domingo, 30 de janeiro de 2005

Educação nos programas eleitorais - PSD e PS

Após a apresentação dos programas eleitorais dos dois principais partidos vale a pena elencar algumas ideias e deixar alguns reparos.
  1. Os problemas da educação merecem um destaque menor em comparação com os seus antecessores, nomeadamento os apresentados por Durão Barroso em 2002 e António Guterres em 1995. Quer num quer noutro a reforma da educação merecia o estatuto de "pilar" fundamental na estratégia eleitoral, o que não acontece agora.
  2. Em traços gerais poderemos dizer que os programas se revelam muito "defensivos" recuperando ideias de há muito lançadas e apresentando-as com outra "roupagem" discursiva. O programa do PSD chega mesmo a falar de "estabilidade" e "serenidade nas reformas" o que significa "gerir o que está", introduzindo pequenas alterações.
  3. Ambos os programas covergem em algumas bandeiras que vinham do XV Governo: o combate ao abandono e insucesso escolares, o reforço do ensino profissionalizante, a convergência entre as políticas de educação e formação, a expansão do pré-escolar, a avaliação das escolas e do sistema educativo, o reordenamento da oferta e a consagração do princípio dos agrupamentos de escolas, a contratualização da autonomia e a gestão por objectivos, o ensino do inglês no 1.º ciclo, a articulação entre ensino público e privado em torno da noção de "serviço público de educação", o reforço da componente experimental no ensino das ciências desde os primeiros anos do ensino básico, estabilização do sistema de colocação dos docentes, profissionalização da gestão executiva.
  4. Quanto a supostas divergências, o PS continua a rejeitar os exames do 6.º e 9.º anos retomando as provas aferidas, enquanto o PSD parece ter "esquecido" o tema; o PS põe de parte da reorganização dos ciclos, mantendo a actual configuração, o PSD volta a "esquecer-se" das suas anteriores propostas; o PS adopta o princípio da obrigatoriedade do ensino/formação até aos 18 anos, o PSD "esquece-se", mais uma vez, das suas propostas.
  5. Alguns reparos, nomeadamente ao programa apresentado pelo PSD: propõe-se poupar cerca de 100 milhões de euros através da "gestão integrada da escola" (???) e da "conversão dos horários de unidades de 50 para 45 minutos" (!!!) - quem teve a ideia não conhece o sistema educativo! Apresenta um novo conceito: "abandono precoce" que deve ser um misto de abandono com saída precoce. Inventa a figura do "gestor da educação". Cria "um sistema de empréstimo público dos manuais escolares" (!!!) e a figura da "parceria local de educação". Quem teve estas ideias nem sequer conhece o que existe e o que foi feito pelo anterior governo do mesmo partido.

Com tantas convergências e tantos esquecimentos há condições para um entendimento sobre questões fundamentais da educação e atenuar o "ambiente de batalha" que domina o sector. É, aparentemente, um bom sinal. Porém, é lícito pensar sobre a verdadeira vontade de "reformar" a educação em Portugal. Um exemplo elucidativo: nenhum dos programas aborda o estatuto da carreira docente, a forma como os professores (não) são seleccionados, os critérios e requisitos de progressão na carreira, os modelos de avaliação de desempenho. Pois é, todos têm medo de perder votos, ou de não os ganhar onde são mais exigentes.

Um cartão único sem um número nacional único?

O PS retomou nesta campanha eleitoral a proposta do chamado cartão único, que pretende juntar num mesmo documento de identificação, o bilhete de identidade, o cartão de contribuinte, o cartão de eleitor, a carta de condução e ao que julgo o cartão de utente do sistema nacional de saúde.
O tema é pacífico - podia surgir no programa eleitoral de qualquer partido - e faz sentido - para que é que precisamos de tantos cartões se podemos ter só um.
Mas esta promessa é tão evidente quanto insignificante.
E só merece destaque num outdoor porque esta campanha eleitoral é um enorme lamaçal.
Entre choques, limiares de pobreza, quem conhece aquele senhor - e agora a homossexualidade - , só faltava que nos viessem vender a mudança do sistema de numeração dos telefones ou um novo sistema para fazer a numeração de polícia dos prédios das nossas ruas. E já agora uma invenção para as matrículas dos nossos carros, pois estamos perto do final da actual sequência de identificação (99-99-ZZ).
A promessa é risível mas coloca um problema.
Como é possível ter um cartão único, sem um identificador único para esse cartão? Por outras palavras, sem um número único que permita agregar os vários números dos diferentes cartões?
Esta questão coloca-se porque a nossa Constituição no nº 5 do artigo 35º, que versa sobre a utilização da informática, diz que "É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos".
Ora, estamos no domínio da utilização da informática e independentemente da opinião sobre a proibição do número nacional único, é evidente que uma base de dados que registe a informação sobre o cartão único, só funciona se tiver um número único para cada cartão. Se não é um número é um outro tipo de identificador que em qualquer solução será único.
Será que o PS tem consciência das implicações constitucionais desta promessa?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

O fantasma da direita


A imagem é dos anos 70 e muita coisa aconteceu em Portugal desde então.
Todos temos o direito a mudar de opinião, de ideologia, de partido, de posicionamento face aos problemas.
Afinal, tudo o que está à nossa volta também muda!
Mas o que mudou em Freitas do Amaral? O que pensa? Quais são, hoje, as suas referências ideológicas?
Confesso que não encontro resposta a estas questões.
Mas, espantosamente, o seu recente posicionamento sobre as próximas eleições legislativas, publicado na revista Visão, não surpreendeu.
Como também não constituiu novidade a sua carta aberta ao Presidente da República divulgada pelo jornal Público em 29 de Junho passado, aquando da saída de Durão Barroso para Bruxelas.
E já não é surpresa, porque este homem da direita, Procurador à Câmara Corporativa, fundador do CDS, candidato presidencial do centro/direita em 1985/86, "passou-se para o outro lado".
Mas, transformou-se num homem de esquerda? Tornou-se um social-democrata? Aderiu a alguma das correntes dos pensamentos socialistas?
Não sabemos!
Freitas do Amaral converteu-se numa espécie de representante do politicamente correcto, que espera um estatuto de senador e que esporadicamente aparece a " dar uns jeitos" ao Dr. Mário Soares e ao PS.
Até o pode fazer de forma genuína e desinteressada.
Mas o que transparece da sua atitude é um homem ressentido e ressabiado, que em cada aparição pretende fazer mais um ajuste de contas com o seu passado.
Para uma certa esquerda, Freitas do Amaral é uma espécie de idiota útil.
Para a direita transformou-se num fantasma que vem assombrar o ambiente cada vez que aparece.
Um destes dias, acabará detestado por todos!

