Nesta enorme barafunda que se gerou sobre quem deve pagar o quê no quinhão na correcção do defice e da dívida – que faz lembrar a frase de guerra “morres tu, morro eu?, morre tu que não te conheço de lado nenhum” – os olhos saltitam para a receita e para a despesa e vão tirando conclusões sobre o aumento previsível da recessão. É bom lembrar que, em 2011, todos tinham perdido meio salário, traduzido em receita por um imposto extraodinário, e que, em 2012, esse imposto desapareceu, ou seja, o sector privado recuperou o meio salário (reduziu-se a carga fiscal), mas o sector público perdeu 4 vezes mais, reduzindo dois salários (diminui-se a despesa).
Este ping- pong entre receita e despesa fica muito claro se pegarmos no exemplo concreto do Senhor Manuel que, até 31 de Dezembro de 2012, trabalhou no sector privado. Não pesava no lado da “despesa”, por isso o seu rendimento era reduzido pelo aumento da receita ou seja, o clássico imposto. Esse cidadão estaria então ao lado dos que exigiam “redução da despesa”, “baixa de impostos” e redução directa do que o Estado pagasse a quem tinha que pagar, trabalhadores e pensionistas, para simplificar e nos concentrarmos no que hoje anima os nossos debates.
Reformado a partir de 1 de janeiro de 2013, o mesmissimo Senhor Manuel, embora se mantenha contribuinte tal e qual os seus ex-colegas de escritório, vê os seus proventos passarem de imediato à categoria de “despesa” e, ainda que ficasse a receber o mesmo que antes, e a pagar os mesmos impostos, o facto é que a despesa do Estado aumentou por conta dele, porque lhe paga a pensão. Fica, assim, o Senhor Manuel arrebanhado nesse redil onde se aglomera a “despesa”, logo, a simples mudança para a sua nova classificação orçamental traduz-se num empecilho à economia e ao crescimento. Até ao dia fatídico em que se reformou, os seus impostos deviam ser poupados a bem da economia, agora a sua reforma tem que ser “reduzida” diretamente, para abater à despesa. Graças a misteriosas interpretações económicas, já não é um agente da economia, para ele, o efeito é exactamente o mesmo que ser tributado quando estava no activo, mas eis que o clamor público agora lhe aponta o dedo e diz que não senhor, ele agora é despesa, adeus dias em que quando comprava um par de calças animava o comércio, ou quando ia de férias impulsionava o turismo, agora é “o Estado” que lhe compra as calças e lhe paga o lazer e esse dinheiro é considerado, grosso modo, um atentado ao crescimento. Logo, a redução da pensão desse cidadão para metade só pode ser bom porque reduz o defice. O aumento do imposto em 50% do seu colega de sala mais novo 5 anos só pode ser um atentado ao futuro porque aumenta a carga fiscal.
O Senhor Manuel, até agora orgulhoso “privado” que contribuia para o crescimento económico,, vê-se agora na pele de “despesa” e as suas perspectivas mudam de um dia para o outro, tal como o seu lugar “na economia” também. Mas o senhor Manuel, a pessoa, o cidadão, o consumidor, o pagador de impostos é que é o mesmo. Ou não?
A questão é que o Sr. Manuel descontou 34% do salário médio, durante 35 ou 40 anos e vai passar a receber 100% (ou praticamente) do último (e em principio mais elevado) salário durante 20 ou mais anos. Não é preciso ser um "Gasparzinho" para perceber que isto é um péssimo negócio para o estado, muito pior qualquer PPP (que atenção, também é preciso controlar). Isto já para não falar de reformas de Bancos de Portugal e afins que recebem reformas ao fim de muito menos anos. É preciso mentalizar as pessoas que as reformas (incluindo as dos FP's) têm de ser calculadas em função do salário médio de toda a carreira e não do último salário. Isto deveria ser feito já de forma retroactiva (recalcular todas as pensões de acordo com toda a carreira contributiva quer para a CGA quer para a SS) para todos os actuais pensionistas. Só isto provocaria um alívio muito grande nas contas públicas e não se pode dizer que seja injusto. Quando se diz que a Segurança Social é generosa não é com o desgraçado que recebe 200 ou 300€ de reforma, nem com o tipo que é contínuo a vida toda e se reforma com o salário de contínuo, mas com o juiz ou prof. universitário que se reforma com o salário de topo de carreira, quando de facto não auferiu (nem descontou sobre) esse salário a vida toda.
ResponderEliminarPartindo de uma evidência simples, assim se constrói um raciocínio brilhante!. Parabéns, Dra. Suzana Toscano.
ResponderEliminarAinda por cima, o que o srº manel pretende quando passa para o "lado do passivo", é o retorno de parte da sua longa contribuição...
Caro Toninho,
ResponderEliminarPermita-me dizer-lhe que os cálculos das reformas já são feitos do mesmo modo que aponta, isso dos 100% já foi!.
