Já em diversos textos e intervenções me tenho referido, ao de leve, às agências de rating – sobretudo as três conhecidas “irmãs”, S&P, Moody’s e Fitch, que dominam o mercado (com uma quota de cerca de 95%) – mas nunca lhes dediquei a atenção de outros escribas e analistas. A razão é simples: sempre as considerei incontornáveis. Goste-se ou não, elas existem, as suas opiniões e análises são globalmente escutadas e a melhor forma de um país ou empresa não estar sujeito à sua ditadura é “não se pôr a jeito”. Escrevo hoje sobre estas agências e sobre a sua (in)competência, que tem sido uma constante nas opiniões emitidas sobre Portugal ao longo da última década.
Começo pela última decisão da Moody’s, que há duas semanas atrás resolveu descer em 4 níveis o rating da República portuguesa, cortando-o para “lixo” (e levando atrás uma série de bancos e empresas não financei-ras). Creio ser impossível não se concordar que, embora a fundamentação esteja correcta, o timing escolhido foi simplesmente… incompetente – inaceitável, mesmo –, originando as mais variadas (e legítimas) especula-ções, não só em Portugal como na Europa, quanto às (outras) razões que poderão ter estado na origem dessa decisão. Na verdade, o (novo) Governo tinha acabado de tomar posse; a maioria absoluta existente no Parlamento é confortável; mais de 80% dos Deputados eleitos apoiam o programa de assistência financeira assinado com a missão internacional de BCE/CE/FMI em Maio último. Por mais desastrada e alvo de crescente preocupação que seja a forma como a União Europeia tem vindo a lidar com a situação na Grécia, bem que podia ter sido ponderado esperar pelos primeiros resultados da concretização do programa e conceder um benefício da dúvida durante algum tempo (6 meses, por exemplo, até ao final do ano).
Acresce que, com o mesmo fundamento, na semana passada foi a vez de a Irlanda ter visto descido o seu rating pela mesma Moody’s – quase em simultâneo de ter sido conhecido, através do FMI, que a implantação do programa negociado estava a correr sobre rodas (e até a exceder as expectativas)…
Estes dois exemplos da actuação da Moody’s mostram bem a (in)competência das agências de rating – e muitos outros são bem conhecidos: à altura da falência, a Enron (2001), a Worldcom (2002) e o Lehman Brothers (2008) eram todos credores de enorme confiança. Tal como a Islândia, cujo rating era máximo, ou próximo desse nível, pouco tempo antes de entrar em incumprimento (2008). Mas também Portugal foi vítima, no passado, da incompetência das agências de rating, embora no sentido oposto ao do último corte da Moody’s. E, quem sabe, com uma actuação, digamos, competente destas agências, talvez não tivéssemos chegado à situação que hoje enfrentamos. Vejamos.
Entre 1998 e até Março e Julho de 2010, respectivamente, a Fitch e a Moody’s consideravam o nosso país merecedor de um rating apenas dois níveis abaixo do máximo. Na primeira década do século XXI apenas a S&P baixou o rating da República Portuguesa, por duas vezes (2005 e 2009). Mas mesmo da última vez, ficámos a apenas 4 níveis do máximo… Ora, em 2003, o potencial económico de Portugal entrou na casa de 1%, tendo descido para a ordem dos 0% a partir de 2005 (inclusive). Um facto a que não foi certamente alheio (i) o sucessivo adiamento de reformas estruturais que deviam ter sido realizadas logo que aderimos ao euro para que não perdêssemos competitividade (na falta das políticas monetária e cambial que, no passado, em diversas ocasiões, tinham sido fundamentais para nos livrar de – maiores – apuros); e (ii) as fracassadas tentativas de correcções do desequilíbrio das contas públicas, assentes na sua maioria em aumentos de impostos – o que ajudou a liquidar a economia – e não, como devia ter acontecido, na racionalização da despesa pública. Se à paupérrima evolução económica juntarmos a rápida expansão da dívida pública (mais do que dobrou face ao PIB desde 2000), era uma questão de tempo – mesmo sem crise internacional – até a situação se tornar insustentável.
