domingo, 31 de agosto de 2014

O Zé e os brasões, estamos bem entregues...

O Zé que faz cá muita falta andava há muito tempo sem aparecer com uma ideia brilhante. Parece que o Costa ficou surpreendido, mas pelos vistos só depois das reacções públicas à ideia de eliminar os brasões coloniais que decoram o jardim da Praça do Império
Acabar com os brasões - que remetem para o nosso passado histórico - simplesmente pelo facto de terem sido concebidos pelo Estado Novo não faz qualquer sentido. Não temos que nos envergonhar, antes pelo contrário, da nossa História. Se assim fosse, então teríamos que renegar da memória colectiva outros símbolos da mesma época. 
Não se compreende como é que um simples vereador da câmara municipal da capital do país decide, por sua alta recriação, eliminar um conjunto artístico que se encontra sintonizado com a zona histórica dos Jerónimos. O Mosteiro dos Jerónimos e a sua envolvente constituem um conjunto que reflecte a nossa identidade como povo. O nome da Praça do Império também é para abater? Então, e o que dizer do Padrão dos Descobrimentos? Quem o construiu? Também vai ter a mesma sorte? 
Falta de bom senso e falta de cultura levam a estes excessos irracionais. E os excessos revolucionários dão nisto. Estamos bem entregues... 

Insuspensão


Ai este princípio constitucional da igualdade!...E se fosse um funcionário? Poderia insuspender-se, calcorreando o país e, simultaneamente, exercendo a função?

sábado, 30 de agosto de 2014

São Bartolomeu

Hoje é o dia de São Bartolomeu. Nunca esqueço este dia por vários motivos, alguns mais prosaicos, outros nem por isso. Na aldeia em que vivi, neste dia comemora-se o santo. Ele lá está, na capela, prazenteiro e bem disposto segurando por uma trela o diabo. Para que o demónio não fique muito irritado liberta-o neste dia para poder dar uma volta. Ou seja, até o diabo tem direito a um dia de liberdade, vai apanhar sol e depois regressa para ficar aprisionado às mãos de Bartolomeu. Nada mau. A festa religiosa é uma realidade que ainda perdura em muitas bandas. Nalgumas zonas pratica-se o banho santo, em que as crianças são obrigadas a mergulhar por três vezes nas ondas do mar para as libertar da influência do diabo e até evitar certa doenças. Um horror. Fui sujeito a esta prática, não no dia de São Bartolomeu, mas foi também num dia de agosto e muito me doeu. Ainda hoje sinto, cada vez que penso nisso, a falta de ar que tive. Um horror que nunca mais esqueci, nem esqueço, talvez daí o meu respeito enorme à água, porque morrer afogado não deve ser coisa nada boa, pensei em pequeno. Mais tarde, muito mais tarde, tive de ver uma senhora que apresentava um quadro psiquiátrico grave, tipo psicótico. A senhora tinha algumas perturbações, mas do tipo depressivo. Nesse dia, que era também um sábado, apresentou-se numa figura que nunca mais esqueci. Perfeitamente fora do normal, com um discurso meio violento. Dizia que estava possuída pelo diabo, porque era dia de São Bartolomeu e o santo tinha-o libertado. Resultado, o diabo tomou conta dela e estava a martirizá-la. O sofrimento e a aflição eram mais do que evidentes. Pediu-me para que a libertasse do diabo. O diabo era que a senhora tinha umas dimensões corporais muito pouco usuais, mais alta do que eu e quanto ao peso nem vale a pena comentar. Tive receio de que o "diabo" se lançasse a mim. Se assim fosse nem São Bartolomeu me protegeria. Com muita calma, e um discurso temperado, tentei ajudar a senhora, até que me lembrei de que tinha umas ampolas de um neurolético. Expliquei-lhe que tinha um medicamento muito bom para a libertar do diabo, mas para isso seria necessário dar-lhe uma injeção sem que o diabo visse. Olhou-me com dois poderosos e profundos globos vidrados de cores diabólicas e não disse nada. Ficou imóvel à espera e eu não perdi tempo. Foram logo duas ampolas. Ainda olhou para a coxa surpreendida e eu continuei com um discurso calmo e o mais temperado possível atendendo à situação. Os minutos iam passando e o efeito começou a manifestar-se. A acalmia tornou-se visível, ficou menos agitada e o discurso diferente. Ai senhor doutor, parece-me que o diabo já está a sair. Pois está. O pior foi convencê-la de que ele não voltaria naquele dia. Expliquei-lhe que teria de ir para casa, tomar os medicamentos e consultar um colega da respetiva especialidade. E ele não volta, senhor doutor? Não, porque o efeito da injeção vai durar muito tempo, e logo à noite o diabo volta a ficar preso. O alívio foi mais do que notório, uma mistura de farmacologia e de fantasia, mas não tive outra alternativa na altura. Soube mais tarde que ficou compensada com a terapêutica e com o acompanhamento instituídos.
Como posso ficar indiferente a este santo, guardador do diabo, que foi esfolado em vida? Miguel Ângelo retratou-o na capela Sistina segurando a própria pele e com a faca utilizada para o esfolar.
Ainda não tenho nenhum São Bartolomeu, mas quando tiver um vou colocá-lo num local de destaque e até promovê-lo a santo patrono dos portugueses, os "esfolados vivos". Neste caso, a diferença é que não pode ser representado com o diabo à trela, porque o santo deixou de o vigiar. De facto, vistas bem as coisas, o demónio passou a andar à solta 364 dias do ano, e apenas um dia por ano poderá ficar acorrentado, ou seja, no dia de hoje...
(24.08.2014)

