segunda-feira, 31 de março de 2008

O cravo e a ferradura

A ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social tornou público um relatório, cujo sumário executivo pode ler aqui, sobre o pluralismo politico-partidário na televisão pública. Ou melhor dito, o tratamento noticioso dado aos partidos políticos.
Chegou a ERC a duas conclusões. A primeira, que o PSD é sistematicamente subrepresentado nos blocos noticiosos da RTP1, RTP2 e RTP-N. A segunda, a de que «a presença do Governo apaga a presença do PS enquanto partido da maioria, na informação do serviço público de televisão».
Uma no cravo. E para compensar - não fossem as coisas ficar desequilibradas -, outra na ferradura.
É notória a preocupação de desvalorizar a desigualdade de tratamento dado pela televisão do Estado ao PS/Governo em relação ao PSD (56,23% - 17,78%), com a ideia de que, tendo o Governo muito tempo noticioso, o PS "enquanto partido autónomo do Governo" tem uma expressão reduzida!
Extraordinária ilacção. Como se o PS aparecesse com pouca expressão noticiosa porque é vítima de tenebrosa discriminação noticiosa. A benefício, calcule-se, do Governo enquanto entidade autónoma do PS...
Além disto, o estudo tem na base um critério assaz curioso. Para medir e comparar, baseia-se na quantidade de presenças dos partidos nas peças informativas diariamente transmitidas. Para aferir se há pluralismo ou não há pluralismo compara as presenças com os níveis de referência, definidos pela própria ERC, em função, creio eu, da representatividade eleitoral de cada partido.
Pois bem, não há nada mais falseador da realidade do que este critério supostamente neutro e objectivo.
Como é evidente, não é a presença de um dirigente partidário ou a cobertura de uma iniciativa de um partido que contam para a pluralidade informativa. O que conta é o tratamento dado à entrevista, muitas vezes o comentário em off, a edição, a qualidade da imagem ou do som, ou mesmo o critério de selecção do momento captado.
Por este critério, pasme-se, a aparição de Fernando Ruas a prometer correr a calhau os inspectores do ambiente, contou a favor do PSD. Ou a aparição de Telmo Correia explicando-se sobre os seus despachos a propósito do caso do Casino de Lisboa, contou a favor do CDS. Ou ainda as intervenções de Socrates a justificar a questão da sua licenciatura, contaram a favor do Governo/PS!
A apreciação analítica, a única que poderia tornar útil e sério um estudo desta natureza, não é deliberadamente feita porque em boa verdade só o poderia ser por uma autoridade, não por uma entidade. Uma autoridade, acima dos interesses que regula e dos poderes que supostamente deveria controlar.
Uma entidade como é a ERC, destina-se a produzir estes atentados à inteligência, justificativos desta democracia de papel, feitos destes aparentemente inocentes compromissos, que agradam, apesar de tudo, a gregos e a troianos.
Imagino já o PSD a clamar contra o vergonhoso controlo da comunicação social pelo PS; e o PS a lamentar ter sido tão brutalmente discriminado, com taxas de aparição próximas do Bloco de Esquerda.
Tudo tão convenientemente equilibrado e democrático!
Pela minha parte não perdi a esperança de também neste domínio aparecer por aí alguém que queira contribuir para a diminuição do deficite público e deite fora este berloque da nossa democracia reguladora.

“Três livros que li e um documentário que não vi”...

Acabei de ler três interessantes livros. Um deles é um pequeno mas dramático diário escrito por uma jovem judia de 14 anos que, em Agosto de 1943, foi morta, assim que chegou a Auschwitz, conjuntamente com a sua avó, mãe e irmão.
O Diário de Rutka Laskier” descreve o seu dia a dia numa cidade polaca de Janeiro a Abril daquele ano. Foram várias as passagens que me tocaram e não resisto a focar duas delas. Numa, questiona a sua própria fé ao afirmar, a propósito do curso dos acontecimentos da sua cidade: “Como irá ser isto? Meu Deus! Oh Rutka, já deves ter endoidecido, porque já estás a chamar por Deus, como se Ele existisse. Este niquinho de fé que costumava ter já se quebrou completamente. Se Deus existisse, Ele não teria seguramente permitido...” A outra foi durante a Aktion que teve lugar em 12 de Agosto de 1942, em que foram deportados inúmeros judeus para os campos de concentração. Nesse dia conseguiu escapar, fugindo a um destacamento para trabalhar e, no regresso a casa, atordoada com a “cerimónia”, descreve a seguinte atrocidade: “Vi como um soldado arrancou um bebé, que tinha somente uns meses de idade, dos braços da mãe, antes de esmagar a cabeça contra um poste eléctrico. O cérebro do bebé explodiu contra a madeira. A mãe ficou louca. Escrevo isto como se não fosse nada, como se tivesse habituada aos horrores da guerra, e ainda sou jovem, tenho catorze anos e ainda vi pouco nesta vida e já sou tão indiferente”.
Este livro deixa marcas e revela uma dos milhares de facetas ligadas ao nazismo e ao Holocausto, marca negra, mas muito negra da espécie humana.
Ao mesmo tempo que lia este pequenino livro, fui confrontado com uma posição que considero injusta. Alguns criacionistas, através do documentário “Expelled”, criticam a evolução como fonte de muitas doenças da sociedade chegando a afirmar que a mesma “leva ao ateísmo que por sua vez leva ao eugenismo, este ao nazismo e por fim ao Holocausto”. O que está em causa na afirmação é muito grave, porque não se pode imputar à evolução os males do nazismo! É preciso repudiar posições daquele género que em nada contribuem para a harmonia civilizacional. O objectivo é óbvio, tentar que o “desígnio inteligente” tenha o estatuto de ciência a par da teoria da evolução e que sejam ensinadas em paralelo, nem que para isso comecem a invocar perseguições ou movimentos conspirativos. Não é justo, nem pode haver comparações possíveis. Os crentes têm toda a legitimidade em acreditar nas diferentes criações do homem e do mundo (e são tantas!), mas não podem exigir colocar-se em pé de igualdade com as teorias que respeitam as regras científicas.
Ao ler a obra de António José Saraiva, “A Inquisição Portuguesa”, que consegui obter num alfarrabista, é fácil de concluir que as atrocidades cometidas, em nome de Deus, durante séculos não foram consequências da teoria da evolução. E já havia o conceito de “limpeza de sangue”, apenas para quem não descendesse de mouro, judeu ou condenado pela Inquisição! E ser condenado por esta era a coisa mais fácil do mundo. Mesmo fora dos seus temíveis cárceres, o medo produzido pela terrível instituição contaminava a atmosfera como sendo o mais perigoso poluente, e que está bem patenteada na seguinte citação de António Ferreira:

A medo vivo, a medo escrevo e falo,
Hei medo do que falo comigo;
Mas inda a medo cuido, a medo cedo

A falta de tolerância é um mal muito perigoso que nos nossos dias continua a revestir-se de particular acutilância. Claro que houve sempre humanistas cultivadores do respeito pelas culturas e religiões. A este propósito, a vida do humanista e teólogo flamengo, Nicolau Crenaldo, que chegou a viver e a leccionar em Portugal, na altura do reinado de D. João III, é aliciante, conforme tive oportunidade de ler no livro “Perro Cristão Entre Muçulmanos” de Joris Tulkens. Crenaldo é um exemplo de tolerância e de respeito na procura da verdade, numa época em que a Inquisição tinha garras bem afiadas. Amante das línguas, latim, grego e hebraico, acabou por perseguir até à exaustão o arábico e as suas filosofias, sempre na busca da compreensão. Desconhece-se como morreu, mas provavelmente deverá ter sentido na carne, e na alma, o ferrete da intolerância reinante...

Os mediadores de conflitos!...

Na reabertura das aulas, e ao fim da primeira manhã, o Conselho Directivo do Agrupamento de Escolas C+S 26 de Abril reuniu para fazer o ponto da situação quanto às queixas apresentadas.
-Meus Senhores, recebi esta manhã 3 queixas por actos de indisciplina, que passo a resumir:
Queixa 1-Participação do Professor A contra o aluno X, por uso indevido do telemóvel na sala de aulas; queixa 2- Participação do aluno X contra o professor A, por o ter impedido de utilizar o telemóvel numa chamada urgente para a namorada; queixa 3- Participação do aluno Y contra o auxiliar de educação Z, por não ter permitido que arrombasse a máquina dos preservativos, o que atenta contra os seus direitos sexuais.
Proponho que se instaure processo disciplinar a todos.
- Senhor Presidente, julgo que deveremos proceder de forma diferente. De acordo com resolução nossa, o Conselho Directivo admitiu um Mediador de Conflitos, a cujas funções deveria dar-se conteúdo. Proponho que ele converse com as pessoas, antes de adoptarmos qualquer método mais repressivo, como um processo, fora da tradição da nossa escola...
-Senhor Presidente. Estou de acordo com o colega que acabou de falar. Temos que apostar na prevenção...aliás, se não houver casos disciplinares, de que é que conversamos nas reuniões?
-Bom, vamos então despachar- Ao Sr. Mediador de Conflitos, para os devidos efeitos, devendo ser apresentado Relatório no prazo de 3 horas.
Reunimo-nos às seis horas, para apreciar.
Ao fim da tarde, o Conselho Directivo reuniu para fazer novamente o ponto da situação.
Meus Senhores, depois da reunião da manhã, chegou-me o Relatório do Sr. Mediador, que contém mais uma queixa, que passo a sintetizar: o Sr. Mediador queixa-se que o aluno X da Queixa 1 lhe ameaçou “partir os cornos”, se se metesse na disputa com o professor. Dada a perigosidade do aluno, o Mediador sugere que seja nomeado, com urgência, um Mediador de Conflitos sénior para resolver a disputa entre ele próprio e o aluno.
-Bom, dada a gravidade da situação, proponho que o Conselho Directivo exija ao Ministério da Educação o recrutamento de um novo Mediador de Conflitos com a categoria de Mediador Titular, a fim de se ocupar da mediação dos conflitos com os Mediadores.
-E até lá?
-Até lá, recomenda-se aos professores a observância de normas de tolerância no contacto com os alunos, e liberaliza-se, até instruções em contrário, o uso de boné nas salas de aula, assim como o acesso às máquinas dos preservativos.
-Muito bem. Ganhamos assim tempo até ao fim do ano lectivo!...

Indisciplina na escola: "tolerância zero"...

