quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Embaixador de Israel


De acordo com o que me foi dado ler, o embaixador de Israel em Lisboa foi muito duro numa conferência realizada em Lisboa, afirmando que fomos "o único país que colocou a sua bandeira a meia haste durante três dias" pela morte de Hitler, uma nódoa que os judeus associam a Portugal. Quando li o título, "Embaixador de Israel diz que Portugal tem "uma nódoa" que os judeus não esquecem", pensei que estaria a referir-se ao Pogrom de Lisboa de 1506, mas não, o que os judeus não esquecem foi o "luto" de três dias determinado por Salazar. Quanto à matança de Lisboa, às tantas deve ser coisa "menor" que os judeus já se esqueceram ou não sabem, pelo menos a grande maioria. Na minha opinião, as palavras do embaixador são uma ofensa ao povo português, porque não pode ser responsabilizado pela decisão de um governante. Além do mais, o senhor embaixador deve desconhecer - não obviamente o papel dos dois "justos" portugueses -, inúmeros e anónimos portugueses que ajudaram muitos judeus. Conheço e ouvi muitas histórias de ajudas prestadas pelos nossos compatriotas a judeus, o que não é de admirar, atendendo à nossa eterna vocação para manifestações de solidariedade com os mais desfavorecidos e perseguidos. Se juntarmos a tudo isto muito sangue judaico que corre mais ou menos diluído nas nossas veias, então, devemos ficar ofendidos ou pelo menos perplexos com tamanha arrogância étnica.
Caro senhor embaixador de Israel, há um ditado em português que diz o seguinte: "no melhor pano pode cair uma nódoa". Sendo assim, gostaria que me mostrasse o "pano" judeu, branco, puro, sem mácula. Não o encontra? Pois não, não pode encontrá-lo. Sabe senhor embaixador, o senhor pode representar o governo de Israel, mas não o povo judeu e os povos acabam, com o tempo, por recordar as belas recordações. Apesar das atrocidades cometidas contra os judeus, mesmo pelos portugueses dos quinhentos, há recordações que não desaparecem. No seu país, alguns dos seus compatriotas ainda guardam centenárias chaves das suas casas portuguesas. Sefarditas que não esquecem as suas origens e que ainda rezam em ladino. E quer reviver o episódio da bandeira nacional colocada a meia haste por Salazar? Para quê? Para nada.
Hoje, o senhor obriga-me a mostrar o meu descontentamento. Faço-o relembrando que os meus antepassados foram marranos, como, provavelmente, uma parte significativa deste povo, que tem muitos defeitos, mas a solidariedade e a generosidade são algumas das suas principais virtudes e estão sempre içadas nos nossos mastros em honra de judeus, de palestinianos ou de qualquer outro povo.

Ficámos a saber mais alguma coisa...


Luís Marques Mendes esclareceu  há pouco na televisão que a “Refundação é a reforma do Estado”. Transmitiu, a este propósito, algumas notícias em primeira mão:
- Os técnicos do FMI vão assessorar o governo no estudo;
- A redução da despesa esperada de 4 mil milhões será proveniente das funções de soberania - 500 milhões de euros – e das funções sociais – 3,5 mil milhões de euros;
- Entre as medidas em estudo está a dispensa de funcionários públicos.
Ficámos a saber mais alguma coisa...

Estado Social

António José Seguro rejeitou dar o seu aval a uma revisão constitucional para “destruir o Estado social”.
Acontece que, nas circunstâncias presentes, Estado social nada tem a ver com a Constituição; tem apenas a ver com a existência ou não recursos.
O resto é palavreado oco e sem sentido. Do qual os socialistas não são capazes de sair. 

Uma boa iniciativa...

O Programa Intergerações da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, lançado em Março deste ano, é uma iniciativa muito relevante, pena que só este ano tenha arrancado. Mas mais vale tarde do que nunca. A iniciativa tem por objectivo fazer a identificação dos idosos que vivem sós na cidade de Lisboa - são, segundo o último Censos, 36 mil pessoas com mais de 65 anos - e estruturar respostas que permitam acompanhar em permanência estas pessoas, com soluções adequadas à sua condição de vida. São pessoas em risco, seja por motivos de saúde, habitação, condição económica, solidão, violência doméstica, segurança, etc., que necessitam de apoios para satisfazer necessidades básicas. A intervenção implica uma geometria muito variável de soluções e  uma eficaz articulação/coordenação entre muitas entidades que trabalham no terreno em  vários domínios. Um trabalho onde normalmente há grandes falhas, onde não faltam as sobreposições e são frequentes a falta de comando e a desresponsabilização.
Os resultados alcançados mostram o nível de carências em que vivem os idosos de Lisboa e como é urgente actuar.  Um retrato que se estende certamente a outras cidades do país. Na primeira fase foram identificados 23 mil idosos em risco, dos quais 542 tiveram, segundo a notícia, uma resposta imediata devido à situação de emergência em que foram encontrados. Na segunda fase serão criadas estruturas que deverão permitir acompanhar os milhares de idosos referenciados.
É fundamental que socorramos os idosos que, abandonados à sua sorte, vivem em condições muitas vezes sub-humanas com as quais uma sociedade responsável não pode pactuar. As dificuldades em tempo de crise mostram como é ainda mais urgente actuar.
É muito importante que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa se reconcentre na sua missão de ajudar os mais necessitados. Para o fazer é preciso identificar os casos e actuar de forma eficaz. É um trabalho difícil e exigente mas absolutamente necessário. É preciso estruturar formas de intervenção em linha com os problemas do nosso tempo, numa sociedade que caminha para o envelhecimento, mas também em linha com a necessidade de envolver nas soluções o voluntariado, as comunidades e instituições locais, entidades oficiais, de modo a ganhar sinergias através da entreajuda, complementaridade e proximidade. Um grande desafio...