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Bordado de Tibaldinho

Sábado, véspera do dia em que o diabo anda à solta, saímos com o objetivo de passar a tarde não muito longe. A pretexto de ir tomar um café, o que não é natural depois de ter tomado um ao almoço, rumei até uma localidade onde julgava estar a decorrer uma sessão de "pintura de rua". Instintivamente já estava a ver algumas obras e a pensar em adquirir uma caso fosse capaz de matar a sede de arte. No local não havia nada. Dei mais uma volta e não vislumbrei quaisquer movimentos. Também não bebi o café. Comecei a andar sem destino à espera de poder esbarrar em qualquer coisa que desse sentido à viagem. Nada. O vazio dos acontecimentos era substituído por paisagens mais do que conhecidas e pelos verdes silenciosos e vulgares. Quando vi a placa, não hesitei. No último momento guinei em direção a Tibaldinho. Já lá tinha estado mas não vislumbrei nenhum sítio onde pudesse ver os famosos bordados. Ao chegar à povoação o deserto humano impôs-se e só vi um trabalhador num telhado. Não parei para lhe perguntar onde é que se poderia ver e adquirir os bordados. Enveredei por uma ruela estreita, que a meio ainda se estreitava mais, e onde consegui vislumbrar uma tertúlia típica das aldeias. Quatro mulheres de um lado, sentadas em bancos e nas escadas e duas do outro lado. Aproximei-me, mas fiquei na dúvida se passaria no local. Viram-me, levantaram-se, exceto duas, e começaram a acenar-me para passar enquanto empurravam os bancos para trás. Disse-lhes que não, que ia recuar, mas insistiram tanto que lhes fiz a vontade. Lentamente cheguei ao estreitamento da ruela. Parei. Abri a janela e agradeci a gentileza. Aproveitei a ocasião para lhes perguntar onde é que podíamos ver os famosos bordados. A mais nova apontou para uma senhora de idade, vestida de preto, e que estava sentada nas escadas com a cabeça apoiada nas mãos. A minha tia faz bordados. Ai sim? Podemos vê-los? Claro. Olhe bom senhor, pode parar o carro ali em baixo, um pequeno cruzamento de duas estreitas vielas. Assim fiz. Saí do carro, não fechei nem as portas nem as janelas e cumprimentei um velho de olhar distante e agarrado a um longo bordão que estava sentado num banco de pedra. Boas-tardes! Disse-lhe. Levantou a mão direita, empurrou o chapéu roçado, e respondeu num tom triste e distante, boas-tardes. Subimos as escadas estreitas e curtas da habitação e entrámos numa pequena sala onde tive de encurvar a cabeça com medo de tocar no teto. Casa muito humilde, acanhada, escura, dando a entender a condição social da senhora. Pediu desculpa pela pobreza e pela forma como a irmã, a senhora que tremia por todos os lados, e que apresentava um discurso de perturbação mental evidente, que, entretanto, se tinha dirigido à minha mulher, dizendo-lhe que era muito bonita, e que queria comer. Estava com fome. Está sempre naquilo, não sei o que fazer, pede comida a todo o momento. Depois, retirou de uma gaveta, vários bordados. Um deles, o primeiro, maior e muito bonito ficou-nos debaixo dos olhos. Mostrou-nos outras obras mais pequenas ao mesmo tempo que se queixava do trabalho que lhe dava a fazer os bordados e da falta de compradores. Ninguém comprava nada, os tempos não estão para isso. O melhor é não fazer mais nenhum. Os que lhe restavam podiam ir para os bisnetos, uma satisfação evidente no meio daquela pobreza de Cristo. Fui eu que optei pelo primeiro, o mais dispendioso. O preço teve de ser feito em escudos. Depois traduzi para euros a pedido da velhinha. Entreguei-lhe as notas devidas as quais agarrou com sofreguidão na mão esquerda e, quando íamos a sair, fez algo que já não via há quase quarenta anos, quando um fotógrafo à la minute nos tirou um fotografia na serra da Boa Viagem, beijou a nota de Santo António e benzeu-se. A senhora dos bordados não beijou as notas, mas benzeu-se, com discrição, em frente a um quadro que retratava um Sagrado Coração de Jesus. Tive a perceção de ter ajudado a resolver algo que lhe estaria a atormentar o seu velho coração...
Ando por aí à espera de encontrar algo, e quase sempre encontro. Hoje encontrei, um belo bordado de Tibaldinho, que vai ser centro de uma mesa e centro de uma pequena história...

Desemprego volta a cair em Julho: será verdade?!

1. O Eurostat divulgou hoje dados sobre o desemprego referentes ao mês de Julho, segundo os quais a taxa de desemprego em Portugal voltou a baixar, agora para 14% da população activa (era de 16,3% em Julho de 2013), menos 0,1 pp do que em Junho e a maior descida anual na União Europeia (a par da Hungria).

2. Esta notícia não pode deixar de ser acolhida com a maior surpresa – diria mesmo com indignação – posto que contraria um dos pilares mais frondosos do pensamento Crescimentista: não admitir, em nenhuma circunstância, nem que chovam pregos ou parafusos, qualquer expressão de melhoria do quadro macro-económico enquanto continuarem em vigor políticas neo-liberais...

3. ...e como as políticas neo-liberais, segundo o mesmo pensamento Crescimentista-Panglossiano, persistem em impor a sua lei em Portugal, em matéria de mercado do trabalho só um resultado seria possível: o aumento, persistente e irrefragável, da taxa de desemprego.

4. Todavia, não sendo viável, para os mesmos Crescimentistas, contrariar frontalmente os dados divulgados pelo Eurostat, só uma solução, aliás inteiramente razoável, lhes resta: ignorar a realidade, mantendo a sua preciosa oratória de ataque aos terríveis malefícios das políticas neo-liberais e prometendo a promessa diáfana de políticas orientadas para o crescimento...

5. ...e até podem afirmar, tranquilamente, que o desemprego não cessa de subir, que já ninguém reparará na diferença...

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Nos tempos que já lá vão...

Nos tempos que já lá vão, numa noite escura de Dezembro, o rei veio à varanda do seu iluminado palácio e reparou que a cidade estava negra como breu. Chamou o seu primeiro-ministro e ordenou-lhe: antes do natal quero ver a cidade toda iluminada. Toma lá 500 cruzados dos impostos cobrados aos feirantes e pelo uso da água do chafariz público e trata já de resolver o problema.
O primeiro-ministro chamou o presidente da câmara e ordenou-lhe: o nosso rei quer a cidade toda iluminada ainda antes do natal. Toma lá 250 cruzados e trata imediatamente de resolver o problema. 
O presidente da câmara chamou o chefe da polícia e disse-lhe: o nosso rei ordenou que puséssemos a cidade toda iluminada para o natal. Toma lá 100 cruzados e trata imediatamente de resolver o problema.
O chefe da polícia emite um edital a dizer: por ordem do rei em todas as ruas e em todas as casas deve imediatamente ser colocada iluminação de natal.  Quem não cumprir esta ordem será enforcado. 
Uns dias depois o rei veio à varanda e, ao ver a cidade profusamente iluminada, exclamou:
Que lindo! Abençoado dinheiro que gastei. Valeu a pena!...
Assim era o Estado nos tempos que já lá vão: o servo a pagar em duplicado, serviço e taxa, e o Estado a prover à redistribuição do montante arrecadado. Nos tempos que já vão?
(adaptado de conto exemplar) 

Clima económico em máximos de 2008: onde nos encontramos, realmente?

1. Segundo revela hoje o INE, o indicador de clima económico em Portugal atingiu no corrente mês de Agosto o nível mais elevado desde Agosto de 2008 (altura em que recolhíamos os imensos benefícios de uma política económica não neo-liberal, convém recordar), recuperando em todos os sectores menos no Comércio - não o de automóveis, seguramente...

2. Começa a ser difícil extrair uma conclusão líquida, inequívoca, da imensa pluralidade de indicadores económicos, mais ou menos avançados, com que diariamente somos defrontados...

3. ...por exemplo a laboriosa agência de informação económica Capital Economics, de inspiração claramente anglo-saxónica, presenteia-nos, hora sim, hora não, com a emissão de notas de pessimismo relativamente às economias do Euro – quando existem sinais de recuperação merecem toda a reserva, quando são de abrandamento ou de retracção, são acolhidos com toda a segurança...

4. ...sempre desaguando na conclusão de que o BCE precisa de adoptar políticas mais acomodatícias, seguindo na esteira do Banco de Reserva Federal (FED), para estimular a actividade económica da zona Euro, sem as quais essa actividade pode estar condenada a uma perpétua estagnação...

5. ...”sharp drop in ESI adds to signs of eurozone slowdown” assim reza o título da mais recente nota de comentário.

6. No meio da confusão e dispersão de indicadores, o Presidente do BCE, numa intervenção muito recente, veio finalmente abrir a perspectiva deste Banco poder adoptar uma política de “QE” à imagem e semelhança do que foi a política do FED nos últimos anos – compra massiva e permanente de títulos de dívida pública e privada, nos mercados secundários, inundando os mercados de liquidez e forçando uma forte descida das taxas de juro, “yields e na emissão de nova dívida, que se estendeu a todos os segmentos do mercado...