No rescaldo do triste episódio ocorrido na Escola Carolina Michaelis envolvendo uma professora, uma aluna, uma turma de alunos e pelo menos dois telemóveis, o telemóvel da violência e o telemóvel da reportagem, hoje foi dia do regresso às aulas, com o início do terceiro período escolar.
Entre o dia 20 de Março, dia em que as televisões divulgaram pela primeira vez o vídeo da cena, e o dia de hoje aconteceram muitas notícias, muitas investigações, muitas entrevistas e mesas redondas, muitas opiniões, muitas intervenções políticas e de autoridades escolares, mas poucas explicações do ministério da educação
O vídeo da cena rapidamente mobilizou a sociedade civil, que perante uma tal violência manifestou a sua indignação e reprovação e concordou na indisciplina que grassa nas nossas escolas e na necessidade de repor a autoridade da escola.
Este inadmissível e intelorável episódio constitui um alerta para o caminho perigoso que estamos a seguir. Teve a virtude de nos obrigar a pensar sobre o que se está a passar na nossa sociedade e, em particular, na escola. Fomos confrontados com a importante responsabilidade que carregamos nos nossos ombros na construção do futuro do País, fomos impelidos a denunciar o que aparentemente parecia não acontecer e a reconhecer a necessidade de fazer correcções no sistema de ensino. Levámos um grande abanão.
A Escola Carolina Michaelis tomou uma decisão “histórica”: telemóveis ligados durante as aulas serão retirados aos alunos. Trata-se, porém, de uma decisão básica!
Pais e alunos entrevistados hoje à porta da Escola manifestaram a sua total concordância com a medida, havendo até quem referisse que já há muito que deveria ser assim, que “a tolerância zero deveria ser extensível a todas as escolas”, que os filhos têm orientações para não “brincarem“ com os telemóveis nas aulas. Pais e alunos não querem que volte a acontecer violência na Escola.
Não se compreende, no entanto, porque é que esta decisão do mais elementar bom senso não foi tomada antes da cena? É extraordinário! O problema é que é preciso actuar e não deixar acumular erros, omissões e problemas que acabam por contribuir para a degradação da educação, na escola e fora dela.
Quantos vídeos de cenas violentas serão necessários para agirmos?
Por esta amostra, penso que poderemos concluir, sem grande margem para erro, que há muitas outras regras cívicas que podem e devem ser adoptadas na escola a bem da disciplina, da autoridade, da exigência, da respeitabilidade, do gosto por ensinar e aprender.
Tudo ponderado, temos que concluir que foi "positiva" a “infracção” cometida com o segundo telemóvel, o telemóvel da reportagem. A sociedade civil demonstrou mais uma vez a sua capacidade de intervenção. Os nossos governantes e políticos devem retirar as devidas ilações e devem trabalhar no sentido de repor na escola, sem mais demoras, a cultura de exigência.

Zona Euro: inflação salta para 3,5% - Trichet sobre brasas

A poucos dias da reunião de Abril do BCE, as notícias sobre o comportamento dos preços na zona Euro não podem ser mais perturbadoras: nova subida em Março, agora para 3,5%, depois de 3,2% em Janeiro e de 3,3% em Fevereiro.
Esta situação agrava o dilema em que o BCE tem vivido, face às perspectivas de abrandamento económico e face ao seu desígnio fundamental que é manter a estabilidade dos preços.
Sucede que alguns membros do Conselho do BCE (Trichet) deixaram entender, na passada semana, que este poderia ter de subir de novo as taxas para suster a subida dos preços...será que faziam bluff, convencidos de que os preços não sofreriam novo agravamento ou estarão mesmo decididos a tomar uma decisão que deixaria os responsáveis políticos europeus à beira de uma apoplexia?
O que irá então decidir o BCE na sua próxima sessão (próximo dia 3, salvo erro)?
O que sabemos é que até lá Trichet vai andar sobre brasas...arrisca-se a chegar ao momento da reunião com os pés em “carne viva” se não tiver o génio dos outrora conhecidos fakires...
Confesso-me incapaz de apostar uma previsão (embora ainda me incline para a manutenção...) antes da decisão tomada – mas se os nossos comentadores habitualmente mais afoitos (Tonibler, André, Rui Fonseca entre outros) quiserem lançar suas apostas, terei o maior gosto em assegurar o seu registo e controlo!

Notas da Redacção:
I. Este texto não tem aplicação a Portugal, país no qual os preços gozam de um estatuto de incomunicabilidade, não pondo em causa a inflação prevista e decretada para o corrente ano – a inflação é agora assunto de fé, não de política económica.
II. Convém não esquecer que o Gov do BdeP, em declaração feita na Associação Comercial de Lisboa, em meados de Novembro passado, afirmava que a subida dos preços que então já se fazia sentir (nessa altura ainda abaixo dos 3%) era muito passageira, excluindo por isso qualquer cenário de subida de taxas de juro em 2008...Estamos sempre a aprender!

sábado, 29 de março de 2008

Serena mas firmemente...

...impunha-se que alguém com autoridade e legitimidade políticas tomasse atitude contrária ao discurso do Governo sobre a violência nas escolas.
Para além do encolher de ombros da Ministra, impressionaram-me as declarações do Senhor Secretário de Estado Valter Lemos, desvalorizando as intoleráveis manifestações de indisciplina a que o País em boa hora assistiu (porque tomou delas, ainda que brutalmente, consciência), designadamente as agressões que têm os professores como vítimas, chegando ao ponto de considerar lamentáveis - segundo li - as palavras do Senhor Procurador-Geral da República sobre a ingente necessidade de se tomarem medidas.
A preocupação manifestada pelo Senhor Presidente da República hoje tornada pública, e a audição do Senhor Procurador-Geral são os sinais, serenos mas firmes, que se impunham face á gravidade do assunto, ampliada se todos tivessem o comportamento de avestruz do ministério da educação e em especial do senhor secretário de estado.

Às vezes faz bem desabafar...

Não há dúvida que o mundo está todos os dias a ficar diferente. Um mundo diferente porque os Homens estão diferentes, mas também um mundo diferente que transforma os Homens.
Muitas coisas que se passam no mundo estão longe dos nossos olhos e não tomamos contacto com elas. Às vezes sabemos delas vagamente, mas não perdemos muito tempo a pensar nelas, não nos preocupam, não nos tiram o sono, talvez porque não interferem directamente no nosso caminho e não nos afectam especialmente ou talvez porque não está, pensamos nós, nas nossas mãos resolvê-las ou modificá-las. Acontece também que certas situações nos repugnam, constituem até um absurdo tal, que a nossa educação, cultura, os nossos referenciais éticos e morais barram-nos um entendimento racional. Outras vezes, o egoísmo encarrega-se de rejeitar a descodificação desses acontecimentos. Ficamos então muito admirados e surpreendidos. Confrontados com notícias que nos chegam sobre essas situações, às vezes ficamos até chocados, exclamando “como é que é possível”, “onde é que isto vai parar”, “que mundo é este que estamos a construir”!
Vem tudo isto a propósito de uma notícia com o título “Mães de aluguer são negócio…da Índia”.
Pois é, reza a notícia que 16.000€ é quanto um casal do “Ocidente” paga por uma barriga de aluguer na Índia. Este preço cobre despesas com cuidados médicos e intervenções; bilhetes de avião para duas viagens à Índia – uma para a fertilização e a outra para ir buscar o bebé. E conta a história de um “casal homossexual israelita que comprou um óvulo de uma dona de casa em Bombaim através da internet e alugou uma barriga. O embrião foi formado numa clínica de fertilidade indiana, especializada nesta modalidade de aluguer de barrigas para casais de todo o mundo.
Esta actividade está a tornar-se um negócio médico e insere-se no chamado turismo médico promovido pelo governo indiano. As entidades oficias indianas reconhecem esta actividade, fixando directivas “éticas” e técnicas segundo as quais é prestado o serviço de aluguer de barrigas. Para as mulheres indianas o aluguer de barrigas é uma actividade comercial da qual retiram o sustento da família e da casa.
Se do lado da oferte é isto que se passa, do lado da procura temos casais europeus e norte americanos que encomendam filhos pelo “correio” recorrendo ao serviço de aluguer de barriga, mediante o pagamento de um preço.
Ao tentar reflectir sobre tudo isto, o meu pensamento vai para as crianças "órfãs", vítimas de abusos, sem meio familiar, que vivem institucionalizadas aqui mesmo ao lado, no nosso país, e que não conseguiram crescer e receber os afectos de uma família, porque em muitos casos o Estado não se ocupou delas devidamente ou porque em alguns casos a sociedade não se interessou por elas.
Quando vejo por esse mundo fora milhões de crianças órfãs da guerra e da pobreza, abandonadas e mal tratadas, traumatizadas pela guerra, pela brutalidade, pela fome, pela falta de um berço e de uma família, pela ausência de afectos, sem passado, presente e futuro, questiono-me sobre as encomendas de filhos a barrigas de aluguer!

sexta-feira, 28 de março de 2008

Divórcio: que dimensão social?

O PS vai apresentar brevemente na Assembleia da República novas regras legais para o divórcio. O novo regime vai acabar com o conceito de culpa na dissolução do casamento e cria a figura do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
De acordo com a proposta será facilitado o divórcio litigioso, não fazendo depender a dissolução de um casamento da atribuição e prova de culpa de um dos cônjuges. Por outro lado, surgem três tipos de motivação para a obtenção do divórcio: a separação de facto (redução para um ano, contra actualmente três anos), a violência doméstica e a violação de direitos fundamentais.
Esta matéria não é fácil. Diria que se trata de matéria complexa. Complexidade que advém das suas importantes implicações na salvaguarda de direitos e responsabilidades, bem estar e protecção das partes envolvidas, direitos dos cônjuges e protecção dos interesses dos filhos menores, na definição da moldura de liberdade em que se movimentam as pessoas nas múltiplas escolhas que fazem ao longo das suas vidas e na evolução da estrutura da família e do seu papel social e enquanto lugar de crescimento e realização pessoal.
Será que as novas regras irão conduzir a uma fragilização do casamento? Será que o novo regime vai incentivar o divórcio? Ou será que pode inclusive terminar com a litigiosidade do casamento? Estaremos a criar condições para uma sociedade mais feliz? Será que as novas regras induzem o facilitismo na condução dos percursos de vida familiar e individual? Ou será que podem promover maior responsabilidade nas escolhas e decisões?
Gostaria de ver discutidas com serenidade estas e outras perguntas e as suas respostas, assim como gostaria de perceber o que pensa a sociedade portuguesa sobre esta transformação e qual a sua preparação e maturidade para lidar com a mesma.
Não será certamente com arremessos políticos e radicalismos, que aliás já começaram, que haverá um debate "ganhador" sobre o divórcio. Pode acontecer um debate "silencioso". É que apesar do crescimento significativo entre nós do número de divórcios, o tema continua a ser para muitos tabu.

Uma não-existência!...

