domingo, 30 de junho de 2013

"Gritos"...


Não suporto gritaria. A gritaria parece ter sido eleita como desporto nacional. Quero tomar um café ou beber uma água fresca numa aprazível esplanada e acabo por ser agredido com vozearias cruzadas, disparadas entre as mesas. Conversas sem sentido, despropositadas, típicas das que praticam nas suas cozinhas ou às janelas com as vizinhas. Falam alto, muito alto, dizem barbaridades, sendo mesmos inconvenientes. São horríveis, porque de repente conseguem agudizar os sons a ponto de ferirem os tímpanos quando se põem a chamar ou a corrigir os filhos, os quais, por sua vez, revelam que são ótimos mestres na arte da gritaria. 
Entra-se no espaço da restauração e é mesma coisa. Toda a gente fala ao mesmo tempo e para se poderem ouvir têm que gritar. Mas gritam mesmo. Claro que neste último caso, atendendo à hora, não se pode por de parte os efeitos das cervejas. 
Toda a gente grita, nas manifestações profissionais promovidas pelos mesmos de sempre gritam alto e em bom som para impedirem que os responsáveis possam falar. Uma técnica recorrente e que contribui para a divulgação deste desporto. Trata-se da gritaria das manifestações que tanto ocorre aquando da visita de um governante ou, até, nas galerias do Parlamento. Gritar está na ordem do dia. Os gritos incomodam, e muito, pelo ruído, pelo conteúdo, pela falta dele e pela imbecilidade inerente. 
Gritar nem sempre é negativo, também tem o seu lado bom, gritar para avisar de um perigo, gritar de satisfação num acontecimento desportivo, para não falar de gritarias mais íntimas, que não vêm para o caso. 
Seria muito bom que as pessoas conseguissem controlar os seus gritos inoportunos, pelo menos em determinados espaços públicos. 
Cada vez aprecio mais o silêncio, não o silêncio das ideias e dos pensamentos, porque estes são, infelizmente, num número apreciável de pessoas sinal de mudez intelectual, mas o silêncio que permite pensar, apreciar e amar.

sábado, 29 de junho de 2013

"Noite de verão"...


Procuro as noites quentes de verão, sobretudo as que são embelezadas pelas brisas suaves e doces, que sabem correr de forma invisível sobre as águas paradas da ribeira, roçando-as, afagando-as com uma volúpia fácil de imaginar. Deve ser a época de acasalamento entre o ar e a água. Em frente, o vazio de um belo espaço, centrado pelo pelourinho, símbolo da autoridade municipal. Uma coluna "retorcida" terminada numa pequena esfera armilar de metal. Não se pode dizer que seja uma preciosidade arquitetónica se a compararmos com outros pelourinhos das redondezas. Não interessa, conheço-o desde que comecei a  lembrar-me de mim. É o suficiente. Corri e saltei em seu redor, sentei-me nos seus "degraus" e senti o calor das pedras quentes à noite, um estranho calor reconfortante que ele sabe devolver ao fim de um dia de verão. Viu-me crescer e vê-me a envelhecer, sempre em silêncio. Guarda tantas memórias, tantas, que encheria quilómetros de lembranças com almas conhecidas e desconhecidas. Elas navegam em seu redor seguindo os veios da pedra, saltam, correm e descansam nos seus degraus. Uma espécie de altar da memória individual e coletiva, onde se pode prestar culto.
Lembro-me de há muitos anos ter visto uma peculiar personagem que corria por estas bandas a ajoelhar-se com os braços abertos a fingir uma cruz. Cabelos compridos a caírem sobre os ombros, numa mistura de branco, cinzento e castanho, quase sempre molhados, não sei se de água, brilhantina ou de suor. A fácies, barbuda, a imitar o cabelo, transmitia um ar estranho, bíblico, pobre, apatetado mesmo, não se vislumbrando se era assim de nascença ou se foi adquirido. Sempre de casaco e de gravata, montava uma velha pasteleira em que sobressaía uma enorme buzina que utilizava amiúde. Pedalava com determinação com o seu ar meio aristocrático e meio decadente. Uma estranha combinação que provocava simpatia e interrogação sobre quem seria. Não se metia com ninguém. Evitava as pessoas como os animais quando são mal tratados pelos humanos. Cruzei-me vezes sem conta com ele, aguçando a minha curiosidade. Deixei que o tempo passasse porque acaba sempre por me segredar coisas, coisas que às vezes nem queria saber. Nesse dia vi-o a aproximar-se do pelourinho. Desmontou da  bicicleta, com a qual conseguia transportar coisas impensáveis, quer em géneros quer em volumes, e ajoelhou-se, abrindo os braços em cruz. Levantou a cabeça e rezou apaixonadamente com um ardor difícil de traduzir. Na esplanada ouviu-se uma explosão de hilaridade. Eu fiquei a olhá-lo com admiração e ternura. Confundiu o pelourinho com uma cruz? Deve ter sido essa a explicação para as gargalhadas e chacota. Talvez, pode ter sido, mas quem sabe se não terá sido uma forma de culto às almas que giram em seu redor, às suas lembranças, às minhas e às de muitos outros.
Passado algum tempo, encontrei-o ao fim de um dia de campanha. A noite tinha acabado de cair. Num recanto afastado, sem luz, junto à sua bicicleta e a um atrelado amontoava coisas e mais coisas com um cuidado perfeccionista. Cumprimentei-o. Retraiu-se, afastou-se desconfiado. Não disse nada. Tentei comunicar com calma para poder ganhar alguma confiança. Falou muito pouco, tinha um défice cognitivo mais do que evidente. Mais do que esperaria. Não o incomodei. Não tinha esse direito. Desejei-lhe novamente boa noite e estendi-lhe a mão. Assustou-se e deu um passo para trás. Fiquei algum tempo de mão estendida. Olhou-me. Ao fim de algum tempo desisti. Senti um estranho incómodo por manter aquela posição, num espaço escuro, triste e sem condições nenhumas, perante um pobre ser.  Quando comecei a afastar-me estendeu nervosamente a sua mão. Apertei-a e desejei-lhe boa noite. Sorriu.
Passado algum tempo soube que tinha morrido no seu casebre durante a noite. O fogo consumiu tudo, a bicicleta, o atrelado, as suas "coisas" e ele.
A primeira reação que tive foi, "nunca mais vou vê-lo a rezar, de braços abertos, em cruz, junto ao pelourinho".
Já ninguém se deve lembrar dele. Eu lembro-me. Bastou-me olhar para a coluna de pedra encimada por uma pequena esfera armilar de metal. A pedra liberta um generoso e estranho calor.
Acabei de lhe tocar...