7. Os grandes beneficiários do impacto que a declaração do Presidente do BCE teve nos mercados, nestes últimos dias, foram os governos enquanto emitentes de dívida, com uma descida das yields para níveis considerados “historicamente baixos”...

8. Resta-nos esperar que os benefícios desta nova versão da política do BCE, “à FED”, a concretizar-se, possam chegar efectivamente às empresas, não se limitando aos sectores públicos, de modo a estimular o investimento privado...

9. ... e não venha a verificar-se, ao invés, um conhecido efeito de “moral hazard”, desincentivando os governos de manter políticas orçamentais prudentes, cedendo à tentação de seguir a histeria sintética do coro “anti-austeridade” (Hollande, por exemplo, está aflitíssimo com este problema, percebe-se bem da sua sugestão hoje divulgada)...

10. ...começa a ser difícil perceber onde estamos, realmente...

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

E os médicos chutados para canto!...

A demissão dos médicos foi a consequência da incompetência (palavras do Presidente da FPF) demonstrada pela selecção nacional de futebol no Campeonato do Mundo do Brasil. 
Compreende-se: também seria aborrecido atribuir as culpas ao roupeiro...
PS: Incompetência algo exótica e pitoresca: Paulo Bento, o seleccionador e primeiro responsável, foi promovido.  

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Politicamente insurreto

E eis como, de repente, o modelo de transparência que quiseram para a seleção e recrutamento dos altos cargos da Administração Pública, começa a revelar a sua essencial opacidade. É sempre assim quando o escrutinador não se deixa escrutinar. Mais uma manifestação dos resultados desastrosos da demagogia do politicamente correto. Eu, que nestas coisas sou politicamente muito insurreto - mas vivido o suficiente para saber o que a casa pode e deve gastar -, prefiro a nomeação política sindicável ao pretenso cientismo na seleção daqueles que têm de executar políticas.

Comendador João Francisco Justino

1. Fui ontem surpreendido pela notícia do falecimento do Comendador João Francisco Justino, que terá sido um dos últimos (senão mesmo o último) grande “capitão de indústria” em Portugal.

2. Conhecemo-nos quando eu, terminado o período de serviço militar obrigatório (39 meses!), iniciei uma carreira bancária no antigo Banco Pinto & Sotto Mayor, tendo efectuado um périplo pelas principais agências da região de Lisboa, não só para me aperceber em detalhe da respectiva forma de funcionamento, mas também para contactar com clientes.

3. Estávamos então no final do já longínquo ano de 1972, e nesse périplo das agências do velho Sotto, passei cerca de 15 dias na agência de Sintra, na altura chefiada por um querido Amigo, José Manuel Cunha, já também desaparecido. Foi então que conheci João Justino, nessa altura ainda não Comendador (essa distinção recebeu-a do Presidente Ramalho Eanes) mas já um grande industrial.

4. Com seus irmãos, todos nascidos duma Família humilde, ergueu uma grande indústria em S. João das Lampas, concelho de Sintra, bem conhecida pela marca dos equipamentos que fabrica – GALUCHO – nos quais se inclui toda a gama possível de alfaias agrícolas (de que são grandes exportadores), reboques e semi-reboques, bem como a carrossagem de veículos pesados.

5. Sempre me impressionou muito o seu extraordinário talento industrial – ele conhecia a potencialidade das máquinas pesadas utilizadas na sua indústria como ninguém, quase se podendo dizer que “falava com as máquinas” tal era o domínio que revelava das suas características e capacidade produtiva – bem como o seu não menor talento para fazer negócios, revelando uma enorme sabedoria e engenho para criar valor.

6. A sua capacidade de empreender foi responsável pela criação de milhares de postos de trabalho, não apenas na GALUCHO mas também noutras empresas industriais e comerciais que criou, por sua iniciativa pessoal ou associado a outros interesses, nomeadamente estrangeiros.

7. Sendo uma pessoa de feitio por vezes difícil e controverso – haverá algum grande empreendedor de feitio dócil? – conseguimos, sempre, entender-nos bem, tendo criado uma sólida amizade em que a independência recíproca foi certamente um factor-chave para a sua duração até ontem...e continuará.

8. A grande dor da sua vida foi a perda do Filho mais velho, também João, aos 24 anos, num brutal acidente de viação, em Janeiro de 1981, era já nessa altura o grande companheiro do Pai na direcção das empresas e na condução dos seus negócios, no País e no estrangeiro, estava ali outro grande industrial a formar-se...nunca mais recuperou dessa dor que o atormentou até ao fim da vida...

9. Paz à sua Alma.

Organizem-se, pá!...

Precisávamos de um socialista na União Europeia,  afirmou António Costa em entrevista na última edição do Expresso, referindo-se a alguém amigo do crescimento que, obviamente naquela cabeça, só poderia ser um socialista. 
Hollande exige a Valls um governo mais amigo da austeridade, dizem os jornais de hoje, a propósito da formação do novo governo francês.  
Vão-se lá entender estes socialistas!...Com tantas Internacionais, organizem-se, pá!...

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Contas externas no 1º semestre de 2014: "charivari", não...mas atenção, certamente

1. Como seria expectável, a irmandade mediática que quase diariamente nos interpela , de forma explícita ou implícita, em favor de mais despesa (estatal, sobretudo) vem desde ontem chamado a atenção para o desequilíbrio das contas externas, pretendendo apresentar um cenário já negro e apontando, em 1º lugar, o agravamento do défice comercial...no plano da incoerência, o exercício é digno da maior admiração.

2. O assunto tem-nos merecido atenção, regularmente, de forma independente e tão objectiva quanto possível, em registo bem diverso do que é apanágio dos mediáticos apreciadores do folclore da despesa...o que nos propomos fazer em mais esta oportunidade.

3. A posição das contas externas no final de Junho/2014, ontem divulgada pelo BdeP, mostra um saldo negativo da Balança Corrente (BCr), de € 1.242 milhões, que supera largamente o saldo, também negativo mas de apenas € 46 milhões registado no 1º semestre de 2013.

4. A contrapor a este saldo negativo da BCr, há a registar um saldo positivo de Balança de Capital (BCp), de € 1.302 milhões, inferior ao registado em igual período de 2013 que havia sido de € 1.750 milhões, obtendo-se assim um saldo global, BCr+BCp, de - € 40 milhões ou seja virtualmente em equilíbrio (superavit de € 1.734 milhões no mesmo período de 2013).

5. Para este desempenho menos favorável em 2014, contribuíram os seguintes factores:

- Agravamento do défice (crónico) da Balança de Bens, que passou de € 2.948 milhões em 2013 para € 3.553 milhões em 2014 (+20,6%), resultado de um aumento de 3% das importações e de um aumento, bastante menos expressivo, apenas 0,8%, das exportações de bens;

- Estagnação do saldo positivo da Balança de Serviços, que passou de € 3.911 milhões em 2013 para € 3.901 milhões em 2014, quando se esperava uma melhoria apreciável...apesar do bom desempenho (esperado) da rubrica Viagens e Turismo, cujo saldo positivo aumentou de € 2.162 milhões em 2013 para € 2.456 milhões em 2014 (+13,6%);

- Variação desfavorável do saldo das Transferências Correntes, que passou de + € 1.972 milhões em 2013 para € 1.595 milhões em 2014, penalizado sobretudo pelas transferências (oficiais) da EU, que diminuíram € 336 milhões (as Remessas de Emigrantes continuaram a aumentar, embora uns modestos 2,6%).

