Uma das “verdades oficiais” mais difundidas nos últimos anos consiste em reconhecer que existem progressos resultantes de vários programas estruturais lançados pelo Governo: (i) no domínio das finanças públicas, com o processo de “sustentada” redução do défice; (ii) no domínio da simplificação administrativa, com o Simplex e outras magias, (iii) na reforma da administração pública, embora aqui reconhecendo um atraso considerável em relação aos objectivos fixados; (iv) na saúde, com uma ousada política de encerramento de unidades de prestação de cuidados de saúde excessivamente pulverizadas; (v) na criação de instrumentos de apoio ao investimento empresarial como o estatuto PIN e outras iniciativas.
Alimentou-se mesmo a convicção, muito repetida pelo Ministro da Economia, por exemplo, de que se tinham criado condições para o País resistir melhor a eventuais choques externos e para entrar finalmente na tão desejada “convergência” para o nível médio de rendimento da Europa.
O trabalho de casa tinha sido feito, os bons resultados de 2007, com o PIB a crescer 1,9% – embora ainda sem a tal convergência – eram sinal de que estávamos no bom caminho…
Eis que chega 2008…e tudo se esboroa, num ápice. Não só a economia não tinha a final condições para resistir a um choque externo, de grandes dimensões de resto, como evidencia sinais iniludíveis de agravamento das suas antigas debilidades estruturais.
Vem isto a propósito da conjunção de duas variáveis que não seria de todo possível numa economia em fase de superação dos desequilíbrios estruturais:
- A quase estagnação da economia, traduzida numa taxa de variação do PIB que não deve chegar a 1%, podendo quedar-se por cerca de 1/3 da previsão inicial do Governo (2,2%, recorda-se) – e continuando sem a almejada convergência;
- O défice record das contas com o exterior que medido pelo saldo da balança corrente é capaz de exceder este ano 12% do PIB.
Esta conjunção é fatal e só pode ter, em minha opinião, uma explicação plausível: agravamento da perda de competitividade das produções de bens e serviços com origem em Portugal.
Mas isto significa, muito simplesmente, deitar por terra a “verdade oficial” com que iniciei este texto.
Esta evolução coloca-nos no pior cenário possível, que é a aceleração do processo de endividamento externo – e o consequente aumento do “sufoco financeiro” já tão visível – ao mesmo tempo que estamos a fazer imensos sacrifícios (ou existe pelo menos essa noção, generalizada)…
Quer isto dizer que estamos a fazer sacrifícios para quê? Para nos endividarmos ainda mais?…
Significa então que estamos numa crise SEM FIM À VISTA?
Tem de haver uma explicação para este lamentável estado de coisas.
Na minha óptica, a principal explicação reside no excesso de recursos que têm sido afectos aos sectores protegidos da economia – sector público administrativo, empresarial e sectores monopolistas ou quase monopolistas – que acumulam formidáveis ineficiências na utilização desses recursos e impõem um crescente ónus aos sectores mais eficientes mas expostos à concorrência externa.
A continuarmos assim, nunca mais os problemas da economia terão solução – pelo contrário, só poderão agravar-se, cada vez mais.
O famoso Programão será um passo de gigante no sentido do agravamento de um desequilíbrio estrutural já gravíssimo.
Recursos escassíssimos serão geridos da pior forma possível: em projectos que, na sua maioria, vão gerar défices de exploração e contribuir para mais e mais endividamento.
Por isso me tenho manifestado tão veementemente contra esse imenso erro de gestão económica.
Caro Tavares Moreira, mais um alerta, mais uma queda em saco roto, mormente neste momento específico.
ResponderEliminarPermita-me a ousadia de pedir-lhe um escrito não já sobre os riscos mas sobre o cenário de Portugal daqui a dez ou vinte anos, altura em que todos os efeitos das loucuras do presente somadas às do passado irão fazer-se sentir. Como imagina o Portugal dessa altura, abstraindo-nos neste exercício teórico da possibilidade eventual da implosão da UE ou uma guerra em larga escala?