O exercício da sustentabilidade das reformas, tem sido pacífico desde o estado novo (com a criação da previdência social) até chegarmos aqui. Portanto, o problema começa agora, quando uns tantos retardados querem transformar contribuições em impostos...
Caro Jota C,
ResponderEliminarTambém não é bem assim. Isso foi só a partir de 2006/07 e mesmo assim com um período de transição até 2015 entre o regime antigo e o regime novo. Conheço pessoas que se reformaram nessa altura com o último salário e agora se queixam porque lhes cortam 5 ou 10% da reforma, quando a sua reforma real deveria ser 30% ou mais abaixo do que recebem actualmente. O exercício que eu defendo é recalcular todas as pensões, mesmo as atribuídas há anos, de forma a reflectirem toda a carreira contributiva e não apenas os melhores anos, defendendo sempre as reformas mais baixas (<500€) claro. Este exercício, que reconheço seria difícil de implementar e aceitar, além de totalmente justo permitiria um alívio muito grande das contas públicas.
Caro Toninho,
ResponderEliminarEu percebo o que o meu caro está a dizer mas repare o seguinte:
- No dia em que se reformar, o sistema far-lhe-á os cálculos (face à sua carreira contributiva) e atribuir-lhe-á determinado valor de pensão. O sistema não lhe está a dar nada, está apenas a devolver-lhe parte do seu dinheiro. Se morrer um mês depois, o seu dinheiro fica lá (se deixar viúva ela receberá 50% da sua pensão).
Ora este é o seu contrato, o seu seguro de reforma. Acha bem que seja posto em causa a todo o momento!? Claro que não, até porque o que recebe de pensão é declarado em IRS, paga impostos; e é com esses impostos, e não com as sua reforma, que o estado tem de se haver! Não acha?
Quanto aos montantes das pensões, reitero o que lhe disse.
Eu, por exemplo, quando me reformar auferirei o equivalente a +- 75% do salário atual, quando em 2005 teria de 90 ou 100% (agora não posso precisar).
Tive muito gosto na troca destes comentários.
Pps.
Caro JC,
ResponderEliminarConcordo que quando as pessoas se reformam o estado não lhes está a dar nada, está a devolver o que elas contribuíram, mas isto só é verdade se a reforma atribuída tiver em conta toda a carreira contributiva. O problema é que na grande maioria das reformas pagas actualmente (principalmente as mais elevadas) o estado está a devolver muito mais do que a pessoa descontou. Por isso (e não só) é que todos os anos são feitas transferências do orçamento (ou seja dos tais impostos com que o estado tem de se haver).
No dia em que eu me reformar o sistema (se ainda existir) provavelmente dar-me-á muito menos do que eu lá meti porque entretanto teve de assumir prejuízos com beneficiários de gerações anteriores que usufruiram de fórmulas "generosas" (usando um eufemismo). Não acho bem que o sistema seja posto em causa a todo o momento, mas o que está a por em causa o sistema é que deve ser atacado.
Também tive muito gosto nesta troca de comentários.
Oxalá que o Toninho nunca precise de se reformar... Caso contrário, irá sentir na pele o que agora não consegue perceber...
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarO Senhor Manuel sempre se convenceu que o Estado teria dinheiro para pagar a sua reforma. Andava enganado. Agora com os cortes, impostos, taxas e contribuições que estão a ser lançados sobre a sua pensão o Senhor Manuel sente-se confiscado e desprezado. E tem razões para isso. E tem razões para estar preocupado porque não lhe dizem o que vem a seguir, a estabilidade foi substituída pela instabilidade, tudo pode acontecer.
O Senhor Manuel sente que é um fardo para a sociedade. Instalou-se uma mentalidade, há já muito tempo, que os reformados não produzem, que são um peso pesado para a economia. É uma visão errada e totalmente injusta que precisamos de mudar. Os reformados trabalharam e contribuíram de muitas maneiras para o país, podem ser pessoas extraordinariamente úteis e economicamente válidas, é preciso criar oportunidades para que se sintam válidos, por exemplo, em actividades ligadas ao voluntariado em benefício da comunidade. O ponto é que precisamos uns dos outros, não os podemos dispensar.
Na nossa vida temos tempos em que vivemos à custa dos outros e tempos em que outros vivem à nossa custa.
ResponderEliminarConstatar esse facto não menoriza ninguém, é uma das leis imutáveis da vida, desde o tempo dos trogloditas. Não creio que a ciência do futuro mude esse estado de coisas. Aliás acho que os dependurados e os que suportam até são felizes o quanto possível.
Parece que estamos a atravessar um tempo de maior miséria para uns e para outros.
Mas sendo os media medíocres e o povo bárbaro (desde o soldado raso ao general) estávamos à espera de que discurso? Isto é da relva para baixo e nem chega à raiz das coisas. É a camada de cotão entre o tapete e o soalho. Sou alérgico.
Mas é uma boa chamada de atenção.