quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Alfredo Barroso e o Ensaio a favor da Cegueira-III

Continuando com o Ensaio a favor da Cegueira, peça de ficção de Alfredo Barroso publicada no i, e que muitos se aprestam a decorar para, em tom de comédia pobre, exibirem nos teatros ambulantes da campanha eleitoral.
Depois de grosso prelúdio, enumera Alfredo a herança dos dez anos de Cavaco, de 1986 a 1995: défices excessivos do sector público administrativo; aumento da despesa pública superior a 12%, entre 1990 e 1995; taxa de crescimento muito baixa...
De forma explícita, Barroso pretendeu inculcar a ideia que Cavaco deixou uma situação equivalente à actual: défice excessivo, aumento insuportável da despesa, taxa de crescimento baixa… Grosseira manipulação.
Logo, porque o quadro macroeconómico era completamente diferente da actual: em 1985, a Despesa Pública não chegava a 11% do PIB, os impostos andavam à volta de 7,5% do PIB e a Dívida Pública era de 14,1% do Produto.
Criminoso seria se, nessas circunstâncias, o Governo não utilizasse a política orçamental para minorar as dificuldades então existentes e lançar a economia.
Ademais, era necessário acudir a uma situação social extremamente grave. Em fins de 1985, os salários em atraso eram um drama, nomeadamente em Setúbal, com 65.000 pessoas atingidas por esse flagelo. Por outro lado, os trabalhadores agrícolas não tinham qualquer protecção, pelo que a sua integração no regime geral da segurança social era um acto de solidariedade inadiável. Ao mesmo tempo, impunha-se uma reforma do sistema retributivo da função pública (criado em 1935, quando havia 35.000 funcionários), que constituía um caos ingerível, até pela existência de cem regimes salariais diferentes. A reforma levou a um acréscimo efectivo de gastos. Mas tem constituído uma falácia esquecer que, na retribuição, passaram a ser incluídos os impostos que não eram incluídos nos salários. Cresceu a Despesa, mas cresceu também a Receita. E o facto é que, apesar de criticada, nenhum Governo alterou essa reforma, que tem mais de 20 anos.
Todavia, e com uma cobertura muito maior de serviços públicos, e contrariamente ao que diz Barroso, os défices nunca foram excessivos, já que, de 1986 a 1995, só nos últimos 3 anos ultrapassaram os 3%, andando entre os 3,5% e os 3,7%. E tanto não foram excessivos que, em 1995, a Despesa Pública não atingia sequer os 30%, e a dívida pública andava na casa dos 40% do PIB. Por seu lado, a economia teve o seu maior crescimento desde a década de sessenta, crescimento esse infelizmente não igualado em períodos posteriores, e já lá vão 15 anos.
Mais uma vez Barroso elevou a voz para sair pela esquerda alta; afinal, acabou por cair no alçapão do ponto, ou dos pontos a que recorreu.

12 comentários:

  1. O contraste ainda é maior se olhar-mos para o défice externo e para a dívida externa líquida.
    A dívida externa líquida passou de cerca de zero em final de 1995 para a cavalgada, logo a partir de 96, até hoje em que está em cerca 115% do pib.

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  2. As contas com o exterior mostram um superavit, na média do período 1985-1995 o que, se tivermos em conta que o crescimento da economia terá superado os 3%, tb em média, constitui um dado assinalável...
    Comparar esse período com o actual é quase a mesma coisa que compara o céu com o inferno...
    Mas temos de admitir que haja sempre quem tenha "arte" ( o nome correcto seria outro) para toda a sorte de confabulações numéricas...

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  3. Caro Ricardo: Tem toda a razão.
    À data de saída de Cavaco do Governo, em 1995, a dívida pública externa era de 1,8 mil milhões de contos, equivalente a 9 mil milhões de euros e significando apenas 17,4% da dívida global.
    O Estado era financiado basicamente pela poupança interna, ao contrário do que agora acontece, em que as políticas governamentais fotam no sentido de dar prioridade à dívida externa. Veja-se o que aconteceu, e ainda acontece, com as taxas dos Certificados de Aforro e, mais atenuadamente, até com com os Certificados do Tesouro.

    Caro Tavares Moreira:
    O artigo de Alfredo Barroso é um nunca mais acabar de frases feitas, sem qualquer suporte factual ou estatístico, nos casos em que tal seria necessário.
    O esclarecimento do meu amigo é mais uma contribuição para desmontar o "ensaio" da peça.

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  4. Meu Caro Pinho Cardão
    Se eu fosse Cavaco Silva, convidava-o já para dirigir a campanha eleitoral! Para tratar de números ninguém como o meu amigo. Eu penso que Alfredo Barroso nunca disse, no seu ensaio sobre a "cegueira", que a actual situação é equivalente à que Cavaco deixou. Concluir isso é que será, salvo o devido respeito, manipulação. A questão, por exemplo, dos funcionários públicos, os tais que reformá-los não resolvia o problema, porque deixavam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações, diminuindo a receita do IRS, restando, pois, esperar que acabassem por morrer, o caro Pinho Cardão branqueia-a com a falácia de não se ter tido em consideração que a retribuição salarial dos funcionários públicos passou a incluir os impostos. É verdade que a componente impostos foi acrescentada aos vencimentos dos fucionários. Mas não foi só isso: houve uma verdadeira reclassificação, com designações funcionais diferentes e subidas acentuadas de remunerações. Mas a reforma propriamente dita ficou na gaveta. Estilizados conceitos, belas palavras, um preâmbulo do respectivo diploma não passou de uma declaração de intenções jamais concretizadas. Perdendo-se a oportunidade, como diz Alfredo Barroso, "de levar por diante as reformas indispensáveis, mesmo que impopulares".
    Que foi feito dos fundos europeus concedidos a Portugal, numa época de ouro de oportunidades? Sobre isto, o meu amigo não fala!
    Fala em crescimento mas não fala em desenvolvimento (que não houve).
    Continuo à espera que o caro Pinho Cardão alinhe, perante os leitores deste blogue, a tal meia dúzia de críticas substanciais e inteligentes que Alfredo Barroso não foi capaz de apontar!
    Ficamos à espera do seu IV ensaio.