Os fura-greves

Verdadeiramente pitoresco foi ontem ver e ouvir os dirigentes sindicais a falarem da greve geral aos jornalistas que não estavam em greve e que faziam emitir as incidências verdadeiramente gerais da mesma. Acto que desmentia, na hora, a greve geral.
Pois é, há sempre uns fura-greves a boicotar o trabalho alheio. Jornalistas, mas também sindicalistas que, não respeitando a greve, trabalharam que se fartaram!...

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Torturas

- Ó senhor doutor, leva o quê, consigo?
- Dois livros, um romance e um livro de contos, para entregar ao recluso...
- Vai desculpar-me mas tenho de perguntar ao chefe se pode entrar com eles porque me parece que o recluso já tem livros a mais.
- Livros a mais?!
- Sim, os reclusos só são autorizados a ter um determinado número de livros.
...
- Senhor Doutor, levante os livros na portaria se faz favor. O chefe manda comunicar que o recluso já atingiu o limite de livros que pode ter na sua posse.
 
Há quem saiba que a leitura é libertadora. E quem perceba que há formas de tortura de quem perdeu a liberdade que a sociedade não só tolera como aplaude.
Anda alguém por aí a protestar contra a tortura, ou só existe gente clamando por castigo?  Se há, que se apresente.
 

Quando as teclas quase que fogem para o colo da verdade...


Não, não são as reclamações que param o ano de 2013. São os impostos, as contribuições, as taxas, as tarifas sobre tudo e mais alguma coisa que causam a exaustão da economia. Não há como aguentar...

Ensinamentos do tempo atual

Vivemos os tempos mais conturbados de que tenho memória. As convulsões são muitas e por razões por vezes diametralmente opostas. Umas devem-se à incapacidade de regeneração dos sistemas, à paralisação dos órgãos, à desorientação e à ausência de soluções para enfrentar os problemas. Está nesse estado parte do Velho Mundo. E nunca como hoje esta designação é denotativa: velho, o mundo desenvolvido está velho e apresenta sinais claros de se lhe terem esgotado as energias vitais. Definha a olhos vistos, na economia, nos valores prevalecentes, na demografia...
No outro mundo, seja na américa central ou do sul, em áfrica ou na ásia, florescem as economias mas desassossegam-se as sociedades. São as dores de crescimento provocadas por um desenvolvimento que, quase por intuição coletiva, se sabe não ser sustentável. O que se passa no Brasil é disso exemplo.
No meio da agitação que todo o mundo vive, há muita coisa dita e escrita que nos desperta para realidades que, mesmo à nossa frente, tendem a não ser vistas e percebidas. Um dos slogans gritados nas ruas das principais cidades do Brasil é este: "País rico não é o país em que o pobre compra carro mas um país em que o rico anda de transportes públicos".  Eis uma grande verdade que os países que no velho mundo continuam ricos, há muito perceberam. Também por ela se afere a pobreza dos países que, no mesmo lado do mundo, continuam pobres.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

"Regista, escreve, regista"...


Gosto de histórias, gosto de as registar, gosto de as rescrever, vezes sem fim, e, sobretudo, de entrelaçá-las fundindo num único momento os passados, os presentes e os futuros. Elas nascem como belos e saborosos cogumelos. Quando se acaba uma, as sementes de muitas outras já estão lançadas. Para que possam germinar é preciso tratar do solo. As crianças adoram histórias, não mais do que eu, porque elas permitem-me viajar por todo o lado, fazem-me sentir que sou livre e a verdadeira liberdade, o doce da vida, obtém-se através do conto, do texto, da pequenina e emocionante história. As crianças são fontes de inspiração, tem de ser, então, elas não estão sempre a pedir mais uma, mais uma! Conta. Conta. Conta. Contámos vezes sem conta, até as contamos quando elas já estão a dormir. Elas ouvem, até a dormir, e não sabem se são sonhos. O que interessa é fazer com que elas pertençam aos sonhos e às histórias. Sempre é mais uma que um dia poderão ler, a sua história, as suas histórias. Quando começarem a lê-las farão viagens sem fim e recordar-se-ão de muitas outras que nunca contaram e sentir-se-ão felizes, livres e esperançadas. O seu caráter moldar-se-á com o reviver, um reviver que pode ser real, fantasioso, criativo, mas sempre belo. Quem ama o belo, ama a vida, a sua e a dos outros.
Registem as histórias dos filhos, escrevam-nas, entrelacem-nas e depois, mais tarde, deem-nas a lê-las e verão surgir coisas belas e inesperadas, felicidade, solidariedade, confiança e esperança. 
Quem sabe se o segredo da felicidade da existência não está à mão de semear, transformar a vida em histórias. 
Comecem com as dos pequeninos, com os vossos pequeninos...

A greve no sector público

Sendo a greve o último instrumento de luta contra os patrões, uma  greve do sector público é uma greve contra os cidadãos. Mormente num regime democrático, como o português, uma greve do sector público é uma greve, não contra o governo, qualquer governo, mas contra os portugueses. Causando-lhes prejuízos e privando-os de um serviço que compram e pagam através dos impostos, sem direito a qualquer desconto.  
Uma greve política, pois tem como objectivo mudar o governo, como hoje os dirigentes sindicais muito têm referido. Mas é aos cidadãos que assiste o direito de mudar governos, em eleições, não aos trabalhadores do estado, fazendo greve. 
Felizmente que há muito mais gente a trabalhar no sector privado. A trabalhar, pois a greve, salvo casos esporádicos, não passou por lá. São eles que ainda vão sustentando os grevistas e o país.
PS: Nada de confusões entre o que se passa e o direito inalienável à greve. Não ao brincar à greve. Porque, se se precisar verdadeiramente dela, já está há muito desacreditada.  

Ver o que outros fazem e como fazem...

Estive a ler a proposta – "Informe del Comité de Expertos sobre el factor de sostenibilidad del sistema público de pensions” - elaborada por um grupo de especialistas que o governo espanhol nomeou para estudar a introdução de factores de sustentabilidade no sistema público de pensões no âmbito de um processo de reforma que o governo espanhol anunciou que vai fazer. Para tal encomendou um estudo que servirá de base a uma discussão pública e à negociação com as forças políticas e sociais. Trata-se de uma proposta estruturada, devidamente fundamentada. As medidas defendidas são demonstradas nas suas consequências.
A Espanha - como acontece na maioria dos países da OCDE - enfrenta problemas nos seus sistemas públicos de pensões derivados do envelhecimento demográfico. Por um lado, o aumento da esperança de vida, quer à nascença quer na idade da reforma, e, por outro lado, a queda da natalidade. Com cada vez mais pensionistas e cada vez menos activos, haverá cada vez mais pensões para pagar e por períodos mais longos e haverá cada vez menos contribuições para as financiar. A deterioração do rácio de dependência vai acentuar-se.
Independentemente do mérito da proposta apresentada, é muito interessante constatar a recomendação que é feita pelo grupo de especialistas no sentido de a sociedade honrar o seu compromisso moral com os pensionistas e de proteger a sua situação no momento de entrada em vigor das medidas que visam ajustar o nível das pensões às novas realidades:

"Sin embrago, el Comite entiende que la situatión de los pensionistas que ya lo son een el momento de entrada en vigor del factor debe tenerse en cuenta. La mayoría de estas personas tienen la pensión por principal, si no única, fuente de ingresos, y en cualquier caso su capacidade de reacción ante los cambios de entorno que el factor comporta es pequeña o nula. Por eso, para los pensionistas actuales, el Comité quiere recomendar la aplicación de una cláusula que impida el descenso nominal de su pensión."

