terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os Robin dos Bosques a cada esquina



E eis que mil Robin dos Bosques florescem de repente neste país à beira mar plantado. O fenómeno contagia e cada português descobre-se um justiceiro, olhando com suspeita para os rendimentos dos vizinhos, para a marca do carro, para as cortinas na janela, para a encomenda da pizza, avaliando a olho nu e pondo em dúvida a “justiça” dos proventos exibidos. Nas ruas, nos cafés, nos jornais e em todos os meios de comunicação social abriu a caça aos “ricos”, conceito impreciso que, na prática, significa ter mais proventos do que os daquele que avalia. Escusado será dizer que é uma impertinência invocar a razão de ser de tais ganhos, como o esforço, a profissão ou o regime contributivo cumprido, omissão essa que permite adensar o mistério em torno dos “montantes incompreensíveis” para uns e tão parcos para outros.
Os nossos Robins usam “médias”, invocam a Pordata (nunca pensei que a Pordata pudesse tornar-se perigosa!) como podem invocar a Wikipédia, fazem somas e divisões com a maquina de calcular e concluem coisas estrondosas como “bolo total”, “fosso”, “cortar”e “redistribuir”, tudo apimentado com milhões para cá e para lá. Para estes justiceiros o sistema de Segurança Social não tem qualquer lógica, embora presumam, por economia da equação, que as receitas não deixarão nunca de chegar ao ritmo atual, e conseguem mesmo propor “soluções” a partir de “contas rápidas” – realmente, para quê pensar muito? Entre os inúmeros Robins que por aí florescem, para quem o sistema de Segurança Social se apreende – e se corrige! - com as aritméticas do mercado da fruta, tudo se resume a um sistema de vasos comunicantes que deve fluir livremente, a partir de uma fonte de alimentação olimpicamente ignorada mas que garantirá, seguramente, uma justiça eterna: quem pagou muito, terá pouco, e quem não pagou, ou contribuiu pouco, estará garantido com o mesmo, assim se conseguindo equilibrar as colunas das estatísticas de modo a não ferir sensibilidades epidérmicas dos curiosos que lá vão dar uma olhadela. É caso para dizer que é fácil, é barato e dá milhões… Pelo menos enquanto houver para “redistribuir” sem falar do esforço para juntar, não faltarão os pressurosos Robin dos Bosques.

Viva a justiça portuguesa!

Acabo de saber que o sem-abrigo que roubou um champô e uma embalagem de polvo foi obrigado a pagar 250 euros ou, em alternativa, prestar serviço à comunidade. O processo corre há dois anos e, de acordo com o advogado oficioso, que fez as contas, os gastos deverão ser da ordem dos milhares de euros. O sem-abrigo não compareceu nem sabem onde para. Aqui está um cidadão que sabe tratar a justiça como merece: borrifou-se! E se for apanhado deverá fazer um manguito. O quê, trabalhar para a comunidade? Sou um sem-abrigo, mas não sou parvo. Então vai de cana. Ótimo. Ótimo. E durante quanto tempo? Apenas durante algumas semanas. Ora porra! É pouco, muito pouco! Tenho que pensar em roubar algo mais importante, talvez um queijo da serra, uma garrafa de whisky....

Questão de preferência


Informam-me que a senhora Ministra da Justiça disse hoje - no seio dessa "natureza morta" em que se transformou a cerimónia da abertura do ano judicial -, que é proibido deixar de acreditar na justiça. Ótimo soundbite  condenado a fazer manchetes. Pela minha parte preferiría que a Ministra proibisse a justiça de se desacreditar a si mesma.

Pobre país!

Não tardará muito para podermos observar a realização de verdadeiros safaris pelo interior de Portugal, em que pais e mães, acompanhados dos seus rebentos, irão deliciar-se com uma fauna de seres humanos esquisitos a viverem em condições totalmente distintas dos que vegetam nas grandes metrópoles, sobretudo na dita Lisboa, transformada em Babilónia do Império, com direito a tudo e a mais qualquer coisa em detrimento dos direitos mínimos dos que ainda vão ficando pela dita "província". Lentamente estão a fechar o país, cuidados de saúde reduzidos ao mínimo, serviços a fecharem e a serem concentrados em localidades mais "centrais", justiça a distanciar-se em termos geográficos para não falar dos aspetos humanos, tentativas vãs e mais do que hipócritas de pseudo cuidados a ter com as populações envelhecidas, enfim, contributos eficientes para o despovoamento do quintal da capital, que se transformará num enorme parque de lazer para os stressados das grandes cidades. Qual o pretexto para tamanhas e capitais transformações? Maximizar os poucos recursos e transferi-los para que a "Cidade" possa sobreviver com todas as regalias. Poupar, claro está. E os outros? Quais outros? Os que vivem na "província"? Que se lixem! Eles contentam-se com pouco. Sempre estiveram habituados a viver à míngua. Mas será que não há ninguém capaz de cortar a cabeça a tanto idiota? Pobre país.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Discriminação

Mais um caso a despertar a atenção para as consequências das intervenções médicas. Salvar uma vida é um hino de amor, mas por vezes o doente não agradece, não pode agradecer, nem quer agradecer, porque a vida que lhe devolveram não tem nada, rigorosamente nada a ver com as expectativas de quem sofreu um acidente ou doença grave.
Um engenheiro inglês, Tony Nicklinson, sofreu há anos um problema grave tendo ficado paralisado, totalmente incapacitado, apenas pode pensar. Não tem autonomia, e só com ajuda consegue comunicar.
Desde 2007 que pretende ter o direito a suicidar-se e começou a lutar para isso. Não quer dizer que o faça hoje, ou amanhã, mas quer que lhe concedam esse direito, porque sozinho não consegue. Considera que a lei discrimina os incapacitados físicos ao não permitir fazer algo que qualquer um pode fazer, deixar de viver.
O caso foi parar ao tribunal que começou a estudá-lo. Escravo das tecnologias e dos cuidados ultraespecializados, afirma que os "políticos são uns cobardes". A lei britânica proíbe ajuda ao suicídio. O inglês não tem dez mil libras para ir à Suíça resolver o seu problema, e, também, não tem vontade de suicidar-se numa cooperativa ou unidade industrial criada para o efeito, caso da Dignitas. Se lhe apetecer suicidar-se, o que só poderá fazer com ajuda, quer fazê-lo na sua terra. Também já lhe passou pela cabeça morrer à fome, mas é muito chocante, e, além disso, tem o direito de fazer algo menos traumatizante e mais rápido.
Esta luta, não é só de Tony Nicklinson, há tempos o galego Ramon Sampedro, tetraplégico, conseguiu almejar a liberdade com a ajuda de terceiros.
É preciso coragem política para casos como estes, que são, muitas vezes, frutos de um encarniçamento terapêutico que ofende a vida e protela a liberdade pela morte.
Os opositores a estas medidas dispõem de argumentos próprios, invocando conceitos e princípios religiosos para explicar o "sofrimento" dos seres humanos, como se fosse um desejo oculto e não explicável de um deus que se "entretém", através da medicina, a criar situações que noutros tempos nunca se equacionaria.
Nicklinson deseja apenas que lhe seja reconhecido o direito a poder suicidar-se com a ajuda de terceiros. Para quê? Para poder libertar-se da prisão em que o colocaram.

A exploração

"Nós somos os explorados e eles os exploradores!"
Arménio Carlos, no Congresso da Intersindical.
Na Soflusa, eles estão em greve. A Soflusa é uma empresa pública e os donos são todos os portugueses. Muitos milhares que precisam do transporte, e até já o pagaram, são explorados com a greve. Tem toda a razão o Arménio Carlos.

"Cavaquistas"anônimos estarão lançando pânico nos mercados ?

1.Ontem foi notícia, para lá da infamante derrota do FCP em Barcelos (bem sei que os da casa jogaram com 12+, caro Pinho Cardão), a suposta conjura de um “grupo” anônimo de “cavaquistas” - um conjunto vazio, supostamente, para usar uma conhecida expressão da matemática - com o objectivo de derrubar o Ministro das Finanças que, segundo esse “grupo”, estaria aplicando medidas de carácter ultra-liberal...
2.É absolutamente extraordinário como entre nós se fabricam notícias destas, sem necessitar de um único endereço dos conjurados, e que essa fantasia “pegue”, constituindo motivo de conversa abundante, nomeadamente pelos mais distintos comentadores da nossa praça...
3.Mais impressionante ainda é que os mesmos órgãos noticiosos que lançaram essa emocionante novela não se tenham dado ainda conta do forte agravamento que hoje se verifica nos juros da dívida pública portuguesa em mercado secundário, com a taxa de juro da dívida a 3 anos já muito próxima dos 25%...
4.Segundo os analistas da especialidade, estamos a assistir a um fenómeno de punição do “elo mais fraco”: face à incapacidade da Grécia chegar a acordo com os credores privados, para reestruturar (e reduzir) a sua dívida de € 200 mil milhões detida por privados, chegando de “mãos vazias” à Cimeira informal de hoje em Bruxelas, aumentam os receios de um “default” grego...sendo Portugal o próximo na linha de fogo...
5.Mas, cá para mim, suspeito que por trás deste brutal agravamento dos juros da dívida portuguesa em secundário andará a “mãozinha” dos cavaquistas anônimos que, desta forma, procuram desacreditar o Ministro ultra-liberal...
6....e surpreende-me como é que os inefáveis “media” que lançaram a notícia da conjura “cavaquista” para derrubar o Ministro ainda não se deram conta de mais esta operação dos mesmos conjurados para mostrar o falhanço da política ultra-liberal do Ministro, agitando os bastidores e conseguindo lançar o pânico nos mercados...
7. Certamente que caso o Ministro abandonasse a estratégia ultra-liberal e abrisse os “cordões à bolsa” para permitir a VIRTUOSA expansão da VIRTUOSA despesa pública, nada disto estaria a acontecer...e os anônimos poderiam sair da clandestinidade para festejar sua vitória...