A causa deste frio...


Poderia bem ser uma das conclusões do Forum Social Mundial Posted by Hello

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

Auschwitz



60 anos depois do fim do horror é necessário nunca perder a memória... Posted by Hello

A dança das laranjas

A última edição do Expresso estava cheia de recados e cenários. Marques Mendes mereceu honras de primeira página com uma fotografia "à maneira" anunciando o que há muito se esperava: é candidato à liderança do PSD. Segundo o Expresso, o Prof. Marcelo apoia. Entretanto, definem-se já adversários. A forma como Rui Rio é tratado em várias páginas da mesma edição só pode ter um significado: é o principal alvo a abater. Há que marcar terreno, ou seja, começou a dança das laranjas.
Perante este quadro deixo um repto aos leitores: aceitam-se sugestões e apostas sobre quem vai ao baile e quem, no final, subirá ao palanque. Aceitamos também sugestões de músicas, do estilo "Orange Blossom" de Johnny Cash, ou os sons dos "Tangerine Dream" muito a condizer com as reveladas pretensões. Para os mais sérios, talvez Prokofiev ("O Amor das Três Laranjas") ou mesmo Khachaturian ("Dança do Sabre").

quarta-feira, 26 de janeiro de 2005

A frase que ninguém quis perceber

"Ou há pacto de regime ou se faz uma revolução, para que entre uma nova classe política".
A afirmação é de Joaquim Fortunato, Engenheiro e Presidente da AECOPS (Associação das Empresas de Construção e Obras Públicas do Sul), em entrevista publicada no caderno de negócios do Diário de Notícias do passado dia 24 de Janeiro.
Já não há dúvida. Vem aí um golpe de estado... ou de camartelo?

Vai um pacto?

Ultimamente, tornou-se voz corrente defender pactos de regime para enfrentar todo e qualquer problema da nossa sociedade.
Na justiça, nas contas públicas, na economia, na construção civil, no ambiente, na educação, enfim, por tudo e por nada fala-se de pacto.
Até já tivemos um pacto MFA/Partidos, nos tempos quentes de 75.
Para ajudar os internautas a compreender a importância e significado da palavra "pactuar", apresento seguidamente alguns sinónimos:

acordar, adaptar, agrupar, ajustar, aliar, assentar, calcular, combinar, comparar, conciliar, concordar, condizer, conformar, constituir, consubstanciar, contratar, convencionar, coordenar, dispor, harmonizar, igualar, moldar, misturar, ordenar, regular, transigir, tratar, unir

enfim, quer dizer muita coisa... e esperar que os outros resolvam o problema.

Alerta Lobo


Lê-se num dos jornais de hoje que há muito que o Estado deixou de pagar aos pastores as indemnizações previstas na lei pelos prejuízos causados pelos lobos no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Imagino que o mesmo se passe noutras zonas do País. Esta situação é preocupante. É um contributo para a extinção de uma espécie considerada em perigo em Portugal (classificada como vulnerável a nível planetário pela União Internacional para a Conservação da Natureza) e por lei protegida. A somar à escassez de presas naturais (coelhos e cervídeos) e à desflorestação, a perseguição das escassas alcateias que ainda sobrevivem, pelos pastores que não vêem outra alternativa para proteger o seu sustento, é uma ameaça séria a um património natural, mas também cultural pelo que representa na imagética e na tradição de algumas zonas do Norte do País.
Sei por experiência própria que em tempo de crise quem tem o efectivo poder de dar destino aos recursos financeiros, entende que a conservação de espécies e habitats é uma despesa, uma deseconomia que empobrece o País. Mesmo em tempo de vacas gordas as políticas de conservação da natureza são julgadas um berloque...
Só assim pensa quem tem da riqueza de um País a visão tacanha de um progresso exclusivamente feito à custa das coisas materiais.
Outra coisa. Posso estar com dificuldades de ouvir, mas não escutei ainda nenhum alerta dos nossos luminosos lideres ambientalistas. Onde estão? Preocupados, porventura, com a publicidade aos fogões a energia solar ou dos automóveis que poupam mais combustível.
Pois é, não há tempo. Nem atenção.
Se lhe interessa, veja a ficha do lobo. Posted by Hello

terça-feira, 25 de janeiro de 2005

A Verdade


Foi com a maior surpresa que encontrei na página oficial da campanha do PSD tão pretensioso quanto lamentável título. Continuo a pensar que as palavras tal como os títulos de órgãos oficiais de organizações políticas têm uma carga simbólica própria que o conhecimento da história identifica e esclarece. Esta nossa Pravda é de uma infelicidade apenas compreensível pela obsessão do contraditório, do debate das formalidades, do diz que disse, do confronto do supérfluo, da guerra da credibilidade de há muito perdida. Quanto à substância, quanto ao fundamental das opções que devem ser colocadas aos portugueses, nada. Por enquanto nada: há quatro dias que tento aceder ao programa eleitoral do PSD, no prórpio sítio de "A Verdade", e não consigo. Afinal para que serve o programa? Quem é que o vai ler? O que é que ele tem a ver com "A Verdade"?

segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

Imagem apolítica



Aviso: esta foto não tem nada que ver (nem sequer simbolicamente) com o presente momento eleitoral Posted by Hello

domingo, 23 de janeiro de 2005

Um poema à medida do actual momento eleitoral

Se ainda não decidiu em quem vai votar no dia 20 de Fevereiro, espero que a leitura do "Cântico Negro" de José Régio o ajude na reflexão sobre o actual momento eleitoral:

«Vem por aqui» - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos …

Se ao que busco saber nenhum de vós me responde,
Por que repetis: «vem por aqui»?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por ai

Se vim ao mundo foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga:«vem por aqui»!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!


