terça-feira, 30 de abril de 2013

Complexo problema do crédito bancário às PME's...como resolver?

1. Os comentários dos generalistas e especialistas de assuntos financeiros, nos últimos tempos, têm sido dominados pelo chamado problema da fragmentação (ou “balcanização”, mais bonito) do sector bancário na zona Euro, caracterizada, sobretudo, pela existência de condições muito diferentes para a concessão de crédito em função do país em que tiver lugar.
2. Este problema, que é na sua base um problema de confiança (ou de falta dela, para ser mais exacto), aflige sobretudo as PME’s residentes nos países do sul da Europa, que se debatem com uma enorme dificuldade no acesso ao crédito bancário e, quando conseguem acesso, são obrigadas a pagar taxas de juro muito superiores às que são pagas pelas suas congéneres de países menos (ou nada) afectados pela crise financeira.
3. No caso português, em que as PME’s contribuem com mais de 2/3 do valor acrescentado bruto da economia e são responsáveis por cerca de 90% do emprego, esta dificuldade de financiamento tem contribuído para a contracção da actividade económica (recessão, na linguagem crescimentista) e, em especial, para a elevadíssima taxa de desemprego actual.
4. Não é bem verdade, na minha opinião, que o crédito às PME’s tem caído porque não há procura de crédito como alguns banqueiros, fundados não sei em quê, tem vindo a afirmar...
5. ...não existirá procura de crédito com a qualidade que eles desejariam e aos preços que praticam, isso com certeza; mas há muitas empresas que têm imensa dificuldade em aceder ao crédito; muitas outras já nem tentam porque sabem que não vale a pena; e outras ainda retraem-se, tentam recorrer por exemplo ao crédito de fornecedores, dado o elevadíssimo custo do crédito bancário (com spreads sobre a Euribor superiores a 7 ou 8%, por vezes bastante superiores, compreende-se essa relutância)...
6. Este problema não tem solução fácil porque, como disse acima, tem na sua base (i) uma altíssima desconfiança dos bancos em relação ao risco de crédito das PME’s, depois de nestes últimos 3 anos terem sido atingidos por uma verdadeiro vendaval de crédito mal parado que lhes impôs enormes perdas em imparidades e constituição de provisões...
7. ...e ainda (ii) uma extrema dificuldade em avaliar o risco de crédito com os instrumentos convencionais de análise que têm por base as demonstrações financeiras das empresas, mesmo auditadas, pois as situações de aperto financeiro duma empresa podem surgir de todo o lado, mesmo quando a conclusão da análise de risco é positiva (clientes que deixam de lhe pagar quando menos se espera, um banco que subitamente resolve cortar o crédito porque deixa de acreditar na empresa, um fornecedor mais impaciente que resolve inesperadamente desencadear uma execução e consegue penhorar contas bancárias, a total insensibilidade da máquina fiscal aos problemas financeiros das empresas, etc, etc)...
8. A isto se chama, na gíria, “aversão ao risco”...os bancos padecem hoje de uma forte “aversão ao risco” – em impressionante contraste com a quase libertinagem na concessão de crédito que praticaram durante os longos anos de TRIPA-FORRA, em especial na sequência da adesão ao Euro - aversão da qual não se vão libertar tão cedo...
9. A ultrapassagem deste problema exige tempo, dois ou três anos provavelmente, até que a situação financeira das empresas PME's estabilize, o que deverá requerer que a própria economia estabilize e inicie uma fase de retoma. Haverá uma “lag” de 1 a 2 anos entre o início da retoma e a estabilização financeira das empresas. Antes disso, esta ideia que por aí anda a pairar de facilitar o crédito às empresas, muito cara aos indefectívies Crescimentistas, pode não passar de “wishful thinking”.

Bronze...



A memória é despertada de quando em vez de forma inesperada, provocando o acender de emoções e o despertar de lembranças, a ponto de obrigar a inesperadas viagens no tempo, fazendo inveja às águas de um rio, que, ao fim de algum tempo, certas da morte e do esquecimento nos majestosos mares, desejam ardentemente subir por onde descem. Não conseguem. O homem consegue, a sua vida é uma corrente capaz de regressar às origens ao tropeçar em qualquer meandro do seu percurso, contrariando a afirmação de que a mesma água não corre duas vezes debaixo da mesma ponte. O homem consegue criar pontes para que as águas corram muitas vezes debaixo delas, tantas quanto o acaso permitir. O acaso existe. O acaso obriga a procurá-lo sem dar a entender que existe. Exige silenciosamente a presença, uma necessidade que alimenta a memória que pretende manter viva. Sem essa necessidade, sem o invisível acaso, não há memória, não há vida, não há passado, não há futuro, não há nada.
O bronze, com aspeto de que quer envelhecer, redobrando a dignidade da figura em causa, encimava a coluna de mármore rosa que ostentava outro rosto, esculpido na essência da pedra, a força masculina e a doçura feminina do casal. Duas imagens, uma em três dimensões, a outra em duas, mas cujo somatório despertou a quarta, a do tempo, a da viagem ao passado, trazendo-o até ao presente. O bronze e o mármore, inesperadamente, estremeceram, provocando uma cascata de emoções e uma explosão de sentimentos. Uma onda de amor, capaz de afogar uma pessoa, aqueceu o coração de quem teve um passado comum. As almas presas ao bronze e ao belo mármore rosa explodiram numa alegria silenciosa. O desejo de duas almas querendo regressar à vida confundiu-se com a viagem de outra alma ao passado. 
É simples viajar no tempo, bastar deixar as almas livres como as águas de um rio, o rio da vida e o rio da morte...

(O Algarve também pode ser fonte de inspiração, de memórias, de encanto, o "Outro Algarve"...)

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Cuidado com as comparações

O Le Point do dia 25 de Abril tem logo na capa uma chamada de atenção para o artigo principal: “Serão os franceses preguiçosos?” e, lá dentro, uma vasta prosa sobre o número de horas de trabalho comparado com o de “outros” países muito mais dinâmicos, pelo menos a avaliar pelo PIB. Bem, pensei eu, chegou  a vez dos franceses, está visto que estão em dificuldades e que também cometeram o pecado da preguiça, tão mal vista nos mercados das avaliações da crise.O que é curioso é que a forma como na revista se avalia esta “carga” de trabalho e a consequente produtividade é pelo número de horas comparadas, tal e qual se media nas fábricas no trabalho de produção em série, como se o trabalho fosse todo igual ao que era, dominantemente, há várias décadas, e a tão gabada sociedade do conhecimento não contasse para nada. Isto para não falar no crescente número de desempregados, que serão muitos mais se olharmos apenas a produtividade pelo lado do número de horas de trabalho prestado pelos que já tinham emprego. Um dos quadros que “ilustra” os que trabalham mais horas e os que trabalham menos horas temos, de um lado, os que trabalham na hotelaria e restauração,e, do lado dos que “produzem” menos, temos os os agentes de educação. Podemos, portanto, ver com toda a clareza que a produtividade/hora de um professor é comparável à produtividade/hora de um empregado de restaurante e, quem sabe, o respetivo contributo para o PIB em cada ano de trabalho.
Houve há dias uma trágica derrocada de um prédio no Bangladesh no qual, segundo as notícias, trabalhavam mais de 2000 pessoas, incluindo em duas fábricas de têxteis, formecedoras de algumas das marcas mais caras do mundo. Não sei qual era a produtividade destes operários fabris, mas devia ser largamente compensadora para as tais marcas, que os contratavam indirectamente e para nós, consumidores, que não olhamos as etiquetas do made in, mas de certeza os horários de trabalho eram bem menos folgados que o dos preguiçosos ocidentais… Cuidado com as “comparações”!

Crescimentistas receiam mesmo que a economia cresça? Hum...

1. Parece um contra-senso dizer que os Crescimentistas receiam que a economia cresça, mas na verdade não será bem assim: como bem sabemos, na análise dos Crescimentistas, o crescimento só será viável enquanto fruto das suas mágicas e salvíficas receitas, do lançamento de dinheiro para cima dos problemas, a esmo...qualquer outra forma de crescimento é suspeita, falsa, ou não será mesmo possível.
2. Se a economia entretanto iniciar uma fase de retoma, sem ter a felicidade de experimentar as mágicas soluções dos Crescimentistas, não deixará de ser um enorme embaraço para estas simpáticas individualidades...
3. ...pois uma coisa, relativamente simples, é criticarem violentamente a Austeridade (que curiosamente geraram, embora com o pseudónimo de Consolidação Orçamental) enquanto a economia contrai, e outra coisa, bem mais ingrata, será criticar a Austeridade se, no decurso da mesma e contrariando toda a sua lógica, a economia retomar o crescimento...se assim for, o que acontecerá às suas promessas salvíficas?
4. Ora bem: a enorme ansiedade, sofreguidão mesmo, que os Crescimentistas, nos últimos dias reunidos em amplo e esplendoroso Congresso, evidenciaram em relação a novas eleições - na sequência da incontida fúria com que receberam a comunicação do PR na sessão solene de celebração do 25/IV, a qual mostrou indisponibilidade para atender ao pedido de interrupção da legislatura – “leva água no bico” como se costuma dizer...
5. Tenho a percepção de que os Crescimentistas estão ficando progressivamente mais aterrorizados com a perspectiva de a economia vir mesmo a recuperar a breve prazo, mostrando ser possível o que a pés juntos e aos “berros” negam terminantemente – ou seja que da chamada política de Austeridade (ex-Consolidação Orçamental) possa alguma vez resultar crescimento económico...
6. ...mas isso, por estranho que pareça, pode mesmo vir a acontecer num prazo de poucos meses, o que, caso se confirme, será susceptível de desencadear uma tragédia, nem é difícil antever...
7. Torna-se por isso muito recomendável, para ultrapassar este estado de alma em que, compreensivelmente, a ansiedade e a indignação enchem os corações dos Crescimentistas, encontrar uma estratégia alternativa...
8. O tão algodoado consenso, que o PR não se cansa de proclamar, pode muito bem ser uma porta de saída, pelo menos oferece aos Crescimentistas a hipótese de reclamar créditos no eventual crescimento, ainda que a contragosto...

O outro Algarve...