domingo, 29 de janeiro de 2012

Domingo

Mais um domingo, mais uma formalidade, mais uma vez cumprimos a rotina criada ao sabor das necessidades alimentares. Antes do almoço, outro ritual foi satisfeito, tomar um café debaixo do sol de inverno. Sentir o sabor de uma boa bebida quente aliado a um certo elanguescer provocado pelo calor coado pelo vidro provoca-me um súbito desejo de querer parar o tempo. Mas não consigo. Olho em redor e as poucas pessoas presentes chamam-me a atenção. Paradas, desinquietas, fácies expressivas de alcoolismo crónico, alguns com cigarros a tremerem em mãos calosas, e outros com sinais evidentes de pelagra, a testemunhar a gravidade da doença, povoam o "meu" pequeno espaço. O dono do café, treinado por visitas anteriores, presenteou-nos com duas chávenas fumegantes. Para não destoar dos restantes, também apresenta estigmas de um bom discípulo de Dionísio, mas sabe atender os clientes, usa sempre uma bandeja e entrega o talão da venda. Curiosamente paga os impostos. Qual será a noção que têm do tempo? Fiquei sem resposta, mas quase que atreveria a dizer que têm uma noção diferente da minha. Imagino-os sem "tempo". Para quê incomodarem-se com coisas triviais? Basta uma bebida a juntar a outra para o tempo parar. Saímos e logo em frente estava o restaurante do domingo, frequentado por gente muito simples, cujos modos e comportamentos emergem das profundezas do tempo. Tenho uma predileção pela forma como falam e se comportam à mesa. Estou sempre atento às conversas, porque revelam formas de ver e de interpretar que me escapam. Ajudam-me a compreender certos fenómenos. Uma das caraterísticas dos meus companheiros de repasto é limpar tudo o que está na mesa e, mesmo que não comam tudo, aproveitam os restos dos pratos e das travessas despejando-os em sacos de plástico que trazem de casa. Um ritual generalizado, exceto no que toca às bebidas. Estas são ingeridas na totalidade, nem uma gota fica nos copos ou nas cântaras. Hoje observei mais uma vez este fenómeno. Compreende-se esta forma de atuar. É uma questão de economia, os restos são levados para casa e dado aos animais. Presumo que não é devido à crise que estamos a viver, mas sim a um princípio muito arreigado nas comunidades rurais, onde tudo se aproveita. Claro que em tempos de crise esta cultura é muito útil, a sabedoria popular ajuda-os, mais facilmente, a contornar os problemas e sem grande angústia. Podem não ser letrados, mas sabem mais de economia do que muitos que eu vejo por aí a ditar soluções e mais soluções, que não me convencem minimamente. No final da refeição, o dono, simpático, que já conhece muitos dos nossos hábitos, perguntou-nos, pela primeira vez, se tínhamos animais em casa, se tivéssemos, dava-nos uns restitos que tinha na cozinha, sim, só se for isso, porque a travessa com a chanfana já estava limpinha, estava mesmo muito boa. Não, não temos, nós já somos "animais" e estamos muito satisfeitos, respondi-lhe.

Afundar Portugal

"…A luta será decisiva para obstaculizar aquela que é a maior ofensiva desencadeada contra os direitos dos trabalhadores…"
“…O que o Governo e o grande patronato pretendem é cavalgar na crise, para alterar aspectos essenciais das políticas e da organização económica e social…"
"…O recente acordo de concertação social constitui uma monstruosidade económica e social…”

Os mesmos conceitos, as mesmíssimas palavras de há dez, ou vinte, de há cinquenta ou cem anos. Mudou a vida, mudaram as relações de trabalho, mudaram as circunstâncias, chegou a democracia a toda a Europa. Mas ali , nada muda. Por tudo e por nada, e sempre, o discurso mantém-se definitivamente inalterado. Na Intersindical o tempo nunca é composto de mudança, nem nunca traz novas qualidades.
A luta não é pelos trabalhadores, mas é pelo pleno triunfo das ideias colectivistas ultrapassadas e rejeitadas e pela destruição da democracia burguesa, servindo-se dos trabalhadores.
Dizem que vão aprofundar o trabalho da anterior equipa. Tremenda contribuição para afundar Portugal.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Porque não pomos os olhos na (e falamos) da Irlanda, em vez de falarmos da Grécia?

1.A Irlanda, como todos sabemos, teve de solicitar em Novembro de 2010 a ajuda financeira da União Europeia e do FMI – tal como a Grécia em Maio de 2010 e Portugal em Maio de 2011 – na sequência de uma grave crise bancária que arrastou consigo uma crise orçamental e financeira colocando o País à beira da bancarrota.
2.Passado pouco mais de 1 ano, o que nos mostra a situação da Irlanda? Muito em resumo, o seguinte:
- A sua economia, em vez de contrair como a grega (-6%) e a portuguesa (-1,6%), terá crescido em 2011 um pouco mais de 1% segundo as mais recentes previsões do Eurostat, devendo continuar a crescer em 2012 apesar da ligeira contracção que se espera ao nível da zona Euro (e das severas contracções em Portugal e na Grécia);
- Segundo o último relatório do FMI de revisão do PAEF irlandês, a Irlanda, em total contraste ao que se passa na Grécia, tem vindo a cumprir todas as medidas e metas estabelecidas no Programa;
- A taxa de juro da dívida irlandesa a 10 anos, segundo a cotação mais recente dada pelo mercado secundário, já é inferior a 1/2 da taxa de juro da dívida portuguesa (7,33% versus 15,1%), e à volta de 1/5 da taxa da dívida grega.
3. Mais notável ainda, sabe-se que a Irlanda está de volta ao mercado internacional de capitais, pela primeira vez desde Setembro de 2010, tendo conseguido interessar investidores para uma operação de troca (swap) de dívida com vencimento em Janeiro de 2014, no montante de € 3,52 mil milhões, por dívida com vencimento em Fev/2015 vencendo juro de 5,15%.
4. Esta troca de dívida insere-se numa estratégia que visa aliviar o serviço de dívida nos primeiros meses de 2014 quando deverá terminar o Programa de Assistência e a Irlanda tiver de voltar a financiar-se no mercado.
5. Em Portugal, curiosamente, tanto a classe política como os opinion-makers, de uma forma geral, quando querem encontrar um paralelo com a dificílima situação em que nos encontramos citam, invariavelmente, o exemplo da Grécia e das sua desgraças, omitindo sistematicamente o caso da Irlanda...
6. …às vezes para se ufanarem (tristemente, direi) da nossa situação, podendo afirmar que a Grécia é um caso à parte, que não podemos ser equiparados à Grécia, estamos numa divisão superior (isolados, embora…), e não sei que balelas mais...
7. É mais uma manifestação da mediocridadezinha generalizada que para aí se instalou, tanto na classe política como nos comentadores que ocupam lugares cativos nos telejornais, nos frente-a-frente, nos lado-a-lado, no inevitável "prós-e-prós", etc…
8. Porque razão omitimos a Irlanda, como se não fosse tb um país sujeito a um Programa de Assistência, preferindo voltar-nos sempre para a infeliz Grécia? Porque não olhamos antes para a Irlanda e utilizamos um discurso do tipo: a Irlanda está muito melhor que nós, mas aquilo que nos cumpre é tudo fazer para conseguir, pelo menos, atingir idênticos resultados?
9. Quem sabe se o motivo não estará em saberem que a Irlanda evitou subir impostos (sobretudo os directos) e concentrou todos os esforços na redução de despesa?...

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Classe desconforto

Faço com demasiada frequência viagens até à capital. Sempre que posso vou de comboio, por ser mais económico e, sobretudo, por ser mais mais confortável. Vou quase sempre na classe conforto porque consigo, como membro da universidade de Coimbra, um desconto que faz com que o título de transporte nesta classe tenha o mesmo valor da turística.
Classe conforto! Uma interessante classificação que precisa de alguns ajustamentos. Ao fim de alguns minutos, o trepidar típico das composições faz com que sinta uma necessidade irresistível de deixar cair as pálpebras. Não as contrario e adormeço. Sabe-me bem dormir naquelas condições. Tenho a certeza de que estou a usufruir de um sono curto mas muito reparador.
O preço de ida e volta, numa viagem a Lisboa, fica em 52 euros, um valor apreciável que merece algumas regalias. Simpáticas hospedeiras oferecem-nos uma bebida, um jornal à escolha e uns auscultadores para quem tiver paciência de ver e "ouvir" uns programas meio ranhosos, mas apenas na classe conforto. Pois! Classe conforto. Seria classe conforto se não fosse o comportamento de muitos passageiros que se põem a falar ao telemóvel em altos berros, obrigando os outros a terem de ouvir as mais diversas conversas, desde as profissionais até às familiares, passando pelas outras! E se juntar os tipos de toques, então é o bom e o bonito. Hoje, no regresso de uma reunião, sentou-se ao meu lado uma senhora jovem artilhada como se regressasse de uma viagem. Tinha um ar cansado. Pensei, a senhora senta-se e não tarda vai cair num sono profundo. Caiu pesarosamente na cadeira e fez de seguida um telefonema, já não sei se foi para o Valter, se foi para o Carlos ou para o Domingos. Não interessa. Com voz pausada ia dizendo que estava a caminho, no comboio, mas não dei grande atenção à conversa, porque achei que não devia. Entretanto, abre o computador, liga-se à net e, fervorosamente, começa a telefonar e a receber chamadas. Via-se que tinha entrado em transe profissional, contratos, assinaturas, programas, tudo ligado ao sector das telecomunicações.
Tinha acordado muito cedo, a reunião tinha sido um pouco tensa, mas acabou bem, felizmente, e senti que poderia aproveitar o regresso para descansar. O sono atacou-me, mas qual quê, era impossível dormir naquelas circunstâncias, a senhora falava, falava, o telemóvel tocava, tocava, e ainda por cima com um toque irritante que a senhora deixava prolongar, não sei se era intencionalmente ou se era um tique de pretensa executiva. E foi assim até Coimbra. Uma tortura. Quando vi que estava em Alfarelos, levantei-me, vesti o sobretudo e fui para a plataforma de saída, pelo menos aí não tinha que ouvir os toques, as conversas e o frenesim da minha companheira de viagem. Classe conforto? Uma ova, tudo menos conforto. Pus-me a pensar se não seria uma boa ideia a CP passar a reservar uma carruagem livre de telemóveis. Evitava de ouvir conversas que não me dizem respeito, de ser agredido com toques mais ou menos foleiros e conseguir dormir um sonoro reparador. Assim passaríamos a ter três classes, a turística, a classe conforto e uma nova classe, a dos "normais", onde passaria a viajar, nem que para isso tivesse de abdicar do "desconto". Classe conforto? Não. Classe "desconforto". E que desconforto. Só espero que não me calhe em futuras viagens companhias deste género, mas estou pouco convencido.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