Furacão Sandy


O furacão Sandy provocou em Nova Iorque e em várias cidades americanas uma devastação que só estávamos habituados a ver em países ditos pobres onde as imagens, por muito impressionantes que fossem do ponto de vista humano, não nos causavam a perplexidade e a insegurança que ontem assistimos. De facto, habituámos-nos de certo modo a ter a arrogância da invencibilidade, os complexos e sofisticados sistemas de construção de uma cidade como NY, todas as precauções, a forma fantástica e eficaz como funcionaram as instruções à população, a movimentação de milhares e milhares de pessoas para longa das suas casas, tudo parecia previstyo e acautelado e  tudo isso passou a segundo plano com as imagens da dimensão do desastre. Em poucas horas, muitas cidades americanas, incluindo a maior, ficaram completamente paralisadas, inundadas, sem luz, sem água, sem nenhuma capacidade de enfrentar as forças da natureza a não ser fugir, esperar, ter medo. Faz-se agora o balanço terrível da passagem de Sandy e custa a crer na fragilidade da civilização, mesmo da mais sofisticada, talvez por isso mesmo mais dependente de que tudo funcione e mais perplexa com o grau dessa dependência quando, de um momento para o outro, tudo deixa de funcionar. As forças da natureza encontram sempre forma de nos lembrar que somos apenas meros habitantes.

5ª Avaliação do PAEF: alguns pontos críticos

1. Pela qualidade e rigor com que são apresentados, considero de leitura obrigatória os textos divulgados pelo FMI sobre a avaliação do cumprimento do programa de ajustamento da economia portuguesa (PAEF).
2. Num momento em que a discussão da proposta de OE/2013 suscita tantas perplexidades, creio que vale a pena focar alguns pontos críticos do relatório da 5ª Avaliação divulgado no dia 25 do corrente.
3. Um 1º ponto refere-se à quebra da receita fiscal (-4,9% até Setembro) que obriga a recorrer a medidas de emergência nesta parte final do ano (tanto do lado da Receita - como é o caso da tributação extra sobre prédios de valor superior a € 1 milhão e do agravamento da taxa sobre os rendimentos das aplicações financeiras, de 25 para 26,5% - como do lado da Despesa pelo congelamento de determinadas dotações) para salvar o novo objectivo do défice, 5% do PIB.
4. Segundo a análise do FMI, que não vi ainda comentada, esta quebra da receita fiscal tem natureza estrutural, resultando da rápida mudança no padrão da actividade económica com o crescente peso das exportações que, como se sabe, pagam menos impostos (IVA, em especial). O FMI avisa pois que esta “underperformance” da receita fiscal tem carácter permanente, uma vez que a mudança do padrão produtivo tenderá a acentuar-se.
5. Outro ponto refere-se à necessidade de encontrar, no OE/2013, compensações do lado da receita para o acréscimo de despesa com a reposição dos 13º e 14º meses aos funcionários públicos, por força da magistral jurisprudência do T. Constitucional, com especial incidência no IRS, nomeadamente (i) aplicando uma sobretaxa de 4% na tributação dos rendimentos colectáveis superiores ao SMN, e (ii) reduzindo os escalões de rendimento tributável de 8 para 5, redução que implica a elevação da taxa média de tributação de 9,6% para 12,5% (mesmo assim abaixo da média da UE). Nestas duas medidas o Governo arrecada quase 1,5% do PIB em receita adicional.
6. A propósito, o FMI chama a atenção para o facto de o ajustamento proposto no OE/2013 “...ser muito mais inclinado para o lado da receita do que o Fundo teria preferido...”, acrescentando que as autoridades justificam esse enviesamento por ser muito difícil ir mais além no corte da despesa (sobretudo social)...
7. ...mas sublinha que as mesmas autoridades consideram necessário um “extenso exame” da despesa pública para poderem ir mais longe na sua redução e se comprometeram a promover esse exame para que o ajustamento orçamental em 2014/5 seja baseado em reduções de despesa...a ver vamos o que é que isto (a que agora tb se chama REFUNDAÇÃO do Programa) vai dar...
8. Um 3º ponto, muito sensível, parte do reconhecimento das dificuldades de acesso ao crédito bancário por parte das PME, sendo mencionada uma proposta de medidas, em cuja preparação se encontram envolvidos o Ministério das Finanças, o BdeP e outras partes interessadas, visando a diversificação das fontes de financiamento para as PME, designadamente através do mercado de capitais (incluindo as emissões grupadas de obrigações, ideia já outrora tentada com pouco sucesso)...
9. Tenho a percepção de que neste último ponto existirá uma dose apreciável de “wishful thinking”...mas tb é verdade que, se nada for tentado, nada se conseguirá...
10. ...só espero que não esteja na calha aquela ideia meio "quixotesca" da criação de um novo Banco de Fomento - não porque tenha alguma coisa contra a criação de um novo banco, mas porque me tem parecido que por trás desta ideia estará um vago propósito de especialização no financiamento de empresas sem capacidade de reembolso...

