segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

OE/2016: ganhou o Estado, será que a Economia vai suportar?


  1. A proposta OE/2016, divulgada na última 6ª Feira, apresenta uma inequívoca vantagem: aponta um caminho claro quanto à afectação de recursos – o Estado vai gastar mais, sobretudo em despesas correntes, a economia privada (Famílias + Empresas) vai pagar mais, em impostos, sobretudo indirectos, para permitir esses gastos do Estado.
  2. Foi a opção possível – uma Saraivada fiscal, em grande estilo – não para satisfazer Bruxelas como por aí tem sido dito à saciedade, mas sim para evitar o que teria sido uma real hecatombe para as finanças públicas (e para a economia, em geral): o “downgrade” da única notação de risco, da DBRS, que mantém a dívida portuguesa em nível “investment grade”.
  3. Resta agora saber como vai a economia privada responder a mais esta prova de desconsideração, forçada a pagar mais impostos – nas cédulas ISP, IUC, I Selo, IMI, IRC... – para financiar aumentos expressivos de despesas nos salários da função pública, nos orçamentos dos gabinetes ministeriais, nas subvenções vitalícias dos políticos, só para dar alguns exemplos.
  4. Acresce que, segundo a generalidade dos analistas, a margem para erro (“fiscal buffer”) deste 0E/2016 aparenta ser quase inexistente, o que coloca um risco bastante elevado de incumprimento dos objectivos orçamentais, máxime o défice de 2,2% do PIB.
  5. Tem a palavra a economia: quererá esta aguentar, pacificamente, mais esta prova de desconsideração, pagando a elevada factura que lhe é imposta, ou, pelo contrário, pretenderá “vingar-se” do Estado, impondo a necessidade de um OE Rectificativo lá para o Verão?
  6. Para já, o risco da dívida portuguesa, tal como percepcionado pelo mercado, continua a subir: as taxas de juro implícitas na cotação da dívida pública portuguesa (yields) no prazo de 10 anos, estão hoje a atingir 3,2%, nível mais elevado em quase dois anos…onde já vão os 1,5% de Abril de 2015…
  7. Será isto um sinal de que a economia não se conforma, ou apenas uma primeira reacção de desagrado, que o tempo se encarregará de corrigir?
  8. Veremos, terá agora (a partir de Abril) a palavra a execução orçamental.

9 comentários:

  1. Toda a gente reconhece que este Orçamento não agradou a Bruxelas, hoje liderada pelas políticas neoliberais da austeridade sem fim. E como gostaria de ter em Portugal um governo que comungasse dos mesmos ideais, que fosse bom aluno e impusesse sem discussão as suas medidas. Todos sabemos isso.
    Não há duvida que a CE, a Troika, os “mercados”, enfim, os poderosos interesses financeiros e corporativos que hoje dominam a Comissão Europeia, não colhem qualquer simpatia pelo governo de António Costa.

    Daí que a qualquer, ou melhor, ao mínimo desvio dos índices acordados, a verificarem-se na execução orçamental, se possa esperar a mais violenta reacção da CE (António Costa não pode esperar de Bruxelas a mesma benevolência que teve Passos Coelho quando falhou todos os índices previstos no memorando, défice, dívida,…). E com os “mercados” na expectativa da reacção de Bruxelas, prontos a tal chamamento.

    A dúvida será, face à débil situação não apenas financeira e social da Europa do euro, saber se a Comissão Europeia estará dispostas a arriscar com os custos sistémicos que o efeito da subida dos juros da dívida pública portuguesa para valores incomportáveis trará ao euro. Se o governo está em equilíbrio instável e com o cutelo ou o garrote da CE e dos “mercados” no pescoço, não é menos certo que a CE se encontra também em semelhante equilíbrio instável e com uma opção difícil (para eles) de tomar. Valerá a pena arriscar uma posição de força com Portugal (como deseja a direita radical portuguesa) ou, mais sabiamente talvez, ir seguindo e administrando com cautela os impulsos de esquerda do governo.



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  2. UM ORÇAMENTO PARA COSTA VIVER

    O truque. Para perceber politicamente este Orçamento do Estado há que compreender o que se passou na última semana entre Portugal e a Comissão Europeia.