São Sebastião

Tarde de domingo de inverno. Um sol infantil diverte-se convidando os desejosos de calor a espraiarem-se debaixo dos seus raios. Não lhe respondi, tinha de ir a um funeral. Na estrada secundária observei um movimento inusitado para aquele lado meio deserto. O que é que estará a acontecer? Ao fim de meia centena de metros observo uma mancha escura e silenciosa a invadir a estrada. Estacionei o mais possível à direita para deixar passar uma estranha procissão. Para a terríola era muita gente, de idade a maioria, vestidos de escuro, com uma ou outra criança com ar divertido e um casal de namorados que, indiferentes ao momento, iam manifestando ternura amorosa. Os devotos iam ao molhe, sem ordem, até pareciam uma coorte romana a ir para a batalha. As suas faces eram dignas de fazerem parte dos quadros da Paula Rego. Ainda procurei sinais de alguma devoção, mas, sinceramente, não consegui vislumbrar, pelos menos nos que foram alvo da minha atenção. Senti que nos tempos do paganismo hordas semelhantes deveriam ter os mesmos comportamentos e expressões. Tudo se mantém igual. As mesmas pessoas, os mesmos rituais e o mesmo sol. Além da bandeira empunhada por um "irmão" vestido de vermelho, três andores ornamentados de flores chamaram-me a atenção. O primeiro, um sagrado coração de Jesus, pequeno, de braços abertos, ia visivelmente aflito, tomara, passo sim passo não ameaçava tombar para o lado esquerdo, não por sua culpa, mas devido a dois voluntários perfeitamente desemparelhados. O do meio transportava um santo ainda mais pequeno, tão pequeno que só quando passou por mim é que vi que era um santo António, afogado no meio das flores, mas sempre com um ar divertido. Por fim, airosa e triunfalmente, apareceu o terceiro andor com o são Sebastião, de maiores dimensões, belo, expondo ao sol o seu peito nu cravado por três setas, as quais não lhe deveriam provocar nenhum desconforto, a ver pela face serena. Uma procissão entre muitas outras que deverão ter-se realizado nesta altura do ano em que se comemora o seu dia. São Sebastião padroeiro da peste e das doenças infeciosas. Talvez seja esta a razão, peste, que atormentou as populações, a base de um culto processionário que ainda corre em muitas povoações do país. Mas, ao olhar para a serenidade e a beleza do santo, lembrei-me de imediato de dois escritores, Oscar Wilde e Yukio Mishima. Este último, por numa das suas obras fazer uma impressionante descrição homoerótica que nunca mais esqueci a propósito do sacrifício sofrido pelo oficial romano. Quanto ao primeiro, Wilde, também homossexual, após um período de prisão "por práticas contrárias à natureza", converteu-se ao catolicismo adotando o pseudónimo de Sebastião. Não pude deixar de sorrir. A Igreja Católica, adversa a certas práticas, entre as quais a homossexualidade, homenageia um santo que é o "patrono dos homossexuais". A multidão, na sua fé e respeitadora de velhas tradições, transportou-o hoje da sua capela para o único banho de sol que pode apanhar ao longo do ano. Quase que me apeteceria dizer que, debaixo de quentes e suaves raios de sol, vi que algo de estranho se estaria a desenvolver sob o seu peito nu, uma certa volúpia, decerto, a prenunciar futuras tradições...

Um colossal passivo

Carvalho da Silva chegou ao fim do seu percurso de dirigente sindical. Nada tenho quanto à pessoa, que não conheço, mas tenho tudo contra as ideias.
Durante 25 anos, a Intersindical de Carvalho da Silva reproduziu um sindicalismo velho e revelho nos conceitos e no pensamento, como nas palavras e na acção. Ouvir a Intersindical era o mesmo que ouvir um sindicalista ocidental do tempo da ditadura soviética ou de há cem anos atrás. Ortodoxa na defesa integral do princípio da luta de classes, a Central nunca viu bondade em qualquer lei do trabalho, nunca reconheceu qualquer acordo de concertação social. A Intersindical sempre viu na greve a suprema forma de justificar a sua existência e de fazer prova de vida.
As ideias e a política sindical da Intersindical de Carvalho da Silva constituíram um verdadeiro passivo para os trabalhadores, pelo desemprego que favoreceram e pelo emprego que desincentivaram.
Completamente desfasada do seu tempo histórico e das novas relações de trabalho, a Intersindical veio a perder força e associados. A avaliar pelas greves gerais que convocou, deixou de ter o apoio dos trabalhadores do sector privado, reduzindo a sua influência ao sector do funcionalismo público. Uma contradição nos termos, porquanto, num regime democrático em que o governo resulta da vontade do povo, é difícil de perceber contra quem ou contra quê se dirige uma luta de funcionários públicos. Mas a luta da Intersindical é luta política pura e dura, sob a capa sindical.
Na despedida, e hoje, todo o dia, Carvalho da Silva está a ser beatificado pelos media, comentadores e analistas. E, como não podia deixar de ser, por Mário Soares. Mas não deixa nem milagre que, aliás, não se pedia, nem obra virtuosa. Pelo contrário, a sua política deixa um colossal e irremediável passivo. A suportar por todos e pelos trabalhadores que jurava defender.

"Revolução" na economia: Balança de Bens e Serviços a caminho do equilíbrio?

1.Enquanto o País, conduzido por uma comunicação social à beira do delírio absoluto – dedicando horas sem fim a declarações anódinas do PR (ainda que desajeitadas) e especulando sobre o fim do Euro como se estivéssemos a assistir aos episódios finais de uma telenovela de arrasar corações – vão sucedendo factos relevantíssimos que, exactamente porque o são, não merecem a menor atenção dos media...
2.Um desses factos consiste na notável redução do défice da Balança de Bens e Serviços com o exterior que, no período de Janeiro a Novembro de 2011, caiu cerca de 50% ( de € 10 mil milhões para € 5 mil milhões) em relação ao período homólogo de 2010...
3....sendo que, nas previsões económicas de Inverno, há poucos dias divulgadas pelo BdeP, essa Balança deverá ficar equilibrada em 2012, podendo mesmo exibir um pequeno “superavit”, equivalente a 0,3% do PIB.
4. A acontecer o cenário admitido pelo BdeP em 2012, o qual resultaria de uma subida das exportações de 4,1% e de uma queda das importações de - 6,3%, estaremos perante uma mudança radical de comportamento da economia portuguesa...
5.... Uma viragem fundamental depois de mais de 15 anos em que arrastando sucessivos e elvadíssissimos défices chegamos à situação de sufoco financeiro em que hoje lamentavelmente nos encontramos.
6.Apesar de ser ainda cedo para retirar conclusões de cenários que, apesar de prudentes são também contingentes, podemos dizer desde já que se trata do resultado mais importante da alteração de política económica adoptada nos últimos tempos.
7.Poderão dizer-me que é uma política económica comandada do exterior...direi que, quando não existe classe política com capacidade para perceber que políticas adoptar, como exuberantemente demonstramos ao longo dos anos – com um “finale” em “andante vivíssimo” e DESVAIRADÍSSIMO nos últimos 6 anos até Junho/2011 – bem pouco me importa que a política económica seja comandada do exterior...
8.Essa alteração não será ainda suficiente para equilibrar a Balança Corrente, em virtude do elevadíssimo défice dos Rendimentos - resultado do altíssimo endividamento que os sucessivos défices nos impuseram (“apesar de o desequilíbrio externo ser irrelevante numa União Monetária" com nos foi ensinado...) – que as transferências dos emigrantes mais as oficiais da União Europeia não chegam para tapar...
9. ...cabendo assim a função equilibradora à balança de capitais, o que mostra a extrema importância de sabermos atrair capitais privados - investimento estrangeiro, via privatizações e outras - para conseguir, finalmente, travar o endividamento externo.
10. Assim, muito a custo (mas muito mesmo), certamente, será que estaremos a caminho de uma “revolução” económica em Portugal? Lá para o 3º trimestre falaremos...

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"Três de copas"

Os homens do mar têm comportamentos interessantes. São mais calmos, introspectivos, possuem olhos profundos, exprimem-se em curtas falas, exceto quando os convidamos a contar histórias, os quais são exímios, quer na forma quer no conteúdo, como se fossem elos de sagas remotas que, conhecedoras das suas fraquezas, se alimentam da sua cortesia para se manterem vivas. Os longos meses passados nas embarcações, trabalho duro, leva-os a adquirir este tipo de conduta, mas também outros, alguns pouco saudáveis. Quando entram no consultório, logo pela manhã, muitos emitem um bom dia enevoado por uma rouquidão tabágica associada ao característico cheiro. Nem lhes pergunto se fumam, passo para as seguintes, há quanto tempo e quantos. Outro aspeto muito comum são as tatuagens, de um modo geral são toscas, mal produzidas, com motivos vários, embora outros apresentem imagens bonitas. Presumo que deverão ser feitas nos curtos períodos de descanso entre o silêncio do mar e o ruído ensurdecedor das máquinas. Três marítimos, de chofre, o primeiro com a laringe enrugada não pelo sol mas pelo tabaco, apresenta um dragão na região do deltóide, um deltóide espesso, duro, a conferir ao animal imaginário uma força descomunal, à espera de um dia transformar-se num dragão decrépito. Nem foi preciso perguntar se era do Futebol Clube do Porto, porque por baixo do bicho lia-se bem, F.C.P.. Sorri. Há gajos para tudo. Va lá, foi feita por um profissional, segundo me disse. Quanto ao tabaco, os conselhos que lhe dei para abandonar deverão ter o mesmo efeito do que pretender apagar a tatuagem com água e sabão. Outro, simpático, mais culto, ocupando um cargo superior, perguntou-me se estava tudo bem, se não havia problemas, eu disse-lhe que havia, olhou-me, mas o quê, o que é que se passa, o senhor teve um enfarte há quatro anos e fuma, não é verdade, é verdade, mas diga-me o que é que se passa, o senhor teve um enfarte há quatro anos e fuma, não é verdade, repeti, sim, via-se a impaciência a crescer, queria saber o que é que se passava, é isso mesmo homem de Deus, o senhor fuma, e quem teve um enfarte não deve fumar. Incrédulo, ainda repetiu mais uma vez a pergunta não querendo acreditar que aquilo que eu considerava como grave era para ele uma coisa sem importância, mas, depois de algumas explicações, profusamente detalhadas, ficou convencido da importância do seu problema de saúde e agradeceu-me muito, efusivamente. Nesse momento não consegui ver qual o grau de satisfação e o sorriso da sereia desenhada no seu peito, mas, pela forma como reagiu, adotando a posição de peito inchado, decerto que a sua imaginada amada também terá sorrido e terá ficado mais tranquila. O terceiro, o mais alto da escala hierárquica, revelou todas as interessantes caraterísticas deste tipo de pessoal, culto, bom contador de histórias, calmo, como convém a quem tem de tomar decisões, e ainda por cima no mar, revelou-se um bom fornecedor de matéria prima para quem gosta de conhecer a natureza humana. Não lhe vislumbrei, à primeira vista, nenhuma tatuagem, mas quando ia auscultá-lo fiquei surpreendido. No peitoral esquerdo também tinha uma! Afinal, este pessoal, mesmo os mais habilitados também têm os mesmos comportamentos. Não resisti e perguntei-lhe o porquê do "três de copas", são as minhas três mulheres, respondeu. Olhei para ele e, atendendo a que era ainda novo, a filha mais nova tinha sete anos, autoquestionei-me como é que iria resolver o problema se tivesse ainda mais um amor, não é que fosse difícil desenhar o "quatro de copas", mas o que é que iria fazer ao "três de copas"?