Um outro aspecto que ressalta na proposta tem que ver com a recomendação que é colocada na necessidade de as autoridades trabalharem com transparência, factor classificado como fundamental para que a mudança cultural que está em causa seja bem compreendida e sucedida. Adicionalmente é também enfatizada a necessidade de a cidadania dedicar atenção e esforço para assimilar a informação. É valorizada a qualidade da gestão política da mudança:

"Asimismo, pieza clave en esa transformación cultural es el cumplimiento del objetivo de la transparencia, que trae consigo la oferta de una información clara, sistemática, regular y precisa por parte de las autoridades, pero también el compromiso de la ciudadanía a dedicar la atención y el esfuerzo precisos para asimilar esa información, para opinar y debatir sobre ella com conocimiento de causa, y para que tal debate se haga en los términos y según las reglas y los criterios de una deliberación y una comunicación razonables."

Não poderia estar mais de acordo com a metodologia seguida e com aquelas recomendações. Por cá anunciam-se decisões, os estudos e os guiões das reformas aparecem depois, não se consegue fazer um debate construtivo e sereno sobre os problemas e os caminhos possíveis...

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Sabe-se lá!


Li há pouco tempo um livro do filósofo Sygmunt Bauman, "Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos", onde o autor discorre sobre a "era da modernidade líquida em que vivemos — um mundo repleto de sinais confuso propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível" e das suas consequências na capacidade de amar de forma constante ou a longo prazo. Considera que a facilidade com que hoje se estabelecem ligações entre as pessoas, tão instantâneas como descartáveis, à distância de um clique para nos "desconectarmos", ou de uma mensagem breve dispensando o contacto pessoal, evita que se assumam compromissos com tudo o que isso implica na mudança da vida de cada um. O amor líquido é, para S.B., uma fonte de insegurança que separa em vez de unir e que torna quase impossível um projecto de vida em comum tal como o encarávamos há apenas tão pouco tempo atrás.
Vem isto a propósito de ter estado a folhear uma revista de casamentos e preparação da festa, uma verdadeira empreitada de grande complexidade, detalhes e colaboradores de várias especialidades e de isso me ter avivado uma conversa a que assisti há tempos entre duas jovens, sendo que uma tinha casado há um mês e tinha vindo a Portugal passar umas belas férias sozinha. Ficou em minha casa, centro de acolhimento habitual para provenientes de vários azimutes, e foi ao serão que assisti à conversa que aqui trago. Perguntava-lhe a amiga como é que ela se sentia na sua nova condição de casada, em que é que a vida dela tinha mudado, e ela abriu um sorriso enorme e, cheia de entusiasmo, começou a contar como tinha sido a festa de casamento. De origem indiana, vivendo na Holanda, a boda tinha sido uma mistura fantástica de tradições arreigadas e modernidade urbana, tudo bem preparado sem olhar a despesas, como mandava o nome da família. Depois, os noivos tinham escolhido um destino paradisíaco para a lua de mel, depois voltaram ao seu dia a dia e tudo retomou a feição anterior, uma vez que já vivam juntos há um ano quando se decidiram pela boda. Sabes, dizia ela no fim do relato, na verdade o casamento é apenas uma grande festa (hudge party, dizia ela), mas depois continua tudo na mesma, quando não quisermos continuar juntos cada um segue a sua vida e temos a festa para recordar.
Fiz saber à minha filha que não dava muito pelo casamento da amiga, o que me mereceu logo um censura porque é que dizes isso, não vês como ela falou do casamento? Pois foi, disse eu, só que ela não falou do marido mas do vestido dela, não falou da casa, nem dos projectos que tinham, falou da viagem e das viagens que se seguem, pelos vistos veio sozinha e não tinha saudades nenhumas. É verdade que me senti uma bota de elástico a dizer isso, vá lá que desta vez não ouvi pareces a avó a falar, mas devo ter sido convincente porque ao menos não tive esse comentário. O facto é que já estão divorciados, a jovem encontrou um novo amor e prepara já a próxima festa, não sei em que país. 
A única coisa em que discordo do filósofo é que não creio que a isto se possa chamar amor, quando ele acontece a sério a vida das pessoas muda mesmo, para o bem e para o mal, e é daí que vem o compromisso e a solidez do que liga a vida das pessoas. E não me parece que isso mude com a tecnologia, mesmo que tudo pareça tão diferente. Mas sabe-se lá!, como diria a minha mãe.



"À espera"...


Espero. Espero que entrem. Espero que acabe o trabalho. Espero poder ir para a estrada, andar devagar e olhar as margens aquecidas de um rio que corre nos dois sentidos. Olho, sempre a olhar, sempre à espera de um verso, de uma imagem, de um som, de um movimento, de uma lembrança, de um pretexto. Espero, como é habitual. E quando menos espero encontro, o quê, não sei, mas espero encontrar algo que justifique a espera, porque estou sempre à espera de encontrar. Que coisa. Sempre à espera, à espera de descobrir e de ser descoberto. Enquanto espero, escrevo e registo pouca coisa. A senhora entra, é nova, com uma barriga bem empinada. 
- É uma menina? 
- É! 
- Tem todo o aspeto de ser uma menina. Não sei qual é a diferença entre uma menina e um menino na barriga da sua mãe, mas apeteceu-me dizer, e não fui interpelado nesse sentido. Fiquei à espera, porque se fosse, já tinha construído uma resposta que decerto faria sorrir a jovem mãe. 
- É o primeiro? 
- É. 
- Nasce quando? 
- Fins de agosto, princípio de setembro. 
- E como é que se vai chamar? 
- Leonor. 
- Não me diga! Está bem arranjada. 
- Estou?! 
- Ai está, está! As "Leonores" têm uma personalidade muito forte, ninguém lhes faz o ninho atrás da orelha. 
- Não me diga! Não é o primeiro que me diz isso. 
- Eu sei o que digo, também tenho uma Leonor. Ria-se com boa disposição e a conversa e o exame fez-se à custa do nome da criança e da importância que os nomes têm no desenvolvimento da personalidade de uma pessoa. A sua disposição era mais do que visível. À saída perguntou-me:
- Mas são meigas, não são? 
- Se são, são superdeliciosas! Sorriu com tamanha disposição, dizendo:
- Nunca mais me vou esquecer do senhor doutor e do que me disse acerca das "Leonores". 
- Espere para ver se tenho ou não razão. 
- Nunca mais me vou esquecer desta conversa. Obrigado, senhor doutor. 
- Uma boa hora!
Continuo à espera...