6. Dito isto, resta acrescentar que, com elevada probabilidade e atendendo ao habitual comportamento intra-anual desta variáveis, deveremos assistir durante o 2º semestre a uma apreciável melhoria deste cenário, sendo muito provável a obtenção, no final do ano, de um saldo da BCr sensivelmente equilibrado e a um saldo global, BCr+BCp positivo, bastante superior a € 1.000 milhões, mas bastante inferior ao de 2013 (foi de € 4.293 milhões).

7. Em resumo e como já aqui tive oportunidade de relevar, não existe ainda razão para alarme, ao contrário do que o incoerente “charivari” mediático sugere...mas existe motivo para prestar contínua atenção a este indicador, posto que continua ser o melhor “benchmark” da capacidade de ajustamento revelada pela economia...

8...e uma séria inversão deste cenário poderá ser o barómetro de grande borrasca à vista...esperemos que o Dr. Pangloss não possa vir a incumbir-se, quiçá a orgulhar-se, dessa nobilitante tarefa...


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Demagogia e ignorância só nos podem levar por maus caminhos....

Aproveitando o comentário que me suscitou o texto editado por Vasco Mina no Corta Fitas, a propósito dos factos, opiniões e críticas de que a semana passada foi pródiga em reacção ao chumbo da Contribuição de Sustentabilidade pelo Tribunal Constitucional, aqui fica mais este meu apontamento.  
De repente parece que toda a gente acordou para o problema da sustentabilidade das pensões, como se fosse uma criação recente. Assim como esta atenção subitamente apareceu, não admira que rapidamente desapareça. Até ver. Somos especialistas neste tipo de reacção.
A semana passada foi realmente uma corrida a ver quem ganhava mais trunfos políticos. A verdade é que não há vencedores, só vencidos, incluindo o país. Não vale a pena iludir os problemas, é necessário repensar o modelo de pensões e o seu financiamento. Estamos a avolumar um problema grave, negando a sua existência.
Mas também não é com CES e CS que compramos a sustentabilidade financeira do sistema. E, depois, tão ou mais importante é assegurar a sustentabilidade social, aspecto que parece estar esquecido na mente daqueles que acham que é solução ir cortando à medida que o orçamento precisa de ser contido. E que dizer da adequação do rendimento das pensões na reforma? 
Uma reforma do sistema público de pensões necessita de uma base alargada de apoio social, o que significa uma base política representativa. Estamos "condenados" a nos entendermos. A política de cortes avulsos não é politicamente sustentável e a política de medidas paramétricas está esgotada. A confiança é a base de sustentação de qualquer contrato social. É neste objectivo que os partidos do arco da governação se devem centrar. Jogar com a demagogia e a ignorância já sabemos ao que conduz...

Juros da dívida pública cada vez mais baixos: será para durar?

1. Foi hoje notícia uma emissão de Bilhetes do Tesouro Português, a 3 e a 12 meses, com o seguinte resultado:

- A 3 meses, emissão de € 300 milhões, taxa de juro média anual de 0,097%;

- A 12 meses, emissão de € 800 milhões, taxa de juro média de 0,216%.

2. Ao mesmo tempo, as taxas de juro implícitas na cotação da dívida pública portuguesa no mercado secundário (yields), davam hoje as seguintes indicações: para 2 anos 0,655%; para 5 anos, 1,855%; para 10 anos 3,288%.

3. É necessário recuar até aos primórdios da memorável aventura socrática para se encontrarem yields tão baixas para os diferentes prazos da dívida, para não falar nas taxas da emissão de BT’s, que são “historicamente” baixas...

4. Nem a notícia de um razoável agravamento do défice comercial até Junho (+20%), divulgada com grande fervor por uma boa parte da mesma irmandade mediática que passa o tempo a entoar mensagens que conduziriam invariavelmente a um aumento da despesa interna e a um agravamento ainda maior desse mesmo défice, causou qualquer impacto nos mercados, que aliás sabem que o défice externo não se restringe à componente comercial...

5...sendo que o efeito do tsunami BES sobre a disposição dos investidores neste tipo de activos se mostra em grande parte absorvido, não parecendo capaz de, por agora pelo menos, causar danos maiores do que os já conhecidos...

6. ...e a jurisprudência do TC, com as suas curiosíssimas nuances temporais – a prolação de uma jurisprudência “forward” será talvez o aspecto mais curioso e inovador a registar, desta vez – não parece ter causado nenhuma reacção especialmente emocionada, vide os comentários amenos das agências de rating sobre a matéria.

7. A grande questão que se poderá colocar será a de saber por quanto tempo mais iremos beneficiar desta bonança nos mercados da dívida, que é aliás extensiva aos demais periféricos do Euro - basta notar que a yield da dívida a 10 anos da Irlanda se encontra no nível quase incrível de 2% ...

8. ...quanto mais tempo durar melhor será (me perdoem os Crescimentistas, que sofrem horrores com este cenário), mas é certo e sabido que acabaremos por chegar a um ponto, quiçá pelo 2º semestre de 2015 ( se não for antes, como lembraria Mr. de La Palisse) em que o mercado pode resolver mudar de disposição...

8. Aqui ocorre aplicar o velhíssimo provérbio: “enquanto o pau vai e vem...folgam as costas!



segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Renascimento dos Certificados de Aforro: já não era sem tempo...

1. Nos últimos anos da gloriosa era socrática, de boa memória, deixei aqui diversos apontamentos para a morte anunciada dos Certificados de Aforro (CA’s), o mais tradicional instrumento de poupança dos particulares em Portugal, em consequência das alterações introduzidas na sua remuneração em 2008, que penalizaram retroactivamente muitos aforradores.

2. Diversos outros comentadores se referiram então ao tema, estranhando a política adoptada pelo Governo de então, que tinha como resultado diminuir o financiamento do Estado por residentes, substituindo-o por financiamento externo a custos mais elevados e com um risco muito maior (como viria a demonstrar-se não muito tempo depois...).

3. A estas críticas viria a responder publicamente o membro do Governo responsável pelo pelouro da dívida pública (SET), com o estranho argumento de que não era papel do Estado bonificar as poupanças dos aforradores residentes...

4. ...devendo pois deduzir-se, “a contrario”, que o papel do Estado seria sim o de bonificar os juros recebidos pelos financiadores externos , aceitando pagar a estes um juro bem mais elevado - em troco de um financiamento de maior risco para o emitente!

5. Cumpre referir que, em resultado da política em questão – que para além de reduzir as taxas aplicáveis ao investimento em CA’S foi ao ponto de penalizar retroactivamente os detentores de CA’s já emitidos – o saldo vivo de CA’s entrou num processo de declínio inexorável, com pedidos de resgates sucessivos de milhares de aforradores que se sentiram enganados...

6. ...passando de um pico de € 18.186 milhões em Janeiro de 2008 para € 16.824 milhões no final de 2009, € 15.471 milhões no final de 2010, € 11.384 milhões no final de 2011, € 9.669 milhões no final de 2012...