Parlamento em sinal aberto, democracia com sinal de fecho

Nota prévia: para os espíritos mais sensíveis não lerem, digo desde já que se trata de um post integralmente politicamente incorrecto.
Assunção Esteves quer o Canal Parlamento em sinal aberto. Os Deputados ficar-lhe-ão gratos, com toda a certeza. Mas, com não menos certeza, querer o Canal Parlamento em sinal aberto é enorme atentado à democracia. Pela exibição pública que irá fazer da despudorada retórica dos nossos deputados, verborreia vazia de senso, mas abundante de acusações, insultos e violência verbal. Porque é esta que vingará na memória e que apagará a palavra responsável daqueles Deputados que vêem no Parlamento uma forma de serviço à nação e aos portugueses. Quando em circulação, a má moeda expulsa sempre a boa moeda.
Diz-se que o Parlamento é o símbolo da democracia. Não o nego. Sem Parlamento não há democracia. Mas se for um Parlamento onde os deputados se respeitem, enquanto pessoas e enquanto eleitos, onde procurem os consensos necessários ao país, onde afirmem as suas convicções sem menosprezar as alheias. Onde os deputados não se insultem, dia a dia, debate a debate, minuto a minuto, onde não usem linguagem violenta e grosseira, onde não façam da mentira o seu ideal político, onde não usem da mais boçal e desavergonhada demagogia para minar credibilidades e apoucar adversários, no fim, enganar quem os elegeu. Onde se promova o mérito, se enalteça quem cria riqueza, em vez de louvar o demérito e a mediania.
Onde os Deputados fossem elites pensantes e não servos da gleba mendicantes, sempre prontos a mostrar serviço ao suserano, atropelando correligionários e adversários por qualquer pedaço de terra, um lugar em S. Bento ou numa qualquer autarquia ou serviço central ou regionalizado.
Retóricas boçais de quem se acha senhor absoluto da verdade e da razão, como se outras verdades e outras razões também não tivessem sido sufragadas é atentado à democracia diariamente praticado no Parlamento. Querer exibi-las por grosso e por inteiro é colaborar nesse atentado. Por melhores que sejam as intenções. Já bastam os excertos que as televisões nos dão.
Os bons Deputados não merecem ser enxovalhados pela sub-mediania reinante.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Comentador Doutor



Inicia, logo à tarde, as provas de doutoramento um insigne comentador do 4R. Não digo o nome, por não saber se teria a sua anuência. Mas quem quiser pode deitar-se a adivinhar. Agora que vai ser um doutoramento e peras, não tenho dúvida. Com a particularidade de o doutorando saber infinitamente mais do que o júri. Vai-lhes dar uma ensaboadela histórica.
Revele o próprio a lugar e o nome e terá lá o 4R em peso. Para aplaudir o Doutor e vaiar qualquer questão mais capciosa do júri!…
Vá a eles, caro Doutor!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Empresários e patrões...

Há quem insista em confundir patrões com empresários. Como são diferentes. Há patrões que são empresários, mas muitos patrões há que de empresários pouco ou nada têm.
Ainda o caso da Sicasal, que correu o País como um caso exemplar - não por acaso - que viu parte das suas instalações fabris destruídas por um grande incêndio, deixando 160 trabalhadores sem trabalho. Álvaro Santos Silva, o empresário patrão da empresa, garantiu que não haveria despedimentos, expressou que todos os trabalhadores eram necessários e todos deitaram mãos à obra para ajudar a empresa a levantar-se. Álvaro Santos Silva, em entrevista ao Expresso, diz: “Nos maus momentos, vem ao de cima tudo o que há de bom entre as pessoas. Os trabalhadores vivem realmente a empresa, não é só vir aqui ganhar dinheiro. Isso vale quanto? Não se consegue quantificar?"
E à pergunta da jornalista sobre o que acha o empresário das medidas que o Governo quer impor aos trabalhadores, com menos feriados e mais meia hora de trabalho, Álvaro Santos Silva responde: “Os trabalhadores não podem ser todos tratados como calões. Está provado que os portugueses estão dispostos a fazer sacrifícios. Mas querem um país decente e que lhes ofereça futuro, não um Portugal sem sentido. É esta a minha visão, até pela solidariedade que estou a sentir na pele. Nunca acredito no método que existe em Portugal de luta de patrões contra empregados". Empresários e patrões não falam a mesma linguagem, faz toda a diferença...

Uma morte anunciada



(Foto magnífica do ´Publico´)

A velha e icónica Livraria Portugal, ali, à rua do Carmo entre o Rossio e o Chiado, vai fechar. Hoje será muito provavelmente a última vez que se faz menção da sua existência. Encerra como encerraram por este país  muitas outras livrarias que marcaram durante décadas o espaço que ocuparam na Cidade. Seguir-se-à boa parte das que ainda resistem. São mortes anunciadas neste cantinho da Europa onde o consumo de bens culturais nunca foi suficiente para garantir a sustentabilidade do negócio. Há muito que se conhecia a paulatina condenação da velha livraria onde se ia para estar, vítima da incapacidade de competir com as FNAC ou com as prateleiras dos hipermercados onde os livros têm o estatuto de mercadoria e não de veículo de saber, de sentimento, de encantamento pela palavra. Sem condições para concorrer com os novos meios de fazer viajar as ideias que os avanços da tecnologia constantemente nos trazem, foi-se adiando a execução da sentença.
Em tempos que já lá vão eu próprio me deixei seduzir pela ilusão de ter uma livraria, uma dessas onde se vai para gozar o prazer do primeiro mas demorado encontro com os livros. Como acontece com todas as ilusões, chega o dia em que nos defrontamos com a realidade. Faleceu. De morte natural. Foi bom enquanto durou...como ilusão.
A velha Portugal falece agora. Ficará porventura na memória dos que ali passaram horas boas. Um cadinho de Lisboa cujo desaparecimento era uma questão de tempo, não uma consequência da crise. É assim, o tempo...

As culpas da Europa: o novo canto da sereia

Começa a gerar-se uma onda de opinião que, atribuindo todas as culpas da crise à Europa e à austeridade, faz perder de vista a causa das coisas e a esquecer as medidas estruturais de que apenas nós somos responsáveis e que é forçoso implantar. Nessa onda de opinião, que começa a ser dominante nos media, está sempre subjacente a ideia de que o antídoto para a austeridade é mais intervenção do Estado, que potenciaria o crescimento. No fundo, o que defendem, atacando a austeridade e a Europa, é mais Estado, mais impostos e mais endividamento. O que, naturalmente, no caso português, daria no fim da nossa adesão ao euro e, em geral, potenciaria a queda da própria moeda e traria nova convulsão aos mercados. Nem é bom pensar no que aconteceria se deixássemos de fazer o trabalho de casa e seguíssemos tal doutrina de “crescimento”. Seria criminoso se tal acontecesse.
Claro que para sair da crise tem que haver crescimento. Mas o crescimento em Portugal não vai depender da ajuda da Europa, nem de mais despesa pública, pelo contrário; depederá, sim, da concretização de medidas aque só a nós compete tomar, que tragam um bom ambiente à actividade económica e propiciem investimento e emprego.
O crescimento passa pela desburocratização, pela redução dos custos de contexto, por políticas estruturais viradas para a competitividade, políticas que tragam efectiva concorrência, melhorem o mercado de trabalho, dinamizando o emprego, políticas fiscais que incitem ao investimento e não o afastem, políticas energéticas que tornem a energia mais barata para particulares e empresas, mesmo que acometam os poderosos lóbis eólicos, ecológicos e ambientalistas. Uma política económica virada para a economia dos bens transaccionáveis e da exportação, em vez da política favorecedora das grandes obras públicas. Uma justiça rápida, licenciamentos rápidos, fim do “condicionamento industrial” burocrático que tolhe a nossa economia e afasta investimento.
Estas são as medidas, que são eficazes e não custam dinheiro aos contribuintes, custarão apenas muita impopularidade política. Caso nos fosse mais uma vez permitido continuar com as mesmas políticas centradas nos gastos do Estado, pelas quais novamente se propugna, nunca faríamos as reformas necessárias. E a crise seria permanente. A um nível que nem imaginamos.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Um pouco de bom senso

Com a devida vénia, um excerto do texto de Rui Fonseca, no excelente blog Aliás:

"...o PR, mesmo tendo sido obrigado a prescindir dos seus honorários como mais alto magistrado da Nação, por imposição de uma lei absurda, de retaliação aliás, já que o PR é eleito por voto directo e não por nomeação político-partidária, terá rendimentos ilíquidos de impostos de cerca de 9300 mensais; a esposa, segundo declarações do mesmo PR, noutra ocasião, terá uma reforma de 800 euros mensais. No total, terão cerca de 10 000 euros mensais para gastar? Não. Terão, quanto muito, cerca de 6000 euros, após impostos, para suportar as suas despesas.
É muito? Só por demagogia ou má fé pode ser considerado, seja por quem for, que um homem que é PR, foi primeiro-ministro, foi ministro das finanças, professor catedrático, alto quadro do Banco de Portugal, tem rendimentos invejáveis.
Mas é dessa demagogia e má fé que se alimentam, frequentemente, os media em Portugal. Ignorar essa gula carnívora de alguns jornalistas, se não é ingenuidade ou distracção que, no caso de um PR, dá no mesmo, não sei o que é..."

A diferença

O encanto da História, e sua enigmática lição, consistem no facto de, de era em era, nada mudar e, contudo, tudo ser completamente diferente.
Aldous Huxley



Corria o ano de 1975, com o Processo Revolucionário em pleno Curso. O principal accionista da empresa fugira para o Brasil, os trabalhadores das fábricas e da sede tinham declarado a auto gestão enquanto se aguardava a decisão da nacionalização. O engenheiro era o único membro da administração que se mantinha em funções, a pedido do Governo, porque não havia mais ninguém capaz de assegurar o mínimo funcionamento da empresa e a passagem de testemunho aos que viriam assumir a direcção, nomeados pelo novo dono, o Estado.
O engenheiro tinha entrado para a empresa muito novo. Estudara com uma bolsa e fora o melhor aluno do seu curso, por isso mesmo conseguira emprego na fábrica, um começo da carreira que havia de ser a sua vida inteira, subindo na hierarquia das responsabilidades sem outro apoio que não o do trabalho árduo e escrupuloso e da aceitação dos postos por esse país fora, até poder finalmente assentar arraiais em Lisboa, já os filhos mais velhos estavam a terminar o liceu.
Orgulhava-se muito da sua afirmação profissional e do modo como tinha conseguido, à custa do seu trabalho, deixar para trás a infância pobre, as intermináveis horas de estudo à luz do candeeiro de petróleo que ainda guardava em cima da cómoda do quarto, como símbolo do que tivera que vencer. Orgulhava-se também de ter sempre procurado ajudar os operários, lutar pelos seus direitos quando os sentia justos, quantos aborrecimentos isso lhe tinha causado, dizia mais tarde, com um riso amargo, chegara a ter fama de comunista nos finais dos anos 50, quando tinha a direcção de uma fábrica numa zona crítica do país, e chegou a temer pelo seu emprego quando um dia a PIDE lhe invadiu o escritório para lhe fazer perguntas sobre um contestatário.
Quando, em princípios dos anos 70, o patrão decidiu escolher um administrador de entre os directores da casa, escolheu-a a ele, e ninguém se surpreendeu com isso, eram consensuais o seu prestígio e a sua dedicação à empresa. Ele sentiu um orgulho imenso nessa recompensa de uma vida e passou a chegar a casa ainda mais tarde, ainda mais cansado, redobrando o escrúpulo que sempre pusera no seu desempenho.
Naquele dia de 1975 ia a entrar na sede da empresa para subir ao andar da administração. Atravessou sem problemas o magote de gente que desde a madrugada se aglomerava com bandeiras no passeio em frente à porta, gritando os slogans da época, muitos conheciam-no e todos sabiam também que, sem ele assinar os papéis, não receberiam os ordenados desse mês.
Mas, quando passou pelo porteiro, que há anos ocupava aquela secretária, o homem não lhe dirigiu os bons dias, antes lhe lançou um olhar de ódio e desatou a gritar:_ Eu queria era vê-lo aqui no meu lugar, a ganhar esta miséria, e eu no seu lugar, a ganhar um dinheirão! Isso sim, é que eu queria ver, eu ficava com o seu cheque e você com o meu, para ver como é!
O engenheiro parou, sentindo a agitação crescer na rua com os aplausos entre os manifestantes. Voltou-se para o porteiro e disse:
_ A diferença não é só nos cheques, a diferença é que eu podia sentar-me aí na sua cadeira e fazer o seu trabalho, enquanto o senhor não seria capaz de fazer o meu. E agora, se me dá licença, vou tratar do pagamento dos ordenados a todos os que trabalham na empresa.
Enquanto a porta do elevador se fechava ainda ouviu o porteiro gritar, enfurecido:
- Fascista!
O engenheiro atravessou o corredor, passando pelos gabinetes vazios dos outros administradores, sentou-se à secretária e trabalhou até tarde, para que os pagamentos pudessem ser feitos a tempo e a horas. Quando saíu, há muito que o porteiro tinha arrumado a cadeira e terminado o seu turno.

sábado, 21 de janeiro de 2012

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A culpa é da crise?