Para além da imaginação!...

Vai para além da imaginação, mas é verdade que o nosso querido Estado, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia, nos pôs a financiar uma investigação sociológica sobre o punkismo: “o punk radica da música, mas tem que ver com a luta por determinados ideais, com uma vida mais igualitária”, assim a investigação é solenemente apresentada. 
Investigação conduzida pelo emérito Augusto Santos Silva, sim o que foi ministro socrático e pela emérita Paula Guerra, Professora da Faculdade de Letras do Porto. O estudo vai avaliar ainda como é que a rapaziada com crista na cabeça “permanece punk, sem estar condicionada pela idade, roupa e trajectórias de vida, que permitem ao mesmo indivíduo de ser punk de várias maneiras”.
O projecto inclui a criação de um arquivo físico e virtual de fanzines, e-zines , jornais e discos.
Bom, resta ainda dizer que a conceituada parceria sociológica analisará as letras e as músicas de 600 bandas punk nacionais, entre as quais, notem, a Deskarga Etílica, os Fita-Cola e os Tara Perdida, num período de 1997 à actualidade.
Trabalho hercúleo e de anos, com financiamento garantido. E também emprego para o dueto, no futuro museu, claro está. E para os amigos, que isto de conservar e manter um museu com tanta crista tem o que se lhe diga.
E nós a pagar!... PQP!...A todos eles!
(Do artigo de Maria Filomena Mónica, A Emergência da Sociologia do Bas-Fond, Expresso 22.06.13)

"Enjoo"...


Sinto-me enjoado. Estou com a estranha sensação de andar em mar alto, mas não, apenas estou dentro de uma carrinha sob a sombra de duas frondosas e frescas árvores. Os movimentos das pessoas transmitem-se como se fossem ondas suaves, suaves, mas mesmo assim perturbadoras a ponto de abdicar do conforto do ar condicionado. Saí. Sento-me sob as ondas de um vento cálido e reconfortante, esperando conseguir alguma tranquilidade que alivie o sofrimento de um estômago enganado, que protesta, e com razão, por o ter levado para o alto mar, mesmo que esteja em terra. Eu digo-lhe que não estou no mar, estou em terra, mas ele não acredita. Sabe bem beber o vento e sentir o calor filtrado através de árvores frondosas e alegres. Ouço, no intervalo entre as consultas, música, convencido de ter algum efeito terapêutico e leio Hemingway, na esperança de conhecer os pensamentos de almas tangíveis, sofredoras, loucas e amantes da vida e da morte. Valha-me isso. Fujo das notícias, dos relatos políticos, das críticas, dos comentários sensaborões e dos inúmeros aldrabões. Provocam-me enjoo. Um enjoo que não tem solução. 
Resta-me o cálido vento da manhã, as alegres, frondosas e frescas árvores, a luta contra pequenos e atrevidos bichinhos, que me devem confundir com as árvores, e pouco mais a não ser escrevinhar um pequeno apontamento sobre o enjoo e a forma como estou a conseguir ultrapassar. Espero conseguir e fugir... 

Da série ´Insustentável leveza´

Uma horta comunitária que existiu para os lados da Graça, em terrenos do Município de Lisboa. Uma ordem de despejo que a polícia cumpriu não sem alguma violência, a crer nalguns relatos.
Adivinham de que lado estaria o vereador que assinou a ordem de despejo se não fosse vereador? E imaginam qual o advogado a que os despejados recorreriam se o advogado não fosse vereador?
Para perpetuar a insustentável leveza do nosso coletivo político, nada como garantir a continuidade destes Zés que fazem falta.

Desistências

Dizia-me há dias uma técnica qualificada do Estado, que exerçe funções num organismo de fiscalização de legalidade financeira, que não se atreveria hoje a exercer funções com responsabilidade de decisão no sector público. Fiquei admirada porque sempre pensei que seria uma excelente dirigente caso assumisse tais funções e que, conhecedora dos meandros legislativos e regras financeiras, estaria particularmente apta a desempenhar um cargo de responsabilidade.Respondeu-me que a facilidade com que se é acusado do que é grave ou do que não tem significado nenhum, a dificuldade em defender-se perante a incerteza de interpretações e o nulo reconhecimento de um trabalho competente são, a seu ver, razões suficientes para nem sequer precisar de invocar o fraco estímulo económico associado a uma mudança de funções dessa natureza. Quando a conheci, há pouco mais de dez anos, era uma jovem cheia de energia, que discutia ao detalhe o rigor dos diplomas legais em preparação, trabalhava imenso e nunca a vi desistir mesmo quando já apetecia ir para casa e não pensar mais no assunto que nos preocupava. Achei-a envelhecida, com amargura nas suas palavras, talvez a pensar que assim se gasta uma vida e o fulgor a analisar o que outros fazem, criticando, apontando erros, propondo multas ou acertos quando o que sonhava era fazer melhor. Custou-me ouvi-la dizer que não vale a pena.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Contas externas: melhoria acentua-se em Abril, silêncio profundo...

