quinta-feira, 14 de julho de 2011

Assim vão as coisas

Não sei se alguém ainda se lembra da energia consumida com a discussão e o processo de aprovação do Tratado de Lisboa. Da dramatização se não fosse, do prejuízo da demora, depois grande alegria, agora sim, é que Europa está em condições de “reforçar a eficiência e a legitimidade democrática da União e melhorar a coerência da sua acção”. Criou-se um Presidente do Conselho Europeu e um Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política Segurança, para além de outras mudanças, todas no sentido do reforço das decisões no âmbito da “União”.
Quando o milagroso Tratado entrou em vigor, em 1 de Dezembro de 2009, já a crise financeira ia alta, a Europa tentou disfarçar, assobiar para o lado, fingir que não era nada connosco. Não havia produtos tóxicos na banca, não havia bolhas imobiliárias gigantes, não havia alto desemprego, era só ajudar os mais incautos e logo a nuvem passaria ao largo.
Não só não passou ao largo como se adensou, escureceu e desabou. Primeiro na Islândia, que “faliu”, depois a Irlanda, depois a Grécia, depois Portugal, depois…a ver vamos. A cada caso a Europa respondeu com imensas explicações para “isolar” cada caso, e garantir que, tirando um, depois outro, depois outro, mais nenhum estaria em perigo. Aparentemente, cada país em grave risco era um fenómeno particular, cheio de razões não exportáveis, a Europa fortificada pelo novo Tratado continuou a aplaudir as contas de Portugal, por exemplo, e a não achar nada de estranho nas subidas em flecha das dívidas de vários países.
Finalmente, optou por tratar com grande severidade as desgraças tornadas evidentes. A Islândia tinha tido um Governo quase criminoso, a Irlanda foi vítima da inconsciência dos respectivos Bancos (pelos vistos ninguém tinha estranhado o boom dos tais bancos), subitamente desvendou-se o mistério da subida em flecha do PIB da Grécia, finalmente ficaram pasmados e de sobrolho mesmo muito carregado com o estado das finanças portuguesas, a necessitar de sucessivos e desesperados PEC’s, cada um deles mais do que suficiente para “recuperar” da crise e “relançar” a economia.
Mesmo assim, sucederam-se as garantias de palavra de honra de que não havia motivo nenhum para “contágios”, a então Ministra das Finanças francesa, agora Presidente do FMI, jurava que Portugal seria a “porta corta-fogo” da crise das dívidas na Europa.
Agora, já caiu o tabu em relação à Itália, e outros Países estão surpreendentemente silenciosos, enquanto assistem ao estrangulamento violento dos que caíram na desgraça da incapacidade de cumprir. E a Europa? Essa, multiplica-se em reuniões inconclusivas, marca reuniões que não sabe para que servirão, fala desencontradamente para os jornais, ameaça as agências de rating com novas agências de rating, como se o problema fosse as agências e os técnicos e não a gritante falta de políticos.
Foi, de facto, lamentável, e dramático, que Portugal se tivesse deixado embalar pelo doce cantar das sereias europeias, bem podíamos ter evitado a dimensão do drama que nos atinge.
Mas que a Europa não tem a mínima ideia do que andou a fazer, nem do que há-de fazer, nem talvez mesmo do que está a acontecer, isso parece mesmo. E, Obama, segundo noticiam , saiu da sala furioso por não ter havido acordo sobre o aumento do nível de endividamento sem contrapartida na despesa.
Acho que temos todos vontade de sair da sala furiosos, mas para conseguir o quê?

4 comentários:

  1. Para piorar tudo o buraco está mais em baixo ..e o exemplo vem de cima ..


    "...Os luteranos difundiram a expressão Beruf, entendida como algo bem mais do que seguir uma vocação, mas sim um plano de uma vida inteira. A alteração proposta por eles de abandonar-se a vida contemplativa trocando-a para o empenho vocacional teve efeitos duradouros nas estruturas sócio-econômicas que se seguiram. Foi ela - esta revolução ética - a principal responsável, segundo Weber, para o sucesso material dos países protestantes que, a partir do século XVII, colocaram-se na vanguarda do desenvolvimento ao engajarem toda a população no mundo produtivo e não mais o contemplativo...."


    http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2005/04/02/000.htm

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  2. Anónimo09:46

    Num depoimento que ontem mesmo me pediram recordei os tempos de discussão(?) do Tratado de Lisboa e do foguetório com que se comemorou a assinatura como a prova mestra do autismo europeu. Já Roma estava a arder e a corte continuava a tocar as liras de uma satisfação que hoje choca. Como soa a tragédia a frase do primeiro ministro do País do país anfitrião para o presidente da Comissão: Porreiro, pá!
    Estou em crer, Suzana, que estamos prisioneiros desta Europa e por muito furiosos que alguns de nós se sintam, percebemos que sair de onde estamos é lançarmo-nos num cenário de ainda maior imprevisibilidade. Resta esperar, despertos, realistas e exigentes, que o encantamento das sereias europeias, como lhes chama, dê lugar a uma consciência colectiva de que o projecto europeu, nalgumas das suas componentes, falhou e que se torna urgente repensar. E, o que não é menos relevante, mudar urgentemente de protagonistas.

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  3. Pode parecer um comentário simplista o que vou dizer a seguir, mas vendo o estado do mundo actual, faz-me ter saudades do tempo em que estavam bem definidos dois tipos de concepções políticas. Uma esvaziou-se a outra resolveu abrir a caixa de pandora e deixar que tudo acontecesse. Os bancos até então super cuidadosos, começaram a emprestar de forma irresponsável para tudo o que se quisesse. Viagens, sapatos, frigoríficos, e a cereja no topo do bolo, casas. E então foi vê-las crescer, mais rápido que cogumelos. E como alguns cogumelos, muitos dos empréstimos transformaram-se em veneno e contagiaram a sociedade. Mas como a euforia continuava, toda a gente, da classe politica à classe empresariam assobiou para o lado e fingiu que nada de mal estava a acontecer. A Europa preferiu não ver os Estados Unidos não ouvir e a classe politica não falar e assim chegamos a este estado. Agora toda a gente fala, mas esperemos que não seja tarde.

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  4. caro Caboclo, não tarda estamos mesmo condenados a viver como eremitas, na contemplação do que pensámos que seria possível alcançar e que se tornou inatingível...
    Caro Ferreira de Almeida, a falta de protagonistas capazes não será já uma consequência desse esvaziamento?
    Caro Chaceler House, simplista não é, mas no documentário Inside Job há quem responda a isso: se estavam todos a enriquecer por que é que se havia de parar?

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