José Régio - Poemas de Deus e do Diabo, 1926

sexta-feira, 21 de janeiro de 2005

Elucidário de campanha – 2

Alternância – Versão actualizada da velha imagem do “rotativismo” parlamentar do século XIX. Ainda que muito contestada a ideia afirma-se pela evidência dos factos. A ideia determinista que lhe está subjacente exprime-se também pela tese: “não é o maior partido da oposição que ganha as eleições, mas o partido do governo que as perde”. Daqui se conclui que à oposição não se pede que o seja, apenas que se cale, não cometa erros e tenha muita paciência enquanto espera a sua vez. Os erros e o desgaste da governação são suficientes para desencadear os processos de alternância. Na conjuntura actual a tese é levada ao extremo do seu significado e consequências. Só há uma excepção nos trinta anos que levamos de democracia: Cavaco Silva e os governos do PSD (1985-1995). Um governo minoritário e mais dois sustentados em maiorias absolutas. A excepção confirma a regra até que apareça nova excepção, ou então que se reforme o sistema político que sustenta este determinismo.
Debates – Ponto alto das campanhas eleitorais em que se confrontam as “caras” das políticas para esclarecimento, gáudio ou depressão dos espectadores. Mais do que o debate das políticas, pretende-se comparar as “caras” pelo que revelam, pelo que calam, pela forma mais ou menos convincente com que defendem as suas teses. Por norma, o candidato que está na oposição anseia pelos debates, o que está no poder pretende limitá-los ao estritamente necessário, do estilo “não dou confiança!”. Não é o que se passa actualmente: quem está na oposição sente-se como se já estivesse no poder e quem de facto lá está parece não querer vestir aquela pele. Estamos perante a nova versão actualizada do “fazer oposição à oposição”.
Paraquedistas – À boa maneira militar, são aqueles que caiem de surpresa onde não são chamados. Também conhecidos por FT’s (“fora da terra” em versão actualizada de ET’s). Os da “terra” invocam o capital de conhecimento e notoriedade enquanto vantagem competitiva, os de “fora” geralmente invocam o estatuto de “figura nacional” para uma eleição que sendo distrital tem uma dinâmica nacional. Todos os partidos têm forças paraquedistas, mas só nos maiores o tema se torna polémico e recorrente. Com esta lei eleitoral não se verá tão cedo a luz ao fundo do túnel onde se meteu esta polémica. Não seria mais fácil mudar a lei, adoptando o sistema misto?

É urgente, como diz Eugénio



É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

Eugénio de Andrade Posted by Hello

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Já não há pé para tanto tiro!

Está visto. O PS não necessita de fazer campanha porque o PSD inexoravelmente sucumbirá ao fogo amigo. Desmarquem-se os comícios. Cancelem-se os tempos de antena. Pelo menos uma vez por dia alguém se encarrega de fazer a alegria dos responsáveis do PS e compensar os estragos inenarráveis de inenarrável gente como Nuno Cardoso.
Ontem Pedro Santana Lopes acusou Sócrates de, enquanto Ministro do Ambiente, ter nomeado o seu chefe de gabinete, Filipe Batista, inspector geral do ambiente, à pressa e já depois de perdidas as eleições. Lamentável equívoco só explicável por má informação ou por infiltração do inimigo que induziu a tamanha afirmação. A verdade é que o inspector-geral, que tinha realmente sido chefe de gabinete de Sócrates, foi afinal nomeado por Isaltino Morais, então ministro das cidades, ordenamento do território e ambiente do governo liderado pelo PSD.
Lá se perdeu a oportunidade de fazer campanha pela positiva e demonstrar a Sócrates, mas também a Portas que com inacreditável hipocrisia se vem queixar das nomeações por critérios políticos (é preciso ter lata!), que no PSD há afinal quem faça nomeações sem olhar a cores partidárias mas com base no reconhecimento do mérito, como foi o caso.
Mais um tiro no pé? Não. Já não há pé...
E Sócrates já não sorri. Ri a bom rir.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

Justiça mais simpática

Os contributos para a reforma da justiça vêm de onde menos se espera. Desta vez do Senhor Engº Nuno Cardoso, ex-presidente da Câmara do Porto. De facto, a nossa justiça, designadamente a nossa justiça penal, necessita de ser humanizada. A começar pela linguagem. Nuno Cardoso, em causa própria embora, resolveu dar o seu contributo. Por isso, após horas de interrogatório pela PJ sublinhou que não tinha sido notificado para prestar declarações num inquérito que investiga condutas suas. Tinha sido "convidado" pela polícia para ali se deslocar. Na sequência, aliás, não de uma busca à sua casa há um ano atrás, mas - como explicou - de uma "visita" feita pela PJ à sua residência. É de imaginar que nessa ocasião terá o dono da casa servido um chá de menta aos agentes policiais encarregados da diligência, no meio da agradável troca de impressões enquanto estes vasculhavam os arquivos bancários e outra documentação que, aliás, pediram licença para levar.
Convenhamos que é bem mais agradável este tipo de linguagem. Esta visão mais simpática da justiça penal. Que não agride com palavras.
Já agora não é verdade que o Engº Cardoso tenha sido indiciado ou constituido arguido pela prática de crimes associados à sua anterior actividade de edil, sujeito à medida de coacção designada por termo de identidade e residência. Não. Foi antes investido na qualidade de colaborador da justiça a cujos agentes revelou o nome completo e disse onde mora.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

O PS, o Estado e o crescimento económico

Já deu para perceber que o PS vai fazer do crescimento económico a pedra de toque do seu programa eleitoral, o que não deixa de ser coerente com as suas posições tradicionais. Para o PS a crise financeira do Estado só se resolve com maior crescimento, na medida em que consiga induzir mais receitas. Ao prometer mais 150 mil empregos (postos de trabalho?) está a fazer uma declaração de fé no crescimento futuro. Ao não avançar (para já!) com qualquer medida de diminuição da despesa está a fazer daquela declaração de fé a condição necessária para o sucesso da sua política. Não podiam ser mais transparentes.
A questão que se coloca é a de saber se o Estado, em especial o Estado Português, é capaz de ser indutor do crescimento necessário. Formulada de outra maneira, a questão coloca a dúvida sobre a capacidade de alanvancagem económica numa economia onde a despesa pública já anda perto dos 50% do PIB, em comparação com uma outra hipotética economia onde essa relação fosse significativamente menor. Falamos da chamada eficiência marginal das políticas públicas e da própria despesa pública.
Isto não quer dizer que não existam perspectivas de crescimento económico a médio prazo. Só que a responsabilidade do Estado nessa tendência é cada vez mais reduzida. Será muito mais importante atendermos à procura externa, ao comportamento dos nossos principais parceiros, à evolução do euro, à capacidade de as empresas ganharem quotas de mercado e capacidade competitiva.
O Partido Socialista continua a conceber o Estado como “motor” do desenvolvimento, não tendo ainda percebido que o motor está gripado.