Na náusea da política, é o desporto que vai animando e fazendo rir um portista.
Ontem, ouvi um esclarecido dirigente dizer que os sportinguistas são mais de três milhões. Não tenho dados para o contestar!...De qualquer forma, valor bem abaixo do número de benfiquistas, mais de seis milhões, isto o cálculo mais modesto, claro está!...Mas também não contesto que sportinguistas e benfiquistas sejam mais de dez milhões!...
Já me resignava a pensar ser uma mera não-existência, quando Descartes me valeu. Penso, logo ainda existo!...
Sem adeptos, nem dirigentes, o Porto é certamente um fantasma dourado que aparece a ganhar campeonatos e a semear pesadelos nos mais de dez milhões de portugueses.
Acaba de inaugurar mais uma Filial no estrangeiro, agora em Tânger.
Mesmo não existindo, já não cabe em Portugal!...

A relatividade do "socialmente justo" na política fiscal

O Primeiro-Ministro repetiu hoje no Parlamento o que tenho ouvido e lido nos últimos dias: que a descida da taxa máxima do IVA é socialmente mais justa do que a baixa de impostos sobre o rendimento (mesmo admitindo que em geral esta descida tem reflexos positivos nos preços).
Apesar de ser uma ideia que encontra aceitação fácil, não é, porém, verdadeira ou inteiramente verdadeira. O IVA é um imposto que recai sobre o consumidor final. Por isso, quando descem as taxas, porque a descida atinge a todos por igual, quem sai mais beneficiado é quem consome mais. Não me parece que beneficiar quem tem mais poder aquisitivo possa ser considerado socialmente mais justo...
Já a intervenção nas taxas sobre o rendimento das famílias, sobretudo se incidir sobre os escalões mais baixos, traduz-se num benefício real a quem menos tem.
Além de que, uma política fiscal que aposte em taxas diferenciadas de IRC premiando as empresas que constituam reservas para investimento na modernização ou gerem emprego, tem um impacto social e económico muitissimo mais relevante, do que a intervenção nas taxas dos impostos directos.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Não estou preparado!...

É o DN que o relata.
Nasceu mulher, mas sentia-se homem. Submeteu-se a tratamentos para mudar de sexo. Tornou-se homem, mas manteve os órgãos sexuais femininos.
Casou com uma mulher.
Quiseram ter filhos. Não através do elemento feminino do casal, mas através do elemento masculino, que foi feminino.
Compraram esperma a um doador anónimo e fizeram inseminação.
O homem que foi mulher está grávido de 5 meses.
Não estou preparado para anormalidades destas. Nem estou preparado para aceitar que a ética médica possa colaborar em tal aberração.
A ser verdade!...

“Ladrões, caloteiros e vigaristas”...

As múltiplas notícias sobre violência, roubos, insegurança e falta de respeito a nível escolar têm provocado um grau de preocupação bastante significativo em muitos cidadãos que não se coíbem de comentar. A par desta escalada de instabilidade social, à qual se juntam outros fenómenos, tais como a pobreza real e a “envergonhada”, a falta de futuro dos jovens, a precariedade laboral, o aumento do desemprego e uma diminuição de valores e princípios, muitos dos altos responsáveis do país saem a terreiro, afirmando que os crimes violentos estão, “estatisticamente”, a baixar, que a segurança dos cidadãos vai ser reforçada, que o número de novos empregos está a aumentar, que os choques tecnológicos estão a abrir portas aos jovens, que os sacrifícios irão acabar (veja-se o caso da descida do IVA), enfim, catapultam para as primeira páginas da comunicação social os comprovativos de que estamos num país maravilhoso. Mas, no dia a dia, fugindo ao interesse da comunicação social, inúmeros pequenos dramas revelam muito do que se passa por esse país fora. Nas pequenas vilas e aldeias, e nos bairros das cidades, as pessoas conhecem-se relativamente bem, transmitindo umas às outras o que acontece nos seus pequenos mundos. Um dos temas de conversa mais comum, ultimamente, diz respeito aos assaltos praticados em residências e viaturas, de uma forma verdadeiramente despudorada, se é que se possa admitir que hajam roubos “pudicos”! Lá para as minha bandas, ao fim do dia, “recebo” os relatos dos acontecimentos. A onda de roubos é um facto e ouvir dizer que em determinada artéria, durante a tarde, ocorreram três assaltos a residências, já não causa admiração. Claro que há muito tempo que não vejo um simpático policia a passear de manhã e à tarde por aqueles lugares. A sua presença não era apenas simbólica tinha algum efeito e que efeito! Claro que a explicação para não vermos polícias deverá assentar no facto de haver cada vez mais ruas ou então será devido à circunstância das técnicas de vigilância terem atingido um tal elevado grau de sofisticação que até dispensam as patrulhas motorizadas e a pé. Quando se vê um polícia é muito mau sinal, porque foi chamado ou então está a pregar uma simpática e urbana contra-ordenação.
A par dos ladrões de bairro, existem outros tipos que usam técnicas verdadeiramente desconcertantes, e nem precisam de actuar à calada, são os “ladrões-caloteiros-vigaristas”. São tantas as histórias contadas por muitos comerciantes que davam para elaborar muitas antologias sobre a matéria.
Um comerciante que restaura calçado, talvez ainda possa ser classificado como sapateiro, começou a exigir o pré pagamento do seu trabalho. As razões são mais do que previsíveis. Muitas pessoas não pagavam, outras não levantavam as obras, e o fim do mês acabava por revelar negativamente as consequências desses comportamentos. Como em tudo, os honestos ficam um pouco surpreendidos com tamanha atitude, mas, face à evidência, acabam por aceitar as medidas. Neste caso concreto, a empregada contou a seguinte história: Um senhor pediu que fossem substituídos os saltos dos seus sapatos de marca. Acontece que é diferente substituir os saltos de uns sapatos de senhora dos de um cavalheiro. Estes levam mais tempo. A senhora explicou que tinha que os deixar, podendo levantá-los mais tarde. Ao mesmo tempo propôs-lhe o prévio pagamento. Mas como o senhor tinha todo o tempo do mundo, disse-lhe que não se importava de esperar. E, assim foi. Tirou os sapatos e sentou-se numa cadeira empunhando as suas meias, das quais desconheço as características. Ao fim de algum tempo, foi-lhe entregue o produto. Calçou-se, perguntou quanto era e disse que tinha que ir ao carro buscar a carteira. Não tinha ido ainda, porque não podia ir descalço. – Claro! Comentou, com a maior naturalidade a empregada. O senhor de sapatos arranjados saiu da loja. Até hoje, ainda não apareceu! Explicação? Deve ter o carro mesmo muito longe...

Blowin' in the wind

...how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
Yes, 'n' how many times can a man turn his head,
Pretending he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind
Grande pé-de-vento, ontem, na reunião da Câmara Municipal de Lisboa!
O Executivo preparava-se para chumbar a proposta do vereador Sá Fernandes sobre a Wind Parade, quando o próprio, apercebendo-se do facto, retirou a proposta. Só o fez porque garantiu que o presidente da câmara a viabilizaria, usando dos seus poderes.
Toda o oposição reagiu, acusando o vereador e o presidente de desrespeito das mais elementares regras da democracia. Os vereadores do PSD chegaram mesmo a abandonar a sessão em sinal de protesto. O PCP foi especialmente contundente nas críticas.
A questão não está, obviamente, na iniciativa que justificou a proposta abortada. Esse é mais um daqueles gestos inconsequentes que não adiantam nem atrasam, como aliás se espera das propostas do BE. As cidades sustentáveis, aquelas que no futuro deverão ser não só centros de consumo, mas também de produção de energia limpa, não dependem destas acções extravagantes, supostamente de vanguarda mas absolutamente inconsequentes. Aliás, perdem qualquer simbolismo pedagógico quando assumem carácter partidário.
Penso também que António Costa cometeu um lapso de que provavelmente já se terá arrependido. Porque seguramente não quererá ser visto como dado a tiques autoritários ou avesso ás regras da democracia. Que sei que não é.
Porém, como sei que António Costa preza a democracia, as suas regras e os seus princípios, este episódio só é relevante pela confirmação, que politicamente está longe de ser dispicienda (mesmo em termos nacionais e no caso de o PS não renovar a sua maioria absoluta), de que o PS e António Costa tudo farão para manter a coligação com o BE. Mesmo ao preço da satisfação dos caprichos de Sá Fernandes, aceitando sobrepor a vontade deste à vontade da maioria dos eleitos.
Confirmou-se também um dos mais extraordinários slogans de apelo ao voto de que guardo memória: o Zé faz falta!
Pois faz. É mesmo o abono de família do PS.

"Fui feliz neste lugar"


É relativamente frequente ouvirmos alguém dizer “- Fui feliz nesse lugar”. O que já é mais raro é que essa declaração não seja acompanhada de um longo suspiro de resignação, daquele saudosismo tristonho que tem mais como objectivo sublinhar que esses tempos já passaram do que propriamente celebrar o facto de terem sido tão bem vividos.
É mais fácil ceder à nostalgia do que sentir uma felicidade renovada.
Talvez seja isso o que mais surpreende nesta visita presidencial a Moçambique. Não estamos habituados a erguer a taça para que se renove o sentimento, não brindamos ao que foi mas só ao que há-de ser, como se o gole sorvido se cristalizasse tal e qual e não tivesse que permitir mais do que a sua simples memória, sob pena de se ensombrar apenas porque nada é igual duas vezes.
É isso. É preciso ter coragem para voltar aos lugares onde se foi feliz. E é emocionante quando se consegue aí sentir aí uma nova e indisfarçável felicidade.

Ignorância ou mentira?

Contra as promessas eleitorais que fez, Sócrates subiu os impostos, porque a situação das Finanças Públicas era pior do que pensava.
Contra as afirmações que vinha fazendo, Sócrates desceu impostos, porque a situação das Finanças Públicas é melhor do que supunha.
A aceitar-se que Sócrates é sincero, conclui-se que é um perfeito ignorante do que se passa nas contas do Estado.
A aceitar-se que Sócrates conhecia a situação das contas públicas, conclui-se que mentiu desavergonhadamente aos portugueses.
Qualquer das hipóteses é indigna de um 1º Ministro.
Apesar de tudo, preferiria a ignorância à mentira compulsiva.

quarta-feira, 26 de março de 2008

A insustentável leveza da mentira descarada

Claro que me sinto satisfeito com a descida do IVA anunciada pelo 1º Ministro. Desde há muito que afirmo que tudo o que seja descida de impostos é bom para o país.
Mas também me sinto indignado, chocado, ludibriado, aldrabado, mal tratado e enganado pelo 1º Ministro. O mesmo que sempre negou tal possibilidade no curto prazo e até disse, há cerca de dez dias, em Bruxelas, que "era leviano e irresponsável" falar em baixar impostos, face ao estado das finanças públicas!....