Domingo. Excecionalmente um dia de trabalho, trabalho diferente, mas nem por isso deixou de ser trabalho. Fiz o que me competia, moderei, interpelei, sintetizei e saímos da sala convictos de que é possível mudar as coisas. Claro que é possível, só que leva tempo, tempo de mais, havendo necessidade de continuar neste intercâmbio entre a ciência e a política. Desta feita convidaram deputados e representantes de associações de doentes para fazerem parte da mesa-redonda. Ainda bem, há muito que ando a dizer que só assim a ciência e os conhecimentos podem atingir quem tem vocação e capacidade para decidir. 
Como ganhei o dia, dei-me ao "luxo" de tirar a tarde para mim. Almocei e dei uma pequena volta sempre empurrado por um vento furioso. As ruas, limpas, eram salpicadas, de quando em vez, por turistas excitados pelo sol e alheios ao desconforto do vento. Há gostos para tudo. Junto a uma montra, um tabuleiro com anéis e colares artesanais quase que escondiam uma dezena de pequenos óleos, representando quadros das paisagens urbana e rural algarvias. Senti alguém a aproximar-se, discretamente, como que a querer esclarecer qualquer coisa, mas sem se intrometer. Deveria ter pouco mais de quarenta anos, seco de carnes, olhar brilhante, oferecendo um discreto sorriso em que imperava algo semelhante a humildade. Fiz de conta que me ia afastar para ver outras coisas na montra, mas, logo de seguida, voltei a minha atenção para os quadros. O senhor apercebeu-se do meu interesse, e, muito respeitosamente, numa voz baixa a fugir para a timidez, disse: - Foi eu que os fiz. - Sim? São interessantes. Vê-se que é um autodidata. - Sim, sou. Como viu o meu olhar a focar incessantemente um deles, adiantou: - É a torre do Arco da Vila de Faro. - Ah, bem me parecia. Lembro-me de a ter visto há anos. O que me chamou a atenção foi a cegonha. Riu-se. Na parte inferior do quadro estava o seu nome, Amilio M. - O senhor chama-se Amilio? Era a primeira vez que lia este nome. - Não senhor, não me chamo Amilio. Pensei que o seu pai se tinha enganado e trocado o nome. Naquelas alturas os erros de registo eram comuns, por vários motivos, entre os quais a hora dos mesmos e a dose de tinto que alguns funcionários já tinham emborcado. - Não senhor, o meu nome é Humberto. - Humberto? Então porque é que escreve Amilio? - Olhe eu não consigo escrever o meu nome nos quadros, não sei porquê, mas não consigo. Já tentei, mas não consigo. Optei por Amilio, um nome artístico. - E porquê Amilio? Olhei para a sua face e vi algum incómodo ou indecisão perante a minha pergunta. Com um sorriso humilde disse em voz baixa: - Coisas complicadas, histórias, histórias. Estive em França muitos anos. Como vi algum desconforto, não insisti e mudei de assunto. - O senhor de onde é? Sou algarvio, de Moncarapacho. - Mon...quê? - Moncarapacho. Um aldeia entre Loulé e Faro. - Ah, então o M. é de Moncarapacho? - Sim! Confessou  um pouco surpreendido por ter descoberto o significado da sigla da assinatura.
- Olhe meu caro, vou levá-lo. Foi então que vi a estupefacção misturada com manifesta alegria. Olhei mais uma vez para o quadro com a torre e a cegonha e meti-me no carro. Rumei até Faro. Ao chegar ao Arco da Vila, vi que a cegonha estava lá, a mesma que devo ter visto há uns anos. Dei uma volta e visitei o museu de Faro. O senhor recusou-me o pagamento, porque faltava meia-hora para fechar, mas tranquilizou-me, esteja à vontade. Vi um belo convento e apreciei obras de uma beleza extraordinária. As funcionárias abriram algumas salas, que já estavam fechadas, com uma simpatia difícil de descrever. O domingo quis mostrar-me outras gentes e outras almas. Acabei por ver e sentir humildade, arte, delicadeza e encantadores sorrisos. Um perfeito contraste com o Algarve da véspera. 
Não podia deixar de o descrever. Seria uma perfeita injustiça...

domingo, 28 de abril de 2013

Uvas de prata...

À tarde fomos até à cidade velha. O calor seco apertava connosco e até o camelo, de joelhos dobrados junto à porta de Jaffa, com um olhar muito triste, deveria estar arrependido de ter nascido sob aquela condição. Convidaram-me a levar um saco de plástico repleto de suculentas e túrgidas uvas, as quais prometiam matar a sede e a alimentar o esforço dos músculos. Assim foi. Sempre que o corpo exigia um pequeno reparo bastava brincar com o suco libertado em pequenas explosões dentro da boca. A doce frescura tranquilizava-me rapidamente com um prazer único, desafiando o calor da cidade das três religiões. Estranhas sensações iam-me invadido à medida que auscultava a salada religiosa traduzida no vestir, no olhar, no comer e no orar. Passei por fronteiras religiosas dentro de um estado soberano, o que me constrangeu sobremaneira. A ortodoxia de marrar com a cabeça num muro cheio de mensagens para um deus faccioso, contrastava com a limpeza e o silêncio da mesquita dourada em que não há roubos, apesar dos muitos ladrões temerosos a outro deus e, por fim, como uma cereja em cima do bolo, embora um pouco podre, pude comprovar a estranha sujidade e desorganização num lugar retalhado pertencente a seitas pouco amistosas do deus dos cristãos. Três espaços, três cinturas, três colorações demasiado perto uns dos outros, sem terra de paz entre eles, representando três deuses, de costas viradas, ciumentos, à espreita de se esfaquearem uns aos outros. O prazer das pequenas explosões das uvas dentro da boca permitiam ultrapassar todas as reflexões que ia fazendo. À noite, o calor substituiu o vermelho do céu e o dourado da terra. Os sons dos violinos enchiam as ruas como se fossem anjos sem deus, anjos livres de qualquer ditadura divina. O vendedor olhou-me com malícia ou com a certeza de ir fazer um bom negócio, os seus genes, apurados por uma rigorosa seleção religiosa, viam bem o que estava para acontecer. - Gosta? - Sim. É uma peça maravilhosa, um lindo vaso, elegante. - Sim, prata e vidro de Jerusalém. - Caro! Riu-se. -Sim. Olhe para o dinheiro e veja se consegue tirar o mesmo prazer. -Não, claro. A conversa continuou ao jeito muito típico de quem nasceu e há de morrer a fazer negócio aprendido com os seus antepassados ao longo de milénios. - Tome. -Não posso, é dispendioso. Disse com sentida tristeza. - Está bem. Tome na mesma. Vou baixar-lhe o preço, porque como conhecemos a mesma pessoa, e já que fui amigo dela, em sua homenagem vai levá-la. De facto, naquele misterioso linguajar, quem é, de onde veio, faz o quê, acabámos por saber que conhecíamos uma pessoa, o que era matematicamente quase impossível para quem vivia a milhares de quilómetros um do outro. Coincidências da vida ou prémio de deuses diferentes. Não importa as razões. Um lindo vaso de vidro a relembrar a imagem de Júpiter orlado no bucal com delicados cachos de uvas de prata caiu-me nas mãos, enchendo-me de prazer. Leve, suave, encantador e inspirador de emoções, a que não é estranho o belo planeta que entra pela janela da minha sala no seu passeio noturno, um deus que não partilha espaços, nem luta pelas suas verdades, um deus que já foi deus e que deixou de ter seguidores. Um deus livre, suave, encantador e inspirador de emoções e de uvas túrgidas que, ao explodirem dentro da boca, provocamu uma inebriante volúpia. Olho para Júpiter e vejo o seu reflexo na beleza e cor do vidro de Jerusalém. Só agora entendi a beleza do vidro e a doce frescura das suculentas uvas...

Algarve...


Sábado, rumo até ao Algarve. Amanhã tenho que dar o meu modesto contributo no congresso. Ao chegar perto do destino, eram horas de jantar, optei por parar e tratar do corpo. Solícito e demasiado simpático para o meu gosto, a transpirar vontade de querer engordar a conta final, pedi ao empregado um dos pratos constantes da ementa. - Ah, não temos. Acabou-se. - Pois! Antes que continuasse com os meus comentários, desfiou o nome de vários peixes. Escolhi um, o que me soou melhor, nem o vi, nem queria vê-lo, o que eu queria era terminar com aquele sorriso estampado numa fácies oblonga encimada pela crista meio mixeruca a lembrar um garnizé à espreita de dar alguma bicada.
O raio do peixe estava mesmo bom. - A conta se faz favor. Esperei alguns segundos e trouxe-me um papel com a quantia. Com o dedo passei pelas linhas e não foi difícil concluir a inclusão de "coisas" que não tinham sido consumidas. Chamei-o e pedi-lhe uma fatura com a nota, dita em surdina, para retirar aquelas "coisas" que não tinham sido pedidas. - Ah, com certeza! Foi engano da minha colega. Disse num tom que me levou a pensar que não deveria ser a primeira vez. Trouxe a fatura, agora corrigida, e também trouxe o troco, mas calculado com a prévia "nota da mesa", sempre com um ar sorridente e enjoativo. Pirou-se. Esperei que me olhasse lá do fundo, sempre com o suor da vida treinada a ser fácil a botar dos lábios esticados. Fiz-lhe sinal para que se aproximasse. Nem foi preciso, parecia que estava à espera. Aproximou-se com o sorriso enjoativo. Expliquei-lhe o erro. - Ah, deve ter sido a minha colega que se enganou. Depois de ter tratado com discrição a situação, ao sair, sempre com um ar sorridente e enjoativo, dá-me uma palmada nas costas, um tique de intimidade, provavelmente treinado, como se fosse a coisa mais natural do mundo. 
Ia a pensar nisso quando entrei na receção do hotel. A menina, sem esboçar um sorriso, pediu os elementos, cumpriu as formalidades, com uma antipatia capaz de exasperar São Juliano, patrono da hotelaria. Ainda estive para lhe perguntar em que escola tinha tirado o curso. Optei pelo silêncio. Lembrei-me que estava no Algarve. Sorri e revivi experiências de outros tempos e ocasiões. Nada agradáveis. O habitual. A antipatia da menina não conseguiu neutralizar o sorriso enjoativo do empregado do restaurante. Dois pequenos incidentes a relembrar muitos outros, e estamos na época baixa e em crise, mas há tiques que nunca se perdem. Terça-feira regresso. Falta pouco.

sábado, 27 de abril de 2013

Assim vai o "consenso"...