Planeta longínquo


Le Monde de 16/1/2005 Posted by Hello

sábado, 15 de janeiro de 2005

Contagiante...

o entusiasmo que José Pacheco Pereira (declaração de interesse: é meu amigo!) deixa revelar no seu Abrupto ao acompanhar a "descoberta" de Titã. Continua a bater records de visitas num assunto à margem da política. Óptimo para o desenvolvimento de uma cultura e de uma comunidade científicas fora dos meios habituais.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

Imagens a não esquecer

Local - Sueste da Grã-Bretanha no Canal da Mancha, East Sussex
Penhascos de rocha branca (gesso) no Parque Natural de Seven Sisters (não confundir com as Plêiades da mitologia grega). Os sete penhascos são: Haven Brow, Short Brow, Rough Brow, Brass Point, Flat Hill, Bailey's Hill e Went Hill.
Os penhascos têm vindo a recuar 30 a 40 cm por ano em resultado da erosão costeira provocada pelas chuvas e pelo mar. Anualmente ocorrem duas a três grandes derrocadas nestes penhascos.
Os penhascos são uma parte do Parque Nacional de South Downs que é gerido pelo Sussex Downs Conservation Board.

Biodiversidade

A falta de auto-estima atrai-nos para o constante acenar dos bons exemplos que constituem as ideias e os actos dos nossos parceiros. Convém ter consciência que dos nossos parceiros não vêm sempre bons exemplos. É o caso da poderosa França, sempre soberba na vontade de apontar aos outros o bom caminho, mas em risco de vergonhosa condenação pelo desrespeito das directivas comunitárias de protecção da biodiversidade. A ler no LeFigaro.

Pobres promessas


Sócrates prometeu um novo programa de apoio aos idosos mais pobres.
Merece um grande aplauso.
Os idosos mais pobres devem ter todo o apoio do Estado.
Mas quando Sócrates foi questionado sobre o significado de "idosos mais pobres", percebeu-se a atrapalhação.
Então veio a explicação: "são os que se encontram abaixo do limiar de pobreza".
Ora, limiar de pobreza é um valor correspondente a 60% do rendimento médio nacional. E 60% do rendimento médio nacional são 387 €. Um valor superior ao nosso salário mínimo nacional que, presentemente, é de 374 €.
Ou seja, o limiar de pobreza é superior ao salário mínimo nacional em 13 €.
É óbvio que esta promessa não faz sentido.
Ainda não conseguimos que as pensões de reforma sejam iguais ao salário mínimo nacional.
Aliás, o PS considerava irresponsável e irrealista a promessa do Governo PSD/PP para equiparar o valor das pensões ao do salário mínimo.
Agora promete algo que é claramente mais dispendioso que a medida que o actual Governo tem vindo a aplicar.
Mas já se percebeu que não sabia o que estava a prometer.
Lembram-se da famosa cena do Eng. Guterres na campanha eleitoral de 1995, quando falou do PIB e todos percebemos que ele não sabia do que estava a falar?
Pode não ser coincidência.
Mas as semelhanças são assustadoras. Para pior...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Elucidário de Campanha – 1

Campanha – Antes de o ser já o era. Para facilitar utiliza-se o termo pré-campanha o que torna a campanha uma pós-pré-campanha. Assim se compreende como no nosso quadro jurídico eleitoral se esgotam dois preciosos meses em que tudo fica à espera do que vem a seguir. Se juntarmos o período de dissolução com o período compreendido entre o acto eleitoral e a investidura parlamentar do governo, facilmente duplicamos aquele prazo.

Inaugurações - Quem está na oposição promete, quem está no poder inaugura. «Boas inaugurações são as que resultam de muito querer, de muito pensar, conceber e decidir», segundo Paulo Portas. Acrescente-se, muita imaginação. Como é que o Ministro da Defesa e dos Assuntos do Mar, acompanhado pelo Secretário de Estado dos Assuntos do Mar, consegue inaugurar um cais em Lamego? Brilhante!

Promessa – Em campanha é do que há mais, o que lhe reduz o valor e credibilidade. Cada vez mais, uma promessa eleitoral identifica-se com aquilo que dificilmente se pode cumprir. Exemplo recente do Eng.º Sócrates: “subir os rendimentos dos idosos mais pobres do país para o limiar da pobreza”. Justo e justificável é, mas será exequível? Se o limiar não for alterado, estamos a falar de cerca de 300.000 pensionistas, com uma prestação suplementar mensal de cerca de 90€, o que representa um encargo anual de cerca de 324 ou 378 milhões de euros, consoante se pague 12 ou 14 meses. E o deficit meus senhores? E o deficit?

Tapete – Aquilo que se tira ao vizinho do lado quando se torna incómodo. Depois de tirado, raramente se consegue devolver. O vizinho fica sem tapete e só o seu sentido de responsabilidade o faz manter a qualidade de “vizinho”. A função do tapete é determinante para se ter uma boa ou má vizinhança. Ir ao tapete, expressão utilizada no boxe quando se cai em resultado de golpe violento, traiçoeiro ou não. Quando se tira o tapete já não se pode mandar o vizinho ao dito. Deveria sair para fora do ringue.