- no Jardim Botânico Tropical no Verão de 2011, a cor da água confunde-se com a cor da relva -

Sou visita habitual do Jardim Botânico Tropical. Fica perto do bairro onde vivo e sabe-me bem ir até lá admirar e contactar com a natureza, respirar ar puro, fazer exercício percorrendo os caminhos do jardim, há sempre mais alguma coisa para descobrir. É de facto um jardim lindíssimo, que reúne centenas de espécies vegetais, frondoso pelas árvores e arbustos tropicais que o decoram e recortado com muito bom gosto por belos lagos, caminhos e estufas artísticas, sem esquecer a variedade de patos e os imponentes pavões. Faz pena assistir à degradação dos jardins ex-líbris de Lisboa. São espaços fundamentais de bem-estar e qualidade de vida, mas constituem também património natural, histórico, cultural e turístico que se perde. Será assim tão difícil encontrar uma saída para reunir recursos que assegurem a manutenção destes jardins? Gasta-se tanto dinheiro mal gasto! A culpa é da crise?

Cautela com os optimismos, ainda que compreensíveis..

1.O Ministro das Finanças e creio que também na sua esteira o PM lançaram, ontem e hoje se não erro, a ideia de que 2012 será um ano de viragem, de que constituirá o final de uma etapa de contracção da economia e de partida para uma fase de recuperação bem como da esperada abertura dos mercados financeiros ao risco português depois de mais de 2 anos de “secagem”.
2.Compreendo perfeitamente que estes membros do Governo, dada a pressão brutal da agenda de trabalho a que se estão sujeitos bem como a extremíssima dificuldade das tarefas que tiveram e continuam a ter de enfrentar – para não falar da tremenda pressão mediática que enfrentam diariamente - procurem valorizar qualquer sinal positivo que o mercado proporcione, interpretando-o como sinal de uma mudança mais fundamental da economia...
3.No caso das declarações de optimismo do Ministro das Finanças, elas derivam do facto de o Tesouro português (IGCP) na última 4ª Feira ter conseguido colocar dívida pública de prazo superior a 6 meses, pela primeira vez desde Abril de 2011 quando o País, vítima de uma governação que esteve próxima do delírio absoluto, se viu forçado a solicitar um resgate financeiro à EU e ao FMI – concretamente dívida ao prazo de 11 meses e com bastante sucesso.
4.Não deixo de reconhecer que se tratou de um acontecimento positivo que, a confirmar-se, pode marcar uma fase de transição em que o Tesouro/IGCP terá possibilidade de se afoitar um pouco mais no recurso a operações de mercado e, quem sabe, reduzir o recurso em 2012 aos empréstimos da Troika o que lhe permitiria deixar até uma almofada estratégica para 2013...
5.Mas, infelizmente e quase em simultâneo, os juros implícitos (yields) da dívida pública portuguesa de prazos mais longos – 2 anos em diante – começaram a agravar-se e têm continuado a agravar-se atingindo hoje valores “record” da era do Euro, o que não deixa de constituir motivo de preocupação quanto à efectiva confiança dos investidores.
6. É certo que este agravamento terá explicação, que pode estar nos efeitos (i) de contágio da situação periclitante em que a Grécia se encontra - sendo que Portugal se encontra logo a seguir na “linha de fogo” - e também (ii) da revisão em baixa do “rating” da nossa dívida pública, que a atira para baixo do “investment grade”, forçando muitos institucionais a desfazer-se de dívida nacional...
7....mas também mostra que os sinais positivos como aquele que motivou a reacção dos governantes devem ser recebidos com bastante cautela e que não se pode LER neles mais do que aquilo que efectivamente são – positivos sem dúvida, mas apenas do momento, ainda não, infelizmente, conclusivos...
8.Seria bom que pudéssemos falar já de uma fase de viragem, mas parece preferível deixar esse comentário para mais tarde; esse momento chegará, por certo, mal de nós se assim não fosse, mas convirá que o cenário se clarifique um pouco mais, sendo ainda cedo para expressar certos optimismos...lá para o 3º trimestre, talvez, e se tudo correr bem...até lá há que continuar a trabalhar, com afinco...

Democracia invertida

Os parceiros sociais e o governo conseguiram subscrever um Acordo de Concertação Social. Com a excepção da Intersindical, mas isso é já procedimento rotineiro.
Pensar-se-ia que seria dada a devida ênfase ao facto de se ter chegado a um acordo, tão necessário ao país. Mas não. O que a comunicação social logo farejou foi quem o pudesse contrariar, denegrindo o esforço feito. Logo na manhã seguinte, e não perdendo tempo, a RDP não viu melhor para exercer o seu serviço público, do que desencantar quem, nos Sindicatos filiados na UGT, se opusesse ao documento assinado. Vozes acaloradas que, ultrapassando os seus filiados, falavam em nome de todos os trabalhadores e apelavam a um poderoso levantamento contestatário.
Depois, vieram as entrevistas cirúrgicas. Uma delas, com Torres Couto, há tempos imemoriais afastado das lides sindicais, e que fez prova de vida ao prever que a assinatura iria provocar o desaparecimento da UGT.
Pelo meio, e ocupando qualquer espaço livre, sindicalistas da Inter, deputados do PCP e do Bloco, independentes e o inefável Mário Soares vão aparecendo à exaustão, abafando os subscritores do Acordo, no fundo quem procura criar condições para o desenvolvimento, promover o emprego e criar riqueza.
A maioria não conta. Quem vai dando as cartas são as minorias, que criam o ambiente para contestar, uma a uma, todas as reformas necessárias. No fim, e sem precisar de eleições, mas com o suporte permanente e atento da comunicação social, são elas que marcam o caminho. A democracia do país está invertida.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A arte do possível e a pureza da ciência

A nossa vida política depara-se por vezes com estas perplexidades. Gestos sem explicação lógica, sem que se entenda o que os determina e o que se pretende obter, enfim, coisas sem sentido que parecem pura diversão para aparecerem nos jornais, fraca distinção essa. Este parece ser o caso da iniciativa de um grupo de deputados do Partido socialista que requereu a inconstitucionalidade do OE 2012, em elaborado documento jurídico que recolheu as pressurosas assinaturas do Bloco de Esquerda.
Podia tratar-se de uma “guerra” no PS, uma vez que a direcção partidária veio a terreiro confirmar as razões que tinha aduzido durante o debate e votação da lei. Mas acontece que nenhum deles parece pretender o lugar do actual líder, refugiam-se em argumentos jurídicos, em grandiloquentes declarações de princípios mas, quanto a condenarem a liderança, nem nada. Portanto, não é uma guerra interna.
Podia tratar-se de políticos muito contrariados com o rumo e grau de austeridade, com a surpresa pela violência da austeridade. Mas, se bem me lembro, esses mesmos deputados foram grandes apoiantes do governo anterior, incluindo defenderam os sucessivos Pec’s, o Pec IV também, não gritaram contra o pedido de resgate nem arrepelaram os cabelos perante a assinatura do acordo com a troika pelo Governo que apoiavam. Portanto, não se trata de discordarem das políticas que têm, forçosamente, que ser executadas. Sabiam que ia ser assim.
Podia também considerar-se que estes deputados não esperavam ter pela frente neste mandato situações de grande exigência política, como a de terem que aprovar orçamentos difíceis que tentam desesperadamente corrigir em curto tempo os desvarios que apoiaram durante largos anos. Mas integraram as listas, aceitaram os mandatos e tencionam cumpri-los. Não é, portanto, por defenderem outras soluções, não é por quererem rasgar o acordo, nem por diferentes visões estratégicas.
Não será também por terem alternativas realistas às eventuais inconstitucionalidades que agora argúem, uma vez que essas alternativas não constam dos argumentos que adiantam perante as câmaras. Portanto, não se vislumbram que medidas com efeitos semelhantes imaginam sem mácula para substituírem, em concreto, as que consideram violadoras da lei fundamental.
Talvez a explicação deste mistério seja a de se tratar de deputados que são também docentes universitários e constitucionalistas. Parece, pois, uma iniciativa ditada pela dificuldade em conciliar a arte do possível com a pureza da ciência. O dilema do País segue dentre de momentos.

Muito bem, Baião. Viva a greve infantil!

Pela hora do almoço, a RTP, serviço público, exibiu uma extensa reportagem sobre a greve às aulas das crianças de uma escola de Baião, incluindo as inevitáveis entrevistas aos pequenos líderes grevistas. Greve certamente espontânea, e que só revela a inultrapassável capacidade da RTP em prever manifestações espontâneas onde quer que se realizem. A escola não estava aquecida!...
Eu acho muito bem esta greve infantil. Se o trabalho infantil está proibido, não se pode, nem deve, trabalhar na escola. Obrigar a aprender é uma violência e vai contra os direitos da criança. Sobretudo no inverno; uma greve quer-se quente e no exterior até se está mais protegido da intempérie. Além do que falar aos microfones aquece.
Mas há uma outra razão de fundo para achar muito bem esta greve infantil. É preciso preparar o povo, desde o berço, para fazer greve. A escola tem esse dever patriótico. A miudagem do básico tem que ser habituada a contestar tudo e todos, os professores e a cantina, o peso dos livros e o formato da caneta, o frio no inverno e o calor no verão.
Têm que assimilar que a contestação e a greve são um modo de vida como os outros. E têm que aprender que há muitos que não querem outra forma de vida, para além de serem profissionais da contestação. Com as televisões sempre ao lado, importantíssimo para a garotada que quer ser gente.