Consenso, uma das palavras mais utilizadas no discurso político dos últimos tempos, pelas melhores e piores razões. Demasiado banalizada, correndo o risco de perder o verdadeiro significado e o valor que a situação de crise exige. Uma palavra muito disputada, todos reivindicam a sua “propriedade".
Numa coisa parece haver consenso: as forças políticas não querem consenso ou aparentemente talvez queiram mas a dramatização do não consenso é prioritária ou então ficcionam que querem consenso mas no fundo não querem.
Numa outra coisa parece, também, haver consenso: sem consenso político e social não seremos capazes de ultrapassar as dificuldades e de fazer as reformas estruturais que o país precisa. Sem consenso não entraremos nos eixos do crescimento económico. É uma questão de bom senso, não precisa de grande sabedoria política…

Calor...


A fome obriga-me a procurar alimentos, alimento da vida, alimento da esperança, alimento da alegria e alimento do calor. Sentir calor faz explodir de prazer as células mais remotas e esquecidas do corpo. Sentir calor faz-me recordar o ventre tépido onde elas se desenvolveram, sem pressas, sem ansiedade, sem dor, apenas com o desejo de perpetuar o amor. Nas noites escuras e frias, o calor protetor aparecia sempre que o medo despertava. Nos dias de inverno, o calor do sol armazenado em espessas cavacas acariciava-me o corpo. As manhãs de primavera despertavam com um calor suave, único, cheio de um odor fresco, provocando emoções que ainda hoje perduram. As tardes de ócio, quentes, rivalizavam com o astro que nunca sentiu qualquer inveja, pelo contrário, ficava satisfeito com o calor que emanava da juventude feliz e esperançosa, sem temor e indiferente ao frio do futuro incerto. Saborear o calor constituía um desejo, uma necessidade e um prémio à existência, a que não era estranho o carinho de Vénus ou o rubi brilhante de Dionísio. Calor, sempre o calor, nas suas múltiplas faces e aparições, um calor que se prolonga para além do corpo, invadindo a alma, confortando-a e aliciando-a para novos voos e mergulhos nas águas da vida. O calor foge, foge do corpo, foge da vida, foge de tudo, foge de mim, foge, foge, quer que o siga, eu corro, mas apenas sinto frio, um frio que me recorda calores, escaldantes, ternos, suaves, protetores e amorosos. Sinto uma réstia de calor suave que me conforta neste momento, o calor das recordações. 
Sentir calor é sentir a vida, um doce sentir...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

INADIMPLÊNCIA - Nova política económica?

1. Depois do "crescimento" à força bruta de endividamento e de dinheiro mal gasto, que no final da sua fase mais delirante nos atirou para a fronterira da bancarrota que só não transpusemos graças ao famoso (e agora renegado) resgate financeiro, depois da Consolidação Oçamental que o PAEF consagrou na sequência daquele resgate, entretanto convertida na tão anatematizada Austeridade, depois do Crescimentismo de que só começamos a sentir um "cheirinho" e em versão oral...
2....eis que uma nova política económica nos é apresentada, associada a um projecto de libertação do "jugo" dos credores, e que se pode resumir numa palavra muito popular no Brasil: a INADIMPLÊNCIA, correspondente ao étimo português Inadimplemento (não cumprimento de um contrato).
3. No Brasil a palavra INADIMPLÊNCIA é utilizada correntemente na gíria bancária, falando-se por exemplo de "taxa de inadimplência" ou de "grau de inadimplência" para significar a mesma coisa que entre nós com a expressão " nível de crédito mal-parado" ou "nível de crédito em mora" ou ainda "crédito vencido"...
4. Pois bem, parece que num inspirado Congresso que reune este fim-de-semana, a ideia da INADIMPLÊNCIA foi apresentada por alto responsável partidário (tendo merecido ampla saudação) como solução para os problemas financeiros do Estado Português, traduzindo uma ideia bastante simples e inspiradora: se estamos em dificuldades para pagar a dívida pública, para quê pagar? Porque não, em alternativa saudável e merecedora dos maiores encómios, simplesmente não pagar, repudiar a dívida?
5. Nada mais lógico, dirão os leitores deste Blog...com certeza, direi eu, mas...
6. ...mas, para ser devidamente enquadrada nos princípios fundamentais que inspiram a força política a que pertence o alto responsável que teve o mérito de avançar esta proposta - ÉGALITÉ e FRATERNITÉ - o "direito" de não pagar não pode ser exclusivo do Estado: qualquer cidadão ou sociedade que, estando muito endividado/a não esteja nas melhores condições para pagar as suas dívidas, bastando para tal que confesse a sua "impotência adimplente", deixará de ser obrigado/a a pagar...
6. O direito universal à INADIMPLÊNCIA passaria assim a constituir a espinha dorsal da nova política económica, libertando a capacidade produtiva das empresas dos constrangimentos financeiros, desobrigando os cidadãos da obrigação de pagar os impostos sempre que isso lhes cause sérios transtornos financeiros, podendo dinamizar a economia com os seus rendimentos libertos da opressão dos credores, o próprio crédito bancário ficaria muito mais fácil, acessível e barato...
7. Quem sabe se este dia não vai ficar para a história da política económica portuguesa com a descoberta de uma nova aurora económica, um sol finalmente a despontar no horizonte. graças à revolução da INADIMPLÊNCIA?
8. Estou bastante esperançado que nas conclusões deste Congresso à tese da INADIMPLÊNCIA, como nova base para a definição da política económica, seja dado o relevo que a mesma indiscutivelmente merece. Ficava-nos mesmo bem o título de República da Inadimplência...os brasileiros iriam adorar...

Um inseguro biberon

Seguro não cresce e jamais dispensa o biberon. Sem mimo continuado, fica inseguro e nervoso.
Claro que os amigos Soares e Sócrates não lhe largam a perna. E isso aterroriza-o.
Mas, por uma vez, autonomize-se, homem, defronte-os e assuma-se. E deixe de procurar biberons, que não dão bom resultado. Olhe, o de Hollande, já se foi. E Cavaco, que cedo se fez à vida, nem sabe o que isso seja.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Há mais vida para além do Orçamento...foi há 10 anos...

1. "Há mais vida para além do Orçamento", proclamou, em 25/04/2003, no discurso que proferiu na A.R., o ex-Presidente J. Sampaio, proclamação recebida com especial entusiasmo pelas bancadas da oposição ao então governo de Durão Barroso, em que pontificava M. F. Leite na sua dificílima função de Ministra de Estado e das Finanças...
2. Essa declaração representou um marco na política económica, desautorizando os esforços que MFL vinha realizando para tentar conter um défice público que tinha tornado Portugal no 1º país do Euro a incorrer na situação de défice excessivo, com os 4,4% do PIB em 2001 (de uma estimativa incial pouco superior a 1%...), e toda a carga negativa que dessa situação resultava para a credibilidade externa do País, para além da necessidade de corrigir o já então grave desequilíbrio das contas externas...
3. Passaram 10 anos e hoje estamos em bem melhores condições de compreender quão avançada e profética foi essa declaração...
4....e também o tipo de vida que há para além do Orçamento, cheia de emoções e de motivos de satisfação e orgulho nacional, em superlativo plano de bem-estar! 

Orgasmo de palavras

Hoje, mais um vendaval de palavreado oco, inútil, violento, mentiroso, hipócrita, rasteiro, vergonhoso,  indigno. Nesse turbilhão de imbecilidade, as poucas palavras sensatas de um ou outro mal se chegam a ouvir. 
O maior contributo que os dirigentes partidários poderiam dar à democracia portuguesa era esfacelarem-se, por uns tempos, em circuito fechado. Poupando-nos à exibição diária da violência de que retiram o seu único e sádico prazer. 
E reaparecendo quando tivessem aprendido que, se democracia também é poder optar por partidos políticos, é necessário que os seus dirigentes não os esfrangalhem (e  se esfrangalhem) de forma tão pública e sádica. Porque não é com dirigentes como muitos destes que alguém pode acreditar em democracia.   

Abril, 25...


Descansei. Consegui saborear as duas horas extras da manhã como há muito não me lembrava, pareciam que estavam reservadas para esse efeito, retemperar as emoções e os desejos, em contraposição com a leveza do sono entrecortado por despertares repetidos e inconsistentes, uma tortura própria de Morfeu, que, ao acordar da manhã, se dissipa sob a luz do sol, deixando-me penetrar profundamente nos seus domínios sem vigilância.
Arranjei-me. A cerimónia iria decorrer a cinquenta metros. Desci a calçada e as escadas de uma vida e cruzei-me com alguns cidadãos que vinham expressamente para o ritual do ano. O céu estava límpido e o sol queimava, enquanto a gravata, linda e com o nó perfeito, fazia o resto, apertava-me o pescoço e denunciava o formalismo do ato. Pequenas e curtas conversas, cumprimentos e mais cumprimentos, saudações ao longe, saudações ao perto, tudo com uma naturalidade aprendida ao longo dos anos. Ouvi ao longe a fanfarra dos bombeiros, afinada, como não podia deixar de ser, na véspera, à noite, testemunhei os exercícios musicais com vista a fazer boa figura no dia seguinte. 
Apareceram os homens da paz, deram os toques próprios da praxe, marcando os tempos do içar das bandeiras. A mim coube-me a habitual, a do concelho, prefiro esta, de longe, à da União Europeia, que ficou para o "senador" vitalício. 
Terminou a cerimónia. Cada um dispersou para as ruelas em redor, e a fanfarra encheu o espaço circundante com sons de alegria e de esperança, mas por pouco tempo. As bandeiras ficaram colocadas nos seus lugares. Sentei-me na esplanada, do outro lado da ribeira, saboreando a companhia de velhos amigos. Foi então que as olhei com olhos de ver, a bandeira nacional ladeada pelas do município e a azul com as estrelas amarelas. Três símbolos que não tugiam e nem mugiam. Falta-lhes o vento, pensei, falta-lhes o vento da esperança. Olhei para a ribeira e consolei-me com a frescura e a beleza das suas águas. Limpou-me as mágoas e acalmou a minha ansiedade, mas não deve ser por muito tempo. 
Um curto momento de esperança. Nada mais do que isso.

Perceber...