Limites à função presidencial

Era inevitável.
O tema dos poderes presidenciais entrou na campanha eleitoral para as legislativas.
A reivindicação de limitação futura dos poderes do Presidente quanto à subsistência de um governo, não é tema barato. A alteração reivindicada visa mudar profundamente a conformação do nosso sistema político.
Retirar o poder (necessariamente discricionário porque sempre baseado em critérios de natureza política) de o chefe do Estado avaliar o desempenho poder executivo do ponto de vista da regularidade do funcionamento orgânico da democracia, com a consequente concentração no parlamento dos poderes de responsabilização política, é rejeitar o semi-presidencialismo e apostar no sistema parlamentar. Sistema que rapidamente passará a presidencialismo de primeiro-ministro se em nome da governabilidade, como também se propõe, for facilitada a constituição de maiorias absolutas monopartidárias através de uma reengenharia do sistema eleitoral.
Curiosamente os poderes presidenciais não eram tema de debate desde 1982. O que prova que, pelo menos desde a revisão constitucional que mexeu substancialmente com esses poderes, o sistema provou funcionar bem, na lógica de uma saudável separação e interdependência de poderes.
São tema de debate neste momento por razões puramente conjunturais.
Mas está redondamente enganado quem julga que esta proposta é dirigida contra do Dr. Sampaio. O Dr. Sampaio está em fim de mandato e já fala na dedicação que terá ao filantropismo e à intervenção cívica depois de deixar Belém...
A conjuntura tem um rosto. E um nome: Cavaco Silva.

Jean Baptiste Say


Uma das mais interessantes e difundidas obras da economia política clássica. Tambem chegou a Portugal, aproveitando a abertura permitida pela revolução liberal de 1820. A destacar a expressão "cathecismo" aplicada a matéria tão secular e o alvo fundamental da edição: "instrucção familiar". Sempre actual nos princípios fundamentais, como se pode demonstrar pelo excerto:
"P. Que ha que observar a respeito das despezas publicas?
R. Que o publico nunca he servido tão barato como os particulares.
P. E porque?
R. Por tres razões: a primeira he, porque as circunstancias politicas determinarão em geral o numero dos funccionarios publicos, e os seus honorarios, e por consequencia os seus serviços não ficão abandonados a uma concorrencia livre. A segunda razão he, porque aquelles que decidem das despezas publicas, como não lhes pertence o dinheiro para ellas applicado, são menos avarentos delle do que serião como particulares, ácerca do seu proprio dinheiro. A terceira razão he, porque os trabalhos feitos para o publico não são vigiados com tanta facilidade, e nunca o são pelo interesse pessoal."

Aplicando aos Hospitais S. A., será que o Eng.º Sócrates não percebe?
Se não percebe agora talvez o venha a perceber mais tarde quando qualquer curioso de contabilidade pública lhe explicar o "b a ba" da operação.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Bem me queria parecer...

Em Helsinquia, numa conferência de sábios, foi revelado que na Europa pelo menos 1/4 da população sofre de doenças mentais.

É uma explicação...

Portugal dos Pequeninos


O episódio da viagem a S. Tomé e Principe do ministro Nuno Morais Sarmento e as declarações a propósito trazem-me a memória esse icon que continua a ser o Portugal dos Pequeninos... Posted by Hello

terça-feira, 11 de janeiro de 2005

Belo



Anda muito pesado, este blog.
Ele é lamento, ele é tristeza, ele é perplexidade, ele é pessimismo...
Hora de intervalo no tom que está a dominar este espaço (aliás, temos de pensar em mudar a cor de fundo...).
Hora de contemplar o belo.
Aqui fica uma imagem que testemunha a beleza do mundo em que vivemos. E que nos recorda que da natureza não nos vem só tragédia.

Queensland, Austrália - Praia do Paraíso Branco Posted by Hello

Triste espectáculo

Lamentável o espectáculo protagonizado por alguns dos senhores advogados do chamado caso Casa Pia.
São essenciais os princípios que impõem o dever de não discutir em público a causa e o patrocínio.
Perante a violação sistemática e impune desse dever, poucos sabem que constitui regra deontológica com consagração legal expressa. Ou seja, é obrigação com a mesma força jurídica da que, por exemplo, proíbe que se avance com o sinal vermelho.
Nas fases do inquérito e da instrução, neste como noutros processos, foi o que se viu. Uma feira mediática diária alimentada por algumas personagens menores, muitos delas até aí desconhecidas entre os próprios pares, perseguindo freneticamente a visibilidade que compensasse a falta de competência, a mediania e até a mediocridade que lhes tolhiam a ambição.
Encontrou-se a via mais fácil de angariar clientes à custa da publicidade ao senhor doutor que se dispõe ao espectáculo. É o preço pelo qual se aceita vender a dignidade e a probidade profissionais.
Nessa altura justificavam este comportamento com o legítimo direito de retorsão contra a contínua divulgação do processo que deveria estar em segredo de justiça. Era, dizia-se, um imperativo imposto pelo dever de defesa dos seus clientes...
A Ordem dos Advogados, à qual cabe zelar pela inviolabilidade dos deveres deontológicos, assobiou para o lado, autorizando com a sua omissão (excepção feita aos apelos do então Bastonário José Miguel Júdice) a pública manifestação de desprezo pela deontologia. Espero que outra seja a atitude dos novos órgãos da Ordem até para que o cidadão comum não confunda o trigo com o joio. Para que saiba o bom advogado não é aquele senhor que sistematicamente lhe entra pela casa dentro nos telejornais ou nos espectaculares directos, falando com manifesta satisfação de factos, muitos deles desgraças e misérias, que deveriam ser conferidas serenamente na sala de audiência.
Agora desapareceu o alibi da violação sistemática do segredo de justiça. Mas sempre que termina a sessão de audiência de julgamento, lá se perfilam diante das câmaras de televisão os mesmos advogados, comentando pressurosamente o que disse e não disse o arguido, a reacção dos juizes, a estratégia da defesa, as expectativas para as sessões seguintes. Até a conduta dos colegas advogados!
Enfim, uma nova ´quinta das celebridades´ onde, se bem observada, nem sequer falta o burro...