O progresso na educação nacional!...II

Depois das cinco primeiras diferenças que evidenciam o progresso havido na educação, conclui-se o trabalho de investigação, elencando outros cinco sinais decisivos do progresso.

6. A sexta diferença é de cariz psicológico. Antes, havia exames, logo a partir da terceira classe.Era uma forma de obrigar os alunos e professores a trabalhar.
Agora, não há exames, porque trabalhar é penoso e pode causar trauma psicológico em espíritos em formação.
Temos que saudar esta chegada dos mais elementares direitos humanos aos estudantes.
7. A sétima diferença é de cariz hierárquico. Antes, quem mandava nas escolas era o Director ou o Reitor.
Agora, na escola democrática, não se sabe quem manda, mas sabe-se quem não manda e, sobretudo, sabe-se quem paga.
Temos que saudar esta grandiosa clarificação democrática!…
8. A oitava diferença tem a ver com as avaliações. Antes, era o professor que avaliava se o aluno passava de ano.
Agora, é o aluno que avalia se o professor fica ou não fica no ano seguinte.
Temos que saudar esta inversão da lógica antiga, imprópria dos tempos modernos.
9. A nona diferença é de cariz sociológico. Antes, a escola era para quem queria aprender e fazia-se a vontade a quem não queria: ia para a rua.
Agora, a rua tomou conta da escola: quem quer aprender tem que sair para outro lado.
Temos que saudar esta abertura da escola ao meio ambiente e à ideia de que todos os locais servem para quem quer estudar, menos a escola, claro está!...
10. A décima diferença é de cariz globalizante. Antes, a educação era local e os professores ensinavam os alunos nas escolas.
Agora, a educação é global e a pedagogia exerce-se em todo o lado, sobretudo na rua, em periódicas e exaltantes manifestações contra a Ministra da Educação.
Temos que saudar esta forma bem pedagógica de exemplificar aos alunos o modo e as virtualidades da contestação nas salas de aulas.
Fim da investigação!...

terça-feira, 25 de março de 2008

Contas externas: implacável detector de mentiras...

Várias vezes aqui suscitei a questão da ilusão/futilidade, no plano do desempenho da economia, das “habilidades” da prática de ocultação de despesa pública.
Ainda não há muito citei o relatório do Tribunal de Contas sobre a gestão financeira do SNS em 2006, no qual se dava nota de um considerável agravamento da situação financeira (aumento astronómico das dívidas a fornecedores) e económica (aumento dos prejuízos) dos hospitais EPE e Públicos, tendo como natural contrapartida um menor montante de transferências do Orçamento para os mesmos hospitais.
Só em 2006 essa “habilidade” terá feito o Orçamento “poupar” mais de € 500 milhões, numa operação de cosmética/lifting pura, em que só mesmo a face do Orçamento ficou a ganhar.
Todos os demais, (i) utilizadores dos serviços públicos de saúde, (ii) responsáveis do SNS em especial os gestores dos hospitais e (iii) em última análise o País, ficaram a perder.
De 2007 não temos ainda informação, mas não será de admirar que tenha sido igual ou pior que em 2006.
A criação da Estradas de Portugal, EPE constituiu outra manobra para retirar despesa do Orçamento, embora ainda falta ainda saber o veredicto de Bruxelas perante tal operação, que também aqui denunciamos na altura própria.
Mas, como acima refiro, todas estas práticas são em última análise e na melhor das hipóteses ilusórias ou fúteis, pois a despesa não deixa de ser feita e não deixa de ser pública, consistindo, em regra, numa péssima gestão de recursos terrivelmente escassos.
E o facto de se tornar oculta ou quase, tende a agravar esses defeitos de base.
A ilusão destes procedimentos é-nos revelada agora, sem sofismas, perante a continuada deterioração das contas com o exterior a que se assistiu em 2007, contrariando as expectativas iniciais - que o BdeP alimentou entusiasticamente, é bom não esquecer – de uma menor expressão do défice que acabaria por não se confirmar.
Temos um défice corrente de quase €16 mil milhões, equivalente a 10% do PIB - praticamente o dobro, em termos relativos, do tenebroso défice externo dos USA.
Só o défice dos Rendimentos - tema que aqui já abordei e a que espero em breve voltar - atingiu 4,6% do PIB em 2007, com a impressionante cifra de € 7.376 milhões, mais € 1.000 milhões que em 2006.
Pior ainda, as primeiras indicações para 2008 mostram uma forte deterioração destes défices, podendo vir a registar-se números “record”de toda a nossa história económica.
Por este caminho, vamos mesmo muito mal...
Neste quadro, não me venham falar, por amor de Deus, em “sucesso” da política orçamental ou económica! Tenham dó de mim!
Aí estão as contas externas, implacável detector de mentiras, a provar que tal “sucesso” é essencialmente cosmético, é só fumaça como se dizia há uns anos...

“Formiguinhas traiçoeiras, egoístas e corruptas”...


As formigas são consideradas como um exemplo de harmonia social em que o bem da comunidade está acima dos interesses individuais. Têm um elaborado sistema do organização com rainha e tudo. Pensava-se que a rainha deste sistema surgia por criação. Ou seja, algumas larvas receberiam determinados alimentos para esse efeito e todas poderiam ter essa oportunidade. Um verdadeiro sistema monárquico democrático.
Agora, um artigo muito interessante demonstra que não é bem assim. Afinal, as formigas são “traiçoeiras, egoístas e corruptas”. Tudo porque o estudo revelou que algumas larvas têm mais probabilidades de se tornarem rainhas, já que transportam um ou mais genes da “realeza” o que lhes dá uma vantagem face às suas “irmãs” altruístas. E tomam as adequadas medidas para evitarem ser detectadas, caso contrário, a presença de um excesso de formigas com a mesma linhagem genética seria considerada hostil ao ponto de as restantes tomarem medidas contra elas. Claro que os respectivos machos “reais” encarregam-se em propagar os “filhotes” por mais colónias, escapando à vigilância dos restantes.
Se esta tese estiver correcta, os cientistas poderão provar que os ditos insectos sociais, considerados paradigmas de igualdade, cooperação e harmonia, afinal também “cultivam” o fenómeno corrupção. Corrupção “real”!
As sociedades humanas foram construídas e são dominadas por muitos interesses, sendo a corrupção um fenómeno muito comum. Entre nós, tem sido ventilado, por muitas individualidades, que esta praga está a atingir níveis muito preocupantes, pondo em causa a harmonia e o bem-estar da grande maioria de cidadãos honestos e cumpridores das suas obrigações. Os “pais” da corrupção sabem “semear” os seus genes. A forma como o fazem, despudoradamente, não passaria pelos filtros das formigas “altruístas”, porque se estas os detectassem decerto que os eliminariam.
Afinal, o fenómeno é geral. Nem as simpáticas e ordeiras formigas escapam...

O progresso na educação nacional!...

Têm sido enormes os progressos registados na educação.
1. A primeira diferença está na tecnologia. Antes, não havia Internet nas escolas, nem quadros interactivos, nem máquinas de calcular, nem, muito menos, telemóveis, para enviar mensagens sobre os exercícios escolares. À falta de equipamentos, tinha que haver professores.
Agora, com as novas tecnologias, os professores são um estorvo para os alunos e uma maçada para o Ministério!...
Temos que saudar esta primeira diferença, de carácter tecnológico.
2. A segunda diferença tem a ver com o exercício do poder. Antes, eram os professores que mandavam, ensinavam quem queria aprender e repreendiam, castigavam e expulsavam quem não queria.
Agora, são os alunos que mandam e batem nos professores, para mostrar que a escola é deles e para eles!...
Temos que saudar esta legítima tomada de poder da juventude, face ao autoritarismo vigente.
3. A terceira diferença é de carácter pedagógico. Antes, havia obsessão de que os alunos deviam aprender a ler, a escrever e a contar. Uma violência que, no limite, levava à expulsão de quem não se conformava com a aprendizagem. Agora, ler, escrever e contar, como matéria técnica que é, deverá ser aprendida, mais tarde, em cursos de formação para desempregados. Temos que saudar a prioridade dada à Internet, à educação sexual e aos jogos, por força da necessidade de uma aprendizagem lúdica e sem trabalho.
4. A quarta diferença é de cariz estatutário. Antes, os professores gozavam de um alto e merecido estatuto social.
Agora, o estatuto é todo dos alunos. Por mais faltas que dêem, têm o direito a passar de ano; se prejudicam o funcionamento da escola e os colegas, têm direito a acompanhamento personalizado e especial.
Temos que saudar esta tão racional e positiva discriminação!...
5. A quinta diferença é de teor quantitativo. Antes, havia mais alunos que professores.
Agora, há mais professores que alunos. Para resolver o problema, criou-se o horário Zero.Temos que saudar esta medida de solidariedade, que devia ser estendida a todas as profissões.
(Para a matéria ser bem assimilada, continua em próximo capítulo)

Piercings, Casamentos e Tuberculose

As propostas de ingerencia deste Governo, nas vidas de cada um, tem-nos assaltado e sobressaltado nesta época de Páscoa!
De piercings confesso que não gosto, que os acho inestéticos e, alguns, até me suscitam uma certa incompreensão pelo escusadíssimo sofrimento doloroso a que a sua colocação certamente obrigará.
De casamentos confesso que gosto...receio começar a perder alguns convites, se o "cerco" apertar... os futuros casais passam a"ajuntarem-se"!

Estava ontem a olhar para umas estatísticas sobre a tuberculose em Portugal (índices onde batemos mais um record europeu) para a sua gravidade pela característica de multiresistências, o seu oportunismo pelos grupo-alvo, a sua dirigida agressão a comunidades socialmente marginalizadas e voltei a questionar-me: o internamento compulsivo de portadores desta doença, em fase contagiosa, fere a nossa Constituição?

Pois é!
Há quem diga que sim, que faça a interpretação que convem aos já sobrelotados serviços de saúde, mas outros Países obrigaram à execução de medidas desta natureza e já não têm, como nós, 25 novos-casos de tuberculose por cada 100.000 habitantes.
Pensando bem, prefiro que me fumem um charuto p'ra cima a que me mandem uma tossidela em qualquer aglomerado público...prefiro estar rodeada de gente com piercings e até nem me importo de deixar de ir a casamentos.

Gostava mesmo é que o Governo tomasse medidas de ingerência na "esfera privada" destas gravíssimas situações.

