terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pânicos, PIBs e Alice

Lá estou eu a lembrar-me de novo dessa história estranha da Alice no País das Maravilhas, onde nada é o que parece, antes o seu contrário.
Vi há pouco na TVI, Jornal da Meia Noite (sim, ainda há o da meia noite), uma peça sobre a Gripe A onde quase podíamos concluir que ninguém percebe quem e porquê gerou este pânico global. Vários médicos dizendo que esta gripe é mais benigna que a gripe sazonal; que se propaga facilmente mas não deverá causar tantas mortes; que o Tamiflu, na maioria dos casos, nem sequer é recomendado; que normas de higiene e prevenção são úteis neste caso e em todos os outros; que há muitas doenças que mereciam muito mais atenção e mais dinheiro do que esta, como refere o Massano Cardoso dois posts abaixo. Assim como se perguntassem, mas que diabo vos deu na cabeça, povos do mundo?
A seguir, a peça falou dos imensos milhões gastos na compra de Tamiflu, aumentado em cerca de 500% o volume de negócios de grandes farmacêuticas que estavam em grandes dificuldades. Referiu as encomendas de outros tantos milhões de vacinas e de compras de kits em quantidades absurdas para escolas e outras instituições.Tudo somado, biliões gastos em actividade e produtos em absoluta desproporção com o mal a evitar. Ou seja, sem criar riqueza, embora aumente os PIBs dos vários países e os resultados de algumas empresas.
A este propósito, Patrick Viveret, filósofo e Conselheiro do Tribunal de Contas francês, autor de um livro muito interessante chamado “Reconsidérer la Richesse”, suscita a questão de empresas e países continuarem a guiar-se por indicadores construídos numa época em que não eram valorizadas muitas das realidades que hoje têm grande relevância económica, como o ambiente, muitos bens não transaccionáveis ou o trabalho doméstico, só para citar alguns exemplos, o que conduziu a uma forma desajustada, ou mesmo errada, de calcular a riqueza. Em traços muito largos, esta fórmula permite que o PIB suba quando há catástrofes a que é preciso ocorrer, apesar de o seu rescaldo trazer mais pobreza, impedindo uma avaliação correcta da economia real e dos seus efeitos no desenvolvimento e na vida das pessoas. Este tema foi já objecto de longos estudos de muitas comissões, incluindo da OCDE e do PNUD, de modo a que possa construir-se uma nova “bússola” dos desenvolvimentos económicos e de valorização das actividades que realmente contribuem para o bem estar e o aumento da riqueza.Até que se chegue a uma conclusão, uma pessoa já não sabe no que há-de acreditar, se na agenda expressa se na agenda oculta, para usar uma terminologia muito em voga que não é mais do que a invocação moderna da Alice no País das Maravilhas.

8 comentários:

  1. Durante estes dias que andei pelo norte, almocei num restaurante que aprecio muito, o "Pedra Alta". Fica situado na margem direita do Lima a uns... 5 minutas de Viana do Castelo. Depois de almoçar, fiz um pequeno passeio, à sombra do arvoredo que acompanha a margem. Sem mais nem porquê, veio-me à ideia uma questão sobre a qual nunca tinha reflectido. Excepto na foz do rio Minho, todas as cidades se localizam na margem direita dos restantes rios de Portugal.
    Fiquei a matutar nesta constatação e revi mentalmente o mapa do país de cima a baixo, na esperança de me recordar da excepção que confirme a regra...nada, ficam todas na margem direita.
    Então... que força maior terá ditado esta regra, questionei-me?!
    De vez em quando volto a pensar nisto. Sabemos que ao abrir o ralo do lavatório, o remoinho se gera sempre no sentido dos ponteiros do relógio e sabemos que assim é devido à acção magnética dos polos, mas as grandes cidades sempre na margem direita é qie constitui um mistério...
    ;)))

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  2. Cara Suzana:
    De facto, as gripes originam fenómenos estranhos, como o da gripe aviária que misteriosamente se dissolveu ao chegar à Europa. Mas criou necessidades que urge alimentar, agora com a Gripe A e amanhã com a gripeB,C,ou D.

    Caro Bartolomeu:
    Então, caro Bartolomeu? Seria lá possível que os grandes homens, sábios antepassados fundadores de cidades, escolhessem a esquerda para tão nobre empreendimento, e logo de primeira necessidade?