Tudo isto aconteceu bem debaixo dos olhos das agências de rating – que, incompetentemente, ignoraram os avisos que tantos (entre os quais me incluo) foram fazendo desde o início do novo milénio… O que nos pode ter saído muito caro: com uma postura mais atenta e severa, os juros teriam começado a subir há muito tempo; o consumo doméstico teria sido refreado; os níveis de endividamento nunca teriam chegado onde chegaram; teria sido exigida uma acção reformadora por parte dos responsáveis governativos que só agora, depois de requerida ajuda internacional, poderá ter lugar.
Durante todo esse período, onde estavam todos os que, desde há cerca de um ano tanto têm criticado as agências de rating?... Não me recordo de os ver atacar a sua incompetência… que, aí, como já referi, contribuiu largamente para o fosso em que nos fomos afundando.
É evidente que uma regulação mais apertada a nível global e uma maior concorrência entre agências de notação contribuirão certamente para aumentar a sua competência – da qual todos beneficiaremos. Afinal, se é sabido que existem inúmeras agências de rating a nível global, por que razão só as três “irmãs” são certificadas por todas as principais autoridades monetárias e de supervisão mundiais?... Deixemo-nos, porém, de lamechices: pusemo-nos a jeito, pelo que só temos, agora, que mostrar serviço – leia-se, cumprir tudo o que foi acordado em Maio último. Se possível superar até algumas metas. Só assim voltaremos a reconquistar a confiança internacional e o financiamento dos mercados, de que estamos, agora, arredados. Pode não ser suficiente? Pode, porque a displicência com que a União Europeia tem lidado com a Grécia, o contágio da crise a Espanha e a Itália, e a situação explosiva do endividamento dos EUA podem atirar a economia global para uma crise (ainda) maior do que a originada pelo subprime. Mas é necessário. Ainda que, mesmo assim, possamos não ficar a salvo da incompetência de Moody’s & Companhia.
Nota: Este texto foi publicado no jornal Sol em Julho 22, 2011.
Caro Dr. Miguel Frasquilho; É sempre possível sobreviver, sem sabermos obrigatóriamente como o vai o mundo!
ResponderEliminar;)
http://www.youtube.com/watch?v=ZoRSTRwGUSY&NR=1
Caro Miguel, dificilmente conseguiria produzir um post sobre o assunto com que concordasse menos.
ResponderEliminarNão estando aqui a defender as 3 manas, embora ache que deva defender os seus profissionais, a verdade é que elas lançam outlooks negativos relativamente a Portugal desde a altura em que o Miguel se reclama, e bem, de também o fazer. Portanto, não é verdade que não o tenham feito. Não o traduziram a downgrades mas a verdade é que o Miguel, e as outras pessoas todas, também não.
Quanto ao timing do último downgrade, parece-me que a sua perspectiva é completamente errada. Se havia a possibilidade de pequenos investidores virem a comprar dívida Portuguesa no dia seguinte tendo a agência uma opinião pior que aquela que era pública, então era dever delas torná-la pública. Não se pode criticar alguém de andar a defender os mais fortes para depois, quando são os pequenos que estão em causa, criticar por os defender. Não foram eles que tiraram o tapete aos Gregos e é lícito que eles pensem que, sem tapete, a dívida portuguesa não é a mesma coisa.
Não é verdade que sejam incontornáveis, tanto não é verdade que pelo facto de emitirem a mesma opinião para vários mercados, há mercados onde essa opinião interessa e é lei, há outros em que serve propósitos de higiene,
Finalmente, a questão da regulação. Foi a regulação que criou este poder das 3 irmãs. Da mesma forma que é impossível estar certo em todos os instantes, é impossível estar errado em todos os instantes. A única razão pela qual a opinião das agências é importante é porque um conselho global de governadores de bancos centrais, pouco dado a estas coisas de banca, fizeram da opinião das 3 irmãs lei. Pior, tornaram tão difícil o acesso à actividade de avaliação de risco que as 3 irmãs podem dizer o que quiserem sobre o que quiserem, porque houve um burro qualquer que decidiu que a opinião delas estava completamente certa, estivesse ou não. Mais regulação é exactamente a última coisa que deveríamos ter.