7. ...e começando a recuperar só em 2013, em cujo final o saldo vivo de CA’s ascendia a € 10.132 milhões, continuando a subir no corrente ano, atingindo € 10.856 milhões em Junho último.

8. Entretanto foi criado em 2010 um novo instrumento de dívida pública também direccionado aos particulares, os Certificados do Tesouro (CT’s), de mais longo prazo, mas que tardaria a suscitar um interesse significativo: de um saldo de € 685 milhões no final de 2010 (ano em que o saldo de CA’s caiu € 1.353 milhões), passaria a € 1.308 milhões no final de 2011, a € 1.416 milhões no final de 2012 e a € 2.026 milhões no final de 2013...

9. ...acelerando claramente no 1º semestre de 2014, fechando no final de Junho com um saldo de € 3.151 milhões – ou seja, só no 1º semestre de 2014 as aplicações em CT’s aumentaram € 1.125 milhões, quase o dobro do valor acumulado em todo o ano 2013...

10. Saúda-se esta mudança de política de emissão de dívida pública - que apesar de tudo demorou quase dois anos a adoptar, após a entrada em funções do novo Governo - permitindo substituir dívida externa de custo mais elevado e de comportamento bem mais volátil, por dívida interna...agora consegue-se perceber.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Um quinze de agosto à "Benfica"...


Abalei já um pouco tarde, mas mesmo assim a tempo de chegar a horas de almoçar a Pinhel. Nunca lá tinha ido. Não suporto a ideia de não conhecer todos os recantos possíveis deste país, pela simples razão de que encontro sempre a beleza, a arte, a história, os costumes e a simpatia dos residentes. Viajar neste país é o acontecimento mais deslumbrante que posso desejar. Esbarro em paisagens únicas, vivas, constantemente a mudar de aspeto, de brilho, de cor, de sentimentos e de silêncios doces entremeados com romarias esplendorosas. Ao final do dia tenho de rememorar os acontecimentos vividos e despertados. São tantos que nem sei escolher. Emerge nas pontas dos meus dedos o brilho dos rebordos de paisagens a perderem-se em misteriosos horizontes, as formas do granito das montanhas, a suavidade colorida dos xistos, os vales perdidos e mudos de águas frescas e sedosas, a arte distribuída ao acaso em vilas e cidades, muitas delas esquecidas, e a frescura de objetos, esculturas, lembranças e manifestações artísticas de uma riqueza e beleza imparáveis a que se associam acontecimentos históricos capazes de encher as páginas vazias de um coração ansioso.
Vi Pinhel e apaixonei-me pela sua arquitetura e história. Saltei até Castelo Rodrigo e quase que me apeteceu ali ficar entre as muralhas, correr pelas ruelas e vielas e descobrir o mundo oculto que emprenhou todo aquele granito ao longo dos tempos e que anseia por nascer ao menor anseio de um forasteiro.
Recordo ter chegado a Pinhel à hora do almoço. Tentei encontrar um restaurante. Encontrei um, mas pelos andar da carruagem vi que não iria sair tão cedo. Calcorreei algumas ruas, mas dia santo é isso mesmo, santo para a alma e, também, infelizmente, para o corpo. E agora? Como vou descalçar a bota e encher a pança? Passei em frente da casa do Benfica em Pinhel e vi pessoas a almoçar. Com cautela, enfiei a cabeça e perguntei ao rapaz se ali forneciam almoços. - Sim senhor, e come-se bem. - Ai sim? Então podemos entrar? O rapaz sorriu e disse: - Claro! Provavelmente não deverá ter percebido a razão da minha pergunta. Sendo a casa do Benfica, o vermelho imperava por tudo o que se possa imaginar, além de águias, vi emblemas, camisas, apetrechos adequados e, até, a lembrar o velho estilo do Estado Novo, fotografias em pose do atual e do anterior presidente do Benfica, tive algum receio que me dissessem que só os sócios ou adeptos é que podiam almoçar naquele "santuário" gastronómico. Qual quê! Não perguntaram nada, arranjaram-nos de imediato uma mesa. As meninas, simpáticas e muito prestáveis, denotando a sua fé benfiquista, bem visível nas roupas, serviram-nos uma refeição muito agradável num curtíssimo espaço de tempo. Não me recordo de ter sido tão bem servido e atendido. Comentei: - Nunca na minha vida pensei almoçar numa casa do Benfica. Seria o bom e o bonito se os meus amigos soubessem disto. Às tantas até eram capazes de dizerem que eu sou um "apóstata"! Entretanto, numa mesa ao lado, ouvia algumas conversas, até que um, sentado na mesa do meu lado esquerdo comentou para o que estava na mesa em frente: - Então! Tu estás aqui? A surpresa era mais do que evidente, facto que me levou a concluir que não deveria, com toda a certeza, ser benfiquista. Não se desmanchou, e como já tinha terminado a refeição, ia a sair, disse ao conhecido: - O que é que tu queres? Aos feriados está tudo fechado! - Pois é. Mas aqui a casa do Benfica não fecha e alimenta todos os que têm fome. O sorriso irónico brotou-lhe dos lábios e dos olhos, enquanto o "não-benfiquista" saía apressadamente. 
Agora, quando souberem esta história, estou tramado. Não importa, o que merece ser realçado é a simpatia e a forma acolhedora como fomos tratados. Há muito que não tinha uma demonstração gastronómica de tal gabarito. Confesso que já tinha preparada a resposta, caso fosse inquirido sobre a minha preferência clubística: - Não. Não sou do Benfica, mas a minha mulher é...
A beleza espraia-se por tudo o que é sítio neste país, sobretudo na paisagem humana.
Viajar em Portugal é saborear de forma inesquecível a vida.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Síndrome de Jerusalém