Saiu cedo embrulhada no xaile, cheia de fé empacotada. Corria com um passo miudinho, como se tivesse medo de pisar hipotéticos pedaços de vidro, mas sempre mergulhada em ideias dolorosas, próprias de quem precisa urgentemente de um favor, que só podia ser divino, já que na terra a experiência lhe tinha ensinado que não pode contar grande coisa com o seu semelhante. Ia ao templo rezar, ou melhor, pedir, ou seja, rezar para obter um favor. Não sei se acreditava na intercessão dos santinhos junto do poder divino, convencia-se que sim, que tinham essa missão e capacidade de mudar o curso dos acontecimentos. 
Pedir favores está na massa do sangue de qualquer um. Cá em baixo faz parte da realidade quotidiana. Lá em cima é muito mais complicado, só com favores e preces especiais, intensas e repetitivas como se fossem a melhor maneira de ultrapassar a surdez ou a demência de alguns santos, já que não conheço todos e não vá um dia precisar de algum. Não creio que me seja útil. Entrou, rezou, ou melhor, pediu, invocou, prometeu, fez tudo o que lhe tinham ensinado, confiante ou fingindo confiar que iria ter sucesso. Acendeu uma vela sem cera, como se os santos andassem a par das evoluções tecnológicas, coisas que não precisam no sítio onde vagabundeiam. Voltou pelo mesmo caminho, indiferente a tudo o que tinha vida e beleza, já as tinha visto vezes sem conta, para ela não contavam para nada. No dia seguinte voltou a fazer o mesmo percurso, caminhando sobre pedaços de vidro e cheia de fé empacotada. Entrava, rezava, ou melhor, pedia um novo favor, crente na intercessão divina dos santos e santinhos dos altares do templo. Fazia o percurso inverso indiferente à vida em redor, cheia de beleza. E assim passava os dias, sem que os favores divinos a premiassem uma vez que fosse. A vida em redor, e ao longo dos caminhos, refosgalva com entusiasmo, nascendo, vivendo, envelhecendo e rejuvenescendo, cumprindo um ritual cheio de encanto e beleza. Envelheceu sem nunca se ter apercebido que não era preciso pedir nada a ninguém, ao divino, claro, quando em seu redor era a própria vida que rezava a ela, sem lhe pedir nada, apenas querendo mostrar que a amava. Nunca se apercebeu disso, tal como os santos que nunca entenderam ou ouviram o que ela lhes disse ou prometeu. 
Foi pena não ter percebido. 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Back to basics...

Totalmente de acordo com a proibição do uso de máquinas calculadoras nas aulas. Até ao 8º ano. É um back to basics muito bem vindo. A utilização das máquinas de calcular não pode nem deve impedir o treino mental e a compreensão do raciocínio lógico que está por trás do resultado de uma operação matemática. É importante que os alunos compreendam os processos de cálculo. A aprendizagem das tabuadas é uma ajuda importante.
A matemática é considerada uma aptidão básica para lidar com a vida. A cada momento vivenciamos a matemática. Não a podemos dispensar. Ao longo da vida nas mais diversas situações o raciocínio matemático revela-se muito útil na equação de soluções e na resolução de problemas.
A falta de exigência ou preparação no seu ensino, que não tem que equivaler à dificuldade na sua aprendizagem como tantas vezes se quer fazer crer, não permite que os alunos integrem na sua estrutura mental o raciocínio lógico da matemática. O importante é que seja corrigida a complexidade que é colocada na apresentação da função dos números. No sucesso de aprendizagem será fundamental o ganho de confiança e de auto-estima na resolução dos problemas. Se persistirmos no facilitismo não seremos capazes de inverter o problema da aversão e do insucesso que caracterizam a aprendizagem da matemática nas nossas escolas.
A abolição das máquinas de calcular, a par com outras medidas pedagógicas, pode ser uma boa ajuda…

terça-feira, 23 de abril de 2013

O valor da palavra


Não sei quantas vezes se abordou aqui o tema da erosão do valor da palavra. Não sou muito de me manifestar sobre assuntos com uma carga moral acentuada, onde a opinião tende a ser expressão de sentimento mais do que produto da razão. É o caso. Ainda assim, e porque me impressionaram (lá está, a impressão, o sentimento...) condutas que contrariam chocantemente a palavra pública e recente, ouso escrevinhar o que me vai na alma.
 
O Povo, habituado a que a honra deve pouco à palavra dada, diz entre si, pragmaticamente, que ´palavras, leva-as o vento´. Isso explica muita coisa. Explica, por exemplo, que a classe política, a da situação e a da oposição, que nada mais é do que uma extração do povo que assim pensa, se veja livre para comprometer a palavra e, no momento seguinte, se sinta do mesmo modo à-vontade para fazer o contrário da jura mais solene. Como sabe que nenhuma consequência advém e que a palavra é coeva da conveniência e não do compromisso, vá o político dizer o que convém no momento, sem receio de os seus atos o desmentirem. É pois natural que quem ambicione fazer parte da classe esteja atento ao exemplo e não se preocupe em medir as palavras ou em perder o sono se as quebrar. Sabe que o que escreve em blogues ou o que diz perante os microfones das rádios e TV em tom sério e grave, tem o valor de um prato de lentilhas. Afinal são simples palavras ditas, não são palavras dadas que hoje não há palavras de graça!

Pensando bem na coisa, palavra de honra que acho que têm toda a razão os permanentes candidatos a algo, atendendo à real cotação que na bolsa dos valores atingiu a palavra.

Requiem pela Austeridade?...

1. Tivemos ontem um considerável naipe de notícias, de fontes insuspeitas, que nos dão conta de uma rápida mudança de percepção em relação à política económica dominante na zona Euro, ao longo dos últimos 3 anos, à qual foi dado, para o bem e para o mal, o nome de Austeridade.
2. Tomei a liberdade de seleccionar as seguintes fontes, das várias que encontrei:

- Declaração do Presidente da Comissão Europeia

- Declaração de Bill Groos, gestor do PIMCO, maior fundo de investimento em obrigações, à escala mundial

- Edição do F. Times de 22 do corrente

3. O Presidente da CE, sempre atento ao desenrolar dos acontecimentos, emitiu uma curiosa confissão, dizendo que “a política de austeridade atingiu o limite”, acrescentando ainda que “a Europa não soube, colectivamente, explicar aos cidadãos o que estava em jogo na resposta à crise” - esta última expressão equivalendo a uma velada confissão de culpa, pois ninguém mais do que o Presidente da CE teria, supostamente, obrigação de se aperceber (a tempo) dessa omissão explicativa/colectiva...
4. Bill Gross foi bem mais duro, lançando o que a imprensa rotulou de “contundente” ataque aos esforços que o UK e a zona Euro estão prosseguindo para reduzir os défices públicos através de medidas de austeridade, afirmando “Tem de se gastar dinheiro para haver crescimento económico”...(percebo bem a sua preocupação, não deve ser nada agradável gerir fundos de obrigações neste ambiente de deserto de yields...)...
5. Na edição do F. Times de ontem encontrei uma notícia, desenvolvida, com o seguinte título (pág.4) “Eurozone anti-austerity camp in the ascendance”, onde é referido, entre outros episódios, o abalo nas hostes da Austeridade resultante do infausto estudo de Rogoff e Reinhart e acrescentado que a própria Alemanha estará agora mais receptiva a flexibilizar os objectivos de défices orçamentais para 2013...
6. Ao mesmo tempo que estas notícias vão surgindo, os mercados vão denotando uma tranquilidade olímpica, inclusivamente o mercado da dívida pública portuguesa: a taxa de juro implícita na cotação da dívida a 10 anos (yield) caiu ontem abaixo de 6%, registando o valor mais baixo desde 24 de Janeiro, e hoje volta a cair, para um nível já inferior a 5,8%, tocando níveis não vistos desde Outubro de 2010 (8 meses antes do fim do delírium socrático)...
7. Decididamente, os tempos já não estão de feição para a Austeridade, que certamente irá tirar umas férias prolongadas enquanto os mercados estiverem dispostos a aceitar o novo status quo (em boa parte graças à intervenção dos mais influentes bancos centrais, mais recentemente do Bank of Japan como já aqui referi)...
8. Resta esclarecer, no nosso caso, alguns pequenos detalhes, antes de a Austeridade poder "meter férias", a saber: (i) como se vai fechar o assunto da 7ª Revisão do PAEF – ainda em aberto, como se sabe; (ii) como se vai ultrapassar a “vexata questio” da Reforma da Despesa Pública, prometida à “Troika” e (até há pouco) condição de sucesso do PAEF; e (iii) como irão ser conduzidas as 5 avaliações (pelo menos), além da 7ª, que ainda faltam até conclusão do PAEF, pois apesar desta mudança de discurso e de opinião de alguns responsáveis, a verdade é que continuaremos a necessitar dos fundos da celerada “Troika”...
9. Detalhes esses que os habituais comentadores de serviço aos "media" certamente resolverão numa pebnada, sem dificuldade, invocando que os tempos mudaram, Austeridade "jamais"....

Ainda os swaps...e outros produtos tóxicos

Começou a novela dos swaps e promete continuar. Repentinamente, brotou do nada uma chusma de escreventes e comentadores e especialistas autorizados a tirar conclusões, mesmo sem conhecerem nem o texto, nem o contexto. Lançam-se números, produzem-se acusações, referem-se prejuízos de milhares de milhões, umas vezes reais e outras potenciais, apontam-se culpados e presumíveis culpados. 
Por mim, que comprei swaps, vendi swaps, estruturei swaps, fiz notas para as empresas sobre vantagens e desvantagens dos derivados, potenciais benefícios e riscos, e sempre enfatizei estes últimos, e não conhecendo sobre os casos apontados mais do que a comunicação social vem referindo, confesso que ainda não percebi o que verdadeiramente está em causa. Nomeadamente se se trata de cobertura de risco de taxa de juro de financiamentos reais e em carteira, e de qual o indexante, ou de coberturas de outros riscos, por exemplo, cambiais, ou de derivados meramente especulativos ou sem “activo” subjacente. 
Quando, no Banco onde trabalhava, lidei de perto com esta matéria dos derivados, por força das funções que então exercia, lembro-me que uma empresa encomendou o desenho específico de um derivado de alto risco com que queria especular. Apesar dos reiterados avisos, orais e escritos, dos perigos que corria face à volatilidade dos mercados, a empresa concretizou o produto, convencida dos ganhos que daí retiraria. A instituição onde trabalhava ganhou uma boa comissão. A empresa perdeu muito, mas estava consciente do risco.
Referem-se, agora, prejuízos potenciais elevadíssimos. . Todavia,  se o que está em causa é o swap da taxa de juro (um dos derivados mais simples e primários), o juízo quanto à bondade do instrumento depende de muitos factores, e nomeadamente da maturidade do contrato; com efeito, num prazo a 10, 15 ou 20 anos muitas alterações de taxa de juro por certo advirão, e o que é prejuízo potencial hoje pode ser lucro real amanhã, ou vice-versa. No entanto, sem nada disto ter vindo a lume, as conclusões já são condenatórias.  De qualquer forma, se há derivados e, no caso, swaps que são recomendáveis e aceitáveis em certos contextos, já os derivados especulativos nunca deveriam constituir nunca opção de empresas públicas. Ora, na informação vinda a público, não se refere o que verdadeiramente está em causa. Porque ela apenas tem visado os mais sensacionalistas títulos dos jornais ou telejornais, o que se iniciou foi um novo julgamento popular. Onde o sujeito fica condenado à partida, sem que ninguém saiba verdadeiramente por que razão.
É que também a informação se pode tornar um verdadeiro produto tóxico, que mata e fere indiscriminadamente.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A futebolização da informação

