Entrou com um ar diferente. Jovem, pele clara, cabelos louros, fresca e com um sorriso social. Sentou-se, revelando uma tendência aristocrática pouco habitual para a localidade e função. Estava nervosa, uma certa crispação inundava-lhe o ar, mas mesmo assim foi dizendo que andava bem e que não tinha problemas de saúde. - Está um pouco nervosa. - Ah, é o acumular de muitas coisas, trabalho e responsabilidade. - Anda a tomar qualquer coisa. Não anda? - Sim, o meu médico mandou-me tomar um calmante. - Pois, vê-se. - Vê-se?! - Sim, a sua face fica parada, sem expressão. Corou. O exame continuou e perguntei-lhe pela saúde dos pais. - Vivo com o meu pai. Esperei uns segundos. Queria saber o que se passava com a mãe. Entretanto ia escrevinhando as minhas notas. Estava a demorar, a fácies tornou-se mais pálida e ficou mais triste. - A minha mãe morreu há nove anos. Desconfiei de uma eventual causa e perguntei-lhe o que tinha acontecido. Explicou-me à sua maneira, com alguma dificuldade, um tumor na barriga, presumi que tivesse sido um carcinoma do pâncreas. Morreu ainda jovem. - Tem irmãos? - Quatro. - Mais novos? - Sim. Feitas as contas, na altura da morte ainda eram pequenos. - É a mais velha. Deve ter tido muito trabalho ao longo destes anos. A cabeça e a expressão facial confirmaram. Baixou os olhos, baixou a voz e disse: - Tem sido muito difícil. Muito. Subitamente, pareceu-me arrependida da confissão. Levantou a cabeça, levantou a voz e rematou: - Tem que ser. Uma estranha e profunda coragem emergiu das suas profundezas. - É nova. Já tem planos para a sua vida? Olhe que o tempo passa depressa e tem direito a viver a vida. - Olhou-me, surpreendida, corou ligeiramente, uma expressão de alegria surgiu-lhe vinda de músculos faciais que há muito tempo não sabiam qual era a sua missão e respondeu-me: - Estou a pensar nisso. Estou a fazer algumas tentativas. - Então faça, não se esqueça. Levantou-se e despediu-se com um ar diferente, mais tranquilo, mais esperançoso, mas aristocrático, algo difícil de encontrar naquele meio e nas suas funções.
Gente nobre, perdida no meio das serras, lutadora, sofredora e merecedora de uma atenção e carinho inesperado. Falta de carinho, foi o que me confessou no meio da nossa conversa. Nem se apercebeu da confissão que fez. Uma mulher diferente. Uma jovem diferente, que, presumo, saiu diferente. Eu fiquei.
Que mais dizer Doutor Massano?
ResponderEliminarSe teima em não se abalançar na escrita de uma obra, porque não reúne os seus melhores textos deste blogue e os reúne em livro? Garanto-lhe que tinha, pelo menos, um comprador e leitor.
Tinha, entao, e pelo menos, 2 leitores...
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
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