    O braço-de-ferro não foi sobre o ritmo de ajustamento estrutural das nossas contas públicas – Bruxelas aceitava à partida, como acabou por aceitar (este ano, como no ano passado, para Portugal como para outros países), um ritmo mais lento (0,2 pontos em vez de 0,6). A razão era outra: os técnicos europeus olhavam para as contas com que o Governo dizia melhorar o défice estrutural em 0,2 décimas e viam o oposto: um agravamento significativo. Em Lisboa, as Finanças tinham tirado desse cálculo uma série de efeitos estruturais – em parte relacionados com as medidas dos acordos à esquerda –, sem incluir qualquer nota explicativa ou fazer uma abordagem pré-negocial. O truque caiu muito mal em Bruxelas e desde logo se percebeu que o Governo teria de recuar muito.

    A cedência. As “negociações técnicas” foram, afinal, sobre isto – e ditaram mais mil milhões de euros em medidas adicionais, numa cedência que, naturalmente, foi muito maior por parte de Lisboa do que de Bruxelas. Digo naturalmente porque se tratou, no fundo, de apresentar no final o que deveria ter sido apresentado no início: uma proposta de Orçamento que, para cumprir o acordo à esquerda e não comprometer o país em Bruxelas, tem de ir buscar dinheiro a outros lados. Já se sabia que não havia espaço para milagres. Esta não é, por isso, a proposta de Orçamento que “Bruxelas impôs” – a Comissão traça a fronteira e dá mais liberdade de escolha do que se vende aqui na paróquia. Esta é a proposta que resulta das escolhas do Governo dentro de circunstâncias que tinha obrigação de conhecer quando começou a desenhar o Orçamento.

    O ganho político. A dramatização sobre as “negociações técnicas” – feita com muita contra-informação – serve dois propósitos. O primeiro: desviar para a Comissão Europeia o ónus da responsabilidade pela não viragem da página da austeridade. O argumento da “culpa de Bruxelas” é infantil mas eficaz porque a maioria das pessoas é hostil à tecnocracia europeia e não segue com atenção um assunto desta complexidade. O segundo: sinalizar ao seu eleitorado e aos aliados de ocasião à esquerda que há limites externos à euforia. O PS é um partido de poder com matriz europeia – esta proposta confirma que quer continuar a sê-lo, mas que não quer assumir o que isso significa.

    Austeridade de esquerda? Além da responsabilização da Comissão Europeia, o Governo e os partidos que o suportam (PS, BE e PCP) têm sublinhado que esta é uma austeridade diferente – temos ouvido a expressão “austeridade de esquerda” ou “austeridade boa”. A ideia é de que o Orçamento defende “os de sempre” – pobres e classe média/baixa – e vai buscar o dinheiro a outros lados, da banca à classe média/alta. Quando se olha para o Orçamento como um todo, contudo, este argumento perde força. Medidas directamente para os mais pobres (RSI, actualização de pensões baixas, etc.) valem menos de 15% do bolo dedicado à “promoção do rendimento, equidade e crescimento”. Funcionários públicos (sobretudo os de salários mais altos), proprietários de restaurantes, pensionistas mais ricos (que pagavam a CES), famílias com rendimentos acima de 40 mil euros/ano (por via da redução da sobretaxa) representam 56% desse bolo de 1,4 mil milhões de euros. Mesmo as medidas para os que têm menos, como a eliminação maior da sobretaxa de IRS nos escalões mais baixos, arriscam serem absorvidas em parte pelo aumento (politicamente mais indolor) da subida dos impostos indirectos (a classe média/baixa também fuma e até anda de carro!). Mais do que distinguir entre classes de rendimento – e beneficiar de forma significativa as mais baixas – o Orçamento distingue entre grupos específicos (com a função pública à cabeça), à medida dos partidos que o vão aprovar.

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  3. Os riscos. A proposta tem os riscos de sempre - o facto de Portugal ser uma pequena economia aberta sujeita a choques externos - e alguns adicionais. A consolidação desenhada por Mário Centeno assenta em medidas de despesa difíceis de executar (ganhos de eficiência no Estado) e em aumentos de receita difíceis de prever (impostos indirectos). Depois há que perceber se o efeito multiplicador esperado pelo Governo se confirma. Nada disto será problema para o défice nominal - mesmo que não seja de 2,2% parece haver margem para os 3% - mas é na questão do saldo estrutural. Resta saber como reagirá a Comissão - e a comunidade financeira - ao longo do ano.