Nota: Claro que falo assim, porque, há umas dezenas de anos, não havia frio nem calor na minha escola, havia ar condicionado, a temperatura era sempre de 21 graus, não nevava nunca, nem chovia, nem gelava, além de que ninguém tinha que ir para a escola a pé, a miudagem andava bem agasalhada e bem calçada. E bem alimentada, mesmo que a côdea e sardinha. Por isso é que essa gente era capaz de se abalançar a fazer exame da 3ª e da 4ª classe. Podendo reprovar. Um traumatismo para a vida para os grevistas de hoje.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Um caso à portuguesa...

Este é mais um caso à portuguesa. Uma fábrica da Companhia de Pescarias do Algarve, revela a notícia, foi inaugurada há um ano, mas ainda não está a funcionar. Falta a ligação ao ramal de esgotos.
Várias entidades oficiais que estão no circuito dos numerosos pareceres prévios à emissão da licença de utilização da fábrica dizem que não têm responsabilidades. Ninguém tem responsabilidades, ou melhor, ninguém as quer assumir, porque a culpa, à portuguesa, é sempre do vizinho. Mas há quem aponte o dedo ao Terreiro do Paço. É que falta a autorização do Ministério das Finanças, e muito provavelmente falta o dinheiro, para lançar a obra da ligação do Porto a uma ETAR que permitirá o tratamento dos esgotos.
O Porto do Olhão, zona onde está situado um pólo de indústria de pesca, não possui tratamento de esgotos, os efluentes são despejados directamente na Ria Formosa.
Entretanto, está prevista a abertura de mais uma fábrica de conservas, mas já está feito o aviso, não vai poder funcionar. As razões são as mesmas. Não há saneamento básico adequado, portanto, não há licença de utilização.
Foram feitos vários milhões de investimentos em fábricas de conversas que estão encerradas por falta de infra-estruturas básicas. Os investimentos estão parados. Não geram actividade económica, não geram emprego, não geram riqueza.
Assim se vão desbaratando recursos económicos e financeiros. Faz algum sentido? Estes casos - onde não faltam o esbanjamento de recursos, as falsas expectativas e a burocracia, a incompetência e a desresponsabilização e várias entidades públicas viradas de costas umas para as outras, assim parece – demonstram bem o muito que há para mudar. É toda uma cultura de estar e fazer que precisa de ser reformada…

Os linces da economia

Fico verdadeiramente espantado, estupefacto, perante a ciência precisa de alguns economistas, distintos investigadores e doutos professores universitários. Como aqueles economistas investigadores do Observatório da Economia e Gestão da Fraude que, observando a fraude à lupa, concluíram que a economia paralela representa 24,8% do PIB, em 2010. Não é 25%, nem 24%, que números redondos só servem para apoucar a investigação. Mas 24,8% precisos. Verdadeiramente notável o trabalho que eles não terão tido para registar uma economia “não registada”em precisamente 24,8!...
Mas não ficam por aqui. Dizem eles que o “peso da informalidade” teve um aumento absoluto de 0,6% entre 2009 e 2010. Zero, vírgula seis por cento! Rigor absoluto.
Claro que este rigor científico nunca poderia alcançado se a “informalidade” se medisse por números redondos. Mas não, a informalidade nunca é redonda, tem arestas e as décimas são essenciais para a medir.
Temos pois verdadeiros especialistas da gestão da fraude, assim se chama o Observatório. Recrutados certamente pelo olho de lince que revelam. E ainda dizem que os linces desapareceram. Não! Eles estão activíssimos. E observam-nos a todos.

Perante isto, vou-me já desarriscar da Ordem. Nem com óculos reforçados sou capaz de visão tão nítida e precisa!

A irresistível (inútil) tentação de clamar contra as agências de "rating"...

1.Acabamos de viver mais um daqueles momentos de exacerbado “patriotismo” por parte de habituais comentadores políticos da nossa praça, tendo como alvo desta vez – mais uma vez, de resto – as odiadas agências de “rating”, com especial atenção na malvadez praticada pela Standard & Poor’s que decidiu colocar o nível de “rating” da dívida pública portuguesa em “junk” – traduzido para “lixo”, no léxico doméstico.
2.Um dos mais destacados comentadores foi mesmo ao ponto de dizer “lixo não somos nós, são eles”, como se a classificação dada pela S&P tivesse alguma coisa a ver com pessoas e não com a qualidade da dívida que a República emite...
3....mas compreendo que para um republicano de excelência e crente incondicional nas virtudes axiomáticas desta República, o gesto da S&P até possa ser tomado como ofensa pessoal...
4.Desta vez nem o Governo escapou às manifestações de indignação, tendo um dos seus mais destacados membros sugerido a necessidade de uma “resposta europeia” às decisões da S&P...
5....no que entedi tratar-se quiçà de uma sugestão para mega-manifestação em Bruxelas, reunindo milhares de burocratas (eurocratas à cabeça), políticos e outras notabilidades, munidos de bandeiras e de cartazes com frases de protesto contra a malvadez imperialista, ao pior estilo “Yankee”, das agências de “rating” que atentam contra o Euro...
6. Felizmente, o Presidente da República manteve desta vez prudente silêncio, percebendo provavelmente que caberia em última análise aos mercados dar às agências de “rating” a única resposta com sentido útil.
7.E os mercados aí estão a responder, de forma inequívoca e sem perda de tempo; hoje aceitando tomar dívida pública portuguesa por um montante elevado - € 2,5 mil milhões – e a taxas bem inferiores às de anteriores leilões: € 496 milhões a 3 meses, taxa média de 4,346% (igual à de há 2 semanas, muito inferior à do último leilão de Dezembro); € 754 milhões a 6 meses, taxa média de 4,74% (anterior 5,25% em Nov/2011); € 1.250 milhões a 11 meses, taxa média de 4,986%.
8.Note-se que o IGCP já não realizava leilões de dívida por prazo superior a 6 meses desde a altura em que foi celebrado o acordo com a Troika, em Maio de 2011, o que confere especial (positivo) significado à colocação de dívida a 11 meses, a qual reflecte uma curiosa aposta dos investidores, ou seja do mercado (execrável criatura, para os nossos comentadores) na dívida portuguesa.
9.Com este resultado, adicionado ao sucesso da colocação de dívida espanhola ontem e de dívida francesa na 2ª Feira, está dada a resposta dos mercados ao anúncio da S&P, da última 6ª Feira, de baixar os “ratings” das dívidas da França e da Áustria de AAA para AA+ e de outras dívidas para “lixo”...
10....é a única resposta possível, face à considerável inutilidade das reacções dos nossos patrióticos comentadores... cujo patriotismo, suspeito, terá mais a ver com a ameaça de perda de vantagens e mordomias pessoais/grupo que esta República bendita lhes proporciona do que com a defesa da independência nacional ou da honra nacional...
11....mas tenho de admitir que essa suspeita será infundada/injusta, os ditos comentadores lá no fundo até serão grandes patriotas...

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A "lei da cópia privada", uma aberração mais...



Findava o ano de 1937 quando foi promulgado o decreto para valer como lei que recebeu o nº 28219. Estabelecia uma licença anual obrigatória, pesadamente paga pelos cidadãos que pretendessem deter "isqueiro" ou outros "acendedores". O Estado mostrava-se implacável com quem pretendia aproveitar-se dos avanços da tecnologia, e fazia pagar por essa liberdade quem se propunha empobrecer a protegida indústria do fósforo. Lembro-me da preocupação de meu avô, fumador compulsivo, em andar permanentemente acompanhado da licença do isqueiro, tão apertado era o controlo dos "fiscais das finanças" e da polícia mesmo a quem não o exbindo, era suspeito de possuir um desses objetos.
Aos olhos de hoje esta agressão fiscal - que durou até, salvo erro, 1970 -, pode parecer ridícula, própria de um País redutor da mais inocente das liberdades, que agigantava o Estado para menorizar o cidadão, um Estado pacóvio mais pacóvio do que os seus pouco instruídos subditos.
Mas eis que nesse mesmo País, em pleno século XXI e num tempo em que no discurso político se enaltece a capacidade de aproveitarmos novas tecnologias para o progresso que outros há muito alcançaram, o parlamento se lembra de fazer uma lei destinada a taxar a memória. Não a memória dos tempos em que o legislador reprimia quem possuia "isqueiros" e outros "acendedores". Mas as memórias que hoje permitem registar e guardar essas outras memórias. A memória dos computadores, os discos rígídos, os discos mltimédia, os "discos" SSD, os vulgares leitores MP3/4, os telemóveis com capacidade de armazenamento.
Por iniciativa do PS, que pelos vistos os outros partidos acompanham, está em discussão uma lei que, se aprovada, implicará o agravamento de mais de 20 € do preço do disco de 1TB onde pretendo guardar as fotos de família. Ou de mais de 50 € na aquisição de um disco multimédia onde pretendo armazenar os filmes que fiz ao longo da vida, ou outros que comprei.
Dizem que é para proteger os autores e os seus direitos e não para gerar uma receita mais para o Estado. Mas quais autores e que direitos? Os autores que, por via das novas tecnologias, viram multiplicado por mil o poder de difusão das suas obras? Aqueles que se tornam conhecidos em dias quando no tempo do vinil demoravam anos a mostrar o seu talento? Que direitos de autor (e de que concreto autor) violo eu quando adquiro uma PEN para guardar os meus documentos, as minhas fotos, as minhas crónicas para a rádio?
Está visto, continuamos no mesmo País bacoco e pacóvio onde a capacidade das máquinas não se sobrepõe nem se substitui à falta de inteligência de quem nos dirige. Este legislador, em pleno século XXI, nem percebe que de qualquer parte do mundo se encomendam hoje esses dispositivos, transportados num vulgar envelope postal. Ou será que, para além do absurdo de taxar a aquisição de novas tecnologias, pensa o parlamento determinar com força de lei que os inspetores do fisco ou os polícias voltem a abordar quem suspeitem ter cometido o crime de não pagar tributo pela memória?

Sem conserto!

Ouvi hoje que a Intersindical ficou de fora do Acordo de Concertação Social.
Supremo eufemismo de linguagem. Pois como é que uma coisa sem conserto pode concertar o que quer que seja?
E péssima utilização do português. Pois quem está fora de tudo pode alguma vez ficar de fora de alguma coisa?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Mercado baixa o rating da Standard & Poor’s

A França financiou-se hoje no mercado a um custo mais baixo, apesar de na sexta-feira a Standard & Poor’s ter cortado o “rating” da segunda economia do euro de AAA para AA+.

O meu momento oriental


O ´Publico´ de hoje noticia que o governo de Passos Coelho já nomeou mais em 7 meses do que o outro em 2,5 meses. Como já desisti de perceber os critérios jornalísticos não reclamo. O que a notícia traz de revelador é a panóplia de nomes dos nomeados que não destoariam se constituissem o plantel de uma qualquer equipa de futebol da liga nacional. Vejamos alguns exemplos. Esperancinha para a Saúde. Excelente nome para esta área. O mesmo se diga de Manso para o mesmo setor, carecido como está de tranquilidade e mansidão. Já Robalo para uma das ARS mete-me impressão. Pelo menos até se esfumar a conotação que o peixe adquiriu nos últimos tempos, de tão transacionado. Menos auspiciosa para a Segurança Social é a nomeação de um Lérias.
Nas culturas orientais crê-se que quando alguém vem a este mundo transporta consigo uma missão. O nome deve traduzi-la. Noutros aspetos da governação o Executivo já se mostrou sensível ao poder do conhecimento oriental. E por isso admito que os nomeantes tenham atendido à boa prognose de alguns dos nomes dos nomeados. Faço votos para que os bons vaticinios desta nova nomenclatura se confirmem no exercício de funções, com exceção do designado para a Segurança Social onde se espera tudo menos o que o nome indica...

sábado, 14 de janeiro de 2012

"O Poder do Nada"!