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  3. Sobre a febre (da loucura) da gripe suína:
    Tenho reparado que nos jornais e televisão em Portugal fala-se todos os dias sobre a gripe. Cheira-me até a pânico.
    Por exemplo, aqui na Alemanha, embora não seja ignorada a gripe A não aparece normalmente nos telejornais. Pelo que percebi está a ser tomada como uma gripe quase normal, o governo já informou sobre a vacinação e as pessoas fazem a vida normal.
    Se há programas nas escolas, locais de atendimento, etc., isso pelo menos não é propagandeado.
    Ainda outro aspecto sobre a gripe A e a sua designação.
    Os portugueses rapidamente adoptaram a designação de gripe A.
    Acho que não foram os porcos que se queixaram. Penso que foram os produtores, com medo de perderem o negócio.
    Na Alemanha as notícias falam sempre na "gripe dos porcos" (Schweinegrippe) . Sei que estes tipos são muito conservadores nas suas terminologias e não embarcam em modas. Mas depois ouvi na RTP Gordon Brown também falar na gripe suína.
    O mais curioso é que nas legendas em português, por baixo, lá estava a tradução (correcta) para "suine flu" = gripe A.
    A pouco e pouco percebi que em todo o lado muitos países continuam a chamar gripe suína. Alemanha, Inglaterra, Brasil, etc.
    Nestas coisas somos sempre tão socialmente e politicamente correctos.

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  4. A gripe A (ou suína, como bem diz outro comentador aí atrás) tem numerosos precedentes, como o buraco de ozono, o bug do ano 2000 e a gripe das aves. Em todos estes casos, e em muitos outros, a histeria colectiva produziu sempre uma montanha de investimento público improdutivo e um desnecessário consumo preventivo privado. Não acredito em teorias de conspiração, por isso não imagino que as companhias farmacêuticas tivessem poder para gerar esta onda; apenas a cavalgaram, como lhes competia. E o meu palpite (ignoto comentador que sou é o que posso dar – palpites) é que estes fenómenos resultam da forma como se financiam estudos científicos (um estudo que conclua que não há razões para alarme e que por isso não são necessários mais estudos seria um tiro nos pés dos investigadores); do interesse dos meios de comunicação social em propagar o medo, o choque, a novidade e o escândalo (a normalidade e o “viver habitualmente” salazarista não vendem); do empenho dos Governos em “tomar medidas” que lhes reforcem o poder e a popularidade e das oposições em criticar as medidas, porque elas oposições tomariam outras medidas muito melhores; e, finalmente, da receptividade e credulidade das opiniões públicas, agora que já não acreditam na mão divina a determinar o curso dos acontecimentos mas continuam a ter necessidade de grandes desgraças a irmanar pobres e ricos na aflição. Daqui a muitos anos ver-se-á que também o aquecimento global está dentro desta categoria de fenómenos. Mas todos se felicitarão: Grandes desgraças foram evitadas porque governos e líderes de opinião tiveram a lucidez de “tomar medidas”, uns e outros devidamente apoiados em estudos “científicos”. Está bem.

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  5. Caro Bartolomeu, esse é um mistério que poderá resultar de uma queda natural para a sensatez quando se trata de escolher o futuro de um novo agregado humano :)mas em qualquer caso parece-me um mistério tão grande como o das gripes e outras calamidades que nascem do chão e evaporam-se como água, muitos milhões mais tarde.
    Excelentes comentários, caros Luis Bonito e JMG. Pelos vistos, somos caso único em matéria de amplitude do pânico e de propaganda,na Holanda nem vi nenhum aviso especial, salvo nas casas de banho e em londres há muito que o assunto é de rotina, apesar de ser o país onde mais depressa cresceu o número de engripados.Caro JMG o seu palpite, como lhe chama, parece muito certeiro é difícil não concordar.

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  6. espero que não seja somente a calamitosa grandeza dos milhões que vá ditar a sensatez desejável... e necessária, confiemos na clarividência do agregado humano!
    ;)

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. A leitura deste texto originou naturalmente comentários muito interessantes, nomeadamente o do caro Luís Bonito, ao abordar a atitude do Estado Alemão face à pandemia anunciada, de modo diverso do Estado Português. Com efeito o constante “matraquear” da ministra da saúde sobre a evolução do número de infectados, afigura-se-me desnecessário, senão inconveniente, pelo preocupação e pânico que gera. E tanta preocupação pode levar-me a pensar que, num período de eleições como este, em que todos os ministros procuram capitalizar para si dividendos a todo o custo, do que fizeram e do que inventaram, também a Sra. Ministra da Saúde tenha a tentação de capitalizar os dividendos de uma coisa que ainda não é, embora possa vir a ser, claro…

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