1. Foi hoje divulgada (Boletim Estatístico do BdeP, Junho) a informação relativa ao desempenho das contas externas no período até Abril, verificando-se que se acentuaram as melhorias já registadas no final do 1º trimestre.
2. Assim, o sinal VERDE estende-se agora a todas as componentes mais relevantes da balança de pagamentos, a saber (valores indicados são do respectivo saldo):
- Balança Corrente = + € 162 milhões (era negativo de € 22 milhões, no 1º trim);
- Balança de Bens+Serviços = + € 432 milhões;
- Balança Corrente+Capital = + € 868 milhões;
3. Estes dados, do período habitualmente mais negativo das contas com o exterior (início do ano), mostram de forma clara que a “Revolução Silenciosa” na economia nacional, fruto do extraordinário trabalho de empresários e trabalhadores de um sem número de empresas do sector privado, prossegue o seu curso sem que os seus agentes se deixem impressionar pelo discurso de “bota-abaixo” que os media e a generalidade dos comentadores yo/yo diária e incansavelmente proclamam...
4. De especial interesse, nestes números, a recuperação do ritmo das exportações de mercadorias, que até Março estavam a crescer apenas 0,5% e que no final de Abril exibem uma taxa de crescimento de 4%, resultante de uma forte expansão (superior a 17%) nesse último mês.
5. Ao apreciar estes resultados, e dando já de barato que vão continuar a merecer o estatuto de profundo silêncio no plano da atenção dos media, intriga-me particularmente uma proclamação dos altos representantes da classe empresarial ontem divulgada.
6. Proclamaram S. Exas estarem contra a “insistência numa receita que não é solução”...
7....eu até compreendo que S. Exas sintam necessidade de surfar na onda de críticas que por aí vai, para evitarem ser rotulados de seguidistas da política governamental: está na moda e ficam mais "janotas" (socialmente falando) assim...não tem nada de mal, na minha opinião...
8. Mas esta realidade das contas externas nada lhes diz? Não tem para eles qualquer significado o extraordinário esforço que tantos e tantos dos seus representados estão realizando? E não consideram que a solução dos problemas do País, depois do formidável embaraço e do aperto sofrido com a sujeição a um resgate financeiro, passa exactamente pela correcção dos enormes desequilíbrios económicos, entre rendimento e despesa, que acumulamos ao longo de anos e que nos endividou até ao limite?
9. Ou entenderão, ao invés, que a solução para os problemas que enfrentamos consiste em voltar às políticas que nos arrastaram para a situação actual: mais despesa pública para “aquecer” a economia, mais impostos ou mais endividamento (como, em ambos os casos?), retorno dos desequilíbrios e, finalmente, nova queda num “buraco sem saída”?
10. Se não é uma coisa nem outra, então tal proclamação é um realíssimo mistério...

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Poder a todo o custo

Na Turquia, o governo é de esquerda e pró-islâmico, e há manifestações diárias e começam a ser marcadas greves de contestação. E exige-se nas ruas a mudança de política e do governo 
No Brasil, o governo é do Partido dos Trabalhadores e apoiado pelos Sindicatos, e vemos gigantescas  manifestações diárias de contestação nas principais cidades. E também se exige na rua a mudança de política e do governo.  
Na Grécia, o governo integra os dois mais importantes partidos, o centro direita e o centro esquerda, liberais e socialistas, e há manifestações e greves contínuas de contestação. A exigirem a mudança de política e do governo. 
Em Portugal, não há um dia sem uma qualquer greve ou manifestação ou apupos e ofensas a membros do governo. E clama-se a ilegitimidade do governo e a exigência de que se demita. 
O extravagante é que os partidos políticos das oposições e, sobretudo, os que vêem nas eleições a forma democrática de formar governo, se juntem para derrubar na rua os governos democraticamente constituídos. 
Pretendem ganhar com o sobressalto da rua o que perderam no voto universal. E amanhã os que forem apeados farão o mesmo aos que estiverem no poder.  
No fim, a negação da democracia que tanto trazem na boca, mas longe do coração. Porque este só vê poder. Poder e só poder, a todo o custo.  

Juros da dívida pública acima de 6,6%? Mau, mau...

1. Uma das primeiras notícias com que hoje fui defrontado: “Juros da dívida nacional acima de 6,6%; acções da banca afundam...”. Quando vejo isto, digo cá para mim: aqueles malandros do FED pregaram-nos uma boa partida, andaram a espalhar ilusões baixand os juros "worldwide", esta rapaziada entusiasmou-se, agora é que vão ser elas...
2. Para ser mais claro, quando a notícia diz “juros da dívida nacional acima de 6,6%” significa que o rendimento implícito na cotação da dívida pública portuguesa, ao prazo de 10 anos, a chamada “yield”, está acima desse nível; ou seja que estamos a assistir a uma queda pronunciada das cotações da dívida pública, a pressão vendedora é elevada.
3. Não espanta, por isso, que as acções da banca que se encontram cotadas em bolsa (felizmente as da CGD não estão, por isso resistem estoicamente), estejam também a baixar: o mercado não ignora que os principais bancos portugueses, embalados pela generosidade da política do FED, têm investido fortemente em dívida pública; agora que a cotação baixa desta maneira é natural que o valor das acções dos bancos seja também atingido...
4. A continuarmos assim, e caso o FED não decida voltar atrás com o anúncio da retirada (gradual, mas mesmo assim...) dos estímulos à baixa dos juros, o cenário para o financiamento da economia portuguesa volta a ficar sombrio e o regresso da República aos mercados, aguardado para o 2º semestre do corrente ano, pode ter de ser arquivado sine die...
5. Curiosamente, ao ver estas notícias pouco animadoras, dei-me conta de que, no plano interno, a “conversa” dominante nos media é sobre greves: a greve geral (do sacrossanto sector público, claro) do dia 27, a greve às avaliações pelos professores...
6. Por outro lado, os 156 historiadores, 145 licenciados em marketing, 303 juristas, 330 arquitextos, 260 engenheiro civis, 106 sociólogos, 75 psicólogos, etc, etc etc, do quadro da CML, continuam bravamente instalados na sua trincheira de combate, em defesa do Estado Social...
7. Aí temos o cenário TITANIC, em força! Para o cenário ficar mais completo, só falta mesmo o regreso do Escudo para acabar com o tormento da dívida, criar empregos e por a economia a crescer!



domingo, 23 de junho de 2013

Lua cheia...


Está grande de facto. Tanta coisa por causa de uns 14%! De IVA pago eu mais e de IRS nem se fala. Nesses sim, nesses consigo ver o aumento...

Conversa...