Descia as escadas conjuntamente com mais dois colegas, um israelita de origem americana, que se borrifava para a religião, e um polaco, católico até à medula. Sábado de manhã. O dia estava muito quente. Apetrechámo-nos, a conselho do colega judeu, de água e deliciosas uvas. Descíamos a escada quando o polaco, de máquina fotográfica ao pescoço, começou a tirar fotografias ao muro das lamentações. O que foste fazer. Uma senhora, que vinha em sentido contrário, começou a barafustar, e penso que a insultá-lo, por causa disso. Falava hebraico. O nosso colega explicou-nos que nós não podíamos tirar fotografias ao muro das lamentações porque era o dia sagrado. Defendeu o polaco, e, ao bom estilo de um típico cowboy norte-americano, quase que a mandou para o outro lado, dizendo ao nosso colega que não ligasse àquela parvoíce, e que tirasse as fotografias que quisesse. Eu, que não tenho o hábito de andar com máquinas ao pescoço, levava a minha ao ombro descaída para as costas,  disse-lhe para a esconder e respeitar aquele pessoal que vive e se alimenta do mais perigoso do fundamentalismo, o religioso. Concordou e enfiou-a dentro do saco de plástico onde tinha as uvas. É melhor assim. O israelita-americano riu-se do meu conselho enquanto ia lançando para o ar gordas uvas as quais mastigava com um prazer indiscutível, indiferente ao "conflito" religioso. Passámos junto ao muro, onde tivemos que enfiar o "kipá" de papel e ali ficámos um pouco vendo aquela cena de baixar e levantar a cabeça vezes sem conta. Por vezes cheguei a ficar com receio de que partissem a cabeça no muro. Uma coisa tive a certeza, não sofriam de cervicoalgias! Continuámos a nossa peregrinação e entrámos no setor muçulmano. Aí foi mais complicado. Fui revistado e entrevistado por dois soldados fortemente armados. Quando olharam para o passaporte e me perguntaram o apelido mudaram de atitude e tornaram-se mais cordiais. Fiquei espantado. Tentaram pronunciar o apelido Cardoso e repetiram duas ou três vezes, agora com simpatia e deixaram-nos a entrar no recinto das mesquitas. O judeu norte-americano riu-se e explicou-me que o meu nome tinha "Cardo" o que para os judeus tem algo de simbólico, correspondendo à via principal do coração de Jerusalém, que ainda se pode ver no seu quarteirão da cidade velha.
O episódio que mais me marcou foi na esplanada das mesquitas. À entrada do local de onde Maomé subiu ao céu fui impedido de entrar com a máquina fotográfica e a bolsa onde tinha os meus documentos e dinheiro. O vigilante, árabe, disse-me que tinha de colocar tudo num cacifo livre em frente da mesquita, sapatos, bolsa e máquina. Olhei-o perplexo e um pouco incomodado sem saber o que fazer, mas o árabe, apercebendo-se da minha inquietação, disse o seguinte: - Não tenha medo. Árabe é ladrão mas não rouba em solo sagrado. Nunca largou o seu sorriso, profundo, estranho e enigmático aos olhos de um ocidental. Entrei e andei sempre a pensar no que teria de fazer quando saísse dali e não encontrasse os meus pertences. Continuei a olhar para o colega israelita que não mostrou o menor sinal de incómodo. Se ele não diz nada é porque vai correr bem. Ainda lhe perguntei se era para ter receio, respondeu-me com um levantar dos ombros, com os árabes nunca se sabe. Valha-me Deus, pensei. E já que estava num local onde havia "três", qualquer um já me servia. Quando saí, estava tudo no seu lugar. O árabe, de olhar estranho e enigmático, reconheceu-me, e ao longe fez-me a sua tradicional saudação não largando aquele sorriso que nunca mais esqueci. Estava assim terminada a minha visita à mesquita onde muitos homens faziam exercícios, sentados nas pernas, debruçavam-se e abriam as mãos ao alto. Pensei, estes não devem sofrer de lombalgias. 
Quando chegámos ao setor cristão as coisas foram diferentes. A igreja do Santo Sepulcro não me surpreendeu como estava à espera. Desorganizada e escura. Subitamente, um religioso, não sei de que seita cristã, barbudo e com cara de poucos amigos, pôs-se a discutir e por pouco não andava à pancada com outro padre ou monge cristão de outra seita. Olhei estupefacto para o meu colega judeu não praticante e apontei-lhe a cena. Deu uma gargalhada, que seria impensável a um cristão num templo sagrado, e respondeu-me, não ligues é comum estes tipos andarem à pancada e a fazerem cenas por causa dos seus "territórios". Valha-me Deus, pensei, onde fui cair. Estes devem sofrer de algias e hematomas pós traumáticos.
Um local de três religiões, que explica, e bem, a intolerância social e até uma certa agressividade. Em vez de ser um local sagrado, capaz de unir a humanidade, não é mais do que um epicentro vivo que alimenta o radicalismo e muitos comportamentos sociais que grassam, infelizmente, por esse mundo.
Discutimos este e muitos outros assuntos, nomeadamente a famosa síndrome de Jerusalém. Felizmente não fui atingido, mas as explicações são deveras interessantes.

2º trim/2014: Espanha e Portugal com melhor desempenho na zona Euro...quem diria...

1. Dados hoje divulgados pelo Eurostat para o 2º trimestre deste ano mostram que as economias de Espanha e de Portugal exibiram o melhor desempenho na zona Euro, com uma variação trimestral do PIB de +0,6%.

2. No caso português, esta variação de +0,6% segue-se a uma variação da mesma expressão mas de sinal contrário no 1º trimestre, embora, em comparação homóloga, se traduza numa desaceleração: enquanto no 1º trimestre a variação homóloga havia sido de +1,3%, agora foi apenas de 0,8%...

3. Não deixa de ser curioso notar que dois dos chamados “maus da fita” da zona Euro, nos últimos anos, apareçam agora à cabeça do pelotão do crescimento, numa altura em que as principais economias da mesma zona, Alemanha e Itália com -0,2% e França com 0,0%, dão sinais de abrandamento da actividade.

4. Este apontamento de curiosidade não dá espaço, todavia, para qualquer manifestação de “embandeiramento em arco” no caso português em especial, pois as incógnitas quanto ao desempenho económico na segunda metade do ano são mais que muitas...

5. ...a somar aos presumíveis impactos sobre a actividade dos problemas geo-políticos, teremos, no plano doméstico, as sequelas do “tsunami” BES, cuja dimensão, ainda por apurar, pode vir a desfigurar, um bom pedaço, o “snapshot” estatístico...

6. Concluiremos assim, contra as expectativas dos estimados Crescimentistas – para quem, é bom lembrar, qualquer melhoria da actividade económica, em plena vigência de políticas neo-liberais, constituirá um cenário misterioso e dantesco – que a primeira metade do ano acabou por não ser má...

7. ... cumprindo destacar a acentuada redução dos níveis de desemprego que, segundo a informação mais recente se situa já abaixo de 14% da população activa, depois do pico de 17,7% atingido no 1º trimestre de 2013...

8. Mas o 1º semestre já é história, temos agora de aguardar pelo enigmático 3º trimestre, que pode muito bem vir a recompor o ânimo dos Crescimentistas...

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Mudança de paradigma nas pensões...

Refere o Tribunal de Contas no Relatório "Acompanhamento da Execução do Orçamento da Segurança Social", hoje conhecido, que Durante o período de vigência do PAEF (2011 –2013), a despesa com pensões e complementos da SS foi sendo objeto de um conjunto de medidas de natureza regressiva com o objetivo de colocar e manter esta despesa num contexto estrutural sustentável. Porém, a rigidez do sistema e da estrutura social que o sustenta, com uma camada populacional envelhecida relevante e a precaridade das medidas aplicadas, mais centradas no objetivo de curto prazo, constituíram fatores determinantes para que esta despesa não regredisse de forma consistente e continuada (...).
Com efeito, as várias medidas de restrição financeira aplicadas sobre as pensões, designadamente, os cortes nas pensões e o congelamento da actualização das pensões não estancaram o aumento da despesa com pensões dos regimes contributivos. O Tribunal fala em precariedade das medidas e na sua incapacidade de colocar a despesa num "contexto estrutural sustentável". A despesa com pensões vai continuar debaixo da pressão do aumento crescente do número de pensionsistas e do valor nominal médio das novas pensões e, também, do aumento da esperança média de vida na velhice. A despesa com pensões tenderá a aumentar. A receita das contribuições para segurança social (TSU)  tenderá a ser insuficiente, por razões demográficas e económicas, para assegurar o financiamento das pensões. As previsões de médio e longo prazo da conta das pensões da Segurança Social indicam a persistência de défices financeiros. 
Posto isto, é necessário retirar as devidas consequências. Os cortes e os congelamentos adoptados tiveram uma função orçamental, isto é, de resolver problemas de tesouraria de curto prazo. Estas medidas não tiveram um objectivo estrutural, isto é, de conferir sustentabilidade ao sistema público de pensões. A sustentabilidade só será possível, e levará muitos anos a produzir efeitos, com uma reforma estrutural. Os problemas tenderão a agravar-se se não for alterada a lógica do actual sistema de pensões. Não adianta o Estado continuar a prometer às gerações futuras pensões que não tem como pagar. A política de cortes avulsos à medida das necessidades orçamentais não é desejável, é injusta, cria iniquidades e introduz incerteza e elevados riscos. Não há contrato social e contrato de confiança que resistam a este caminho.
Mas para o aumento da despesa com pensões concorre, também, a despesa com pensões sociais e complementos sociais. Estas prestações com fins redistributivos, financiadas pelos impostos, deveriam ser criteriosamente concedidas, fazendo depender a sua atribuição da verificação da situação económica dos beneficiários. A Segurança Social não está a aplicar uma "condição de recursos", sem a qual não é assegurada a boa utilização dos recursos públicos. Como se compreende está, também, em causa uma questão de justiça social. 
Vamos continuar a insistir nos mesmos problemas e na incapacidade para fazer mudanças? Onde é que está a  vontade de fazer diferente?