"EDUCAÇÃO - AGRAVAMENTO DA CRISE - RESPONSÁVEL"

Acabo de receber, por e-mail, um texto escrito pelo meu amigo Fernando Charrua, subordinado ao título "EDUCAÇÃO - AGRAVAMENTO DA CRISE - RESPONSÁVEL"

"Grito aos quatro ventos e as TV cortam, cortam… Vejo-me depois a expressar uma ideia fora do contexto, por acaso, ou não, a menos importante, a menos agressiva. E assim vai a informação livre em Portugal!
O raciocínio é simples:
A Srª Ministra da Educação elegeu a guerra às estatísticas do insucesso escolar e do abandono como objectivos do seu Governo. Parece bem, dirão muitos.
Como o fez?
Com o novo Estatuto do Aluno, a Srª Ministra fechou a porta à reprovação por faltas injustificadas. O aluno que ultrapasse o número limite de faltas (triplo do número de aulas semanais) é objecto de plano de recuperação e de um teste adequado ao plano e se falhar, terá ainda outro.
A retenção/não progressão causada pelo excesso de faltas é enorme nas nossas Escolas! Diria que no Ensino Básico rondará os 10%. No Ensino Secundário, talvez 20%. Teremos assim uma média de 15% de insucesso, que será extirpado das estatísticas.
1º objectivo cumprido
O abandono escolar é combatido com a introdução desse parâmetro na AVALIAÇÃO dos docentes.
Se um professor tiver três alunos em abandono escolar, isso significa cerca de 10% de um parâmetro não conseguido e, como tal, negativo na avaliação do docente.
2º objectivo cumprido.

As medidas têm, no entanto, efeitos colaterais:
1º- Os alunos já perceberam que poderão faltar às aulas e que o professor tudo fará para o transitar de ano (plano de recuperação e testes adaptados ao que efectivamente souber)
2- Se não é preciso frequentar as aulas, que valor tem a sala de aula? A Srª Ministra dessacralizou a aula, que em tempos era “sagrada”.
3 Os docentes não participarão infracções, já que os parâmetros são a relação pedagógica, o sucesso educativo e o abandono escolar. Se o docente participar as infracções, que nota obterá na relação com os alunos? Se o docente participar as infracções como avaliará o aluno, se o comportamento pode valer 25% da avaliação? Se o docente participar a infracção sujeita-se a que o aluno abandone o sistema. Muitos alunos abandonam o sistema porque tiveram problemas disciplinares (+/- 5%). Os professores não participarão as infracções e aumentam, sem querer, a impunidade. Mas como queremos que eles participem as infracções se é sabido que isso influi negativamente na sua avaliação?

Estes factores explicam cabalmente o comportamento dos nossos alunos e o comportamento dos futuros alunos da escola pública.

Fenómenos de indisciplina surgirão, com maior requinte e quantidade, os docentes sofrerão humilhados, calados, sem autoridade e sem esperança e a Sr.ª Ministra verá as estatísticas do insucesso e do abandono finalmente a decrescer (facto que, politicamente, é um fim).
Não me venham dizer que ainda não está em vigor, porque falta regulação no regulamento interno.
Se não valer para já, vai valer para o ano. Está publicado num Decreto-Lei e Decreto Regulamentar e promulgado pelo Sr. PR."

24 de Março de 2008
Atenciosamente
Fernando Charrua

segunda-feira, 24 de março de 2008

Lei contra a gordura!

Um dos principais problemas de saúde pública dos nossos dias tem a ver com a obesidade e a diabetes. A situação agrava-se de ano para ano estando na base de muitas mortes e incapacidades, grande parte delas prematuras. Portugal não foge à regra, ocupando posição de destaque dentro dos países mais pançudos! De um modo geral as artérias são as principais vítimas, acabando por se entupirem. Claro está que, quando entopem em certas zonas do corpo e o “canalizador” não chega a tempo, zás! Menos um! Outras vezes ficam com sequelas e limitações muito importantes. Neste último caso, os custos para a sociedade é muito elevado, tal como é também muito dispendioso compensar e acompanhar os portadores dos ditos factores de risco cardiovascular. 
Hoje, através da simples medição do perímetro abdominal, é fácil prever o que poderá acontecer no futuro. Os homens que apresentarem perímetros abdominais superiores a 94 cm e as mulheres com mais de 80 cm correm riscos elevados de virem a sofrer mais diabetes, hipertensão, alterações do colesterol e, consequentemente, complicações cardiovasculares. Mas se o perímetro for superior a 102 e 88 cm nos homens e mulheres, respectivamente, o risco, então, é muito elevado. Ora, em Portugal, a percentagem de homens, mas sobretudo mulheres, a ultrapassarem os respectivos limites é verdadeiramente assustador.
Por esse mundo fora a preocupação em reduzir a pancinha é uma constante, mas não é fácil devido a vários factores, nomeadamente de ordem cultural. Mas o que interessa para o caso é o facto do comportamento assumido pelo governo japonês - sim, porque no Japão, também há barrigudos-, face a esta situação. O governo nipónico vai obrigar as empresas a medir o perímetro abdominal dos funcionários com mais de quarenta anos! Esta ordem vai entrar em vigor no próximo mês de Abril e as empresas deverão cortar em 10% o número de funcionários acima dos padrões estabelecidos (que são mais baixos do que os nossos) até 2012. Se não o fizerem terão de aumentar a contribuição para a previdência dos funcionários em 10%. Tudo isto, porque estão a ficar muito atrapalhados com as despesas em termos de seguro-doença. 
Bonito! Se a moda pegar, para as nossas bandas, já estou a ver o dono da fabriqueta, o empresário de sucesso, o presidente de um banco, ou o director da minha faculdade, de fita métrica em punho, a medirem as barriguinhas à entrada acompanhado de algum comentário meio parvo, a dizer que assim não pode ser, a barriguinha está muito grande, dá prejuízo, o país não vai a lado nenhum, et cetera, et cetera. Quem sabe se não aparecerá na A.R. algum projecto-lei de algum deputado, particularmente preocupado com matérias de saúde pública, a propor alterações ao Código do Trabalho, permitindo o despedimento, “por justa causa”, aumentar o escalão do IRS e das taxas moderadoras dos barrigudos, só para falar de algumas idiotices tão apetecíveis para quem quer aumentar as receitas e diminuir as despesas, sempre na base de que é para o bem das pessoas. 
Se quiserem explorar o filão da obesidade estejam à vontade, porque gordos e gordas não faltam por aí. Claro que tudo isto só faz sentido se os nossos governantes e deputados não ultrapassarem os limites abdominais de normalidade. Com base neste critério, alguns (e algumas!) terão que sair, ao passo que outros irão manter-se por muito tempo...

Bullying, matéria complexa!...

O episódio da luta pela posse do telefone entre a professora e a aluna da escola Carolina Michaelis do Porto levou a alguma investigação jornalística. Fiquei assim a saber que existiam especialistas em “bullying”, não aqueles peritos e práticos na agressão, mas gente doutorada na especialidade, teóricos que estudam, investigam e estabelecem o perfil do agressor, género jóvem, dos 14 aos 18 anos, usa ténis, calças largas e t-shirt, cabelo despenteado, por vezes penteado, meio desenraizado, meio de boas famílias, meio branco, meio preto, meio amarelo, frequentador de discotecas, estudante nas horas vagas…
Para além de ter ficado a saber da sua existência, também fiquei impressionadíssimo com a sabedoria destes peritos. De tal modo que não resisti a compartilhar esse valor acrescentado. Noto que nada é inventado, as conclusões retirei-as do que foi publicado no DN!...
1ª-“O comportamento da aluna face à professora foi um caso de “bullying””. Pronto. Podemos ficar descansados. Já sabemos o que aconteceu: bullying!...
2ª-Em casos destes, “os professores têm que se antecipar…”!...
De facto, a melhor defesa é o ataque, outra proposição teórica de grande alcance!...
3ª-“É um caso de “bullying”, porque há um desequilíbrio de forças”!...
Concluo que o FCPorto vem a praticar “bullying” desde o início do campeonato. Deve ser suspenso da prova!...
4ª-“Os professores também são vítimas de “bullying”!...
Aqui está a grande novidade!…
5ª-“O “bullying” previne-se com a definição de regras claras no primeiro dia de aulas”!...
O problema é que os alunos, por não terem que aprender de cor a tabuada, têm dificuldade em memorizar!...
6ª-E a conclusão mais importante de todas: “os infractores devem ter um acompanhamento especializado”!...
Por quem faça “bullying” com eles, para ver o que custa?
-E ainda, para terminar em beleza: “Com bullying na sala de aulas, o professor não consegue ministrar”!...
Aprenderam todos a lição, ou é preciso "bullying" extra, em aula de compensação?
Por mim, aprendi tudo. Se fosse agressão, talvez o caso se resolvesse. Sendo "bullying", nem depois de 200 Congressos de especialistas, que a matéria é mesmo complexa!...

O fisco e os casamentos...

Ora, ponha aqui o seu pezinho! Tão novinhos e já metidos em apuros fiscais!
É hoje notícia do Público que o “Fisco multa noivos que não derem informações sobre o casamento”. Impostos e casamentos, uma dupla que não poderia passar despercebida…
Não podemos ter dúvidas nem permitir que as empresas prestadoras de serviços para casamentos, ou para quaisquer outros fins, acrescento eu, fujam ao pagamento dos impostos sobre os fornecimentos efectivamente realizados.
Parece que o método correcto passa por o fisco analisar e investigar essas empresas. A intenção e o propósito de fiscalizar estes prestadores de festas de casamento é absolutamente necessária e, portanto, o fisco é fundamentalmente por este lado que deve actuar. Estamos perante uma actividade que tem conhecido uma evolução próspera, movimentando muito dinheiro, pelo que não pode deixar de suscitar a atenção do fisco. Todos compreendemos que assim seja.
O que já não se compreende é que o fisco pretenda fazer o controlo da actividade destas empresas através dos noivos, exigindo-lhes uma contabilidade organizada do casamento e invadindo a vida íntima familiar.
Sem prejuízo do dever de colaboração, que a lei prevê e muito bem, o fisco não deveria ser alheio à realidade social. Todos sabemos que as diversas despesas do casamento, desde o penteado exuberante e os sapatos estilizados da noiva, passando pela gravata de modelo exclusivo do noivo e pelo bouquet de flores exóticas, até à pista de dança improvisada e ao disco jockey da moda e às inesquecíveis fotografias digitais e na hora, são oferecidas e repartidas pelos familiares e amigos e até convidados. Os noivos normalmente em início de vida não podem entrar em despesas porque não têm como lhes fazer face, aceitando e caprichando as ofertas dos pais, avós, tios, primos, padrinhos, amigos e convidados.
A fronteira da vida íntima das famílias não dever ser ultrapassada, pelo que se levantam muitas dúvidas sobre a legitimidade e a eficácia desta actuação do fisco. Em que medida é que se pode exigir a prova e controlar que a madrinha da noiva ofereceu o vestido de noiva e que até o confeccionou? E se o copo de água foi realizado na quinta de um amigo? E se os noivos optaram por um beberete mais económico em lugar de um banquete para assim realizarem o sonho de uma viagem às Caraíbas?
A ideia de que o casamento só é um negócio é incorrecta e socialmente injusta. Um casamento implica normalmente um conjunto de despesas adicionais que não deveriam ser ignoradas pelo fisco, antes pelo contrário, deveriam ser socialmente valorizadas. Por exemplo, os noivos e/ou os seus familiares incorrem em elevadas despesas com a aquisição da futura casa de família ou com o seu arrendamento, com a mobília e os equipamentos indispensáveis a um início de vida mais feliz! Seria até normal que os noivos ou os familiares que contraem despesas com a festa do casamento e com os complementos e pormenores adjacentes que sempre se impõem fazer pudessem deduzir uma parte nos seus impostos. Há, portanto, que reequilibrar em ambos os sentidos este sério problema!