Sempre que posso procuro velhos locais, próximos no espaço e remotos no tempo. Aos domingos mergulho numa casa de pasto onde convergem pessoas do povo, talvez seja a sua extravagância semanal. Para mim não é extravagância, é mesmo uma necessidade, beber e comer num meio rico, popular, onde posso ainda auscultar o sentido das pessoas, deliciar-me com as suas conversas cruzadas e  aprender a ver o mundo de forma diferente. Agora estão a aparecer os emigrantes, que, mesmo tendo alguns vivido mais de quarenta anos em França, não perderam a forma de falar das suas origens embora entremeadas pelo hipotético ganho cultural adquirido lá fora, com o qual se convencem que sabem mais e têm soluções para tudo.
Comia e bebia que nem um alarve e meteu conversa com um casal, também, de emigrantes.
- Donde são?
- Ah! Eu conheço. Conhecem fulano e sicrano?
O casal disse que sim. A partir daqui, entre duas garfadas e um copo de vinho avidamente emborcado de uma só vez, começaram a desfilar histórias atrás de histórias e formas de solucionar os problemas do país, da décima, dos carros, das portagens, como legalizar e não legalizar carros, um longo e interessante arrazoado em que ouvi de tudo.
- Vejam lá agora como são as coisas. O melhor é não ter nada. Então não é que agora a décima é para triplicar a pagar.
- Pois é, intigamente era melhor. Dizia o vizinho.
- É como os carros, custa-me mais pró legalizar do que aquilo que pagam.
- Sabe minha senhora - minha senhora não, a senhora é do seu marido, não é minha -, peço-lhe desculpa, mas são uns chulos de merda, com licença da palavra. A conversa continuou à volta de inúmeros assuntos, em que a forma de pronunciar certas palavras passaram a ser rainhas e senhoras, onde buber, abaxou, câmbra, ós pois, ar congelado e muitas outras eram pronunciadas da forma mais natural.
O casal despediu-se e o alarve continuou a mastigar e a beber. Em frente, à distância de duas mesas, um senhor de idade aproveitou o silêncio da sala de pasto para entrar na conversa.
- Olha lá, não me estás a conhecer? Sou o Zé Manel tipógrafo que andava sempre a assobiar, tinha os queixos afiados. Não te estás a lembrar de mim? Eu fazia os bailes pelas aldeias. Eu quando entrei disse para mim, eu conheci esta cara.
- O outro olhava-o e acenou com a cabeça. Depois a conversa reiniciou-se com o parceiro, explicando que esteve em Lisboa 48 anos, enquanto o outro dizia que já andava há mais de quarenta em França.
- Estás com ar diferente.
- A idade muda muito as pessoas. Há dias nem reconheci o filho do "condogueiro" e, ainda há pouco, vi uma senhora que julgava que era a mulher do gago. Pus-me a reinar com ela e tive de lhe pedir desculpa.
- Comigo passou-se uma coisa parecida. Foi na Amadora. Vi um gajo de bicicleta e pensei que era um conhecido, um tipo muito vaidoso. Deixei-o ir ao ralenti e amandei-lhe um murro nas costas. É pá! Não era o gajo. Disse ao tipo, desculpe, julgava que era o Manel Marques. Não faz mal. Segunda-feira vou estar com ele e devolvo-lhe o murro. O tipo conhecia o Manel! Ah, Ah. Coisas. Ria-se sem placa.
O outro ouvia-o e não falava porque empanturrava a boca de comida.
- Comi que nem uma maravilha. Comi à bruta!
Entretanto o outro rematava:
- Padre sou eu que comi uma sardinha!
Aproveitou o arroto para mudar de conversa e dar seguimento à conversa.
- A gente está sem rei e sem roque. Dizem que fizeram uma democracia, mas não, o que fizeram foi uma anarquia. E para explicar a sua opinião socorreu-se de vários exemplos entre os quais um, que nunca passou pela minha cabeça.
- Vê lá que até para as filhas conhecerem o corpo de um homem tinham de tomar banho com o pai. Isto é que uma liberdade! A liberdade tem limites.
Era hora de almoço, os copos que ia contando não era por aí além, mas prometia. A tarde de hoje é de ócio, as adegas vão abrir as portas para arejar o mofo, as tascas de convívio engalanam-se com boas buchas, e, até ao jantar, pelo menos, aqueles fígados vão ter um trabalho do caraças, enquanto os seus cérebros divagam pelos acontecimentos do país e põem toda a criatividade ao dispor da gente.

Em maré de boas notícias...


Portugal é de novo notícia pelas melhores razões. É mais uma boa notícia que coloca o Douro num lugar turístico cimeiro. Desta vez foi classificado como o melhor destino fluvial da Europa. É uma região espectacular, de uma beleza que não se descreve, é preciso ver para sentir. Quem visita fica rendido.
Ainda há pouco tempo o Porto foi eleito o melhor destino europeu de férias. São marcas distintivas que sinalizam Portugal no mundo, semeiam coisas boas que por cá temos. É um incentivo e, simultâneamente, uma responsabilidade. É bom!

Da Constituição e da evasão da prova

Desde ontem que tenho andado a matutar sobre o tratamento que a Constituição, que tudo prevê, estabelece para a evasão, a meio do interrogatório, e pela própria mão do acusado, de um meio de prova que lhe era exibido e, pior, para a sua imediata deglutição e subsequente engolimento.
Claro que deglutir e engolir faz parte dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, e também lhe assiste liberdade de escolha quanto à matéria a ingerir. Por aí, o acusado está safo. Também o cidadão em causa pode argumentar legítima defesa, quando tal meio de prova lhe foi violentamente acenado perante o nariz. Portanto, creio que os direitos, liberdade e garantias constitucionais salvaguardam o acto do acusado. 
O pior pode é acontecer ao agente de autoridade que deixou evadir o meio de prova. Por certo, será julgado por similitude com o seu colega que deixa evadir um preso a meio do percurso. Será certamente julgado por conivência, desleixo ou falta de zelo. Mas seria também julgado se, por excesso de zelo, deitasse as mãos ao pescoço do interrogado, para lhe sacar a prova em curso de mastigação. 
A vida está difícil para os agentes de autoridade. Acabam sempre por comer por tabela, enquanto uns tantos os (e nos) vão comendo por parvos.       

sábado, 22 de junho de 2013

Coimbra

Lembram-se quando o "Fado" foi classificado Património Cultural da Humanidade? Lembram-se? Eu lembro-me. Lembram-se da explosão de notícias e programas logo que se soube? Eu lembro-me. Será que me vou lembrar do mesmo respeitante a Coimbra? Não creio atendendo às amostras das notícias televisivas. Enfim, Coimbra não é de facto Lisboa. É pena, porque faz parte de Portugal, como o fado, mas há um triste fado que atinge os que estão longe dela, Lisboa, claro, uma bela cidade que adoro, mas prefiro de longe a minha, Coimbra, com o seu fado, um fado que acalma o coração e que me faz sonhar coisas que "os" de Lisboa não conseguem e nunca hão de conseguir. É pena que tal aconteça num país pequeno que se julga "grande". É pena que não desfrute a alegria do acontecimento. É pena, porque faz mal, muito mal.
Sejam todos bem-vindos a Coimbra.

A banalização do declínio demográfico...

O envelhecimento demográfico está em aceleração. Aqui ficam alguns indicadores relevantes publicados pelo INE em2012.
Sem natalidade, com o número de jovens a decrescer, a esperança de vida a aumentar e o número de idosos a crescer o futuro do país será muito diferente do presente. Justamente por causa destas evoluções, o presente é hoje bem diferente do passado não muito distante. Mas o tempo passou, nem por isso pensámos no assunto e antecipámos problemas e soluções. Temos andado preocupados com outras coisas. O aumento da esperança média de vida associado à diminuição da natalidade tem como resultado um aumento considerável da proporção das pessoas idosas no conjunto da população, ao mesmo tempo que a população potencialmente activa se irá reduzir. Teremos um complexo problema para resolver a médio e longo prazo. Já temos. Como vamos compatibilizar esta realidade com a economia, as necessidades sociais da longevidade e a equidade entre gerações. Continuamos sem um debate sobre este assunto. Responder em cima dos acontecimentos é uma  não resposta. Neste domínio as decisões levam tempo a implementar e a produzir efeitos. Enfim, os números do declínio do envelhecimento correm o risco de se banalizarem...