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  5. Caro Fartíssimo do Silva:
    Já vou no 3º post sobre o Ensaio a favor da Cegueira de Alfredo Barroso. E, pelos vistos, o meu amigo gosta e quer mais, a avaliar pelo modo como termina o comentário. Mas aí não lhe farei a vontade. Quem é opositor de Cavaco é que deve trabalhar e suar para arranjar argumentos sólidos e inteligentes. Não eu, que o apoio. Mas confrangem-me tanto certas críticas saloias que, por vezes, até me dava vontade de alinhar meia dúzia delas que fossem consistentes.
    Quanto ao seu comentário, agradeço que não tenha contestado os números. Aliás, nem poderia, porque são verdadeiros. E eles, só por si, destroem a tese de Barroso, da pesada herança de Cavaco, ou seja, e em síntese, "défices excessivos do sector público administrativo; aumento da despesa pública superior a 12%, entre 1990 e 1995; taxa de crescimento muito baixa...", etc, etc.
    E engana-se quando diz que eu disse que Barroso disse; eu não disse que Barroso disse, apenas disse que Barroso, ao citar aquela "herança", inculcou a ideia que a situação actual era similar à que Cavaco deixou.
    O resto são segundas, terceiras ou quartas derivadas.
    Apareça sempre. Até porque estou esperançado que, no fim da campanha, ainda me possa dar razão. E esta, hem?

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  6. Caro Pinho Cardão
    Aparecerei sempre. Não pense que tenho muitas ilusões quanto a Cavaco não ganhar as eleições. Não porque seja a pessoa certa para o lugar certo. Os portugueses contentam-se, muitas vezes, sem ambição. Cavaco reeleito seria mais do mesmo, ou seja, a áurea da mediocridade. Bem vistas as coisas, o seu mandato foi muito poucochinho. Assistiu a tudo o que nos aparece porta dentro das nossas casa e famílias e de nada é responsável. É espantoso. Mas olhe que o povo, assustado com a crise, é capaz de correr a votar Cavaco, como se fosse o santo milagreiro. É o tal mito que não corresponde à realidade. Conheço pessoas de direita, (por mim sou um social democrata desalinhado de qualquer partido) que não suporta Cavaco, dezprezam-no e já me disseram que não votarão no candidato, que escreve mensagens no twuiter, como candidato mas falando como Presidente. Aguentou Dias Loureiro de forma absolutamente insustentável! Foi preciso que João Lobo Antunes acatapultasse o conselheiro de Estado borda fora! Quer agora uma campanha poupadinha! Porque quer afastados da Campanha os fantasmas que o financiaram em 2006 e que vieram, depois da eleição, para o assombrar! Como sempre, tenta passar pelos pingos de chuva para se não molhar. Estão por explicar as "escutas" em Belém. E soube, como ninguém, no período de pousio, fazer umas valentes mais valias que nunca foram bem esclarecidas. Fez pela vidinha, como os outros a quem aponta de enriquecimento obsceno. Não estando num pedestal, por enquanto, está todavia em condições de o carregarem no andor.
    Mas, mas, como já uma vez disse em seu anterior post, a procissão só agora saíu do adro...

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  8. Careo Paulo:
    Desvanecido pelo facto de dizer que aqui, no 4R, se faz o serviço público de alertar contra determinadas falsidades factuais e de exercer o contraditório.
    De forma calma, ponderada e objectiva. Mas desmacarando falácias e erros premeditados ou simplesmente devidos a ignorância. Usando os números e as estatísticas, mas não as torturando, como muitos o fazem. E no Ensaio de Barroso se fez. Respeitando, contudo, e sempre, outras opiniões.

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  10. Caro Paulo:
    Puxa, vida, vejo que lhe chegou a mostarda ao nariz!...
    Claro que se devem chamar os bois pelos nomes, mas se eles tiverem nome bonito, tanto melhor!...
    E Bordalo Pinheiro também não era manso nem tanso. Boa escola!...
    Ah, já me esquecia do essencial: é que não sou político. Exerci funções políticas, episodicamente, durante um período curto, cerca de três anos. Nunca antes, nem depois. E nunca fui de qualquer rebanho, muito menos tenho que levar algum a qualquer sítio.
    Mas cada qual tem o seu estilo. O meu é pacífico. Não gosto muito de conflitos. Mas, quando é preciso, gosto de um bom combate. Como este, meramente virtual, com Alfredo Barroso e o nosso Fartíssimo.
    Abraço

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  12. Caro Paulo:
    E não sou eu que vou agora discordar de si!...

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