Sub-prime: não é causa, mas efeito!...II

Junta-se a 2ª Parte do artigo publicado na última edição do Expresso, Caderno de Economia. O artigo completo pode ser lido em O Quarto da República.
"...A necessidade de resultados imediatos crescentes leva naturalmente a decisões de risco e a produtos de risco, como a utilização intensiva de sofisticados produtos financeiros, engenhosamente propostos pela Banca especializada como serviço personalizado, rentáveis no presente, mas escondendo prejuízos futuros. Trata-se, muitas vezes, de transacções de produtos meramente virtuais, escondidas em veículos financeiros encobertos por sigilosas plataformas «off-shore». No limite, leva a contabilidades hábeis ou até mesmo fraudulentas.
Esta gestão do curto prazo deixa os accionistas anestesiados e satisfeitos e acaba também por trazer bons proveitos aos beneficiários de remunerações ligadas a valorizações bolsistas ou a «stock options». Os desastres vêm depois.
Por outro lado, os milhões de movimentos das grandes empresas facilitam o recurso a contabilidades criativas ou à ocultação de dados essenciais, que dificultam análises oportunas, adequadas e correctas. Assim, só por excepção, as supervisões e os reguladores conseguem surpreender actuações susceptíveis de lesar as empresas e o mercado. Pelo que a crise só é detectada quando se verifica.
Para que a ‘bondade’ das contas não repouse apenas na ética dos dirigentes, é preciso tomar medidas além da mera burocracia instalada. O primeiro passo é uma reflexão profunda dos Reguladores sobre os excessos de informação que levam os gestores a ficar reféns das recomendações bolsistas, com exigências de produção de lucros fáceis no imediato, mas susceptíveis de retirar valor essencial às empresas. E também sobre os esquemas remuneratórios das administrações. E sobre a valia das conclusões das análises «fundamentais» dos grandes actores do mercado.
Fazer lucro fácil foi a razão das últimas crises; o sub-prime foi apenas o instrumento e o efeito".
(Artigo completo em O Quarto da República)

Sub-prime: não é causa, mas efeito!...I

Deixo, em duas partes, o artigo que publiquei no Caderno de Economia da última edição do Expresso, de 21 de Março. Antes, uma brevíssima introdução. O sub-prime (concessão de crédito de alto risco, agora no sector imobiliário) tem sido apresentado como a causa da crise no sistema financeiro, levando Bancos à falência ou a aumentos de capital para compensar prejuízos e falta de liquidez. No entanto, o sub-prime não é a causa da crise. É, sim, o efeito. O efeito de decisões de gestão, lucrativas no imediato, mas contendo em si todos os requisitos de prejuízos futuros. Não só para os Bancos promotores, o que seria o menor mal, mas sobretudo para os milhões de particulares que acabaram por ser os detentores finais dos créditos, através de aplicações feitas em produtos financeiros derivados. Aqui vai a 1ª Parte.
"Ainda está fresca a memória dos 18 mil milhões de dólares de prejuízos reportados pelo Citibank, e eis que novas derrocadas se prevêem, motivadas pelo lançamento fácil de «produtos» de elevada rentabilidade imediata, mas alto risco. Agora foi a vez do Bear Stearns entrar em colapso.
Pensou-se que a informação de gestão frequente, a separação das funções de auditoria e consultadoria, as auditorias regulares e a actuação dos reguladores do mercado evitariam casos semelhantes. Assim não tem acontecido e não creio que venha a acontecer. Porque as crises não resultam de deficiências das auditorias, de actuações medíocres dos reguladores ou da falta de informação. Ao contrário, a informação obrigatória excessiva é, ela própria, um dos motivos das crises. Outras causas radicam no esquema de remuneração dos gestores baseado em «stock options» ou na valorização bolsista e no comportamento dos analistas de mercado.
A informação constante tem impacto imediato nas análises e no valor das acções e o seu efeito mais importante não é a transparência de actuação, mas o privilegiar decisões com rentabilidades a curto prazo, em detrimento do «investimento» no reforço sustentado das capacidades da empresa. Os gestores sentem a espada dos analistas financeiros, que facilmente alteram as expectativas que eles próprios produziram, passando a antever descidas quando há pouco viam estruturadas subidas e marcando a cotação dos títulos. Por isso, em vez de trabalhar para os accionistas, os gestores são levados a trabalhar para os analistas, procurando formas novas de produção de resultados, geradores de recomendações favoráveis e de fixação de preços-alvo apetecíveis. Sem factos novos, as recomendações são de baixa, pois a estabilidade das cotações não favorece o negócio: ‘manter’ carteiras não traz proventos".
(Continua)

Sol e mimosas


O retrato de tempos outrora vividos ali para os lados do Douro sul em tempo de páscoa é feito de perfumes no ar e da especial luminosidade que traz a primavera. Da transformação radical da paisagem. Dos afectos, também.
A páscoa e a pascoela são tempo da luz e do suave calor de um sol que vai reconfortando pela manhã. E de esse perfume único das mimosas, das acácias que mesmo os mais puristas dão tréguas nesta altura ao maldizer da sua natureza parasita e infestante.
Esta páscoa foi, porém, atípica. Ao perfume das mimosas juntou-se a beleza da neve nalgumas zonas.

Mais belo ainda, se possível...

domingo, 23 de março de 2008

História de um tempo já passado!...

Tnha uns dez anos e fiz parte do grupo da Visita Pascal na minha aldeia beirã. Em dia de gloriosa primavera, o Sr. Abade, devidamente paramentado, um mordomo com a cruz, outro com a caldeirinha da água benta, outro com a campainha e o homem do cesto dos ovos, calcorreavam a freguesia, povo a povo, caminho a caminho, casa a casa, da mais rica à mais pobre, da mais isolada do monte à mais central, junto à fonte ou à igreja. Para além de me ter sido distribuída a campainha, que anunciava a visita, também me coube o pelouro de tesoureiro, guardando, numa bolsa a tiracolo, os envelopes das ofertas ao Sr. Abade feitas em dinheiro pelas casas mais abastadas. Os mais pobres presenteavam o Sr. Abade geralmente com ovos, que o membro hierarquicamente mais baixo da comitiva zelosamente transferia para o cesto que transportava, a um sinal discreto do Sr. Abade.
A profusão das flores da primavera e o perfume das glicínias junto aos muros apareciam realçadas pelo sol brilhante da estação e davam um ar de incontida festa, que mais se acentuava à vista do tapete forrado a rosmaninho, junto às portas. E as escadas, decoradas a alfazema e a alecrim, anunciavam a alegria da visita. As casas, sujeitas à lavagem anual, mostravam o ar limpo e fresco do chão esfregado com sabão amarelo.
Na melhor sala da casa juntava-se a família: pais, filhos, avós e netos.
Boa Páscoa, Boa Páscoa, saudemos o Senhor que nos vem visitar, dizia o Sr. Abade. As pessoas ajoelhavam e a cruz passava de boca em boca para o beijo pascal. Por vezes o crucifixo era mesmo beijocado com grande profusão e intensidade, nada escapando, desde a cara, aos joelhos e aos pés de Jesus Cristo. Nos casos mais extremos, o mordomo tirava um pano branco do bolso e limpava o crucifixo para a próxima devoção.
Mesmo as casas mais humildes, em cima de uma mesa mais ou menos tosca, tinham sempre uma cruz, um folar, uma garrafa de vinho e ovos. Vai alguma coisa, Sr. Abade? Não, que temos caminho a andar. E tem aí os seus filhos; olhe que eles estão com apetite!... Ao sinal do Abade, o homem do cesto retirava ou não os ovos da oferta pelo serviço religioso. Como nem sempre os ovos passavam da mesa para o cesto, eu pensava como o Sr. Abade devia ser sábio e ter o especial dom de levar só os frescos, deixando na casa os que lhe pareciam mais retardados…Cheio o cesto, ficava à guarda de um paroquiano, que emprestava outro para as colheitas seguintes.
As casas mais ricas caprichavam na oferta. Na melhor toalha de linho, sempre o folar, mas uma profusão de bolos e doces e vinho fino, para acompanhar. Mas aí não havia ovos. Normalmente, um envelope com dinheiro. Que nem sempre eu era autorizado a recolher. Ia então pensando que estranho critério teria o Sr. Abade em mandar recolher uns e outros não. Talvez pretendesse apenas os mais recheados…Mas esse critério esbarrava no facto de os envelopes escolhidos serem dos menos abastados dos abastados, sendo poupados os dos mais ricos, com algum desgosto da minha parte...
Nessas casas, o grupo detinha-se. Vamos lá fazer as honras da casa, dizia o Abade!... E então alguns dos mordomos tiravam a barriga de miséria, dado que os pitéus expostos e o vinho do porto não eram manjar habituado a passar por aquelas gargantas.
O que mais me custava era acompanhar o Sr. Abade à cama dos doentes. E se recebiam o Sr. Abade com queixumes, despediam-se, parecia-me, mais reconfortados.
Por vezes, o homem da cruz não queria entrar numa ou noutra casa, sem eu saber bem porquê. E cochichava com o Sr. Abade. Que lhe dava ordem de entrar. Ao que eu me sujeito, ter que levar a cruz a gente amancebada…recalcitrava o homem, e tom baixo, mas de modo a eu poder ouvir.
A Páscoa era um dia festivo. Os tempos mudam e fica a nostalgia.
Hoje, na minha terra, continua a haver visita pascal, mas sem o Senhor Abade. Saem diversas cruzes para despachar serviço e tudo acabar mais depressa, logo da parte da manhã. As pessoas têm outras coisas que fazer!...
Já não é o mesmo, dizem!...É verdade. Mas coisas melhores virão, diz-nos a esperança!...
Nesta boa esperança, uma Páscoa festiva e excelente para todos!...

A fotografia...