Santa Apolónia



Rumei em direção a Braga para rever o que já tinha esquecido. Entrei na velha sé e fiquei novamente deslumbrado. Num dos altares laterais, três imagens, que descansavam ao pé de um Sagrado Coração de Jesus, chamaram-me a atenção, uma Rainha Santa, empunhando uma rosa, um São Brás e uma lindíssima Santa Apolónia. As três estatuetas despertaram-me lembranças e algumas emoções. A primeira é a santa padroeira do pessoal feminino da casa, já lá vem de trás a eito. O São Brás comemora-se no dia em que a minha mãe fazia anos e era o seu santo preferido. Volta e não volta apelava ao santo, sobretudo quando adoecia da garganta e dos ouvidos, coisas frequentes da minha infância. Fiquei a conhecê-lo desde muito cedo. Além disso comecei a simpatizar com ele por causa do meu colega de carteira, que se chamava Brás, e sofria de escrófulas horríveis no pescoço que exalavam um pus cremoso e mal cheiroso. Ainda lhe cheguei a perguntar se a mãe não ia em peregrinação ao São Brás por causa disso. Mais tarde é que compreendi a razão, sofria de tuberculose ganglionar. A terceira santa associei-a sempre a Lisboa, à estação dos caminhos de ferro. Adorava ir a Lisboa, ou melhor, o meu pai dizia que ia a Lisboa e eu dizia que ia a Santa Apolónia. Adorava fazer a longa viagem, de muitas horas, e desembarcar naquela gare cheia de movimento e de rituais enquadrados pela beleza arquitectónica que o fumo das locomotivas não conseguia esconder. Por outro lado, para mim era o fim da linha. E ficava satisfeito por saber que a linha terminava ali! Esta estação sempre me seduziu, embora o comportamento dos taxistas me incomodasse. Invariavelmente o chauffeur perguntava, vêm da província? A forma como fazia a pergunta irritava-me solenemente. Até que uma das vezes, já era um terço espigadote, lhe retruquei, não, não vimos da província, vimos de Santa Comba Dão. Sabe onde fica? Quando lhe disse de onde vinha, o senhor encolheu-se, fez o sinal de descobrir a cabeça, que, entretanto, baixara, e disse, vêm da terra do Senhor Presidente do Conselho? Sim, desse provinciano. Provinciano não, o Senhor Presidente não é provinciano Disse com uma voz reverente o taxista. Então se ele não é provinciano, por que razão devemos ser nós? Uma canelada à maneira obrigou-me a interromper o diálogo. E o senhor chauffeur, com sotaque e tiques à lisboeta, a querer substituir as origens rurais, levou-nos num ápice ao destino. 
Hoje, continuo a gostar da estação de Santa Apolónia, sobretudo quando regresso a casa, mas nem por isso deixo de pensar os muitos episódios que ali vi e vivi. Se soubesse na altura que a Santa Apolónia é a protetora dos dentistas, talvez não ficasse muito contente com o seu nome, já que fui um desgraçado com os dentes e com as torturas tipo inquisição a que fui sujeito. Um trauma que não esqueço. 
Ao sair da Sé tropecei num mendigo ajoelhado, e com notórias dificuldades físicas, a tocar o hino de alegria com uma flauta. Apesar da simplicidade o quadro emocionou-me. Tocar o hino de alegria num país triste e ainda por cima por um ser humano que deve desconhecer o significado dessa palavra mais triste fiquei.
Nas lojas em redor a santaria já não é o que era. Pobre, feia e sem qualidade a contrastar com as velhas obras. Um pobreza triste. Mesmo assim, numa vitrina de uma loja vi uma bela Santa Apolónia. Muito diferente das demais, diferente na matéria, madeira almofadada, e no trabalho artístico. Aquilo sim, era verdadeira arte sacra. Perguntei o preço. Obviamente proporcional à qualidade. É a última peça de madeira e a última que o artista fez. Pois, o preço... O senhor olhou-me e viu o meu interesse na peça. Fez um desconto imprevisível e eu nem hesitei. Acabei por adquirir uma Santa Apolónia capaz de fazer inveja à que está na Sé de Braga. Pensei, é a minha loucura de verão. No regresso, o mendigo continuava a tocar a flauta penosamente. Compensei-o. Olhou e disse palavras simpáticas e profundas, mas mais profundas do que as palavras foi o seu olhar, claro, brilhante, intenso a irradiar um pouco de felicidade. Terminou a sua atuação naquele momento. A Santa Apolónia, embrulhada à maneira, não viu, mas ouviu e sentiu.
Como hoje é o dia de anos do meu filho mais novo, que é médico-dentista, ficou desde já destinada a santa, mas só a leva depois de eu desaparecer....   

"Sistema financeiro nunca esteve tão frágil"...!!!

1. É sabido que a generalidade dos actores políticos evidencia um insaciável e específico apetite pela proclamação, em público, das mensagens mais bombásticas, sempre com o objectivo final de encontrar o máximo eco mediático...

2. E é proverbial a ausência de conteúdo útil e/ou de sensatez de tais mensagens: uma regra de ouro desse estranho jogo consiste, aliás, em garantir que, quanto menos sensatas forem essas mensagens, maior será o eco mediático que lhes é oferecido...

3. Vem isto a propósito da formidável declaração que dá o título a este Post, a qual terá sido ontem proferida por um conhecido político, com uma carreira de empresário de mérito, agora regressado a lides partidárias...

4. Esta declaração parece lograr o feito de, em matéria de falta de senso e também de falta de memória, ultrapassar tudo ou quase tudo o que a musa política, antiga e actual, tem sido capaz de cantar...

5. Com efeito, se houve momento da vida nacional em que o sistema financeiro esteve mesmo encostado ao precipício e à beira de uma implosão global, esse foi Abril/Maio de 2011: com mais um mês de demora no início da operação de resgate financeiro (ou seja da ajuda da Troika agora tão diabolizada), teríamos tanto o Estado como o sistema financeiro - o BES e tudo o mais - arrastados para uma situação de cessação de pagamentos, num cenário de contornos catastróficos...