Ia há pouco no carro, e dei por mim a ouvir o programa da Antena 1, dito serviço público, que se dedicava a recolher a opinião dos ouvintes sobre swaps de taxas de juro, matéria que terá provocado a demissão de dois Secretários de Estado. Independentemente de tal tema não ser passível de debate público sério, face ao perfil dos habituais ouvintes interventores, a senhora jornalista revelava-se absolutamente ignorante da natureza do produto que apresentava a debate. De facto, tudo denotava que a matéria lhe era absolutamente estranha, até a própria pronúncia da palavra swap, no início do programa. De tal modo que, quando um “especialista” lhe explicava que tais contratos, efectuados num tempo em que se perspectivava subida das taxas de juro, tinham como objectivo minimizar eventuais efeitos negativos dessas previsíveis subidas, substituindo taxas variáveis por taxas fixas, a senhora perguntou se isso não visava, antes, aumentar os prejuízos.
No meio de tudo isto, os contornos da operação não interessam; a conjuntura em que foi feita, irrelevante; que os prejuízos sejam reais ou potenciais, perfeitamente indiferente; ou que, no fim do contrato, os benefícios se possam tornar reais, sem significado. Não interessa o tempo, nem o modo, nem a maturidade, nem o montante, nem qualquer juízo de prudência ou imprudência face ao enquadramento global da operação.  
Enfim, mais um exemplo da desinformação que a discussão mediática de questões técnicas complexas nos traz diariamente. Toda a gente é capaz de ter palavra decisiva sobre tudo e mais alguma coisa. A futebolização da informação tudo abrange e tudo permite.

PIB dos EUA dá salto de 3%: uma sugestão de valor acrescentado...

1. É notícia de 1ª página na edição de hoje do F. Times: o PIB dos EUA vai sofrer uma variação discreta de +3%, a partir de Julho próximo, por efeito da contabilização de milhares de milhões de USD em activos intangíveis até agora não reconhecidos no produto.
2. Trata-se de uma revisão que procura captar as alterações de natureza estrutural que têm vindo a verificar-se na economia americana, e que inclui o reconhecimento do valor de activos tais como royalties de filmes e despesas em investigação e desenvolvimento (estas últimas realizadas por entidades públicas e privadas, supostamente).
3. Pois bem, esta notícia poderá constituir justo motivo de encorajamento para nós, num momento de importante viragem na orientação da política económica, apontada agora – já não era sem tempo, note-se – a uma vertente de crescimento, oficialmente consagrada e que muito fica a dever à inquebrável tenacidade demonstrada pelos nossos ilustres Crescimentistas.
4. Concretizando, parece possível dar um “salto em frente”, admitindo acrescentar ao PIB, a partir do 3º trimestre do corrente ano, por hipótese, o valor actualizado das variações futuras do PIB atribuíveis às novas perspectivas de crescimento decorrentes da alteração de política.
5. Tratar-se-ia de uma inovação, certamente, e engenhosa, certamente, mas não impossível nem tecnicamente muito complexa: que requereria a criação de uma Comissão Paritária (para garantir o indispensável consenso técnico), a qual ficaria incumbida de preparar um documento contendo: (i) a quantificação das variações futuras do PIB, em base trimestral, atribuíveis à nova política (uma análise diferencial, não excessivamente complexa – elementar, por exemplo, para o nosso ilustre comentador Tonibler); (ii) a definição de uma taxa de actualização desses valores diferenciais futuros, taxa não muito elevada (poderia ser a taxa da dívida alemã a 10 anos, cerca de 1,3%) para que o valor descontado seja mais interessante; (iii) uma recomendação de novos valores para o PIB, a submeter à AR, para ratificação.
6. Essa inovação teria a vantagem não apenas de tornar explícitos, por antecipação, os ganhos resultantes da nova política - fortalecendo o consenso em torno da mesma - mas também de fazer baixar, automaticamente, a partir da data da adopção da nova metodologia, todos os rácios que utilizam o PIB como denominador: dívida pública/PIB, défice público/PIB, despesa pública/PIB e assim sucessivamente...
7. Com elevada probabilidade, o Eurostat não se oporia a esta alteração se devida e antecipadamente explicada, e ainda poderíamos registar a patente pois não faltarão interessados pretendendo copiar o modelo...

domingo, 21 de abril de 2013

Austeridade e doenças


Aumenta o número de relatos por suicídio em Portugal. A par desta realidade, que ocorre igualmente noutros países da União Europeia, também se observa um crescendo preocupante das depressões e outras patologias que merecem ser analisadas. Na Grécia existem dados segundo os quais as infeções por VIH estão a aumentar entre os toxicodependentes num valor explosivo em apenas dois anos. Há suspeitas de que neste país algumas pessoas se infectam deliberadamente para obterem vantagens em termos de cuidados de saúde. Mas os casos não ficam por aqui, o stresse prolongado, devido à austeridade, perda de emprego, ameaça de insegurança e diminuição dos proventos, desencadeia reações a nível dos genes bastante complexas entre as quais o surgimento de inflamações crónicas que podem aumentar o risco de ataques cardíacos, depressão e cancro. Alguns dos fenómenos ocorrem de imediato, enquanto outros só irão aparecer ao fim de dois, três ou muitos anos depois do período de recessão. Os mecanismos despertados pelo stresse social e económico começam a ser compreendidos. É muito provável que os efeitos venham a ocorrer mais tarde. Sabe-se desde há muito que os que nasceram em períodos de crise vivem menos e sofrem patologias graves. O caso das grávidas é particularmente preocupante, porque a gestação sob o efeito do stresse provoca modificações na expressão de muitos genes com consequências graves para o futuro da criança. Numa altura em que nascem poucos portugueses, muitos, dos que irão nascer neste período tão crítico, adoecerão no futuro por fatores desencadeados aquando da sua gestação. Mesmo que venhamos a ultrapassar esta fase, as consequências em termos de saúde irão continuar a manifestar-se daqui a muitos decénios, ou, quem sabe, tudo leva a crer que sim, mesmo nas próximas gerações. 
As políticas e o comportamento dos seres humanos têm de tomar em conta estes aspetos, não é só o bem-estar que conta, mas também a saúde de muitos de nós e sobretudo dos que irão nascer, os quais sofrerão de todas as maneiras, até na saúde, devido a "causas" que não são da sua responsabilidade.
O homem é um ser louco e irresponsável. Não aprende, apesar de querer compreender, mas há algo, talvez também genético, que o impele a cometer sempre os mesmos erros. Não tem solução.

sábado, 20 de abril de 2013

A União Nacional ressuscitada

António José Seguro, ontem, na festa do 40º aniversário do PS, propôs “a construção de uma ...uma nova coligação, que junte os democrata-cristãos, os humanistas, os sociais-democratas e todos os progressistas”, para, “todos juntos”, devolver a “esperança e o orgulho a Portugal”.
Estranhamente, António José Seguro não inclui os socialistas, o que é bizarro. Mas, admitindo que essa espécie ideológica se encontra espalhada nas categorias que elencou, trata-se seguramente de uma ressurreição da antiga União Nacional, ou da ANP, partidos onde "todo" o país estava coligado. 
Bom, Estado Corporativo já temos há muito. Com a ressurreição da União Nacional, só falta a Câmara Corporativa. Não tardará. Afinal, com tantos políticos para colocar, seria a tradução de uma política activa de emprego. Corporativa, claro está, ao gosto bem socialista, e como convém. 

Solução do Chipre é "modelo" para o futuro...


Solução do Chipre é "modelo" para o futuro. Mais uma acha para a fogueira da desconfiança no sistema financeiro da zona Euro. Depósitos acima dos 100.000 euros considerados grandes depósitos.
Os grandes depositantes, embora não tendo os mesmos direitos, são tratados, no modelo de resgate de Chipre, como credores accionistas ou obrigacionistas subordinados, podem ver os seus depósitos sujeitos a hair cuts de capital e a parte sobrante reconvertida compulsoriamente em acções de bancos falidos.
Que consequências terá para o sistema bancário em geral e para o financiamento em particular da economia estas declarações do ministro das finanças da Alemanha? A partir de agora que ministro das finanças de um país da zona Euro pode jurar a pés juntos que no seu país não se aplicará a receita de Chipre?

Pessoal, recursos, capitais


Ainda não há muito tempo vivíamos na era das modernas teorias de gestão, ouvíamos conferências sobre motivação das pessoas, formação de equipas, avaliação, objectivos, lideranças. Os livrinhos de aprendizagem rápida de como ser um gestor “de sucesso” atingiam os tops de vendas e a liderança era sem dúvida o segredo a ser partilhado para se ter um grupo de gente a trabalhar como devia ser. Até vale a pena lembrar que as velhas repartições de “pessoal”, onde se processavam vencimentos e se anotavam as faltas, foram remodeladas em departamentos de “recursos humanos”, promovendo as pessoas a fonte de matéria prima, a par dos outros recursos que a empresa transformava e que constituia a sua fonte de riqueza. Mas logo se achou insuficiente, não, as pessoas não eram apenas recursos, eram realmente um “capital”, um investimento de que se esperava rendimento crescente, o “capital humano” merecia formação, perspectivas de desenvolvimento, havia até análises sobre o seu potencial e estudos aturados sobre a melhor forma de tratar esse capital para o tornar mais rentável, incluindo desenvolvendo o “coaching”, uma espécie de personal training para melhor rendimento das qualidades pessoais e profissionais de cada um. E, apuro dos apuros, já estava até a evoluir-se para considerar que o melhor e mais abrangente qualificativo desta preciosidade nas empresas era mesmo o de “pessoas”, qual recursos, qual capital, pessoas é que era, pessoas era a palavra certa para ilustrar a plenitude do significado que tinham. Era então o tempo dos estímulos, dos prémios de produtividade, do mérito, tudo já a preparar o caminho da tal sociedade do conhecimento, falou-se até no “imaterial” que não era mensurável pelos meios de medir resultados mas que estava lá, valia muito ou pouco e, se valesse muito, era de não perder, de cativar, cada pessoa com formação e experiência era uma perda se fosse embora ou passasse para a concorrência.
Falar hoje disto tudo parece uma miragem, evaporou-se, ao menos da linguagem quotidiana, dos motes habituais, o que se ouve hoje é quem despede, quem reduz, quem limita, quem ameaça, quem sobrevive até quando. O capital humano, tal como os outros capitais, foge para onde o recebem melhor; os recursos humanos, tal como os recursos materiais, se explorados até à exaustão e maltratados, deixam de produzir; e o pessoal reforma-se, desinteressa-se, e luta pela sobrevivência, se é o que lhe pedem. No entanto, havendo pouco com que pagar e diferenciar, não seria mais do que nunca necessário saber falar-lhes, cativá-las, contribuir para que o seu trabalho não seja um favor mal encarado mas um esforço bem reconhecido?
E assim, de uma penada, ficamos sem capitais, sem recursos e sem pessoas. É talvez um dos sintomas mais graves da crise.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Nem "mais Estado", nem "menos Estado"...