. Pela primeira vez desde que há registos, o número de nascimentos desceu abaixo de 90.000 - 89 841.

. O índice de fecundidade atingiu o valor mais baixo de sempre, 1,28, um número muito longe da fronteira da renovação de gerações (2,1).

. O saldo migratório foi negativo, aprofundou-se a diferença entre o número de emigrantes e o número de imigrantes.

. A esperança de vida à nascença voltou a aumentar. As mulheres vivem até aos 82,59 anos e os homens até aos 76,67 anos.
. O índice de envelhecimento agravou-se. A cada 100 jovens correspondem agora 131 idosos.

Pergunta Fernando Seara:

"Havendo mais de uma dezena de providências, exatamente iguais, porque é que só a que me concernia veio a ser deferida com decisão confirmada pela instância de recurso?"."Porquê decisões diferentes para casos iguais?"
Eu sei a resposta e posso mais uma vez informar. Só existem providências cautelares e ações judiciais visando impedir a sua candidatura e a de outros candidatos repetentes, como também só existem divergências entre diferentes tribunais, aliás naturais e esperadas enquanto os tribunais superiores e em especial o tribunal constitucional não harmonizarem o critério de decisão judicial, porque os senhores deputados, com  particular responsabilidade para os do seu próprio partido, se demitiram da função que lhes cabe exercendo o poder legislativo para interpretar autenticamente mais uma lei feita com os pés. E ao fazê-lo entregaram mais uma vez aos tribunais o que pertence à política. Há uma seara de gente a sabê-lo.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Os comedores de papéis

Um autarca tirou um papel das mãos de um inspetor da PJ e engoliu-o durante a busca realizada anteontem de manhã na sua residência.
Correio da Manhã
A austeridade faz os seus efeitos e fome, fome a sério, já chegou aos vice-presidentes de Câmara (ou será da Câmara...?).
Mais umas buscas e temei, oh documentação em arquivo, que correis o sério risco de ser deglutida!...
O que nem seria mau de todo. Esvaziavam-se as estantes e aprovisionava-se material mais digerível. Em nome da saúde dos próximos eleitos.

FED deixa-nos em apuros (...), mas "tranquilidade" à Titanic é palavra de ordem...

1. Contrariando as expectativas da véspera, que aqui deixei expressas em último Post, o FED confirmou, ao final da última 4ª Feira, que no segundo semestre do corrente ano – e salva indicação em contrário do comportamento da economia americana, em especial da taxa de desemprego – começará a reduzir o programa de compras de dívida pública e privada que tem vindo a manter com o objectivo de estimular a actividade económica e, em especial, de fazer baixar o nível de desemprego até um valor próximo de 6,5% e que tem ajudado a manter muito baixas as taxas de juro de dívidas no País e noutros mercados..
2. Tanto bastou para que os mercados financeiros reagissem de forma bastante negativa, tendo-se ontem assistido a perdas acentuadas nos mercados de acções, nomeadamente na Europa, bem como a uma forte subida das yields da dívida pública que nos dias anteriores tinham vindo a corrigir em baixa.
3. No caso da dívida pública portuguesa, convém recordar que até 22 de Maio as yields das obrigações a 10 anos tinham baixado para um valor próximo de 5,2% (mais baixo desde há quase 3 anos); subiram até meados da semana passada para próximo de 6,7%; baixaram de seguida para cerca de 6% (última 4ª Feira); e, depois do anúncio do FED, voltaram ontem e hoje a subir fixando-se agora em torno de 6,5%. Um carrocel estonteante!
4. Admito que seja prematuro tirar conclusões firmes - os mercados já nos habituaram a “swings” que por vezes nos deixam tontos (salvo os Crescimentistas, sempre firmes nas sua convicções oníricas sobre as prioridades do crescimento e do emprego) – mas a situação está longe de ser satisfatória: tenho a noção de que nos encontramos a balouçar na corda bamba, estamos cada vez mais dependentes da boa vontade dos credores oficiais e da fortuna dos mercados.
5. Vem a propósito citar uma interessante notícia divulgada na edição de ontem do F. Times - acompanhada da imagem de um invulgar e belo mural, em Lisboa, onde se vê uma jovem rezando, de mãos erguidas e muito concentrada, e em letras enormes os seguintes dizeres “Pray for Portugal” - sob o título “Fears rise over Ireland and Portugal bailout exits”.
6. Essa notícia aborda a recente subida das taxas de juro (yields) das dívidas públicas irlandesa e portuguesa, que pode colocar entraves ao objectivo de regresso ao mercado de dívida que se espera acompanhe o termo dos programas de ajustamento.
7. A situação da dívida portuguesa é mais complexa, uma vez que a subsistirem yields de 6,5% (nos 10 anos) o regresso aos mercados, em condições de quase normalidade e sem alguma assistência da UE ou do BCE, será quase impossível.
8. O caso da Irlanda é diferente: não obstante esta subida mais recente, as yields para o mesmo prazo andam por 4%, caso se não afastem deste padrão o regresso aos mercados não será objectivo impossível.
9. Estamos pois em apuros, mas no campo doméstico tudo parece correr “tranquilamente”, em jeito de TITANIC: (i) greves e mais greves, quase sempre ditadas por motivos políticos primários, (ii) mesas redondas a discutir a saída do Euro (que fantasia, meu Deus!), (iii) comentadores encartados/sofá perorando a toda a hora sobre azares do Governo, (iv) heróicos movimentos contra a Troika e o encerramento da TV Helénica, (V) “media” na sua generosa maioria entregues a desvario insanável...o que fazer?!

Os contentinhos do poder!...

Por que é que o Constitucional não resolve de vez a questão das candidaturas por parte dos Presidentes das Câmaras que atingiram o limite dos mandatos?
Porque infelizmente vivemos num país dirigido por burocratas sem alma nem engenho, no parlamento, no governo, nos tribunais, atolado na burocracia, escravo da regulamentação mais absurda, que impede qualquer decisão óbvia e urgente, presa sempre no gabinete de qualquer funcionário legislativo, judicial ou governamental. Foi sempre assim no licenciamento industrial e é, também agora, no "licenciamento" autárquico. 
Num absurdo só explicável pela mais completa preguiça, o Parlamento nem quis conhecer do problema e logo o varreu para outras instâncias. Chegou a vez dos Tribunais, onde, de recurso em recurso, nenhuma decisão definitiva é dada. Claro que o assunto irá chegar ao Constitucional.
Por que não resolveu este já o assunto? Porque ainda não pode, dirão alguns; porque não actua por iniciativa própria, dirão outros. Porque e porque e porque…
Entretanto, vamos perdendo tempo e dinheiro e atolando tribunais que não julgam o que devem, devido ao capricho dos que teimam em recandidatar-se (os menos culpados) e ao capricho dos que procuram manter a situação para não se comprometerem.
Um país de não me comprometas é o que temos. Um país ao gosto dos políticos-funcionários-burocratas que nos dirigem e bem contentinhos do poder. 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Um mau exemplo...