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Dignidade

Eu sei que certos assuntos são muito delicados e que podem levantar muita controvérsia e até reações emocionais bastante fortes. O melhor a fazer nestes casos é estar quieto e calado, sempre se evitam algumas complicações ou mal entendidos. Acontece que não sou capaz de estar quieto e calado, por isso tenho que expressar a minha opinião.
Li uma história que me incomodou, mais uma a somar a outras semelhantes, um caso de uma jovem polaca que engravidou após ter sido violada.
A Polónia é um país com uma forte matriz religiosa católica e, nesse contexto, muitas leis são produzidas sob essa orientação e influência, como é o caso do aborto. Mesmo assim, a legislação polaca permite o abortamento no caso de violação. Deste modo, a jovem solicitou a aplicação do seu direito. Aqui começou a sua via-sacra. Foi com a mãe ao hospital da cidade munida do respetivo certificado legal que lhe permitia fazer a interrupção da gravidez. No hospital criaram-lhe inúmeras dificuldades de forma a impedir que conseguisse o seu objetivo. Procuraram outro hospital onde a cena das dificuldades se repetiram. Aqui as coisas ainda foram mais complicadas, o diretor do serviço de ginecologia levou-a a um padre católico sem autorização da mãe e nem da jovem. Médico e padre, numa cumplicidade esquisita, fizeram tudo para demover o desejo da violada. Não conseguiram demover a miúda, e, por este motivo, o ginecologista invocou objeção de consciência. O hospital tomou decisão de publicar a sua nega chegando a ponto de violar aspetos privados da menina. Depois foram para Varsóvia. O hospital passou a receber ameaças dos movimentos antiaborto, assim como a jovem que, também, foi objeto de um ignóbil assédio por parte de ativistas zelosas o que a levou a fugir do hospital. A pobre mãe chegou a ser acusada de ilegalidades pelas ativistas e autoridades polacas. Foi mesmo detida! Entretanto a menor era enviada para um centro de acolhimento de menores na sua cidade Natal. Enfim, uma verdadeira odisseia que terminou em Gdansk para onde mãe e filha conseguiram fugir clandestinamente e onde terminou uma gravidez que legalmente tinha sido autorizada de acordo com as leis daquele país.
Uma jovem duplamente violada, pelos energúmenos que praticaram um ato incompreensível e por alguns dos seus concidadãos que, "fiéis" a certos "princípios", tudo fazem para roubar a dignidade a um ser humano.
Passaram-se quatro anos. Agora, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Polónia por violar os direitos de uma menina de catorze anos. Uma sentença dura e exemplar.
Como é possível haver, ainda, nos tempos de hoje atitudes deste género? Atitudes que não respeitam valores, como o respeito e a dignidade humanas, atitudes que querem fazer prevalecerem certos direitos "divinos". Pobre jovem, não sei se irá algum dia recuperar do trauma da violação, mas se conseguir, espero sinceramente que sim, nunca irá recuperar da violência dos grupos ativistas antiaborto.
Poderia estar calado? Poderia, mas não consigo.

Um monumento à lealdade. Quanto mais os conheço...


Um cão chamado "Leão". Pelo segundo dia espera junto à sepultura do seu dono, falecido num deslize de terras perto do Rio de Janeiro nos primeiros dias do ano passado. Magnífica foto de Vanderlei Almeida.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Preso por ter cão, preso por não o ter...