Retirado do livro “Repenser l'État – pour une social-democratie de l'innovation” de Filippe Aghion, que nos ajuda a ter um olhar diferente sobre a discussão que deve ser feita sobre o que queremos do Estado, fugindo da lógica quantitativa redutora do “mais Estado” ou “menos Estado”, para ir ao encontro de uma abordagem qualitativa que pensa “o Estado de outra forma”.
Por cá, continuamos sem pensar o Estado, dele queremos tudo e não queremos nada, cortamos despesa pública e aumentamos impostos sem cuidar de pensar o Estado. A desconfiança no Estado sucedeu à percepção que dele tínhamos de um ente capaz de tudo resolver. Desiludiu-nos, foi-nos dando o que afinal não tinha condições para dar. De repente, exige-nos que devolvamos o que indevidamente nos deu. Foi uma questão de tempo. Gostemos dele ou não, em maior ou menor dose, mais ou menos conformados ou mais ou menos revoltados, o Estado é necessário, mas “de outra forma” como explica Pilippe Aghion. Sem pensar o Estado será difícil recuperar a confiança.

"O Estado repensado é, antes de mais, um Estado que investe no surgimento e na materialização das novas ideias. Para aumentar a eficácia dos seus investimentos e respeitar as restrições orçamentais, o Estado deve eleger os seus domínios de intervenção e concentrar-se naqueles que são capazes de gerar crescimento.

O Estado repensado é um Estado que garante os novos riscos, nomeadamente os relacionados com a precariedade do trabalho e as adversidades macroeconómicas e financeiras. Como proteger os indivíduos da perda de emprego e dos riscos que lhe estão associados, incitando-os a tornarem-se mais audaciosos na escolha da sua carreira e na gestão do seu percurso profissional? Da mesma maneira, como ajudar os empresários inovadores a superar as contracções económicas sem, contudo, subvencionar as actividades ou as formas de organização que se tornam obsoletas?

O Estado repensado é igualmente um Estado garante do contrato social. Como pode o Estado ser um catalisador do diálogo entre parceiros sociais, mais do que um substituto desse diálogo? Como pode o Estado, que encarna o bem colectivo, reforçar a coesão social? Como pode o Estado implementar uma política fiscal, mais progressiva, e que tributa os rendimentos sem no entanto desencorajar a poupança e o investimento inovado?

O Estado repensado é, por fim, o Estado que consolida a democracia. O debate, a livre circulação de ideias, o direito à contestação contam-se entre os nossos valores mais preciosos. Porém, de um ponto de vista estritamente económico, a democracia também é propícia ao crescimento, designadamente pelo facto de encorajar a inovação e permitir reduzir a corrupção, contribuindo para a transparência das políticas públicas."

Em tempos de excepcionais dificuldades, é bom citar Calvin Coolidge...

1. Como aqui temos comentado, por fadiga social e política entre outros factores chegamos a um tempo de dificuldades excepcionais na actividade governativa: a tarefa é gigantesca (para não lhe chamar ciclópica), o caminho é muitíssimo estreito (embora não falte quem se proponha alarga-lo, recorrendo a artes misteriosas), os recursos são muitíssimo limitados (para alguns são ilimitados, não lhes compete obte-los), os titulares de lugares cativos na Mesa do Orçamento, singulares e colectivos, defendem com “unhas e dentes” a sua posição...
2. As notícias dão-nos conta de um cenário orçamental quase dantesco para 2013/2014: ao tremendo desafio da Reforma da Despesa Pública - objecto de um debate recente, por parte das melhores cabeças pensantes, extremamente esclarecedor mas deixando tudo mais confuso - veio adicionar-se, qual cereja (armadilhada) em cima do bolo, a equitativíssima e patriótica jurisprudência do TC, acrescentando € 1,3 mil milhões ao buraco financeiro...
3. Sem qualquer exagero a situação com que estamos deparados é visivelmente dramática, exigindo nervos de aço e uma PERSISTÊNCIA inquebrantável por parte de quem tem a incumbência de tomar decisões...
4. Ocorre por isso citar um formidável, embora entre nós muito pouco conhecido, elogio à PERSISTÊNCIA, que li há um bom par de anos e que é atribuído ao 30º Presidente dos EUA (1923-1929), Calvin Coolidge...a citação, que a seguir apresento, tem de ser feita na língua do autor, pois traduzida não tem 10% do impacto...

5. “Nothing in this world can take the place of persistence.

Talent will not – nothing is more common than unsuccessful men with talent

Genius will not – unrewarded genius is almost a proverb.

Education will not – the world is full of educated derelicts.

Persistence and determination alone are omnipotent.

The slogan “press on” has solved and always will solve the problems of the human race”

6. Oxalá esta mesma PERSISTÊNCIA, que o "Guia do Politicamente Correcto" obviamente anatematiza - a cedência perante qualquer dificuldade, em quaisquer circunstâncias, é sempre a atitude politicamente mais correcta - possa ser usada como tema de bandeira para superar os obstáculos quase inenarráveis que hoje se colocam à governação em Portugal. Qualquer que seja a solução política.

O inefável critério jornalístico

Manhã do dia da demolição de uma das torres do Aleixo
Nas entrevistas feitas em directo, as pessoas concordavam com a demolição, porque sim, ou por uma outra qualquer razão: antro de droga, enxóvia, degradação, etc, etc.
Tarde e noite do dia da demolição 
Na reportagem, com entrevistas seleccionadas e especiosamente montadas, as pessoas discordavam e contestavam a demolição e a Câmara.  
Um exemplo do rigoroso critério jornalístico.   

"Este é o reino de Portugal"


«Altivos, vaidosos, impostores, arrogantes, hipócritas, vingativos, ignorantes, velhacos, traiçoeiros, desonestos, pedinchões, inconstantes, supersticiosos,fanfarrões, preguiçosos, mas também sensuais e ciumentos», assim relata José Brandão a forma como estes viajantes descreviam Portugal entre o século XVII e o século XIX.


Bom, os portugueses podem ser isto tudo, mas o pessoal que nos visitava não era, também, de muita confiança. Quem sabe se não projectaram nos portugueses algumas das suas caraterísticas pessoais? Esta coisa de que é estrangeiro é, ou melhor, era bom, também tem muito que se lhe diga.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

"Pele curtida, beleza esquecida"

Entrou com algum desembaraço, revelando uma beleza já um pouco esquecida, mas, mesmo assim, suficientemente interessante para chamar a atenção. A face revelava algo de estranho, misto de satisfação e de tristeza, como se a pele tivesse sido curtida pelo sofrimento e os olhos talhados de esperança. As perguntas sacramentais foram lançadas ao ar, e, sem saber porquê, antevi uma resposta não habitual. - Estou bem, depois de ter perdido tudo, carro, casa, tudo, estou bem. Esboçou um espasmo a querer transformar-se num rio de lágrimas, mas travei-o, desfocando a conversa. Não era difícil saber o que é que lhe tinha acontecido. Uma simples palavra ou um olhar silencioso teriam sido mais do que suficientes para desnudar a sua alma. Não quis. Desta feita não quis. Soube que vivia longe e soube que teve de começar a viver perto. Soube que durante dez anos teve de fazer longos percursos, com muito sacrifício. Repetiu mais duas vezes pequenos espasmos faciais a quererem desfazer-se em água. Evitei-os novamente, porque vi, simultaneamente, uma satisfação e uma alegria, como se fosse uma aberta em dia de tempestade anunciada. - Então, quando é começou a trabalhar aqui, perto de casa. - Hoje. A alegria de dizer hoje foi tão bonita que me pareceu ver a sua pele curtida pelo sofrimento a adquirir a beleza e a frescura de outrora. - Parabéns. O melhor é ir aproveitar o resto do dia. O sol convida a isso. - Obrigada, é o que vou fazer. E saiu com o mesmo desembaraço com que entrou. Chorar e relembrar a dor e o sofrimento num dia de felicidade não se faz a ninguém. Eu não fiz.

Risk Takers Should be Thanked, not Taxed!