Não sendo determinista, nem fatalista, reconheço que muitas pessoas nascem e vivem sem sorte. Hoje, a minha mulher mostrou-me uma fotografia de uma senhora empunhando orgulhosamente um bebé. Via-se que era uma reprodução de uma foto com mais de meio século. Senhora trigueira, mas bonita, com cabelos ondulados à época segurando uma criança de poucos meses, ricamente vestida, provavelmente tirada no dia do baptizado. A foto conseguiu captar um momento mágico em que o olhar da mãe, cheio de amor, de carinho e de alegria captava a atenção de um petiz com um olhar meio-esbugalhado. Perguntou-me: - Sabes quem é? – Não. Respondi. É a minha tia Ilda. – E a pequena? Não é uma rapariga! É um rapaz, o meu primo José Luís. Subitamente fiz uma revisão sobre o assunto. A senhora tinha falecido muito nova, há uns sessenta anos, durante a segunda gravidez. A história familiar revela que não foi bafejada pela sorte e muito menos pela felicidade, a que não foram alheios os maus tratos. O pai refez a vida, mas, incompatibilizado com os familiares, impediu qualquer relacionamento do miúdo com os seus parentes mais chegados. Quer o pai, quer a madrasta, nunca revelaram afectos por uma criança com grave problema de visão, traduzido no uso de óculos com as lentes mais grossas que já vi em toda a vida. Quando era miúdo cheguei a conviver com ele, apesar de ser “muito” mais velho do que eu. A memória que guardo dele é de um jovem muito triste, que falava baixinho e que andava sempre cabisbaixo, isolando-se de tudo e de todos. Não conhecia o seu passado, nem nada da sua família. Gostava muito de jogar dominó e ping-pong com ele, à noite, na Casa do Povo, porque era um dos poucos a quem conseguia ganhar, facto a que não devia ser estranho a sua péssima visão, já que não era uma grande espingarda no uso das raquetes. Ao fim de alguns anos deixei de o ver. Saiu da vila na companhia do pai, da madrasta e do meio-irmão. Sei que se casou e que vive para as bandas de Tábua numa pequena aldeola. Nunca houve qualquer aproximação com os familiares da mãe, apesar de alguns esforços nesse sentido. Mágoas antigas aliadas à privação já denunciada deverão explicar a situação. Enquanto congeminava nestes factos, a minha mulher explicava-me que a madrinha lhe tinha perguntado se não teria uma foto da tia Ilda. É que um grande amigo, o Só, pediu-lhe se não arranjaria uma foto, porque o Zé Luís tem uma grande mágoa em não ter conhecido a mãe, nem através de uma fotografia! Este lamento levou-a à procura de uma foto. A única que encontrou em casa foi tirada há mais de 60 anos em Nova Lisboa, na altura do baptizado. Fotografia pequena, mas que graças às técnicas de computorização, aumentou substancialmente de tamanho, sem perder qualidade, facto que irá permitir ser melhor observada por quem está praticamente quase cego. Ao fim de mais de sessenta anos o filho vai ver pela primeira vez a mãe, num momento íntimo, em que os dois olhavam um para o outro. Estou convicto que deverá ser a maior alegria da sua vida, porque poderá ver a mãe a acarinhá-lo e a dar-lhe amor. Amor que nunca sentiu, mas que agora vai ver pela primeira vez, antes que a escuridão chegue…

sábado, 22 de março de 2008

Com os votos de uma Páscoa Feliz

O LUGAR DA CASA

Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

Eugénio de Andrade

Suave Milagre!...

"...Um dia um mendigo entrou no casebre, repartiu do seu farnel com a mãe amargurada, e um momento sentado na pedra da lareira, coçando as feridas das pernas, contou dessa grande esperança dos tristes, esse rabi que aparecera na Galileia, e de um pão no mesmo cesto fazia sete, e amava todas as criancinhas, e enxugava todos os prantos, e prometia aos pobres um grande e luminoso reino, de abundância maior que a corte de Salomão. A mulher escutava, com os olhos famintos. E esse doce rabi, esperança dos tristes, onde se encontrava?
...A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, a mãe mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar duma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse rabi que amava as criancinhas, ainda as mais pobres, sarava os males, ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça engelhada:- Oh filho! e como queres que te deixe, e me meta aos caminhos, à procura do rabi da Galileia? Obed é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Chorazim até ao país de Moab. Sétimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde Hébron até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e nossa dor mora connosco, dentro destas paredes e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?
A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:- Oh mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!E a mãe, em soluços:- Oh meu filho como te posso deixar! Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:- Mãe, eu queria ver Jesus...E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:
- Aqui estou!..."
Eça de Queiroz, no conto Suave Milagre. Poema em prosa, um hino da literatura portuguesa.

sexta-feira, 21 de março de 2008

De Herodes para Pilatos!...

O enredo dos últimos dias de Jesus Cristo histórico é, ainda hoje, uma história exemplarmente actual. Desde a hipocrisia dos sacerdotes do templo, à traição do beijo de Judas, à cobardia da negação de Pedro, à psicologia das multidões, que num dia aclamaram Jesus Cristo e no dia seguinte pediram a sua morte. Mas esse enredo também nos trouxe o gesto de coragem de quem, enfrentando a multidão e os soldados, em contravenção ao politicamente correcto, apoiou resolutamente Jesus e o ajudou a levar a cruz ao Monte Calvário.
Mas, verdadeiramente impressionante, é que também continua actual o próprio processo de condenação. Desde a dedução da acusação à sentença final.
Os poderes religiosos instalados, por não suportarem as críticas de hipocrisia e temendo pela sua posição de privilégio, acusaram Jesus Cristo como um perigoso elemento subversivo. Formalmente, começou por ser julgado pelos Sacerdotes do Templo, a aí condenado à morte em processo sumário.
Dada a natureza da sentença, ela tinha que ser confirmada pela autoridade civil, Pôncio Pilatos, representante de Roma. Pese a acusação, Pôncio viu em Jesus Cristo um homem inocente, por não ter praticado qualquer crime face ao direito romano. Não querendo confirmar a sentença, perante o protesto veemente da hierarquia religiosa, e tendo sabido que Jesus Cristo tinha nascido na Judeia, achou que o tribunal competente era o de Herodes e mandou que lhe fosse presente. Também Herodes não lhe achou pecado que implicasse a condenação, pelo que reenviou o processo e o réu ao tribunal de Pilatos. Falhada a tentativa desesperada de trocar a libertação de Jesus pela de Barrabás, Pilatos homologou a condenação, mas lavando daí as mãos.
O processo andou do tribunal de Caifás para o de Pilatos, do de Pilatos para o de Herodes e do de Herodes para o de Pilatos. No fim, a sentença foi imposta por um Grupo de pressão, em defesa dos seus privilégios.
Foi há 2000 anos ou é hoje?

"Alívio da morte"...

Chantal Sébire pediu que lhe aplicassem a eutanásia. Apelou ao governo francês. A lei francesa não permite a sua prática. A senhora pensou em ir a um dos países em que é permitida. Não foi preciso, graças ao “alívio da morte”...

Veneno de efeito lento

"Dá-me veneno para morrer ou sonhos para viver" - Gunnar Ekelof

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, segundo rezam as crónicas hoje publicadas, referindo-se à necessidade de o PSD se afirmar, manifestou a opinião de que não é relevante a liderança. Nestes termos: "Deve manter-se o pluralismo interno, mas sem a obsessão do derrube do líder. Não defendo, como alguns, a mudança de líder antes de 2009. Porque não há tempo".

quinta-feira, 20 de março de 2008

Que sociedade é esta que estamos a construir?

Acabo de ver estupefacta o vídeo que a SIC Notícias acaba de transmitir. Tudo se passa numa sala de aula da Escola Carolina Michaelis, no Porto. Voltei há pouco a ver o vídeo no Expresso online.
É uma aula da disciplina de francês do 9º ano. A professora retira a uma aluna o telemóvel. A aluna não aceita a decisão de a professora lhe retirar o telemóvel. Começa então a luta com a aluna agarrando a professora exigindo-lhe a entrega do telemóvel. A turma assiste à luta mas não intervém. Ouvem-se risos. A professora fica isolada. Tenta sair da sala mas não consegue. Mais tarde a turma decide intervir para separar professora e aluna. Gera-se uma grande confusão. O palavreado utilizado pelos alunos é impróprio.
Esta é uma parte do relato do que me foi dado ver. A outra parte é a explicação para o estado de degradação a que se chegou dentro de uma sala de aula. E a explicação está na indisciplina, na falta de respeito, na desautorização, enfim, na deseducação a que chegou a escola. É a total inversão de valores. Uma vergonha!
Esta cena de violência deveria ser exemplarmente castigada. A insolência da aluna não deveria ser ignorada. Tenho, no entanto, dúvidas que lhe aconteça alguma coisa de grave. Não deveria haver a mínima contemplação. Mas o sistema acaba por ser vítima dele próprio e não permitir que comportamentos destes sejam penalizados. Se é que as autoridades da escola e do ministério da educação dão suficiente importância ao caso para dele se ocuparem devidamente. Se é que a lei o permite!?
Este episódio é mais um alerta para o caminho perigoso que estamos a seguir. Deveria obrigar-nos a pensar sobre que sociedade é esta que estamos a construir. Deveríamos reflectir sobre o brutal abismo entre o que julgamos ter e o que na realidade andamos a fazer!

Há cerca de 2000 anos!...


“…Tu queres deixar impune o homem que pregou a insurreição, declarando-se rei numa província de César?…Bem! Mandaremos emissários a Roma, levando a nossa sentença e a tua recusa e, tendo salvaguardado perante César a nossa responsabilidade, mostraremos a César como procede na Judeia aquele que representa a lei do Império!...
…Pôncio baixara a face, perturbado. Decerto imaginava já ver além, num claro terraço junto ao Mar de Cáprea...todos os seus inimigos, falando ao ouvido de Tibério e mostrando-lhe os emissários do templo... César, desconfiado e sempre inquieto, suspeitaria logo um pacto dele com esse "Rei dos Judeus", para sublevarem uma rica província imperial... E assim a sua justiça e o orgulho em a manter podiam custar-lhe o proconsulado da Judeia! Orgulho e justiça foram então, na sua alma frouxa, como ondas um momento altas que uma sobre outra se abatem, se desfazem. Veio até ao limiar da porta, devagar, abrindo os braços, como trazido por um impulso magnânimo de conciliação - e começou a dizer, mais branco que a sua toga:
- Há sete anos que governo a Judeia. Encontrastes-me jamais injusto, ou infiel às promessas juradas?... Decerto, as vossas ameaças não me movem... César conhece-me bem... Sempre vos fiz concessões! Mais que nenhum outro procurador, desde Copônio, tenho respeitado as vossas leis...
Um momento hesitou; depois, esfregando lentamente as mãos, e sacudindo-as, como molhadas numa água impura:
- Quereis a vida desse visionário? Que me importa? Tomai-a... Não vos basta a flagelação? Quereis a cruz? Crucificai-o... Mas não sou eu que derramo esse sangue…”!