Tragédias, prioridades e media


Já é recorrente.
Ocorre uma tragédia, aparece a comunicação social e... declara-se uma nova prioridade para que o problema não se repita.
Puro engano.
Lembram-se do incêndio do Chiado? Era necessária legislação contra incêndios em centros urbanos antigos! E fez-se um Decreto-Lei… que todos ignoraram.
E os acidentes com petroleiros? O Jacob Maersk em 1975, o Marão em 1989, o Aragon em 1990, isto só para falar dos casos que ocorreram em águas portuguesas. Era preciso evitar as marés negras! Fez-se o Plano Mar Limpo… que ficou no papel.
E os incêndios florestais? Bom…, é melhor passar já ao caso seguinte.
E as intempéries? Não se podia construir em leitos de cheia. Pois...
E os sismos? Era preciso segurança dos edifícios, planos de emergência… E, está tudo por fazer. Até o mais elementar exercício de evacuação de um edifício.
Agora são os tsunamis. Valha-nos Deus!

segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

A ler...

A entrevista de Eduardo Catroga ao DN. Rigor, bom senso e lucidez, nas palavras de um dos melhores ministros das finanças dos últimos 20 anos. Abordou o fundamental e deixou os avisos necessários:

  1. "Contas públicas levam dez anos a equilibrar" - É bom que se saiba para que qualquer ameaça de retoma não dê lugar a qualquer tentativa de "folgar".
  2. "A sustentabilidade depende de um controlo permanente da despesa pública, mas também da obtenção de níveis de crescimento económico satisfatórios, a médio e longo prazo" - Mais do que chegar a pactos, acordos, entendimentos ou consensos sobre o déficit, a dívida ou a despesa, é necessário definir quais as políticas sectoriais que conduzam a menos despesa e mais crescimento.
  3. "Aumentar o investimento, público ou privado, não é uma questão fundamental. Há dezenas de anos que Portugal tem níveis de investimento dos mais elevados entre os países da OCDE. O que existe é um problema de qualidade desse investimento, quer público quer privado" - É a eterna diferença entre "mais despesa" e "melhor despesa", "mais investimento" ou "melhor investimento". A maioria dos nossos dirigentes políticos não percebe isto e quando percebe não gosta de o dizer.
  4. "Agora, mais do que investir no hardware, há que investir no software. Ou seja, apostar mais no sistema educativo e na formação profissional. O dossier educação não é difícil de corrigir, desde que haja vontade política. Se houver estabilidade nos programas educativos, na gestão das escolas e se se introduzir exames nacionais, as coisas mudam. Penso que deve haver pelo menos três exames nacionais até à entrada na universidade" - O problema é este com um mas, ... quando existe vontade política o ministro é substituído.
  5. "Há que voltar ao ensino técnico profissional, agora em novos moldes, adaptados às actuais necessidades. Há que reorientar recursos para o desenvolvimento deste tipo de ensino".

Ficamos por aqui. A entrevista tem muito mais. Não é por falta de diagnóstico que chegámos a este ponto.

Os Portugueses acham ...

De acordo com uma sondagem publicada hoje no Publico, "mais de metade dos portugueses acham que protecção civil está mal preparada". Se me fizessem a mesma pergunta que fizeram aos inquiridos entraria directamente para a categoria dos Ns/Nr (Não sabe / Não responde). Mas estes não representam mais que 11%. Conclusão 89% julgam saber o suficiente sobre protecção civil para poder emitir opinião. A capacidade de emitir opinião sem conhecimento é impressionante. Tão impressionante quanto a capacidade dos nossos jornalistas de tirar conclusões alarmistas e sem fundamento. Aceitaria facilmente a pergunta: tem confiança na protecção civil em Portugal? Mas não foi esta a pergunta formulada.
O exemplo é paradigmático do tipo de avaliação que se faz do comportamento da opinião pública e da forma como se tiram conclusões dos estudos de opinião. Um pouco por toda a parte este tipo de abordagem é recorrente. São os fóruns, as bancadas centrais, os inquéritos, as sondagens, os debates públicos. Em todos eles é reveladora a capacidade dos "portugueses" de falarem do que não sabem, nem, pelo menos, tentam saber. Mais grave se torna o incorrigível defeito quando para a praça pública se lançam suspeitas sobre responsabilidades pessoais de algumas figuras públicas. Os julgamentos à boa maneira da "justiça popular" são cada vez mais vulgares. Nestes casos "os portugueses" julgam e condenam só porque "acham".
Somos cada vez mais um país de "achados"!

domingo, 9 de janeiro de 2005

Opinião

Notável a clarividência de António Barreto no artigo de opinião que assina hoje no Público

sábado, 8 de janeiro de 2005

As listas e o regime: triste comédia

O comentário de Vasco Pulido Valente no Publico de hoje fala de "uma verdade por enquanto proibida": "Para mudar alguma coisa, como se vai tornando cada vez mais claro, é preciso primeiro mudar o regime". Não poderia estar mais de acordo. O problema reside em saber como, quando e por quem. Vasco Pulido Valente até pode achar "alguma graça" à "comédia das listas", mas esquece-se que a sua composição é da responsabilidade dos que não querem mudar o regime, dos que vivem da sua incoerência e esgotamento. Poderão ser eles os intérpretes dessa mudança? Não direi que é impossível, mas tenho de reconhecer que se torna muito difícil. Faz-me lembrar a história do ladrão a quem se pede que mude o sistema de segurança para que se torne mais eficaz.
Vasco Pulido Valente enquanto se diverte com os episódios das listas distrai-se e não percebe a expressão e consequências destas listas, especialmente as do PSD. As do PS em pouco, muito pouco, se alteraram.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2005

Verdades...

A caminho do escritório, ouvindo as notícias numa das estações de rádio. O pivot é daqueles que não se limita a dar a notícia. Comenta o facto. Introduz opiniões. Suas, ou da redacção, não se sabe.
A notícia tinha que ver com as ajudas internacionais às populações atingidas pelo maremoto.
Após o relato das impressões do Secretário-Geral da ONU que se deslocou a uma das áreas mais afectadas, o jornalista não se eximiu ao prognóstico: à medida que o tempo for passando o caso irá inevitavelmente perdendo visibilidade nos meios de comunicação social em todo o mundo. E, na sua opinião - ou na opinião dos redactores - a solidariedade mundial só se movimenta com a exposição mediática. Logo, é de esperar um abrandamento na vontade de ajudar.
Razão para o progressivo apagamento do interesse dos media: a existência de menos cadáveres expostos!

Sabemos que é assim. Sabemos que só há notícia quando há sangue, quando há escândalo, quando há miséria para exibir e explorar.

