Um dos locais que frequentava em criança era a biblioteca-museu, não propriamente para ler livros, se bem que uma ou outra vez me sentava a uma mesa redonda para esse efeito. Ia àquele lugar para ver algumas peças que me seduziam, sobretudo armas velhas, lanças, frascos com serpentes e muito outros objetos antigos. Assustavam-me os gigantescos quadros a óleo que estavam logo à entrada, mas fechava os olhos e passava em frente. O Arménio mostrava-me tudo, inclusive um pequeno tesouro de velhas moedas romanas que tinham sido encontradas num sítio próximo. Recordo de as sopesar, eram belas, com cabeças de imperadores imponentes. Contava-me histórias, algumas mirabolantes e outras de assustar. Gostava imenso de ir até ao museu, via e fantasiava como só uma criança sabe fazer. Tenho tantas saudades desse tempo.
Recordo este episódio porque hoje, finalmente, consegui ver em Bobadela o museu. Perdi o conto às vezes que fui até esta localidade do concelho de Oliveira do Hospital, outrora uma importante cidade romana, para o visitar. Entrei e, simpaticamente conduzido por uma menina, defrontei-me com uma preciosidade difícil de traduzir em breves palavras. A casa onde viveu o General Gomes Freire de Andrade estava repleta de um riquíssimo espólio de arte e de peças diversas, muitas ligadas à etnografia e à história do município. O tesouro enche o mais guloso estômago da cultura. Comi, bebi, saboreei e entusiasmei-me com tamanhas iguarias. No regresso lembrei-me de outros museus da região, pequenos, mas soberbos no significado e na intenção. Preservam a memória e incendeiam a imaginação. O caso do museu do concelho vizinho, Carregal do Sal, é paradigmático do exemplo da cultura, do cuidado e do amor pelo passado, que estão sempre presentes nas vidas das pessoas. Considero esta devoção como uma das formas mais belas e superiores de respeito pela identidade de um povo, seja à escala nacional ou regional. Os museus não são meros depósitos de peças, são locais de convívio, de estudo, são a porta de entrada de uma povoação. Nos museus estão conservados objetos, todos com uma história, todos a fazerem história, todos ansiosos por parirem novas histórias. Respeito todos os povos e todas as localidades por onde passo ou visito, mas sempre que me deparo com estes cuidados, o meu respeito e admiração triplica, no mínimo, e faço tudo por voltar vezes sem conta para saborear e sentir tamanho prazer.
Olho para Santa Comba Dão e não vejo algo semelhante. Nada. Um nada que contrasta com o muito que já teve outrora onde permanecem muitas das minhas lembranças. Como gostava de as recordar no presente vendo os mesmos objetos, moedas, quadros, armas, punhais, lanças, frascos de vidro com víboras, todo um historial que poderia ser o núcleo de um museu capaz de atrair doações enriquecedoras do património do concelho.
Já agora pergunto, onde estão essas peças e objetos?
A ideia do museu está aqui...
Santa Comba Dão, 27.12.2013
Au ler este post, veio-me à memória um outro da mesma autoria, escrito em Novembro de 2007, com o título “Levar a carta a Garcia” (http://quartarepublica.blogspot.pt/2007/11/levar-carta-garcia.html).
ResponderEliminarE em minha opinião, manter vivos os museus que apresentam espólios de outros tempos, testemunhos de vidas, de saberes, de artes, que abriram o caminho para aquilo que hoje conhecemos e utilizamos, é uma forma de entregar com dedicação, a carta a Garcia.
É mesmo!
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