Ouço as críticas ao PM sobre a sua intervenção na jornada parlamentar conjunta dos partidos coligados. Desta feita os disparos são sobre a "refundação" do acordo para o equilíbrio das finanças públicas e reajustamento da economia. Passos Coelho, é verdade, não tem sorte com as palavras que escolhe para transmitir as mensagens mais relevantes. São já inúmeros os momentos, em pouco mais de um ano, em que isso ficou claro. Por alguma misteriosa razão quanto mais simples é a ideia, menos feliz é a expressão que o PM, nessa qualidade ou na de presidente do PSD, escolhe para a comunicar. No entanto, na maior parte das vezes toda a gente percebe o que quis dizer. "Refundar" o acordo com a Troika não é a melhor locução para dizer que é chegada a hora de renegociar os seus termos face ao que foi adquirido desde a sua assinatura. Ora, não é exatamente isso que vêm exigindo comentadores, analistas, líderes e dirigentes da oposição, vozes escutadas dos partidos da coligação, sindicatos, corporações, ex-presidentes?
É decerto um problema de comunicação do Dr. Passos Coelho cujas ideias passam melhor quando não improvisa e pondera o discurso. Mas é também um sintoma que passou a ser politicamente correto "malhar" no PM (para recordar a linguagem usada por um ministro do anterior governo, especializado em comunicação política...). Quer ele diga o que poucos querem ouvir, quer ele vá de encontro à reclamação da maioria.

"Metade dos portugueses que nascerem daqui a dez anos vai ter cancro"


Não sei qual foi a análise epidemiológica de que se serviu este autor. Neste momento, o cancro é a segunda causa de morte a seguir às doenças cardiovasculares. Ambas aumentam com a idade e se vivermos mais maior é o risco. Por outro lado a prevenção das doenças cardiovasculares é uma realidade. Por este motivo iremos morrer menos por enfarte ou AVC, logo, como temos de morrer de qualquer outra coisa, o cancro é uma hipótese. Mas convém também afirmar que o cancro sofrerá uma "desvalorização", ou seja, mesmo que se torne mais frequente irá matar menos, até porque os casos de indivíduos com dois ou três cancros já começa a ocorrer.
Analiso esta notícia devido à forma "seca" e sensacionalista como foi transmitida no telejornal. Muitas pessoas devem ter-se arrepiado e até perdido o apetite. Não podem apresentar as "coisas" desta forma, não é legítimo. Deveriam explicar que hoje em dia o cancro é já muito frequente e que muitas neoplasias são curáveis e outras compatíveis com uma longa sobrevivência, a querer testemunhar a transformação de uma doença considerada mortal em doença crónica.
Há que ter um certo pudor e respeito pelas pessoas, sobretudo as que, por motivos óbvios, não têm conhecimentos suficientes para fazer certos tipos de análises. Mas o que interessa é chocar, é viver do sensacionalismo. Eu não concordo com esta forma de informar.

