tem de haver uma explicação para este lamentável estado de coisas.
Na minha óptica, a principal explicação reside no excesso de recursos que têm sido afectos aos sectores protegidos da economia – sector público administrativo, empresarial e sectores monopolistas ou quase monopolistas – que acumulam formidáveis ineficiências na utilização desses recursos e impõem um crescente ónus aos sectores mais eficientes mas expostos à concorrência externa.
A continuarmos assim, nunca mais os problemas da economia terão solução – pelo contrário, só poderão agravar-se, cada vez mais.
O famoso Programão será um passo de gigante no sentido do agravamento de um desequilíbrio estrutural já gravíssimo.
Recursos escassíssimos serão geridos da pior forma possível: em projectos que, na sua maioria, vão gerar défices de exploração e contribuir para mais e mais endividamento.
Por isso me tenho manifestado tão veementemente contra esse imenso erro de gestão económica.

9 comentários:

  1. Anónimo20:06

    Caro Tavares Moreira, mais um alerta, mais uma queda em saco roto, mormente neste momento específico.

    Permita-me a ousadia de pedir-lhe um escrito não já sobre os riscos mas sobre o cenário de Portugal daqui a dez ou vinte anos, altura em que todos os efeitos das loucuras do presente somadas às do passado irão fazer-se sentir. Como imagina o Portugal dessa altura, abstraindo-nos neste exercício teórico da possibilidade eventual da implosão da UE ou uma guerra em larga escala?

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  2. Caro Zuricher,

    Não é preciso ir tão longe...olhe por exemplo ouvi Medina Carreira dizer ainda esta semana que não sabe em que estado o País se vai apresentar dentro de 3 anos.
    E confesso-lhe que, a manter-se a evolução a que assistimos, também eu não me atrevo a fazer previsões a 3 anos...quanto mais a 10 ou 20!
    O que não creio é que possamos continuar a acumular erros ao ritmo a que nos habituamos...
    O mercado (financeiro, em primeiro lugar) se encarregará de nos obrigar a ter juízo, mas receio que o preço vá ser muito, mas muito elevado.
    Infelizmente como sempre, pagarão os justos pelos pecadores...

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  3. Caro Tavares Moreira:
    Acho que o meu amigo tem toda a razão. De facto, como diz, "a explicação reside no excesso de recursos que têm sido afectos aos sectores protegidos da economia – sector público administrativo, empresarial e sectores monopolistas ou quase monopolistas – que acumulam formidáveis ineficiências na utilização desses recursos e impõem um crescente ónus aos sectores mais eficientes mas expostos à concorrência externa".
    Excelente síntese.

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  4. Anónimo22:38

    Pois é, caro Amigo, pois é... na dúvida, na dúvida, melhor começar a preparar o poiso em paragens com maior prudência e menos asneira no seguimento dos negócios publicos.

    O país irá ficar fechado para balanço durante uns tempos.

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  5. Quanto às previsões daqui a 10 ou 20 anos acho que depende duma coisa. Estaremos nas mãos dos credores. Bem ou mal, o futuro a Deus pertence...

    Depois de ouvir Medina Carreira, ultimamente tem tido tempo de antena porque as pessoas perceberam que afinal ele não é pessimista mas sim realista e é isso que querem ouvir, chego à conclusão que o país só vai mudar com gente competente. Não é com ministros da agricultura que mandam piadas de mau gosto quando tem o seu ministério em perfeita ingerência, quando tem ministros da economia que mais parece um estágio quando chega um emprego (anda perdido sem rumo, e de vez em quando sai bacorada de meia noite), não é com ministros das obras públicas que são simples marionetas. Não é com primeiro-ministro como o que temos, que desrespeita o orgão de soberania máximo (ass. republica) pela maneira como se dirige aos deputados, e parte para ataques pessoais e piadinhas quando chega a altura de prestar contas.

    Enfim, é o país que temos...

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  6. Impressiona a travagem, o nível da queda das encomendas que as PME's estão a sentir.
    .
    ccz

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  7. caro CCz,

    Não tenho dados que me permitam aquilatar do impacto desta estagnação ao nível das encomendas das PME's mas não me surpreende o que relata.
    A desaceleração das exportações e a retracção do consumo interno conduzem naturalmente a esse resultado.
    O mais estranho, neste contexto, é mesmo o forte agravamento do desequilíbrio externo e a consequente aceleração do endividamento...
    Esta evolução é fatal numa economia à beira da estagnação (para não dizer recessão)...

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  8. Caro TM,
    .
    Falo com conhecimento em primeira mão, na passada semana visitei 4 PME's com as quais tenho trabalhado nos últimos anos e... fiquei impressionado.
    .
    Como são empresas que operam B2B, conhecem os seus clientes e sabem que a queda resulta da queda de actividade dos seus clientes.

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  9. Ok, CCz, agradeço seu esclarecimento, que vem de encontro a esta análise céptica - céptica, não pessimista - da conjuntura e do comportamento estrutural da nossa economia.
    Com os colossais erros de politica económica em curso, não vamos muito longe, infelizmente.
    Tanto o 2º semestre de 2008 como o ano 2009 vão ser períodos muito negativos, corremos o risco de cair num pessimismo avassalador, potenciado pelas asneiras da política.

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