Caro Zuricher,
ResponderEliminarNão é preciso ir tão longe...olhe por exemplo ouvi Medina Carreira dizer ainda esta semana que não sabe em que estado o País se vai apresentar dentro de 3 anos.
E confesso-lhe que, a manter-se a evolução a que assistimos, também eu não me atrevo a fazer previsões a 3 anos...quanto mais a 10 ou 20!
O que não creio é que possamos continuar a acumular erros ao ritmo a que nos habituamos...
O mercado (financeiro, em primeiro lugar) se encarregará de nos obrigar a ter juízo, mas receio que o preço vá ser muito, mas muito elevado.
Infelizmente como sempre, pagarão os justos pelos pecadores...
Caro Tavares Moreira:
ResponderEliminarAcho que o meu amigo tem toda a razão. De facto, como diz, "a explicação reside no excesso de recursos que têm sido afectos aos sectores protegidos da economia – sector público administrativo, empresarial e sectores monopolistas ou quase monopolistas – que acumulam formidáveis ineficiências na utilização desses recursos e impõem um crescente ónus aos sectores mais eficientes mas expostos à concorrência externa".
Excelente síntese.
Pois é, caro Amigo, pois é... na dúvida, na dúvida, melhor começar a preparar o poiso em paragens com maior prudência e menos asneira no seguimento dos negócios publicos.
ResponderEliminarO país irá ficar fechado para balanço durante uns tempos.
Quanto às previsões daqui a 10 ou 20 anos acho que depende duma coisa. Estaremos nas mãos dos credores. Bem ou mal, o futuro a Deus pertence...
ResponderEliminarDepois de ouvir Medina Carreira, ultimamente tem tido tempo de antena porque as pessoas perceberam que afinal ele não é pessimista mas sim realista e é isso que querem ouvir, chego à conclusão que o país só vai mudar com gente competente. Não é com ministros da agricultura que mandam piadas de mau gosto quando tem o seu ministério em perfeita ingerência, quando tem ministros da economia que mais parece um estágio quando chega um emprego (anda perdido sem rumo, e de vez em quando sai bacorada de meia noite), não é com ministros das obras públicas que são simples marionetas. Não é com primeiro-ministro como o que temos, que desrespeita o orgão de soberania máximo (ass. republica) pela maneira como se dirige aos deputados, e parte para ataques pessoais e piadinhas quando chega a altura de prestar contas.
Enfim, é o país que temos...
Impressiona a travagem, o nível da queda das encomendas que as PME's estão a sentir.
ResponderEliminar.
ccz
caro CCz,
ResponderEliminarNão tenho dados que me permitam aquilatar do impacto desta estagnação ao nível das encomendas das PME's mas não me surpreende o que relata.
A desaceleração das exportações e a retracção do consumo interno conduzem naturalmente a esse resultado.
O mais estranho, neste contexto, é mesmo o forte agravamento do desequilíbrio externo e a consequente aceleração do endividamento...
Esta evolução é fatal numa economia à beira da estagnação (para não dizer recessão)...
Caro TM,
ResponderEliminar.
Falo com conhecimento em primeira mão, na passada semana visitei 4 PME's com as quais tenho trabalhado nos últimos anos e... fiquei impressionado.
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Como são empresas que operam B2B, conhecem os seus clientes e sabem que a queda resulta da queda de actividade dos seus clientes.
Ok, CCz, agradeço seu esclarecimento, que vem de encontro a esta análise céptica - céptica, não pessimista - da conjuntura e do comportamento estrutural da nossa economia.
ResponderEliminarCom os colossais erros de politica económica em curso, não vamos muito longe, infelizmente.
Tanto o 2º semestre de 2008 como o ano 2009 vão ser períodos muito negativos, corremos o risco de cair num pessimismo avassalador, potenciado pelas asneiras da política.