O preciosismo científico exige que em muitas experiências clínicas se utilize o placebo para avaliar a eficiência de certo produto que se pretende testar. Basicamente o placebo não tem qualquer atividade o que permite avaliar se o que está em causa, nomeadamente um fármaco, atua ou não de forma adequada. Esta prática é consensual desde há muito e faz parte dos paradigmas de investigação. Também é do conhecimento geral que o placebo constitui um dos mais eficazes fármacos ao dispor da humanidade. Por esta razão, os que estão envolvidos em experiências clínicas não podem saber se estão a tomar ou não placebo, porque se soubessem reagiriam como se nada tivesse acontecido, na medida em que um bocado de farinha ou de açúcar não pode ter o efeito esperado. Mas será que é mesmo assim? Será que uma pessoa, que saiba que está a tomar uma coisa inerte, sem efeito terapêutico, pode melhorar? Tudo aponta para que sim. Em determinadas circunstâncias, um indivíduo, que sabe que está a tomar um placebo para a sua maleita, pode melhorar inequivocamente. Estes achados têm sido abordados por especialistas na matéria e começam a por em causa muitas conclusões. Pode acontecer que as pessoas que estejam a usar placebo, versus outras que não tomem nada, e que saibam o que se está a passar, apresentem resultados positivos. Estes factos vão obrigar a reavaliar um dos paradigmas da investigação clínica. Graças à ação terapêutica de um produto inerte surgiu uma nova terminologia, "O Poder do Nada" (The Power of Nothing), título de um interessantíssimo artigo publicado no passado mês de dezembro na prestigiada revista NewYorker.
Estes achados, que vêm a reforçar o papel cada vez mais importante do placebo, conheça-se ou não a sua existência, poderão abrir a porta a muitos dos nossos concidadãos que se veem à nora com a falta de dinheiro e, muitas vezes, impossibilitados de aceder a medicamentos e aos serviços de saúde. Não tarda que algum eminente responsável da saúde venha a propor o uso de placebos, porque, atendendo ao valor comercial da farinha, do leite (que até conseguem com que seja vendido a preço inferior ao custo no produtor) ou de qualquer outro produto similar, ficaria muito mais económico, resolvendo a faturação dos fármacos. Se viesse alguém a dizer, mas isso não atua, não tem qualquer efeito na doença, ainda teriam como argumento, qual quê, atua pois, está devidamente comprovado que os que sabem que estão a tomar placebos também melhoram. Vá, vamos a isso, a partir de agora só se deve tomar placebos, não se pode usar os genéricos, e, como são mais do que económicos, não vão ser comparticipados.
O "Poder do Nada" já está instalado entre nós há muito tempo, não no campo da saúde, mas nos campos da política e da economia, onde ilustres "terapeutas" propõem dia sim dia sim as melhores soluções para este pobre país. Verdadeiros placebos. Nós, os imbecis de uma sociedade, que se pauta mais pela iniquidade do que pela solidariedade (esta ocorre só em casos de "epidemias"), enfiamos por tudo o que é sítio os tratamentos propostos, que não são mais do que placebos, e, apesar de começarmos a conhecer que são placebos, ainda acreditamos no seu efeito! Uma ingenuidade que se vai perpetuar, permitindo que muitos dos "terapeutas" consigam obter lucros muito interessantes, "lucros" na sua aceção mais ampla. Sendo assim, não fico muito admirado pelos achados dos cientistas sobre o papel ativo do placebo nas investigações clínicas.
O cérebro humano é um mistério, sem dúvida, e muito esquisito, também!

O cronómetro da mudança...

Aqui podemos acompanhar as dívidas dos países em tempo real. É um gráfico interessante. No fundo, mostra a evidência de que as economias prósperas, com elevados PIBs per capita e equilíbrio das finanças públicas e da balança externa correspondem a países com vastos territórios e densidade populacional relativamente baixa. No mesmo registo, apesar da péssima gestão interna de recursos e das insuficiências institucionais, temos os países petrolíferos ou com uma imensidão de matérias-primas.
A China e a Índia com os seus modelos de economia low cost em crescente internacionalização estão em vias de obrigar os países ocidentais a um retrocesso civilizacional.
Depois, temos os países industrializados do Ocidente que se deixaram desindustrializar e que se adoptarem todos simultaneamente políticas de combate aos défices poderão conduzir a uma depressão à escala mundial.
Restam os maus alunos, como Portugal, que há muito perderam toda a capacidade de influenciar o que quer que seja e onde a soberania real é mínima desde há algum tempo, constituindo hoje mais territórios do que Estados - o que se aplica, aliás, à larga maioria de médios e pequenos países desprovidos de matérias-primas significativas.
A mitigação da tragédia anunciada apenas se poderá fazer com doses significativas de disciplina colectiva, coesão social, melhoria da formação e sobretudo com alterações nas formas de pensar das pessoas. Há que produzir mais bens e serviços que tenham crescente procura no mercado internacional.
Mas poderão e terão os nossos empresários (todos nós) capacidade para responder de facto a este desafio? E os trabalhadores vontade de aumentar a sua produtividade? Haverá inteligência e bom senso para isso?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

As nomeações e os seus riscos políticos...

1.Estamos a assistir à curiosa e habitual novela das nomeações de influência política para cargos em órgãos sociais de empresas, de que são exemplos mais marcantes - e mediaticamente mais explorados – as nomeações para o C. Geral da EDP e para o C. Administração das Águas de Portugal.
2.A agitação é muito grande e mesmo figuras públicas da área do Governo, como é o caso do Dr. Marques Mendes, discordam abertamente de algumas das escolhas feitas.
3.Trata-se de um problema que não é novo, que de resto se repete ciclicamente com a chegada de um novo Governo de cor política diferente do cessante.
4.Há sempre um enorme “exército de reserva” nos partidos chegados ao poder, e na sua órbita de influência - a famosa “clientela partidária” – constituído por elementos desejosos (alguns famintos, mesmo) de se apoderarem dos despojos que a vitória política lhes pode proporcionar, que são os lugares de nomeação política na administração pública (segurança social e saúde, por exemplo) e nos órgãos sociais de empresas públicas ou de outras para os quais o Estado tem o direito ou poder de nomear membros.
5.Essa gente é mais ou menos conhecida, ou pertence aos aparelhos partidários ou aparece normalmente a frequentar as reuniões partidárias, ainda em tempos de oposição, quando o “cheiro a poder” começa a ganhar intensidade...
6.Só que, desta vez, o ambiente de intensa crise em que o País se encontra mergulhado torna este exercício muito mais visível e delicado, alvo fácil de crítica e destruidor de CAPITAL POLÍTICO, por isso parece recomendável que o Governo adopte especiais cautelas nesta matéria...tem-se a noção generalizada de que se está a “rapar o fundo do tacho” e isso socialmente é muito censurável ...
7.Com efeito, a nomeação de pessoas com carreira essencialmente política para cargos empresariais, com a simultânea divulgação das condições de remuneração desses cargos, em alguns casos principescas, um momento de tão grave crise em que são exigidos sacrifícios muito significativas a uma boa parte da população, arrisca-se a derreter, rapidamente, o CAPITAL POLÍTICO de que o Governo tanto carece para prosseguir a ciclópica tarefa de corrigir os desequilíbrios da economia e das finanças públicas...
8. ...e não é preciso ser um génio para perceber que com esse CAPITAL POLÍTICO derretido ou em rápido derretimento, o risco de os objectivos fundamentais do Programa de Assistência Económica e Financeira virem a derrapar pode tornar-se incontrolável...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

"Stayin' Alive"

Não tenho hábito de andar a ler bisbilhotices, histórias mundanas, vidas de artistas ou de outras figuras ditas públicas, mas, atendendo à prolixidade com que são produzidas, é difícil não tropeçar nas ditas. Até nas áreas cientifica e ética são por vezes objeto de atenção para debater assuntos muito importantes. Foi o que me aconteceu com a notícia de Robin Gibs que sofre de um cancro do fígado. O membro da banda Bee Gees adoeceu gravemente e foi sujeito a terapêutica adequada, quimioterapia, porque provavelmente estaria numa fase complicada que impediu outras técnicas, nomeadamente cirurgia e transplantação. Agora, face à situação que parece ser complicada, sujeitou-se a "naturapatia oncológica", através de uma boa nutrição e sessões de desintoxicação de forma a eliminar as toxinas e a permitir que organismo se cure a si próprio.
É óbvio que o desespero pode levar qualquer um a socorrer de práticas ultra duvidosas e nada condicentes com as evidências cientificas, pelo que a escolha de Gibs e da sua mulher, que parece que é uma sacerdotisa druida, não deverá ser criticada, o que não impede que se possa fazer algumas considerações sobre certas pessoas que se auto intitulam como praticantes de medicinas alternativas e que se alimentam como sanguessugas, como vampiros do desespero humano, levando-lhes o coiro e o cabelo o mais rapidamente possível enquanto a morte anunciada não faça a sua entrada fulminante.
O desplante e a falta de pudor levam mesmo os praticantes a afirmar, em caso de insucesso, que não puderam fazer grande coisa porque os "químicos" destruíram as defesas do organismo, ou seja, a responsabilidade passa a ser sempre da medicina, evitando a penalização das trafulhices de uma fauna repugnante.
Estes tipos de comportamentos deveriam ser denunciados ad nauseam.
Ao longo da vida tive oportunidade de ver muitos casos de actuação que classifico como criminosos. Doentes fragilizados física e psicologicamente foram e são alvos de abutres ávidos de ganhos fáceis. Não culpo os doentes ou os seus familiares que, em momentos de desespero, querem acreditar em tudo a fim de fugir à morte e ao sofrimento atroz, mas repugna-me os "outros", os vigaristas que se aproveitam da situação. Este fenómeno, real na área da saúde, tem, também, o seu equivalente na área social. Em tempos de miséria, de insuficiência de valores e de princípios, de desigualdades socioeconómicas verdadeiramente obscenas e incompreensíveis num estado democrático, que vendeu ilusões atrás de ilusões, é de esperar o aparecimento de grupos de oportunistas que quererão sacar aos mais carenciados o pouco que ainda possuem, empobrecendo-os a uma escala difícil de entender. Entretanto, vamos assistindo à promoção de "sempre os mesmos" como se vivêssemos no país mais rico do mundo, capaz de por a salivar de inveja o D. Manuel I ou o D. João V. E nós, os papalvos, deprimidos, ansiosos, que é que poderemos fazer? "Stayin' Alive"!

Vinho tinto!