domingo, 28 de outubro de 2012

sábado, 27 de outubro de 2012

Jogo

Em pequeno, de vez em quando, o meu avô entregava-me um envelope com dinheiro para ir à casa do Sr. V. pagar a renda do edifício. Não era muito longe e sentia que me era confiada uma grande responsabilidade. Fazia o que me mandava. Batia à porta, subia a longa escadaria e cumprimentava as senhoras muito educadamente, as quais se metiam comigo, dando-me bolachas, um precioso pedaço de bolo ou uma fatia de pão barrada com uma espessa e muito saborosa marmelada. Ao fim de algum tempo, o carrancudo e antipático senhorio, sem um sorriso e sem duas palavras, entregava-me o recibo e emitia um grunhido, toma, e eu abalava pelas escadas abaixo o mais rapidamente possível. Que besta! Numa altura, estava a receber novamente o envelope para entregar ao senhor, desabafei com o meu avô, dizendo-lhe que o senhor era muito antipático e por isso preferia não ir. Ele riu-se e confirmou que também não gostava nada de o ver ou de o ouvir, porque tinha feito uma coisa muito feia. O que é que ele fez? Tu és ainda pequeno para perceberes certas coisas. Vai lá entregar o dinheiro ao homem. Não insisti. Disse-lhe: está bem. Antes de sair pela varanda da cozinha ouvi-o comentar com a minha avó o meu desagrado. O miúdo não gosta do V. E tem toda a razão, o homem é um verdadeiro animal, jogar a mulher ao jogo! Perdeu-a. Como a conversa estava a tornar-se aliciante, pus-me à coca por detrás da porta da cozinha e ouvi tudo. Eu já sabia o que era jogar, jogava à bisca dos três e ao burro em pé, e também sabia que havia pessoas que jogavam a dinheiro. Eu não, nem a feijões! Parece que o homem que a ganhou não foi reclamá-la, mas a história propagou-se. Um ato humilhante. Nesse dia, em que soube da história e dos seus pormenores, subi as escadas com apreensão. Estava determinado em olhar para a senhora que foi jogada numa partida qualquer e que mudou de "dono". Uma senhora triste que nunca abandonou o sorriso quando me mimoseava com bolachas ou com um generoso naco de bolo. Nesse dia o senhor não estava e a mulher ficou de enviar o recibo ao meu avô. Senti um alívio ao saber que não iria ver o jogador que apostou a mulher. Curiosamente nunca mais o vi, porque passado algum tempo a roleta da morte premiou-o.
Um dia comentei a história com o meu avô que ficou muito surpreendido. Olhou para mim durante algum tempo sem dizer uma palavra, uma atitude assustadora. Vi, perfeitamente, que estava tentado a comentar qualquer coisa, mas só disse: um dia vou-te dizer uma coisa muito importante a propósito do jogo. E assim foi, mais tarde, quando a rapaziada meio espigadota queria começar a jogar com certo atrevimento, e alguns já o faziam, jogando à lerpa, ouvi um sermão preventivo. Lembras-te do senhor V., aquele que perdeu a mulher ao jogo? Acontece apenas aos que se viciam no jogo, ficam de tal modo apanhados que fazem tudo, até jogar a própria mulher ou, então, acabam na miséria. Ia dizendo tudo isto a subir a escadas íngremes, o que já fazia com alguma dificuldade. Ao chegar ao topo, virou-se e disse solenemente: nunca te esqueças do que te vou dizer: "um homem que é homem nunca joga a dinheiro". Arrepiei-me. Repetiu mais uma vez a frase virando-me as costas no topo das escadas. Lembro-me ter balbuciado qualquer coisa, mas tive de fugir imediatamente para o jardim com uma estranha sensação de culpa, apesar de nunca ter jogado a dinheiro. Depois, com o tempo, "vi", e bem, as consequências do jogo. Um horror, uma das piores toxicomanias a relembrar a heroína ou a cocaína, só que é legal. E continua, sob a proteção e provocação dos responsáveis. Algo que merece ser estudado e travado, mas não vejo como.
Mark Twain dizia que há duas situações em que não se deve jogar, quando não se tem dinheiro e quando se tem...

"Idosa escondeu ao hospital que tinha sido agredida para não pagar 108 euros de taxa"

Há certas coisas que me incomodam, a ser verdade, claro. Esta notícia é perturbadora e revela o estado a que chegámos. Mesmo que na prática a vítima não pague, não deixa de ser confrontada com a angústia e o terror de ser espoliada pelas instituições. É bom que se definem as regras, é bom não ameaçar os cidadãos, é melhor ter juízo senhores altos responsáveis e funcionários.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Boa sorte D.

As crianças para entrarem no mundo dos adultos percorrem em primeiro o mundo da fantasia, não sei se para amenizar a frustração do futuro ou se para aprender valores e princípios. O que eu sei é que adoram histórias de príncipes, de princesas, de bruxas más, de fadas, de animais que falam e que são capazes de peripécias e aventuras das mais mirabolantes, mas têm que respeitar uma regra de ouro, terminar sempre bem, do género “casaram e foram felizes para sempre”, em Espanha é um pouco diferente, são mais pragmáticos, "foram felizes e comeram perdizes”.
A vida está muito longe da fantasia, o tempo encarrega-se de o demonstrar.
O rapaz, africano, apareceu na rua, magro, pequeno, demonstrava dificuldades na marcha. Ao fim de algum tempo já sabíamos onde morava, num anexo de uma mansão. Quem era? Um jovem que em criança tinha sido trazido de Luanda, vítima de uma mina, como tantas outras que em Angola foram objeto de uma prática ignóbil. Ficou sem as duas pernas. Foi um colega, ortopedista, que se condoeu com a gravidade da situação. Trouxe-o, tratou-o e, posteriormente, tomou conta dele. Ao fim de alguns anos, o seu protetor morreu prematuramente. O cuidado do africano foi transferido para a "avó", doente e muito carinhosa. "Herdou-o". O jovem ajudava-a e fazia-lhe companhia. A "avó" um dia desapareceu. Foi então que a tragédia se abateu sobre ele. Só e sem meios. Os amigos do bairro iam-lhe dando a mão, fazendo jus ao conceito de caridade, mas, mesmo assim, inúmeros episódios, em que a própria fome chegou a atormentá-lo, são reveladores da miséria que um ser humano pode sofrer. Alguns desses episódios, verdadeiramente dramáticos, mesmo impensáveis, traduzem a falta de nobreza de certos seres humanos. Que fazer? Ajudá-lo, claro. Consegui apoio de um outro colega que o aceitou na sua instituição, passando a trabalhar. Havia e há no jovem um sentido de nobreza e de dignidade que é preciso salientar, e só em situações de muita aflição é que pedia ajuda. Via-se um certo constrangimento que eu prontamente desvalorizava. Ficou sem papéis. Assaltaram-no. Passou a ser um cidadão indocumentado. Necessitava de uma certidão de nascimento. Em Angola ninguém conseguia o documento. A guerra destruiu muitos documentos e a embaixada não resolveu nada. Tinha de ir à origem. O dinheiro, que entretanto ganhou, e que está depositado numa instituição bancária, não pode ser tocado devido à falta de documentação. Por último só lhe restava ir embora.
Há muitos anos conheci uma senhora em Luanda, irmã da minha secretária. Pedi-lhe ajuda e a solidariedade cumpriu-se. Não conheço mais ninguém naquela cidade. O rapaz já tinha onde ficar. Marcada a viagem, regressou ao fim de muitos anos à sua terra natal, a terra que lhe tinha comido as suas pernas. Ao fim da noite telefonou. A satisfação era enorme. A senhora, que foi nomeada recentemente para um elevado cargo no governo angolano, foi esperá-lo ao aeroporto. Foi então que disse, que foi de motorista, segurança e polícia até casa, uma casa luxuosa e vai assinar um contrato de trabalho para poder ganhar a vida. Tive que sorrir. Uma receção digna de um alto dignitário. Está bem, devidamente protegido, em condições quase que diria principescas, sente-se útil e respeitado. Quase que poderia afirmar, um verdadeiro conto de fadas. "Vitória, vitória, assim acabou-se a história". Não sei, mas por agora não posso deixar de manifestar a minha alegria e satisfação. Sempre vale a pena acreditar em fantasias, fantasias que podem transformar-se em inesperadas realidades.
Boa sorte D.