6. Sem prejuízo de reconhecer, mais uma vez, a extrema gravidade, em todos os seus aspectos, da implosão do BES (que já apelidei em público de apocalíptica), chegar ao ponto de considerar que a actual situação do sistema financeiro, no seu conjunto, nunca esteve tão frágil - ou seja está mais frágil do que em Abril/Maio de 2011 - é algo que esgota qualquer capacidade judicativa...

7. Não deixa de ser curioso que no mesmo dia em que esta declaração é notícia, surge a informação de que a responsabilidade do sistema bancário nacional junto do BCE atingiu o mais baixo nível desde Maio de 2010 - e sem considerar ainda a redução excepcional da responsabilidade do BES, entretanto divulgada...

8. Para fazer política deste jeito, mais vale não fazer política nenhuma, o País agradeceria...

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Caso BES: um erro (ainda) evitável...

1. Estão ao rubro, desenvolvem-se em catadupa, os comentários de políticos e de habituais “opinion-makers”, orais e escritos, sobre este episódio de “Costa Concordia” financeiro: esses comentários apresentam algumas características comuns, nomeadamente serem extraordinariamente esclarecedores e oferecerem soluções óptimas embora fora do tempo útil para as aplicar...

2. Não vou por isso acrescentar o que quer que seja a esses comentários, até porque entendo que já não existe espaço para novas opiniões, o espaço opinativo encontra-se saturado: seja o que for que se diga já alguém antes disse algo exactamente igual ou muito semelhante.

3. Faço uma excepção para referir que já tive oportunidade, em público, de emitir um juízo bastante positivo à forma como o Gov do BdeP actuou neste pavoroso sinistro e, à medida que os dias passam e as informações sobre as características do sinistro se vão acumulando, só encontro razões para reforçar essa avaliação.

4. Neste breve apontamento interessa-me antes focar um ponto que reputo de grande importância prática e ao qual não me parece que esteja a ser dada a atenção devida – a cotação em bolsa dos títulos representativos da propriedade do ex-BES agora denominado “bad bank” (very bad, acrescentarei).

5. Foi anunciado o cancelamento da cotação das acções, o que com o devido respeito me parece um erro a não ser que tal cancelamento se mantenha apenas por um período transitório, necessariamente curto, para permitir organizar outra solução de mercado.

6. A cotação em bolsa dos títulos representativos do capital do “bad bank” constituiria para os muitos investidores que se encontram na triste posição de “pagarem pelo pecador” - especialmente os pequenos accionistas que nunca tiveram qualquer espécie de influência na gestão - um lenitivo, permitindo-lhes transformar em liquidez uma parte ou a totalidade do investimento que vierem a deter na nova entidade...

7. Se, por hipótese, o dito “bad bank” vier a ser transformado num Fundo de Investimento, o que talvez seja uma solução prática, então as unidades de participação nesse Fundo deveriam ser admitidas á cotação o mais rapidamente possível...

8. ...recordo que as obrigações subordinadas que foram emitidas pelo ex-BES, agora “alocadas” ao “bad-bank”, continuam cotadas em bolsa e, há 2 ou 3 dias, cotavam a 20% do seu valor nominal o que traduz uma expectativa do mercado em relação à possibilidade de recuperação dos investimentos no mesmo “bad-bank”.

9. Soluções predominantemente burocráticas e opacas, sobretudo nas actuais circunstâncias em que o mercado parece estar a digerir com muita dificuldade a solução encontrada, é tudo o que menos se recomenda...

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Finalmente boas notícas...mas...

1. Depois de alguns dias de sufoco noticioso dominado quase integralmente pela lamentável novela que culminou na implosão do modelo de negócio do ex-BES, eis que surgem notícias que poderão dar algum alento aos veraneantes...

2. Em primeiro lugar, a continuação de um forte crescimento das vendas de automóveis, que em Julho registaram subida de 33,5% em relação ao mesmo mês de 2013, confirmando a melhor disposição dos consumidores já referida no último Post aqui editado...

3. Agora (hoje) surge a notícia, divulgada pelo INE, de mais uma descida da taxa de desemprego, neste caso a taxa média do 2º trimestre de 2014, para 13,9%, a quinta descida trimestral sucessiva e um valor já distante do “record” de 17,7% atingido no 1º trimestre de 2013...também o mais baixo registo desde o 4º trimestre de 2011...

4. Curiosamente, no afã de desvalorizar esta descida do desemprego, alguns comentadores tentam explica-la por um efeito sazonal – os empregos gerados pela aproximação do Verão – como se em 2013 e anos anteriores não tivesse havido também Verão...

5. Em contraponto, não desvalorizemos o impacto negativo da lamentável novela BES no desempenho da economia, que será provavelmente relevante, não apenas mas também no PIB do 2º ou 3º trimestres...

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ultraje à inteligência

PCP e Bloco de Esquerda insistem até à náusea que "este dinheiro que vai ser emprestado está a ser pago pelos contribuintes" ou que a "solução põe em risco dinheiro dos contribuintes", ou que "os contribuintes vão pagar a factura", referindo-se à solução encontrada pelas autoridades portuguesas e europeias para o BES. Simultaneamente insistem nos escandalosos lucros dos Bancos. 
Sendo os termos tão contraditórios, custa a entender como não arranjam outro tipo de argumentação. A verdade é que, pelos vistos, quanto mais primária a argumentação, mais vende, e a comunicação social é a primeira compradora e distribuidora de tão colossal falsidade. 
Tirando o triste e execrável caso do BPN em que, por culpa de uma nacionalização desastrada sem sentido ético ou económico,  os contribuintes vêm perdendo milhões, os apoios que, ao abrigo do Programa da Troyca, foram dados aos Bancos têm-se saldado por ganhos significativos para o Estado, tal o diferencial das taxas de juro. E sem risco quanto ao reembolso, aliás já maioritariamente efectuado.  
Por muito maioria de razão, neste caso do BES, e em estritos termos financeiros, o Estado será o grande ganhador da intervenção. Uma operação de risco nulo, num Banco constituído após expurgo de créditos problemáticos, a uma taxa de juro elevada, e ainda garantida pelo sistema bancário português.   
Critique-se com veemência e indignação o que levou a esta situação e critique-se mesmo o modelo. Mas criticar o modelo com a argumentação bloquista e do PCP é um ultraje à inteligência. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O princípio constitucional da surpresa.

Estabelece o Tribunal Constitucional que a extensão da CES é constitucional porque, para além do seu carácter excepcional e transitório, e cito o Jornal de Negócios que cita o TC, " os pensionistas com reformas de 1350 euros brutos em diante já deviam estar à espera que os cortes de 2013 fossem reeditados este ano; e aqueles que que têm pensões entre 1000 e 1350 euros, e que foram apanhados de surpresa, podem ter sido surpreendidos, mas a tutela dos seus direitos é mais fraca do que a necessidade de equilibrar as contas do país".  
Ora aí está. Depois dos sacrossantes princípios da proporcionalidade, da igualdade, da equidade, cuja santidade é dotada de uma geometria variável de acordo com as circunstância, agora temos o decisivo, e não menos pitoresco e exótico princípio constitucional da surpresa para dirimir da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas.
Por mim, fico esclarecido. Como nada já me surpreende, tudo seria constitucional. Ah, mas nem sempre, porque a minha surpresa pode ser também constitucional!...Basta para tal que a tutela desse meu direito revele fragilidades assim julgáveis por  tão douto Tribunal.