Mais um cientista apanhado em contramão por ter manipulado dados. Desta feita tem a ver com o vinho tinto e o resveratrol, uma substância que faz bem ao coração, ao colesterol, às artérias, à cabeça, previne o cancro e sei lá o que mais.
Agora há menos uma desculpa para beber um tintito, como se houvesse necessidade de desculpas, mas é bom ter em consideração o que anda por aí. E se fosse só com o tinto...

A influência deve ser igualitária?

É verdade que alguns factos relevantes se esfumam quando os media passam a dedicar a sua atenção ao espetáculo seguinte. Vivem do ritmo dos acontecimentos, e aos primeiros sinais de esvanecimento do seu impacto espetacular, deixam de prender a atenção do consumidor de publicidade e desaparecem da tabela. Ao toque de caixa do que os órgãos de comunicação social levam para a agenda do dia, abdicamos nós de travar debates importantes para a melhoria da nossa vivência coletiva, e damo-nos por satisfeitos com as análises superficiais dos tudólogos habituais.
Por vezes, porém, o assunto desperta algo adormecido e traz à consciência um assunto versado numa aula, num debate, numa tertúlia, um texto lido em tempos. A interrogação que constitui título deste post é de Ronald Dworkin, feita a propósito da reflexão sobre as instituições democráticas, em especial dos EUA (A Virtude Soberana - A teoria e a prática da igualdade, trad. port., ed. Martins Forte, S.Paulo, 2005). Recuperei o que o famoso catedrático de Direito e de Filosofia escreve em resposta à pergunta que ele próprio coloca e aqui a partilho com aqueles que levam a sua preocupação cívica para lá da espuma dos dias:
  • "A sociedade  igualitária também aprecia a finalidade agencial para a atividade política: que os cidadãos devem ter o maior espaço possível para estender à política a sua experiência moral e de vida. Contudo, as pessoas que aceitam a igualdade de influência como uma restrição política não podem tratar a sua própria vida política como agência moral, pois essa restrição corrompe a premissa suprema da convicção moral: que só a verdade importa. As campanhas políticas sob limites de influência auto-impostos não seriam uma agência moral, mas apenas um inútil minueto de deferências" (p. 273).

Os erros do Estado...

Como é que o Estado comete estes erros? Notificados 117 mil para devolverem 570 milhões de euros de prestações pagas indevidamente. Os pagamentos indevidos remontam a 2004. É paradigmático que a Segurança Social pague a quem não tem direito às prestações sociais e que leve anos para concluir que fez pagamentos indevidos e outros tantos anos para actuar junto dos falsos beneficiários para que regularizem as dívidas.

É este estado de coisas que tem de mudar. Este caso, que agora veio a público, mostra bem a "roda livre" em que anda a gestão dos dinheiros públicos e a mentalidade instalada junto de muitas populações que vale a pena enganar o Estado, nem é preciso fazer muito, não há controlo e os esquemas e truques da pobreza impressionam no momento de despachar a concessão de um subsídio social.

Tem muita razão Marco António Costa, o Secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social: "Nós consideramos que cada euro que fica por entregar a quem precisa dele e portanto, no plano social, a justiça social passa por entregar a quem efectivamente precisa e por reaver de quem recebeu indevidamente".

Mas é necessário ser consequente, reavendo, sim, o que indevidamente foi pago, mas corrigindo os erros na origem. É aqui que são necessárias reformas, no modo de actuação e no funcionamento e organização dos serviços. Mais legislação, tenho dúvidas. Um Estado que não zela pelos dinheiros públicos perde autoridade e presta um péssimo serviço ao país. A Segurança Social não é excepção, com a agravante da ineficácia das políticas de protecção social - geradora de injustiça e iniquidade sociais - e do incentivo a comportamentos fraudulentos. São custos insustentáveis, que pesam no bolso dos contribuintes e em nada ajudam no esforço de repor a sanidade ética e moral perdida.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Euro mais fraco? Pois que seja bem-vindo!

1. Estamos a assistir a um movimento de progressivo enfraquecimento do Euro, que nos últimos meses tem registado perdas em relação às demais divisas, mais visivelmente em relação ao USD.
2.Concretamente, desde um pico em Maio último, o Euro perdeu em relação ao USD 14% e 8% em relação às divisas dos principais parceiros comerciais, em média ponderada pelo valor das trocas comerciais (“trade weighted basis”).
3.Empiricamente, admite-se que uma desvalorização de 10% em “trade weighted basis” propicie um ganho de 1% no PIB da zona Euro...caso essa desvalorização seja duradoura, claro está.
4. As notícias mais recentes sugerem que o Euro tem vindo a ser utilizado para as conhecidas operações de "carry-trade", nas quais os operadores se endividam numa moeda considerada em tendencial desvalorização e com taxa de juro mais baixa, para a seguir aplicarem os fundos em activos expressos em moedas com potencial de valorização e vencendo taxas de juro mais elevadas (dólar australiano, por exemplo).
5.Supostamente, os famosos “hedge-funds” terão vindo nas últimas semanas a intensificar esse tipo de transacções, as quais pressionam o Euro para a baixa, e, com o Euro a baixar aumenta o incentivo para que mais operações dessas se efectuem...
6.Direi que estamos perante boas notícias neste início de 2012, que poderão contrariar os cenários mais pessimistas que para aí se vão desenhando em relação ao desempenho das economias do Euro no novo ano...
7.Paradoxalmente, estas boas notícias são “filhas” de más notícias, pois esta fragilidade do Euro decorre em grande medida da especulação que tem sido feita em torno da crise da dívida soberana e do próprio risco de desintegração da zona Euro...
8.Considerando a lista dos nossos principais 10 parceiros comerciais, que representam mais de 75% das nossas exportações, verificamos que existem quatro que não pertencem à zona Euro – Angola (4º), Reino Unido (5º), EUA (8º) e Brasil (10º) – para os quais se dirigiram 15,3% das nossas exportações no período de Janeiro até Novembro do corrente ano.
9.Temos aí um ganho directo significativo, embora não possamos ignorar que uma boa parte das nossas importações de matérias-primas minerais são expressas em USD...
10.Tudo ponderado, a fraqueza do Euro é uma boa notícia, em tempo de vacas tão magras de boas notícias...façamos votos para que os "carry-traders", sobretudo os temíveis especuladores dos Hedge-Funds, prossigam essa acção de bem-fazer e levem o Euro, se possível, até à paridade com o USD...

A importância do grau

A revelação da existência de um elevado número de “irmãos” no Parlamento e, sobretudo, de que os líderes parlamentares dos três maiores partidos são “irmãos” põe-nos uma nova dificuldade para entender e devidamente enquadrar o discurso parlamentar. É que os "irmãos" não são todos iguais, têm "obediências" próprias e hierarquias bem definidas. De modo que, antes de qualquer discurso na Assembleia, cada Deputado deveria logo declarar a sua obediência maçónica, se à Maçonaria Antiga Tradicional e Legítima, se ao Rito Escocês Antigo e Aceito ou qualquer outro e, acima de tudo, o seu grau hierárquico. É que ouvir um general não é ouvir um capitão: a palavra final é sempre a do general.
Ouvir um mero “aprendiz” é diferente de ouvir um “companheiro” e, sobretudo, ouvir um “mestre” é diferente de ouvir qualquer dos dois primeiros. O conhecimento, a autoridade, a sabedoria são muito diferentes. Como não sabemos quem é “mestre” ou “aprendiz”, vemo-nos agora completamente incapazes de enquadrar o verdadeiro significado das palavras proferidas. Mas a dificuldade vai mais além. É que, havendo na hierarquia 30 categorias de mestres, certamente que um Secretário Íntimo tem uma autoridade e um saber diferente de um mero Mestre e um Cavaleiro do Sol tem certamente um discurso mais sólido do que um Cavaleiro da Serpente de Bronze.
A questão revela ainda maior acuidade quanto aos três líderes parlamentares. Pois se um tiver o grau máximo 33 de Soberano Grande Inspector-Geral, outro o grau 31 de Inspector Inquisidor Comendador e o terceiro apenas o grau 26 de Escocês Trinitário, certamente que palavra mais sábia e autorizada é a do líder com grau 33.
De modo que o melhor é deixarmo-nos de partidos. As votações no Parlamento deverão seguir a dos “irmãos” com grau mais elevado. Cumprindo a “obediência”, seremos todos irmãos. E assim aperfeiçoados, haverá finalmente harmonia entre os homens. Basta seguir o grau!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Caminhos indignos...

Chama-se desumanidade. Todos nos devíamos interrogar se é isto que queremos. Aqui mesmo ao nosso lado. São pais que em desespero renunciam às suas crianças por não terem dinheiro para lhes dar um prato de sopa e uma cama onde dormirem. Não são os maus tratos e a negligência, agora é a pobreza extrema que impõe a separação de pais e filhos. Só pode ser grande o sofrimento. Para ambos. As crianças que não compreendem porque são abandonadas, que se vêem privadas dos afectos mais importantes da sua existência, do calor do colo dos pais. A tragédia é que estes pais podem ser aqueles que amam verdadeiramente os seus filhos. Não deixa de ser irónico que a mesma sociedade que trata dos filhos dos pais abandonados seja a mesma que não trata dos pais para que estes não abandonem os filhos. Não é apenas uma tragédia grega. Assim vai a Europa dos direitos humanos, da liberdade e da democracia...

Será possível?

Vou contar tal e qual me contaram, garantiram-me que o episódio é um caso real e actual, insisti e confirmaram. Aqui fica, pois.
Uma pessoa que vive algures no centro do País andava com umas indisposições insistentes e decidiu consultar um médico, que o aconselhou a fazer uma colonoscopia para despistar uma suspeita. O exame foi feito com urgência numa clínica privada, sem comparticipação, e demonstrou haver um polipo já com algum grau de desenvolvimento, a aconselhar uma cirurgia sem demoras. Foi então ao hospital da zona, viram o exame, confirmaram o diagnóstico e a necessidade de intervenção, podiam marcar a operação para os próximos dias mas era preciso que a pessoa fosse primeiro ao respectivo centro de saúde, onde o encaminhariam então para o hospital. Assim fez, obteve a consulta em poucos dias, viram o exame, confirmaram o diagnóstico mas havia um problema, o exame médico tinha sido feito numa clínica privada e não servia para fundamentar o envio para o hospital. Era preciso fazer outro igual, desta vez através do centro de saúde, mas infelizmente só havia vaga para daí a quatro meses, sim, era urgente, claro, era igual, claro, não havia razões para duvidar, mas é a regra e acabou-se. A pessoa viu-se assim devolvida à estaca zero, com o exame na mão, a preocupação acrescida e uma longa e arriscada demora à sua frente. Aparentemente, esta é a regra, a saúde pública faz muita questão de pagar os exames ela própria, de fazer o doente sofrer novo exame, por muito invasivo que seja, e de aumentar a lista de espera, tudo a saldar-se em prejuízo, sofrimento e perda de tempo, incluindo dias de trabalho, para não falar no provável agravamento da doença. Será possível que a saúde tenha mundos incomunicáveis, em prejuízo de todos, ou será mais um erro de zelo interpretativo, desperto para a regra e cego para os resultados?