E se os ambientalistas dos lobos fossem guardar cabras?

Uma reportagem do jornal Gazeta da Beira do dia 25 de Outubro ilustra o problema que os criadores de cabras da Serra de S. Macário e da Gralheira (S. Pedro do Sul) têm com a proliferação dos lobos. Entre vários exemplos vivos, um jovem agricultor que recebeu fundos do PRODER, mantém um rebanho de cabras na serra e vai perdendo gado todas as semanas.
Jornalista: Está a ter muitos prejuízos causados pelos lobos?
Agricultor: Sim, muitos, estamos a ter dois ou três ataques por semana
Jornalista: Quantos animais perde em cada ataque?
Agricultor: Perdemos, três, quatro e cinco animais em cada ataque…
Jornalista: O número de mortes tem vindo a aumentar?
Agricultor: Em dois anos, os rebanhos foram reduzidos para metade.
Outro popular vai referindo: “isto do lobo não tem jeito nenhum andar aí, é que tudo o que a gente trabalha destrói. Isto não é só destruir cabras, é que a gente para ter cabras tem que ter milho que nos dá muito trabalho e o lobo todos os dias apanha gado ao pessoal”.  
Por causa de tudo isto, um outro agricultor que teve 200 cabras reduziu o rebanho para 23.
Caricato é que um Estado, o da Agricultura, financia os rebanhos e outro Estado, o da Natureza, tudo faz para os dizimar, e que um outro Estado qualquer, por sua vez, diz que trata de indemnizar. Uma verdadeira indústria do desperdício que só pôde ter sido montada por fundamentalismos da natureza e burocratas sem ética nem moral. É que o ICN teoricamente paga as cabras mortas, mas elas têm que ser apresentadas para verificação do óbito. Alguma vez imaginaram essas luminárias o que é recolher restos de cabras pelo alcantilado das serras e transportá-las para o necessário visionamento técnico? E como é que cabras que efectivamente foram comidas podem ser encontradas? Por isso, os agricultores, que só vêem indemnizadas cerca de 20% das perdas, baixam os braços e deixam os rebanhos.  
Remédio? Claro que a sabedoria popular tem o remédio santo: matar os lobos, como tradicionalmente se fazia, a tiros de caçadeira. Só que agora é proibido, é crime de lesa-natureza.
Precisamos de uma agricultura capaz de produzir, criar emprego e riqueza? Nada disso. Para os fundamentalistas da natureza, o que precisamos é de criar lobos. Do conforto dos seus gabinetes vão-se congratulando com o monstro que criaram e alimentam. Os humanos, pois que se lixem!
Por mim, mandava-os todos guardar cabras e defrontar os lobos. Ao frio, ao vento, à chuva e à neve. E sem espingarda, claro está!
 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Os novos oráculos

Os embates do inimigo, suportemo-los com coragem, os dos deuses, com resignação. Não me deveis culpar por infortúnios que estão para além dos cálculos, a não ser que queirais atribuir-me também êxitos que não foram premeditados”.
Pécricles aos atenienses (citado em”Os Gregos” de H.D.F.Kitto, 3ª ed. Arménio Amado editora)

