Um dia como qualquer outro, um dia que quer obrigar-me a descansar à força, um dia sem calor, um dia a convidar à tristeza, um dia como qualquer outro ou talvez não. Um passeio curto, outra vez o mesmo passeio. Passo inúmeros vezes pelo mesmo sítio e não vejo o que queria ver. Vi agora. Um impulso de momento. Adoro os impulsos de momento, habitualmente levam-me à descoberta de algo, ou, então, é esse algo que me quer descobrir. Eu sei que é uma estranha forma de entendimento, talvez um diálogo de sentimentos ou o meu perene desejo de encontrar novas emoções, antes que me gaste, antes que me fujam, antes que desapareça.
Nesse dia andaram à solta vários santos. Também têm direito a um passeio, mesmo que curto, é a sua forma de descansar e de divertir.
A capela estava fechada, mas através das vigias foi possível visualizar alguns santos, pequenos, a ladear um mais alto e aparentemente mais atraente, um São Sebastião. Coitados, andam os "irmãos" a passear aos ombros do pessoal e estes aqui enclausurados. Porquê é que não os vieram buscar? Os outros não estão longe. Isolados, tristes, porque decerto ouviram o repicar dos sinos, os trovões dos foguetes, as harmonias musicais da banda e o barulho das fanfarras, amplificados pelo eco e pela altura do pequeno morro, mereciam ter ido à festa. Pode ser que também tenham a sua festinha e, neste caso, não convidam os seus vizinhos. Não sei. Não me parece. Mas tricas de santos é matéria em que não me vou meter. Olhei para o lado e o banco, vazio de momento e vazio no tempo, contemplava o espaço abrangente e os céus em redor. Falava numa voz silenciosa, braços esticados, pernas dobradas, cabeça ligeiramente inclinada para o dorso, narinas ofegantes e boca semiaberta de algum espanto perante aquele pormenor que nunca tinha sido observado. Apercebeu-se da minha presença e, esperançado em oferecer os seus préstimos, convidou-me, reiteradamente, a sentar, como se fosse uma velha solitária desejosa de meter conversa com alguém que pudesse ouvir e partilhar as dores, as emoções e as alegrias de uma estranha existência. Ainda me aproximei, as flores silvestres cresciam em seu redor como gatos a roçarem as pernas da dona. Soltas e livres. Ouvi o banco a perguntar-me, com um sorriso simpático de velha solitária, não te sentas? Não, respondi silenciosamente. Porquê? Um porquê arrastado e meio triste. Porque não quero pisar as tuas flores. Olhou-as e replicou de costas voltadas para mim, são lindas, não são? São.
Ele não sabe, mas um dia destes vou-lhe fazer uma surpresa. Depois podemos continuar a nossa conversa silenciosa. Apenas o abelhudo do São Sebastião e os seus comparsas poderão ouvir, mas esses são discretos.
Nunca dizem nada, apenas ouvem...
Santos que ouvem, mas que nunca dizem nada... conheço alguns.
ResponderEliminarNão são os da minha predilecção.
Prefiro os que respondem, mesmo que que discordem, mas que respondam. Quando o fazem, sinto que me ouviram, que me dedicaram algum do seu tempo e atenção, penso que se dignaram olhar-me do alto e notar a minha presença.
No entanto, na minha condição de simples mortal, continuo a olha-los e a admira-los, as suas presenças merecem a minha atenção.