O país continua sem perceber porque é que o governo tomou a decisão de não pagar o subsídio de férias  em Junho. E não percebe porque é que o governo não explica a decisão. É um mau exemplo como alguém hoje me dizia: o governo tem dinheiro mas não paga!

Eles




Recebi por mail este pequeno video feito por trabalhadores da Câmara Municipal de Oeiras sobre os trabalhadores da Câmara Municipal de Oeiras. Muitos dos rostos são-me familiares. Reconheço aquelas expressões de satisfação e de orgulho. Durante um período da minha vida acompanhei-os de muito perto, no trabalho do dia a dia. Sou testemunha da competência da grande maioria deles mas sobretudo da consciência de que estão ali, desde os mais modestos auxiliares ou operários ao mais qualificado dos dirigentes, na qualidade de agentes de serviço público. Assisti por mais de uma vez ao torcer do nariz de muitos deles quando o discurso oficial lhes dizia que eram "clientes" aqueles que sempre identificaram como munícipes, a razão de ser do esforço que faziam. Ao seu trabalho, ao sentido do dever, é devida a extraordinária transformação de um território outrora desqualificado. 
Há entre eles exceções que não cabem nesta minha perceção? Há, decerto. Também as conheço. São seguramente demais. Mas neste tempo em que se tornou politicamente correta a ideia de que a maioria dos funcionários públicos é descartável, este pequeno video dá-me a oportunidade de depor em contrário. A larga maioria deles estão ali por nós. Eu sinto-o todos os dias. E eles têm razão para o orgulho que exibem.


Nogueira

Muito se tem escrito sobre Mário Nogueira, o intrépido e omnipresente lider sindical dos professores.
Não me interessa particularmente a pessoa ao invés do que acontece com alguns cronistas do reino. Já a forma do personagem atuar diz muito sobre a falta de exito da ação sindical dos professores.
A larguíssima maioria dos professores é constituída por gente bem formada, bem preparada, com ideias claras sobre o que vai mal no sistema, com vontade de contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem. Conheço aliás muitos a quem não passa nem passou pela cabeça ser outra coisa na vida se não professor, e por isso mesmo estão preocupados com tudo quanto degrade o ensino ou contribua para o desprestígio social da profissão que abraçaram. Sinto que esses sabem que o discurso extremista, arrogante, claramente desviado do que deve ser a ação sindical centrada na defesa dos interesses profissionais de classe e não de um qualquer projeto político, não colhe junto da maioria de pais e alunos. Não colhe junto da população. Creio até que essa larga maioria de professores, autenticamente preocupados com a Escola, percebe bem que muitas das propostas e reivindicações da classe, sendo justas, são prejudicadas por uma liderança que aos olhos do poder, mas também da opinião pública (não confundir com opinião publicada), se aproveita para delas para fazer oposição ao Governo. Foi assim nos governos do Partido Socialista, é assim com este governo, assim será com qualquer governo onde não tenha presença o PCP.
Conclusão: todos perdem, todos perdemos, com exceção para Mário Nogueira e para o projeto e interesses que verdadeiramente representa.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Templos a pagar"...


Quando o cabelo começa a incomodar-me tenho de ir à tosquia. O pior é arranjar tempo, mas assim que consigo uns trocos vou a correr até à baixa. Hoje, tive a tarde livre, não estava programada, foi-me muito útil. Passeei, cortei o cabelo, dei voltas e mais voltas pela baixa, sempre debaixo de um vento nervoso e de um frio inquietante.
Subi o Quebra-Costas, lentamente, em contraste com os meus tempos de estudante, e olhei para a Sé Velha. Vi que tinha a porta aberta. Pensei, há quanto tempo não entro naquele espaço? Há muito, talvez há demasiado, espero que não tenha sido aquando do batizado da minha filha do meio, porque, se foi, é uma vergonha. Como estava um pouco cansado, e nada me atormentava, exceto o vento desagradável, subi a escadaria com o propósito de passar uns minutos no templo. Gosto imenso de sentar e descansar em igrejas ou capelas. São excelentes fontes de inspiração. Ao entrar, do lado esquerdo, um papel colado na porta ou na cortina, não sei bem, ostentava o seguinte aviso, "visita 2 euros, contributo para as obras". Fiquei incomodado, virei as costas e fui embora. Não é a primeira vez que   acontece, pedirem-me dinheiro para entrar num templo religioso. Deem as explicações que quiserem, não as aceito, abomino ter de esportular seja qual for a quantia para entrar. Fico com uma sensação tão desagradável que me dispenso de escrever o que sinto.
Este episódio obrigou-me a recordar um outro ocorrido há poucos dias, quando a minha filha mais velha foi à "Rainha Santa". Ao entrar perguntaram-lhe se era para visitar ou para rezar. Respondeu: as duas coisas. Então tem de pagar. E se for só para rezar? Não paga. Resposta: então eu vou só rezar.
Não sei o que é feito das caixas das esmolas. Como não devem dar grande coisa, lembram-se destas artimanhas "comerciais".
Por enquanto ainda vou entrando em igrejas e capelas deste país, mas só se a entrada for livre. Gosto de entrar. Gosto de me sentar. Gosto de respirar o ar. Gosto de saborear o silêncio e adoro inspirar-me nestes locais. Hoje não entrei na Sé Velha e provavelmente nunca mais irei entrar. Não faz mal, uma pequena capela ou uma modesta igreja conseguem provocar as mesmas sensações.
Agora, recordo que já não vou à "Rainha Santa" há muitos anos, local onde me casei. Ponho-me a pensar na resposta que terei de dar ao senhor quando me perguntar: é para visitar ou para rezar? Olhe, eu vim para descansar, para meditar e para me inspirar. Tenho de pagar alguma coisa para isso? Se tiver, viro as costas e nunca mais ponho os pés naquele lugar, nem mesmo que o sujeito se lembre de me fazer um desconto face à minha resposta. Era o que mais faltava ter de pagar para entrar num templo religioso! Nem pensar.
Estou a escrevinhar este texto no meu gabinete, ouvindo a "Cabra" a tocar e a olhar para a "Torre". À borla! O meu gabinete é maravilhoso e também é um belo local para trabalhar, para descansar e para me inspirar. Mas, mesmo assim, os raios dos templos são muito melhores...