Eça de Queiroz em A Relíquia

quarta-feira, 19 de março de 2008

Leituras perigosas


Um amigo mandou-me um pequeno excerto de um artigo publicado na revista Nature, intitulado “How we judge the thoughts of others”, que atribui a diferentes divisões do cérebro a capacidade para nos relacionarmos bem ou mal com as pessoas ou com os objectos.
É realmente interessante ver como a ciência tenta desesperadamente encontrar o caminho para “perceber” o mecanismo do pensamento que leva à avaliação que fazemos uns dos outros. Se vier a encontrar-se esse abracadabra, lá se vão os pensamentos ocultos, as dissimulações, as reservas mentais, as pequenas ou grandes hipocrisias…enfim, uma descoberta perigosa, como viveremos com tanta franqueza, sem ter sequer a oportunidade de corrigir um primeiro pensamento menos amável? Para não falar do risco da programação prévia!
O curioso é que as investigações apontam para que há uma zona do cérebro dedicada a nós próprios e que é essa que usamos quando encontramos pessoas com as quais nos identificamos e, claro, isso ajuda a um juízo benevolente, haverá empatia e compreensão.
O artigo não diz, mas podemos presumir, que os vaidosos ou os soberbos têm essa zona deserta ou, pelo menos, povoada de pensamentos monótonos, por não encontrarem afins à altura…Quando não há esses pontos de reconhecimento pessoal, parece que essa parte do cérebro não intervém na apreciação e aí entra uma outra zona, sendo mais provável a rejeição ou, para sermos mais benignos, é mais difícil a aceitação, podendo explicar-se deste modo “cerebral” fenómenos de racismo ou divisões religiosas.
Pelo que entendi, o nosso cérebro selecciona ou capta logo as afinidades e de certo modo desconsidera os diferentes, por assim dizer, o que é uma maneira muito mais sólida de explicar o velho ditado que diz que “o coração tem razões que a razão desconhece”. Afinal, não é o coração, esse pobre órgão vilipendiado há séculos, ele afinal não percebe nada de nada, o nosso cérebro, inteligente como é, trata de resolver logo tudo à partida, avançando com a zona que cuidará de proteger os congéneres e relegando os pobres diferentes para uma zona muito mais crítica, que olhará impiedosamente os que não emitirem logo sinais de serem afins.
Aqui está uma tese revolucionária, que deita por terra os apelos e as tentativas de compreender quem pensa de modo diferente – pelo menos explica as intolerâncias epidérmicas – ao mesmo tempo que justifica as irracionalidades, ou seja, a atracção incompreensível porque que não é visível aos olhos. Mas, se funcionou a tal primeira zona, é porque alguma razão terá!
Por mim, gostava mais que os progressos científicos ficassem por aqui, isso de saber ler o pensamento alheio, zona 1 gosta, zona 2 não há nada a fazer, de modo científico, sem precisarmos do nosso precioso instinto, pode ser perigoso…

Nem dá para acreditar!...

O Primeiro-Ministro José Sócrates, anunciou hoje, no Parlamento, no debate quinzenal, dedicado ao tema das políticas de saúde, uma redução em 50% do valor de todas as taxas moderadoras na saúde para os utentes com mais de 65 anos.

Acontece que, segundo o mesmo Primeiro-Ministro, mais de 80% destes utentes já se encontram isentos… Portanto, José Sócrates foi anunciar, com pompa e circunstância, uma medida que incidirá sobre menos de 20% dos idosos de Portugal… aqueles que menos precisam (e que por isso não estão isentos)!... O que será isto senão propaganda no seu máximo – mas pior – esplendor?!...

Mas há mais: de acordo com José Sócrates, esta medida "de elementar justiça" só agora pôde ser anunciada em virtude da "boa gestão financeira do Serviço Nacional de Saúde" e porque o actual Governo conseguiu vencer a crise orçamental e reduziu o défice para menos de 3% do PIB.

Questionado sobre quanto custará ao erário público esta medida, o Primeiro-Ministro respondeu: cerca de 5 milhões de euros.

Ora, o leitor sabe a que percentagem da despesa no Serviço Nacional de Saúde, na despesa pública e no PIB corresponde 5 milhões de euros? Não? Pois aqui vai: corresponde a 0.07%, a 0.006% e a 0.003%!!! Ui, mas que grande impacto que esta medida terá no défice, não é?!... E claro, só porque o défice foi reduzido para menos de 3% do PIB é que o anúncio pôde ser feito!...

Ouve-se, lê-se, e nem se acredita.

E por isso, para evitar comentários adicionais e não utilizar termos mais fortes (mas talvez mais adequados…) na caracterização desta encenação, convido o leitor do Quarta República a fazê-lo…

Economia americana: nem tudo más notícias...

No meio do vendaval que varreu os mercados financeiros na última 2ª Feira, em mais uma Black-Monday, passou quase despercebido um dado positivo e importante da economia americana: o défice da balança corrente com o exterior baixou de USD 811 mil milhões em 2006 para USD 738 mil milhões em 2007.
Em % do PIB americano, a redução foi de 6,2% para 5,3%.
Após sucessivos anos de agravamento, esta inversão de tendência vem mostrar que um dos desequilíbrios mais graves da maior economia do Mundo, que tanta preocupação tem suscitado entre os comentadores especializados – Martin Wolf, por exemplo – entrou em fase de correcção, sendo provável que volte a ter este ano uma redução significativa.
O persistente desequilíbrio externo corrente dos USA tem constituído uma (embora não a única) das causas fundamentais do enfraquecimento do dólar, cuja cotação estará agora a níveis de há cerca de 15 anos em relação às outras principais divisas.
Se a correcção verificada em 2007 prosseguir como é fácil antever, não é de excluir que dentro de algum tempo e apesar dos graves problemas estruturais que afectam os USA – em especial o seu sistema financeiro – o movimento de enfraquecimento do dólar conheça também uma inversão.
Nesta cogitação em torno da saúde das economias e das suas posições externas, dou-me conta de um curioso contraste entre:
- A economia americana, inundada de problemas - (i) praticamente em recessão, (ii) com uma moeda muito vulnerável, (iii) inflação acima de 4%,(iv) sistema financeiro em crise séria, (v) o FED numa postura extremamente agressiva de descida de taxas para tentar a todo o custo manter a economia a flutuar e...um défice externo corrente de 5,3% em 2007;
A economia portuguesa, pelo contrário vendendo saúde – (i) crescimento garantido de 2,2%, muito acima da esperada média europeia, (ii) inflação agrilhoada em 2,1% e, mais importante, imune às variações de preços, (iii) situação orçamental a caminho de um conforto há muito tempo perdido, (iv) procura de investimento e de consumo em ascensão, (v) moeda cada vez mais forte, (vi) sistema financeiro robusto e...um défice externo corrente de 9,5% do PIB em 2007.
Não haverá aqui alguma coisa mal contada?

A dura realidade através de uma ONG na América

Vi ontem na televisão uma notícia sobre uma ONG que decidiu deixar de prestar cuidados de saúde em países africanos para passar a exercer a sua actividade de voluntariado nos próprios Estados Unidos, por considerarem que há aí muitas carências na assistência aos menos favorecidos pela sorte.
Esse grupo de médicos, enfermeiros e técnicos de saúde instalaram-se num fim de semana num Estado americano, num pavilhão imenso, e esperaram para ver o que acontecia. Cedo começaram a ver chegar pessoas de todos os lados, ansiosas por uma consulta, ao princípio incrédulos com aquela dádiva dos céus, depois agradecidos, dispostos a esperar o tempo que fosse preciso até serem atendidos.
A iniciativa ultrapassou largamente o que a Organização tinha previsto, e os testemunhos das pessoas, - aquela classe média americana com as carrinhas familiares e os bonés de pala,- eram muito claros quanto ao motivo daquela romaria. É que a saúde é muito cara para quem não tem seguro e os seguros são muito caros para serem bons ou seja, o seguro acessível está muito longe de cobrir por exemplo os cuidados dentários, os óculos ou doenças crónicas e dispendiosas.
Um homem novo, que tinha vindo de 300 km de distância na esperança de que lhe tratassem uma infecção num dente que o atormentava, como evidenciava a cara inchada e a dificuldade com que falava, dizia à saída, emocionado, que “foi Deus que me mandou estas pessoas, Ele sabia como eu estava a sofrer”.
Depois mostraram a fila interminável de gente que se formava à porta, e entrevistaram uma senhora magrinha, óculos muito grossos e os cabelos todos brancos. Parecia conformada por já não poder ser atendida, teria que esperar mais uma semana, o problema é que estava a perder a visão, não conseguia acesso a uma consulta de especialidade, não tinha dinheiro para a pagar. Que sim, tinha a quem recorrer, os amigos da Igreja a que pertencia, sempre tinha sido muito activa na Igreja e podia contar com eles, mas sabe?, dizia ela com a voz embargada de lágrimas, a lutar contra a raiva, “eu trabalhei toda a vida, devia ter direito a ser tratada, custa-me ter que andar a pedir, sempre trabalhei, sempre fui uma boa cidadã, custa-me muito ter que pedir…”
Impressionou-me o sentimento de revolta e desamparo daquela mulher, já de idade, a olhar para a vida toda e a sentir-se de mãos vazias. Mas também aquela gente, amontoada, rendida à necessidade de que a caridade se lembre deles, já que as contas dos seguros não se compadecem com considerações sociais, cortam a direito e deixam muitas “franjas” de fora. A dura e penosa realidade.

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E muitos mais slogans destes levam a que o crédito ao consumo atinja sucessivamente valores record em Portugal.
Este tipo de crédito é decisivo nos resultados dos Bancos, face ao valor das taxas praticadas.
E tem feito muito da remuneração dos gestores, ligada ao cash-flow ou à valorização bolsista.
E, devida ou indevidamente “securitizado”, saiu dos balanços dos Bancos e passou a fazer parte dos activos ou das aplicações de muitas instituições ou pessoas. E, mais cedo ou mais tarde, dos seus passivos!...
Ou me engano muito, ou vai ser o nosso sub-prime.
Não porque o sub-prime ou o crédito ao consumo sejam a causa da crise.
Mas porque o modo como é concedido faz do crédito ao consumo um produto viciado. Porque muito dele não foi crédito concedido, mas doação pura e dura. Suportado em critérios sem histórico em Portugal. Serviu para mostrar serviço, adornando os Balanços e as Contas de Resultados. Mas não retorna.
O nosso sub-prime!...