Vem esta citação a propósito da condenação, por um tribunal italiano, de um grupo de peritos que fez uma previsão errada dos riscos de um terramoto grave em Atila. O parecer dos cientistas serviu para sossegar as populações que, deste modo, foram apanhadas desprevenidas com a violência do sismo. Não é só a propósito das fúrias da natureza que se vem confundindo os deuses com os inimigos, como se nos pudéssemos defender deles baseados nos conhecimentos que julgamos ter, é também a propósito de grandes movimentos sociais e económicos, de transformações que se vão produzindo lentamente, com pequenos sobressaltos aqui e ali que queremos ignorar a coberto de pressurosos relatórios, estudos, recomendações e análises que mais não podem do que admitir, supor, calcular com fundamento no que é conhecido e mensurável, omitindo tantas vezes a pura incapacidade de controlar tudo ao detalhe, quer o que está, quer o que poderá vir. O endeusamento da ciência sucedeu ao fim das torres de marfim em que costumava encerrar-se, destinada apenas a consumo dos sábios e a discussões acesas entre eles, debatendo argumentos, formando correntes de pensamento, arriscando novas experiências que por fim sujeitavam à crítica dos outros. Tinham razão, os cientistas dignos desse nome serão certamente os primeiros a reconhecer a insuficiência dos seus conhecimentos e a falibilidade das suas premissas, isso faz parte da equação da seriedade científica e da humildade que permite avançar no desvendar dos segredos do universo. Nas decisões, mesmo as mais simples, entram sempre factores que não se dominam por completo, e ainda bem, será talvez essa a nossa margem de liberdade, que também se pode chamar responsabilidade, e que não exclui dela nenhum dos elementos que actuam em cadeia, até ao resultado. O grande logro, o perigoso logro, é quando nos querem convencer de que há avaliações infalíveis, que nos dispensem de tomar a nossa parte de decisão, que nos desresponsabilizem para depois nos imporem as consequências sem distinção de grau ou de circunstância. Há responsabilidade dos cientistas? Sem dúvida, quando se arvoram em deuses, omitindo que podem errar e querendo fazer-se passar por controladores do que não podem garantir. Erram os decisores? Sem dúvida, quando invocam os cientistas para se esconderem na parte que lhes cabe da decisão, para evitarem argumentos, para pouparem tempo ou, simplesmente, para imporem o que já teriam decidido com ou sem os fundamentos emprestados pelos estudiosos. Mas erram também os cidadãos, que aceitam que os dispensem de raciocinar, de tomar as iniciativas que lhes competiriam se fossem prudentes, ou diligentes, ou ciosos da sua margem de liberdade. Ignorar isto será admitir um proteccionismo aberrante, que legitima a falta de informação, a intrusão no espaço e na vida de cada um, será também deixar que proliferem estudos, análises e teorias para todos os gostos, que permitam tudo para no fim desresponsabilizarem toda a gente. Quanto mais os tribunais julgarem os cientistas como se se vingassem dos deuses, mais as populações ficam à mercê de decisores incapazes de guiar para enfrentar com coragem os inimigos que os ameaçam. Por alguma razão o oráculo de Delfos se pronunciava sempre com sabedoria: deixava ao intérprete uma tal margem de liberdade de interpretação que não o inibia de decidir com coragem, assumindo os riscos.

Balança de Pgamentos com excedente de € 750 milhões até Agosto, quem diria?!

1. Segundo o Boletim Estatístico do BdeP, esta semana divulgado, a Balança de Pagamentos com o exterior apresentou, no período Jan-Agosto, um EXCEDENTE de € 750 milhões.
2. Este excedente é o resultado de um défice da Balança Corrente (- € 1.733 milhões) e de um superavit na Balança de Capital (+ € 2.483 milhões), este último proveniente de transferências de capital da EU.
3. Note-se que o défice da Balança Corrente é consequência da elevada factura de juros pagos ao exterior, causados pelo endividamento da economia portuguesa e que pesam na rubrica de Rendimentos, a qual apresenta um défice elevado (- € 4.770 milhões) – enquanto que as rubricas de Bens e de Serviços, em conjunto, apresentam já um superavit de € 315 milhões, pela 1ª vez desde há mais de 15 anos!