1. O título deste Post é a conclusão (moral da história) de um interessantíssimo artigo inserto na edição de hoje do F. Times (pág. 12), da autoria de Luke Johnson, intitulado “A surfeit of red tape is stifling job creation”.
2. Nesse artigo, cuja leitura muito recomendo, conta-se a história de dois casos recentes de empreendedorismo: a reabertura de um PUB abandonado na zona rural de Malvern (UK) e também a reabertura de um restaurante na Flórida, em ambos os casos com grande sucesso comercial até ao momento...
3. ...mas também com a nota comum e curiosa de a única reacção das autoridades – que, segundo a opinião do autor deveriam estar gratas pelo facto de em ambas as iniciativas terem sido criados diversos postos de trabalho - terem sido (no caso do PUB de Malvern) avisos de pagamento de impostos sobre a propriedade, de contribuições para a segurança social, de imposto sobre o rendimento, de IVA, de licenças de funcionamento diversas...
4. ...para além de visitas de autoridades sanitárias e de segurança ao PUB, das quais resultou a exigência de efectuar alterações na área de armazenamento do combustível para aquecimento, implicando uma avultada despesa que o negócio dificilmente pode suportar...
5. No caso do restaurante na Flórida a situação não foi muito diferente, o que leva o articulista a interrogar-se sobre a imensa carga burocrática que impende sobre qualquer iniciativa de criação de valor e de emprego (empreendedorismo, para usar uma expressão que vem no Guia do Politicamente Correcto) e que contrasta, de forma chocante, com os repetidos e vigorosos discursos pró-empreendedorismo, que se ouvem a cada passo de responsáveis governativos e outros...
6. Este artigo recordou-me um caso recente (de 2012), que conheci relativamente de perto, envolvendo um importante grupo investidor não-residente, que pretendeu lançar um grande projecto turístico-imobiliário no centro de uma das nossas principais cidades, implicando investimentos de algumas centenas de milhões de Euros, tendo para o efeito adquirido os terrenos, preparados os diferentes projectos, obtidas as necessárias aprovações das entidades com superintendência no sector (Turismo, nomeadamente)...
7. ...projecto que não carecia de financiamento bancário para arrancar pois os fundos eram provenientes do exterior, tornando-se apenas necessário, para o início da obra - criando algumas centenas de postos de trabalho e elevadas aquisições à indústria nacional - obter a necessária licença camarária de construção...
8. ...documento cuja emissão não envolveria nenhuma complexidade desde que o processo se mostrasse devidamente instruído como era o caso...
9. Notificados para levantar a licença, os ditos investidores não quiseram acreditar na verba que lhes estava sendo pedida pela licença: nada mais ou nada menos que € 6 milhões!
10. Reagiram com alguma indignação a tal dislate, mas a resposta foi simples e peremptória: trata-se da aplicação dos regulamentos, não há nada a fazer!
11. Não há nada a fazer? Pois então se não há nada a fazer fiquem V. Exas para aí sentados, a receber o vosso ordenado tranquilamente, lendo jornais e revistas e a beber o vosso cafezinho, pagos pelos idiotas dos contribuintes, que nós vamos investir para outro lado!
12. E assim foi, ainda lá estão os terrenos à espera de utilização pois a decisão foi recusar serem esportulados de forma tão absurda, pagando € 6 milhões por um serviço que com € 1.000 já seria bem pago!
13. Risk Takers Should be Thanked not Taxed, é também a moral desta história!

Decisões Perigosas

O Tribunal Constitucional (TC) decidiu, está decidido. Seja em 2012, em 2013, ou noutro qualquer ano. Ponto final. Mas, tratando-se de uma decisão, ela pode ser sempre objecto de concordância ou discordância – mesmo que isso não altere em nada o sentido do julgamento efectuado. Discordo em absoluto das decisões do TC relativas a várias normas dos Orçamentos do Estado de 2012 e 2013. Já no ano passado expliquei, nesta coluna, o porquê da minha (o)posição em relação à decisão sobre o OE’2012 (v. texto “A despesa pública e o Tribunal Constitucional”, de 1 de Agosto, 2012).
A recente decisão sobre o OE’2013 (conhecida a 5 de Abril) permite-me, juntando as duas, complementar essa análise. E, em minha opinião, existem duas grandes conclusões a extrair. A primeira é que, para o TC, a solução para a consolidação orçamental aparenta estar do lado da receita e não do lado da despesa: quer em 2012, quer em 2013, com excepção da taxa sobre o subsídio de doença e o subsídio de desemprego (com valor estimado de cerca de EUR 150 milhões, inferior a 0.1% do PIB), todos os aumentos de receita (via impostos, taxas ou contribuições) foram considerados constitucionais; cortes na despesa foram considerados ilegais…
Ou seja: aumente-se os impostos, mas não se toque na despesa – é o que qualquer um pode ser levado a concluir das decisões do TC!... Sufoque-se as empresas, estrangule-se as famílias, enfim, asfixie-se fiscalmente a sociedade – o estilo de vida do Estado é que não pode mudar… Ora, a verdade é que, se a despesa pública está sobredimensionada (e está: atingiu mais de 51% do PIB em 2010 e, apesar de todos os esforços do Governo, baixou apenas para cerca de 47% da riqueza nacional em 2012), não é aumentando impostos que se resolve o problema: é cortando na despesa, como parece óbvio. Com uma actuação que deve ser estrutural, reformando o Estado e reduzindo o peso da despesa pública na economia – o que nunca pode deixar de atingir as rubricas “Despesas com pessoal” e “Prestações sociais” que, em conjunto, pesam cerca de 70% da despesa total. Mas, como a necessária actuação estrutural na despesa pública está atrasada(e não é de agora, é desde há pelo menos década e meia), no entretanto, e na tentativa de cumprir as difíceis e exigentes (e irrealistas…) metas orçamentais do Programa de Assistência Económica e Financeira, foram tomadas medidas sempre apresentadas como transitórias como os cortes nos salários e de pensões (já desde o primeiro corte de salarial na esfera pública, ainda com José Sócrates como Primeiro-Ministro). Repito: medidas transitórias…
… Tão transitórias como a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a medida que, creio ser consensual na sociedade portuguesa, mais dúvidas de constitucionalidade poderia levantar, uma vez que, a todas as pensões de reforma a partir de pouco mais de EUR 7 500 por mês, exige uma solidariedade de 40% (a somar aos 10% exigidos a todas as pensões acima de EUR 3 750 mensais) – um esforço que pode ser interpretado como confiscatório e, assim sendo, não conforme com a Constituição.
Mas a verdade é que esta medida transitória (de aumento da receita, com impacto estimado de cerca de EUR 420 milhões em 2013) passou; o corte nos subsídios – descida da despesa – também transitório… foi reprovado. Creio que a mensagem é clara. Profundamente errada, a meu ver, mas clara. A segunda conclusão é que, nas circunstâncias que Portugal vive – estamos nas mãos dos nossos credores desde Maio de 2011, e extremamente condicionados por isso – o TC não devia, em meu entender, ter a interpretação que teve da Constituição, e que penso que é extremamente prejudicial ao País. Em minha opinião, os juízes não tiveram em devida conta o contexto de emergência financeira em que vivemos – e os consequentes efeitos negativos em termos de credibilidade internacional, numa altura em que o País é visto internacionalmente como cumpridor, está a recuperar a sua credibilidade, e se encontra a percorrer o caminho de regresso pleno ao financiamento nos mercados.
Tal como não tiveram em consideração a deterioração da envolvente externa, nomeadamente na Zona Euro, quer em termos económicos, quer políticos, no seguimento do impasse resultante das eleições italianas de Fevereiro de 2013, e da desastrada gestão do resgate a Chipre por parte das autoridades europeias (Março de 2013).
Não, não se trata de “suspender a Constituição” – tratar-se-ia, em meu entender, de levar em consideração, de forma adequada, a conjuntura que enfrentamos e os objectivos a que estamos obrigados.
A comparação entre as decisões do nosso TC de 2012 e 2013 com a do seu homólogo alemão de 12 de Setembro de 2012, por exemplo, é elucidativa. Nesse dia, o TC germânico pronunciou-se favoravelmente à participação da Alemanha no Mecanismo Europeu de Estabilidade (o fundo de resgate da Zona Euro que entrou em funcionamento ainda em 2012, substituindo o provisório Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) – não ignorando o contexto europeu que se vivia (e vive). Tivesse a sua decisão sido contrária (como uma boa parte da sociedade alemã queria, incluindo políticos da coligação que suporta o Governo de Angela Merkel), e o que teria acontecido à moeda única e ao projecto europeu?... Sem a participação da Alemanha, não haveria fundo de resgate permanente na Zona Euro. Por cá, o Tribunal Constitucional preferiu interpretar a Constituição sem enquadrar devidamente quer a nossa dependência dos credores, quer a realidade económica e europeia que estamos a viver.
Tudo somado, as decisões de 2012 e 2013 do Tribunal Constitucional parecem-me perigosas. Ou mesmo, jogando com as palavras… inconstitucionais.
 
Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Abril 16, 2013

terça-feira, 16 de abril de 2013

Tenham paciência...

Notícias várias no JN de 16 de Abril:

“Sabemos que vai haver vítimas em muitos países”, mas “eu acredito que, no longo prazo, teremos de ter uma estratégia de crescimento sem ter de estar sempre a aumentar a dívida”, afirmou Angela Merkel durante uma conferência de imprensa, em Berlim.

Dívida da Alemanha sobe para 81,9% do PIB em 2012

Proposta do Governo irlandês para cortar salários na função pública chumbada pelos sindicatos

Conselho da Europa sugere que a Grécia torne ilegal o partido de extrema-direita Aurora Dourada

Irlanda prepara regresso aos mercados com almofada financeira de 29 mil milhões

Finlândia defende que é preciso ajudar mas os países têm de assumir as suas responsabilidades

Eslovénia precisa de mais tempo para equilibrar contas públicas

Dublin: “O problema bancário e imobiliário irlandês ainda não se resolveu”

Merkel diz que é preciso evitar aperto do crédito nos países frágeis

Draghi: BCE não pode resolver as causas da crise

Mistérios insondáveis do fascinante mundo Politicamente Correcto...

1.Tenho acompanhado, com alguma curiosidade, esta deriva mais recente da agenda mediática e política que envolve a discussão sobre a necessidade de reforço do financiamento bancário à economia, em especial às PME’s.
2. É sabido que o problema do crédito bancário (ou melhor, da falta dele ou do seu muito elevado preço) às PME´s dos países do sul da Europa constitui nesta altura um ponto fraco do funcionamento do mercado bancário da zona Euro, sendo por isso uma das questões relevantes da agenda política e financeira, para o qual o BCE não tem conseguido encontrar solução ou antídoto - se é que alguma vez vai conseguir por manifesta falta de instrumentos para tal.
3. Com os balanços assoberbados por volumes de crédito vencido anormalmente elevados, defrontados com incidentes de crédito de elevada frequência e muito difícil previsão, a que acresce uma enorme dificuldade em gerir os dossiers de crédito vencido nomeadamente pela fraquíssima capacidade de resposta do sistema judicial e pela fragilidade das garantias reais numa época de forte desvalorização (e falta de mercado) dos activos subjacentes...
4. ... os bancos de retalho deste grupo de países, em Portugal de forma bastante visível, parecem ter caído num estado quase psicótico mas até certo ponto compreensível, conhecido na gíria por “aversão ao risco” – situação que o próprio Presidente do BCE já referiu e reconheceu ser muito difícil superar, especialmente em ambiente de contracção económica.
5. Sendo dado este cenário, recordo-me de até há cerca de um mês, exactamente por causa deste problema e da necessidade de encontrar remédios que o permitam ultrapassar, raro era o dia em que tanto de fontes oficiais como de fontes da oposição – nomeadamente os incansáveis Crescimentistas – não houvesse uma referência à necessidade de fazer avançar o projecto de criação de um Banco de Fomento, supostamente destinado a apoiar as PME’s tão carecidas de financiamento...
6. Mas agora, com o tema da necessidade de mais crédito para a economia de novo em alta e ocupando o centro das atenções governamentais e da oposição - num curioso e raro registo de convergência/consenso e, claro, politicamente correcto - as referências ao decantado Banco de Fomento sumiram, sobre esse assunto parece pairar o mais completo silêncio!...
7. É caso para perguntar: o que se terá passado que possa explicar este súbito e tão doloroso silêncio em torno de um projecto que parecia muito querido à classe política em geral?! Mais um insondável mistério desse mundo fascinante do Politicamente Correcto?