Mas há verdades que, mesmo que conhecidas, custam a ouvir...

quinta-feira, 6 de janeiro de 2005

1,3 biliões


(c) Tanye Field Posted by Hello

Um bebé do sexo masculino nascido hoje em Pequim fez com que a população da China atingisse o impressionante número de 1,3 biliões de habitantes!

Será possível pensar o mundo sem ter em conta este facto?

quarta-feira, 5 de janeiro de 2005

As listas, Gresham e Aristófanes

As listas de candidatos a deputados aí estão. A sucessão de episódios e declarações atestam a tensão, mas revelam ainda mais as espectativas e o verdadeiro estado de espírito com que cada uma das forças partidárias encara o próximo acto eleitoral. A simples comparação da forma como decorreu o processo de escolha dos candidatos nos dois principais partidos denuncia como, no PSD, se interioriza a derrota e como, no PS, se prepara o regresso ao poder. Basta avaliar as segundas linhas, os que ocupam posições correspondentes a lugares elegíveis e a chamada "zona cinzenta", para se perceber o que vai no espírito de quem teve a responsabilidade de fazer a ordenação. É a diferença entre quem se une em torno de uma ambição comum e quem se atropela para chegar primeiro ao salva-vidas mais próximo.

Se Cavaco Silva se lembrou da lei de Sir Thomas Gresham, eu prefiro recordar as palavras certeiras de Aristófanes na fala do Corifeu (As Rãs):

"Muitas vezes nos pareceu que esta cidade se conduz com os cidadãos honestos como a moeda antiga em relação à nova moeda. Com efeito, das antigas, que não são adulteradas mas as mais belas de todas as moedas, e as únicas bem cunhadas e bem sonantes em curso entre os gregos e os bárbaros por toda a parte, não usamos, como parece que devia ser, mas fazemos uso destas más de cobre barato, cunhadas de ontem e anteontem, com a pior das cunhagens. Assim, aos cidadãos que nós sabemos que são bem nascidos e prudentes, homens não só justos mas pessoas de bem, educados nos ginásios, nos coros e na música, nós afastamo-los, e fazemos uso para tudo dos de cobre, estrangeiros, ruivos, maus e de má gente, os últimos chegados, de quem a cidade anteriormente se não serviria com facilidade, por ventura, nem como vítimas expiatórias. Agora, ao menos, ó insensatos, mudai de hábitos, seleccionai de novo os seleccionáveis. E se fordes bem sucedidos, a glória é vossa. No caso de insucesso, se sofrerdes algum mal, dareis aos sábios a impressão de vos terdes enforcado de boa árvore."

"As Rãs" foi representada pela primeira vez no começo de Fevereiro de 405 a. C., nas festas Leneias. Viviam-se os últimos momentos da guerra do Peloponeso. No verão, a esquadra ateniense é surpreendida e destruída pelo general espartano Lisandro. Atenas rende-se em Abril do ano seguinte.

Em política, quando a "boa moeda" expulsa a "má moeda", as consequências podem ser terríveis.

Pelo menos, poderiam dar a "impressão de vos terdes enforcado de boa árvore".


Estranha sensação


Ainda não encontrei explicação para o estranho desconforto que sinto com estas eleições ...
Porque parecem tão penosas?

Poema da Utopia

A noite caiu sem manchas e sem culpa.
Os homens largaram as máscaras de bons actores.
Findou o espectáculo. Tudo o mais é arrabalde.

No alto, a utópica Lua vela comigo
E sonha coalhar de branco as sombras do mundo.
Um palhaço, a seu lado, sopra no ventre dos búzios.
Noite! Se o espectáculo findou
Deixa-nos também dormir
.

FERNANDO NAMORA

Escolha par(a)lamentar - II

O processo da escolha dos candidatos a deputados do lado do PS revelou, afinal, que até no sacrifício dos mais elementares princípios, os partidos do centro político são muito idênticos.
Impressiona-me particularmente o caso de Paulo Pedroso. Sobretudo porque a solução que foi encontrada para o seu caso, contou, pelos vistos, com a sua anuência.
Paulo Pedroso foi, como se sabe, despronunciado do chamado Caso Casa Pia. Não está a ser julgado, embora se encontre pendente de decisão o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho que decidiu não o levar a juizo.
Sei bem que um dos princípios civilizacionais mais importantes, o de que todo o cidadão se presume inocente até decisão definitiva em contrário por órgão legitimado para condenar, anda pelas ruas da amargura, sacrificado às necessidades de alimentar de escândalos os media. Apesar de ser proclamado no artigo 32º da Constituição com esta inequívoca formulação: "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa" e supostamente vincular todos ao seu respeito.
Pois bem. Num primeiro momento a federação distrital que nas últimas eleições o propôs para cabeça de lista agora entende que, porque envolvido naquele processo, não é boa liderança nem sequer boa companhia para os camaradas rosa que se apresentarão a sufrágio pelo círculo de Setúbal.
Recebida a batata quente, a direcção nacional do PS fez pior com a inacreditável cumplicidade do próprio: remete-o para um (julgam) discreto 10º lugar da lista!
Então o Partido que se apresenta como alternativa para Governar um Estado de Direito que tem uma Constituição onde orgulhosamente se proclama o princípio da presunção da inocência como tributo ao valor superior da liberdade, não retira todas as consequências desse princípio? Não acredita nele ou, mais grave, desconfia da inocência do seu militante que todos efusivamente abraçavam em pleno Parlamento aquando da sua libertação?
Qualquer que tenha sido a explicação para esta conduta (e todos sabemos qual ela é, na realidade) seria mais decente, imensamente mais decente, apresentar um presumido inocente ao eleitorado se se reconhece que nele se reunem as qualidades de um bom parlamentar, comprometendo-se o próprio por razões de ética política a renunciar de imediato, se procedesse o recurso do Ministério Público e, ainda que presumidamente inocente, fosse levado a julgamento.
Escrito isto pergunto-me, porém, se decência é palavra com significado para os actuais directórios partidários...