    O desaparecimento. A redução da despesa pública é, sem surpresas dada a composição da maioria que suporta o Governo, o grande ausente quer do debate público, quer da estratégia orçamental. Este desaparecimento já vem, de resto, do último ano do anterior Governo. O Tribunal Constitucional não protege os contribuintes e enquanto a receita total for aumentando e a economia crescendo aqui e ali, este é um debate que, infelizmente, não voltará a ser reaberto.

    http://economico.sapo.pt/noticias/um-orcamento-para-costa-viver_242000.html

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  4. Caro Pedro de Almeida,

    As suas considerações são, como habitualmente, judiciosas e oportunas, subscrevo-as na sua quase integralidade.
    Relativamente ao resultado do pretenso "braço-de-ferro" com Bruxelas, para contentamento dos incautos que desde sempre apreciam quem desafia os "inimigos externos", a minha percepção é ligeiramente diferente.
    Explico-me: eu creio que os Viradores de Página até nem se incomodariam muito com um pouco mais de tensão com Bruxelas, não fora o potencial impacto de um diferendo sério com Bruxelas no rating da dívida portuguesa.
    Com efeito, um "downgrade", já em Abril, da única notação de rating que mantém a dívida portuguesa elegível para as operações de QE do BCE e para utilização como colateral para o acesso dos bancos portugueses ao financiamento do mesmo BCE, teria efeitos tão devastadores que lá se iriam por água abaixo o Virar de Página, a Página e os Viradores de Página...
    E esse "downgrade" seria certo na sequência de uma nota claramente negativa de Bruxelas ao PPO.

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  5. Apenas uma opinião, a minha, e segunda a qual não houve qualquer negociação. Uns "aldrabõezecos" e gente de baixa política apresentaram em Bruxelas umas contas erradas. A CE disse-lhes que estavam erradas e, após mais uma ou duas tentativas de as fazerem passar, acabaram por corrigi-las. Tão só. Nada de novo naquela "costa."

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  6. Caro Dr. Tavares Moreira,

    Obrigado pelas suas palavras.

    O que me diz a isto?

    Bruxelas: novas medidas valem menos 155 milhões do que diz o Governo.


    http://observador.pt/2016/02/08/bruxelas-novas-medidas-valem-menos-155-milhoes-do-diz-governo/

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  7. Caros Tavares Moreira e Pedro Almeida,

    O caro Tavares Moreira tem toda a razão.
    "uma Saraivada fiscal, em grande estilo – não para satisfazer Bruxelas (...) mas sim para evitar o que teria sido uma real hecatombe para as finanças públicas "

    Quero dizer, o governo poderá ter apresentado uma versão inicial do orçamento com contas marteladas apenas para parecer que os novos impostos seriam consequência de Bruxelas e não da sua má governação.



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  8. Caro Carlos Sério:
    Pois é, Bruxelas...
    Claro que tudo é possível com o dinheiro dos outros. Acontece que não podemos dispor dele ã vontade. Mas que interessa isso, se dinheiro dos outros é conceito do mais neoliberal que há...

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  9. Caro Alberto Sampaio,

    Terá uma certa razão quando sugere que as contas (PPO)despachadas para Bruxelas, à "trouxe-mouche", terão sido um trabalho de carpintaria, de qualidade mais do que duvidosa, para suscitar uma reacção negativa dos destinatários e, com isso, conseguir uma desculpa para os aumentos de impostos que já sabiam perfeitamente serem inevitáveis aquando da carpintagem...
    Mas a verdade é que será com esta brigada da "banha de cobra" que teremos de viver, pelo menos por enquanto...

    Caro Pedro de Almeida,

    Os ditos carpinteiros arranjarão sem dificuldade umas marteladas nas contas para encaixar esses € 155 milhões adicionais, para que a DBRS se não inquiete...a execução orçamental, em fase subsequente, se encarregará de mostrar essas arolas...

    Caros Comentadores,

    Cumpre notar que as taxas de juro implícitas na cotação da dívida pública portuguesa a 10 anos (yields) voltaram hoje a subir acentuadamente, situando-se já acima de 3,5%.
    Que estranho fenómeno este...então esta notável partitura orçamental, tão auto-elogiada pelos seus autores, não se mostra capaz de convencer o resto do Mundo? Como explicar?

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