Olhos negros


Manhã bela e tranquila. O sol, atrevidamente, entrava no gabinete, não sei se por curiosidade ou por bondade. Os seus raios iluminaram um belo par de olhos negros, muito brilhantes. Por momentos fiquei sem saber se era o reflexo do sol ou raios emitidos por um sol invisível. Jovem. O cabelo chamou-me a atenção, cortado à escovinha, encaracolado, e salpicado de brancas, dava conta de que estaria a ver pela primeira vez o sol, recém libertado de uma prisão artificial. Antes de lhe falar entrega-me o papel, onde estava descrito a sua má fortuna de uma forma fria, exata e dolorosa. Li e registei. Os olhos negros continuavam a brilhar emitindo raios de um sol invisível receoso do seu congénere que continuava a invadir todo o espaço e todos os seres visíveis e invisíveis. Desabotoou os botões da sua blusa, deixando entrever na frescura da carne a mutilação anunciada. Não falámos muito, usámos mais os silêncios e os olhares entremeados de curtas e esclarecedoras frases. No final, despediu-se com os seus olhos negros, brilhantes, mas mais tranquilos, como se o sol interior tivesse, subitamente, perdido o receio. Agora eram dois sóis que, em simultâneo, iluminavam o mesmo espaço, com calor, com luz apaziguadora e cheios de esperança.
Não fiz qualquer distinção entre os dois...

As boas acções ficam

Ouvi o antigo 1º Ministro inglês, Tony Blair, a homenagear a memória de Margareth Tatcher, apesar de não concordar com muito do que disse e com muito da política que prosseguiu, ressalvou. Não foi efusivo, mas foi elogioso e pareceu sincero. 
Todavia, na verdade, a maior homengem que Tony Blair prestou a Margareth Tatcher foi enquanto esta era viva: no tempo em que esteve no poder, não alterou nem uma vírgula do essencial da sua política.    

Lições da natureza

 
É da natureza: aos pequenos custa sempre muito o esforço de sair do buraco. Também é natural que os grandes, mesmo que compreendam a dificuldade dos pequenos, vigiem mas não se lhes substituam no esforço. Se não for assim é o processo de crescimento que é posto é causa. Crescerão, mas serão sempre incapazes de sair do buraco...

domingo, 14 de abril de 2013

Não nos agrada? É fascista!...

"...A Sra. Thatcher venceu três eleições populares? Fascismo. A sra. Thatcher desembaraçou o Reino Unido do jugo sindical que a generalidade da população não elegera? Fascismo. A sra. Thatcher encolheu o peso do Estado em prol da escolha individual? Fascismo. A sra. Thatcher modernizou económica e socialmente o Reino Unido? Fascismo. A sra. Thatcher venceu nas Falkland uma guerra iniciada por uma ditadura decidida a vergar a autodeterminação da comunidade local? Fascismo. A sra. Thatcher ajudou a derrubar os totalitarismos do Leste europeu? Fascismo, fascismo, fascismo.
Se bem percebo, um governante "fascista" é aquele que favorece a democracia, promove a liberdade, desampara a vida dos cidadãos e, se possível, combate regimes fascistas a sério. Em contrapartida, um líder "antifascista" que se preze desrespeita eleições, professa a submissão dos cidadãos, arrasa a economia e, se adicionar uns pozinhos de culto da personalidade e o adequado castigo dos dissidentes, parece-se imenso com um fascista de facto. Ou a extrema-esquerda é ainda mais tresloucada do que aparenta ou a ciência política anda redondamente enganada há largas décadas. Por mim, aposto na segunda hipótese..." 

Alberto Gonçalves, DN, A caminho do estado social  

Igualar respeitando as diferenças...

O governo tem vindo a anunciar que irá tomar medidas para fazer a convergência da fórmula de cálculo da pensão dos funcionários públicos (Caixa Geral de Aposentações - CGA) com a  fórmula de cálculo da pensão dos trabalhadores do sector privado (Regime Geral de Segurança Social - RGSS). Trata-se de igualar, para as mesmas condições, as taxas de substituição em ambos os sistemas, ou seja, a relação entre a pensão e a última remuneração.
Com ou sem crise das finanças públicas, não há razões que justifiquem tratamentos distintos no cálculo das pensões de ambos os sistemas públicos de pensões.
Com efeito, a reforma paramétrica de 2007 alterou um conjunto de regras de cálculo das pensões do RGSS, através de duas medidas fundamentais: 1ª fazer depender o cálculo da pensão das remunerações obtidas ao longo de toda a carreira contributiva e 2ª fazer repercutir no cálculo da pensão uma redução correspondente ao aumento da esperança de vida aos 65 anos, tendo para o efeito sido criado o “factor de sustentabilidade”.
As medidas não foram adoptadas em simultâneo - no tempo e no modo - ao RGSS e à CGA. Em relação ao factor de sustentabilidade, entrou em vigor para as novas pensões em 2008 no RGSS e só viria a entrar em vigor em 2011 na CGA.
Em relação a consideração de toda a carreira contributiva, a fórmula de cálculo da CGA manteve-se mais vantajosa que no RGSS, daqui resultando pensões mais elevadas para a função pública. Também na idade legal de reforma a função pública beneficiou de um regime mais favorável. Só em 2013 a idade de 65 anos passou a ser a mesma para ambos os sistemas.
Nos sistemas públicos de pensões não se vê motivos para haver tratamentos diferenciados. As diferenças nos quantitativos das pensões devem derivar das políticas salariais praticadas em ambos os sectores, privado e público, deixando funcionar o mercado. As políticas salariais terão, naturalmente, reflexo na formação da pensão, mas a sua fórmula de cálculo e as condições de acesso à reforma devem ser, em regra, as mesmas.
Implemente-se a convergência dos sistemas. Trabalhadores em iguais circunstâncias – salário, carreira e idade - devem ter taxas de substituição idênticas.
No plano das finanças públicas, haverá ganhos imediatos e as perspectivas de sustentabilidade dos sistemas de pensões melhoram um pouco. No entanto, a convergência não é a resposta para resolver os desequilíbrios financeiros destes sistemas.

sábado, 13 de abril de 2013

"O sol quer brincar..."



Conheço o sol há muito tempo, muito para mim, claro, porque para ele eu não valho um espirro de uma formiga. Mesmo assim, já o conheço suficientemente para dizer que pode ser louco, irrequieto, tímido, mau, meigo, mortal, amoroso, triste, enfim, nunca vi nada na minha vida parecido com as suas múltiplas facetas. Bem mais previsível é a sua sombra da noite, a lua, sempre discreta, fria, com laivos permanentes de uma enigmática tristeza, apenas suspensa durante belos momentos em que, cheia que nem um odre de vinho, se levanta no horizonte encharcando o espaço de um abraço acobreado, despertando e transformando seres que só ela conhece.
Agradeço ao sol algumas das mais belas e inesquecíveis imagens gravadas com raios tépidos no corpo e na mente de uma criança. Ansiava por esta altura do ano, embora não tivesse ainda muitas memórias de outros. Imaginava que fora sempre assim.
O sol ensinou-me a compreender o sentido de muitas palavras e as estações do ano. Afinal de contas não eram as velas do bolo do aniversário, e nem as prendinhas, que marcavam um novo ano, mas sim a repetição de um belo ritual, o prolongar do dia, o corar do céu ao final da tarde, o ir para casa mais tarde e as brincadeiras na laje de cimento aquecida pelo calor da tarde. Quando desaparecia, atrás da serra, ficava a saboreá-lo através do calor que irradiava do chão, onde desenhava, com um giz pifado da escola, estradas tortuosas por onde teriam de andar as caricas, imitando os ciclistas, como se fosse uma volta a Portugal. Tinha de ter cuidado ao disparar com o dedo médio, porque se saíssem das linhas traçadas tinham de voltar ao início. O sol ficava intrigado com o jogo, mas quando ia perguntar o que é que eu estava a fazer, já a serra o tinha escondido. - Deixa lá, amanhã digo-te. Quando começava a desenhar novamente, no dia seguinte, ao final da tarde, novos trajetos para o meu jogo, o sol, curioso, olhava-me com esperança de saber o que estaria a fazer. Quando começava a jogar, a serra começava a tapá-lo e ouvia-o dizer muito à pressa: - O que é que estás a fazer...? - Amanhã digo-te. Entretanto, deitava-me no cimento e gozava com aquele calor que ele me deixava, debaixo de um céu muito vermelho que pintava as minhas pistas, as minhas caricas, dando uma cor muito especial ao meu jogo.
Hoje, o sol despertou de uma letargia, de uma depressão prolongada, e, cheio de humor, fez-me reviver esse período. Só agora me lembrei que nunca lhe disse o que estava a fazer. Digo-lhe agora: - Sabes sol, brincava à  volta em Portugal com caricas de garrafas de laranjada e de cerveja. Tinha que me treinar por causa dos campeonatos na escola. Ficou surpreendido, por só agora lhe ter respondido. - Obrigado. Disse, timidamente, mostrando desejo de brincar. Apercebi-me da sua intenção e perguntei-lhe: - Queres também jogar? - Quero, pois! Respondeu com ansiedade infantil. - Bom, então, que tal jogarmos amanhã? - Sim, sim, jogamos amanhã, mas quem escolhe as caricas sou eu. - Está bem! Podes escolher. Até amanhã. - Até amanhã. Disse com muita satisfação, algo que não devia sentir há muito tempo. E deixou-se cair alegre que nem uma criança ansiosa atrás da serra do Caramulo, vermelho de excitação.
Bom. Pelo menos, sei que amanhã vamos ter um belo dia, alegre e infantil, com o sol ávido de brincadeiras, mas só ao final da tarde, não vá ele despertar mal disposto. Se quer jogar tem que se portar bem...