terça-feira, 4 de janeiro de 2005

Escolha par(a)lamentar - I

Daqui a uns dias já ninguém se lembrará dos episódios, aliás previsíveis, da escolha dos candidatos ao parlamento.
Mas é bom que se registem porque são ilustrativos do nível a que chegaram os partidos do regime.
No PSD, Pôncio Monteiro foi seleccionado pelo próprio presidente do Partido e celeremente desfenestrado. Bem mais lamentável do que o triste final deste caso é o critério da escolha. Porque através dele se revela que tudo se sacrifica às conveniências eleitorais. Pôncio move-se e sempre se moveu no mundo do futebol. Não no da política, desconhecendo-se até o grau da sua militância social-democrata. Foi escolhido (para nº2 da lista do Porto, pasme-se!) com o único intuito de neutralizar o efeito das declarações de Pinto da Costa que não perdoa a Rui Rio a ausência de vassalagem (e, convenhamos, as infelizes declarações sobre o envolvimento daquele no processo "apito dourado"). Foi convidado (e todo lampeiro, aceitou!) para colher votos naquele povo do Futebol Clube do Porto que está mais interessado no que se passa no clube, se a bola entrará ou não na baliza do adversário na jornada que aí vem, do que no futuro do País. Pôncio não foi convidado pelo próprio Dr. Pedro Santana Lopes pelo mérito da sua militância ou pela habilidade de futuro parlamentar, competente e dedicado.
O episódio só podia acabar, pois, no estilo peixeirada próprio do mundo de onde emerge Pôncio.
Sócrates mais uma vez agradece a prestimosa colaboração.
E Pinto da Costa - pressinto - rebola, satisfeito, por ter averbado mais uma vitória. Como se diz em "futebolês"...

A Terra derrete

(c) PhotoStock

No momento em que parte do mundo tenta convencer os EUA a ratificar o Protocolo de Quioto, foi agora divulgado que o ano que passou foi um dos 4 mais quentes em quase século e meio.
A Organização Metereológica Mundial prevê que o aquecimento à escala mundial continue a verificar-se nos próximos anos.
Entretanto entrou em vigor em em 1 de Janeiro deste novo ano a obrigação de os 25 Estados da União Europeia (UE) cumprirem valores máximos exigentes para as partículas de dimensão inferior a 10 microns (i.e., 1/100 de milimetro, que o nariz e a garganta não filtram e se depositam nos pulmões) nos aglomerados com mais de 250.000 habitantes.
E em 1 de Janeiro foi igualmente aberto o mercado (electrónico) de direitos de emissão de CO2.
Não há dúvida que a Europa está na linha da frente do combate planetário a uma das causas do aquecimento global. Sem grandes êxitos internos, reconheça-se. Em 2001, 9 dos 15 que integravam a UE ultrapassaram os limites admitidos. Portugal estava num grupo de bem mais importantes "contribuintes gasosos" - Austria, Alemanha, Belgica, Espanha, Grécia, Itália, Luxemburgo e Reino Unido. Em 2002 a situação piorou. Juntaram-se ao grupo a Holanda e a Dinamarca.
Como será em 2005 avaliados os resultados já com a participação dos novos Estados da UE, muitos deles com produções industriais baseadas em tecnologias fortemente poluidoras?

Entretanto a Terra vai derretendo...

domingo, 2 de janeiro de 2005

2005 Ano de eleições. Que opções?


Em menos de um ano, realizar-se-ão três actos eleitorais com importância redobrada, ficando ainda para esclarecer a realização do referendo sobre o Tratado Constitucional da União Europeia. A proximidade desses actos e sua sequência exigirão visão estratégica e uma mobilização de recursos políticos que sai fora do curso normal do tradicional calendário político. Para cada uma das principais forças em presença as perspectivas são claramente divergentes, senão mesmo antagónicas. Vejamos por partes:
1. O PSD terá a tarefa mais difícil. Para além de ter de suportar o principal ónus da governação e da crise económica e social, terá uma dificuldade acrescida: optar entre reafirmar a herança reformista do projecto do Governo de Durão Barroso ou distanciar-se, não tendo em alternativa qualquer projecto estruturado para o futuro do país. Como forma de fugir a essa opção, tentará centrar na imagem do seu líder o esforço de campanha, dramatizando e se possível reforçando a componente emotiva da escolha eleitoral. Esta solução dificultará a já de si difícil campanha autárquica. Com o actual número de câmaras é difícil ao PSD fazer melhor, a probabilidade de perder é claramente superior à de ganhar, a fortiori nas três ou quatro grandes cidades. Nesta eleição os candidatos falarão por si, à falta de um referencial a que se agarrar. Restam as presidenciais, onde o PSD corre o risco de se distanciar – ainda mais do já está - do seu candidato natural, em qualquer dos cenários saídos das eleições anteriores.
2. Ao PS corre-lhe o vento de feição. A liderança saída do seu último Congresso bem como a estratégia sufragada são simples e transparentes: regresso ao guterrismo puro e duro com a reafirmação do programa político que o caracterizaram e, agora, com o seu candidato natural à Presidência da República: António Guterres. Por analogia com a prática editorial, diríamos que se trata de uma reimpressão, muito longe de qualquer edição revista e aumentada. O PS assume em pleno a sua própria herança, fazendo crer que o seu peso é bem mais positivo que o deixado pelo PSD. O seu êxito depende da memória dos eleitores portugueses, de quem a faça avivar ou adormecer.
3. O desafio para o CDS/PP e para o PCP é o de defender o respectivo limiar de representatividade e, entre os dois, lutar por conquistar o estatuto de terceira força política. Tarefa aparentemente mais facilitada para o CDS/PP que tentará capitalizar alguns feitos da governação, transferir o ónus para o PSD e credibilizar-se junto de algum eleitorado independente do centro-direita. Para o PCP, o desafio, bem mais difícil, será o de contrariar a tendência para o voto útil no PS, a fuga do voto radical para o BE e o já estrutural declínio demográfico e político do seu eleitorado tradicional.

Resta saber, no meio de tudo isto, que benefício tirará o país, confrontado pelo agudizar dos seus problemas estruturais e pela tradicional contenção reformista de um ano de eleições. Para agravar as perspectivas lembre-se o que geralmente acontece à despesa pública nestas conjunturas políticas: a factura aparece sempre depois, no final do “almoço”. Mesmo que a queiram mandar para Belém, o chefe já lá não está.