sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A lei da paridade ou um caso do atávico paternalismo estadual sobre as mulheres

Na edição de hoje do JN, publica-se uma peça sobre a aplicação da lei da paridade nas últimas autárquicas. O título é sugestivo: "Lei da paridade furada pelas próprias mulheres".
Mais interessante do que o pormenor de saber quais os partidos que se aproximaram menos da "paridade", é a ideia prepassada pela peça jornalística de que são as mulheres que defraudam a nobre intenção do legislador. Como se faz essa leitura? Simples. Pega-se no exemplo de quatro câmaras municipais e verifica-se que nesses Executivos algumas das eleitas vereadoras suspenderam ou abdicaram do mandato. Conclusão: só se candidataram porque a lei impõe a presença nas listas de uma percentagem de mulheres.
Se esta conlusão já é de si muito significativa do que vale essa lei, o que mais me impressiona no artigo é a declaração de um sujeito, pelo que se percebe vereador eleito pelo PS em Famalicão, que se insurge contra a renúncia ao mandato de duas eleitas para o mesmo Executivo, repudiando a atitude destas e bradando que "a lei da paridade não pode ser tratada assim"!
Pois eu penso que é exactamente em nome do valor em que pretensamente assentou o gesto paternalista do legislador - a dignidade da mulher -, que aquelas vereadoras têm o indeclinável direito de não ser tratadas assim como as trata aquele vereador, intérprete de uma corrente do politicamente correcto em matéria de igualdade de género.
Desrespeito pela dignidade e pela igualdade é não reconhecer às mulheres a mesma liberdade de renunciar ao mandato - por razões que elas invocarão e pelas quais são responsáveis -, liberdade que a ninguém passa pela cabeça não reconhecer aos homens.
São estes episódios que põem a nu o carácter atávico do paternalismo estadual que longe de igualar, diminui.

2 comentários:

  1. Caro Ferreira de Almeida:
    Claro que todos ou todas podem renunciar ao mandato.
    Claro que todas ou todos não o deveriam fazer, excepto em circunstâncias muitos excepcionais, entendíveis e atendíveis.
    Se muitos e muitas aparecem a renunciar assim tão facilmente e de imediato, é porque foi uma fraude a sua entrada nas listas.
    E os eleitores foram enganados.
    Votam nuns para aparecerem outros.
    Enfim, mas na vergonha em que a política, em geral, se vem transformando, já pouco se nota.
    Quando o tecido é quase todo ele uma nódoa, mais nódoa menos nódoa é igual. Só ficará limpo, deitando-o fora, para reciclar. Se isso for possível.

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  2. Anónimo10:37

    Toca num ponto essencial que aqui já temos aborbado e que este tema da paridade, tal como tem sido tratado, convoca na perfeição: a questão da responsabilidade individual, coisa que parece não ter qualquer valor nos dias que correm.
    Mulheres ou homens não devem ser só avaliados em razão dos seus méritos, devem também responder por igual pelos seus actos.
    Atendendo ao caso que dá mote ao post, não é a lei da paridade (que sempre considerei diminuitiva das mulheres, sobretudo das que têm valor e dispensam a caridade da lei protectora) é a responsabilidade de quem porventura defraudou a confiança do eleitorado.
    Quanto às nódoas do sistema, que começam a contaminar o regime, estou de acordo desde a primeira hora que fundámos este blogue. Por isso é que o baptizámos com o nome que tem...

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