4. Esta evolução é tanto mais notável quanto é certo que o mesmo saldo da Balança de Pagamentos, agora positivo como referido em 1, apresentou no último triénio os seguintes valores:

- Em 2009, deficit - € 17.009 milhões (10% do PIB)

- Em 2010,    “      - € 15.184   “

- Em 2011,    “      - € 8.975     “

5. Se me tivessem dito há 3 anos que isto iria acontecer, eu teria comentado “estão a sonhar alto”! Mas aconteceu, e o mérito desta radical mudança de desempenho da economia vai em primeiro lugar para as empresas privadas – empresários e trabalhadores – que têm vindo a realizar um esforço gigantesco de adaptação às novas condições da economia, arregaçaram as mangas e foram por esse Mundo fora à procura de novos clientes e mercados!
6. Note-se que as exportações de Bens aumentaram até Agosto 9,15% em relação ao período homólogo de 2011 e as exportações de Serviços 15,7%, isto num enquadramento internacional que, como se sabe, está longe de ser favorável. É certo que as importações diminuíram 4,3%, no mesmo período, mas sem o crescimento das exportações a Balança de Pagamentos não teria sofrido esta enorme alteração de comportamento da Balança.
7. Mas, PARADOXO dos PARADOXOS, um País sufocado por uma despesa pública opressiva, com exemplos de desperdício lamentáveis na administração central, regional e autárquica, bem como nos respectivos sectores empresariais, é obrigado, para cumprir os compromissos com os seus credores internacionais, a tributar cada vez mais aqueles que têm estado na base deste quase milagre económico...para dar ainda mais dinheiro ao Estado!
8. Pior ainda, “dia sim dia não” temos de assistir ao espectáculo de protestos de rua protagonizados pelas corporações de comensais do Orçamento – desde os ENVC até aos grupos de artistas subsidiados – reclamando que não estão sendo bem servidos, que a mesa do Orçamento deveria ser mais generosa!
9. Para cúmulo, esses protestantes quase profissionais beneficiam de toda a cobertura e mesmo do apoio explícito da generalidade dos “media”, a começar por aqueles que tb pagamos a título de prestarem um serviço público! Mas que "raio" de País, este!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Millôr faz sempre bem ao espírito...


Receita de Homem Novo
(Os sábios que me perdoem, mas a piedade é essencial)
Com um pouco de Freud
Envolto em celulóide
Um tanto de marxismo
Embrulhado em jornalismo
Bastante violência
Alguma inteligência
Desprezo da verdade
E alma bem fria
Se faz a humanidade
Do robô da ideologia.

Millôr Fernandes

Aprovação da proposta de O/E em "twilight zone"...

1. Já sabíamos que o CDS/PP irá aprovar a proposta OE/2103 por imperativo de interesse nacional (IN)...não gosta da proposta, considera porventura detestável o agravamento fiscal que a integra, mas o IN fala mais alto, determinando o voto favorável.
2. Confesso que esta posição do CDS/PP me causou alguma perplexidade quanto à interpretação do IN: se o CDS/PP não gosta da proposta de OE/2013, se considera excessivo o agravamento da carga fiscal pelo sacrifício que impõe aos cidadãos, isso não tem nada a ver com o IN?
3. Acabo por concluir que na interpretação do CDS/PP existem dois tipos de IN: o IN-1, que impõe a aprovação do OE/2103 e o IN-2 que impõe não gostar do OE/2013. E, perante tal conflito, deve prevalecer o IN-1, embora não tenha sido devidamente explicada (que eu tenha dado conta) a razão de ser dessa prevalência.
4. Mas hoje emerge a notícia segundo a qual o PSD também irá aprovar a proposta de OE/2103 pela mesma razão que o CDS/PP ou seja o tal “interesse nacional” na versão IN-1...
5. Aqui chegado, ocorre perguntar: mas que outro interesse poderá justificar o voto favorável da proposta de OE/2013, que não seja o interesse nacional numa única versão e não nesta aparente conflitualidade entre um IN-1 e um IN-2?
6. Porque motivo não se explica, com o devido fundamento (e a ser verdade), que a não aprovação do OE/2013 acarretaria para os cidadãos custos bem mais elevados do que os que decorrem da sua aprovação, não obstante se reconhecer que estes já são muito elevados?
7. Esta mistura de interesses nacionais desencontrados, um pró-orçamental e outro supostamente anti-orçamental , dá-me a impressão de que a política nacional entrou numa “twilight zone”, onde tudo é estranho e misterioso...restando ao cidadão o recurso às cartomantes para tentar perceber por onde vamos - será tb por isso que a publicidade deste tipo de serviços ocupa cada vez mais páginas de jornais?

Quais são os limites?

É uma inevitabilidade fazer isto? O governo pretende baixar o valor mínimo do subsídio mensal de desemprego em 10%, de 419 euros para 377 euros. Serão abrangidas 150.000 pessoas. A notícia dá conta que a medida faz parte de uma proposta apresentada aos parceiros sociais que engloba reduções em outras prestações sociais. Estão em causa prestações que atingem grupos populacionais mais desfavorecidos e vulneráveis.
Uma medida a somar a uma outra “inevitabilidade” que consta da proposta do OE de 2013 que pela primeira vez impõe aos desempregados uma contribuição de 6% para a Segurança Social - uma espécie de TSU do desemprego. O resultado é um corte no rendimento disponível, muito significativo nos subsídios mais baixos. Descontaram para a Segurança Social enquanto trabalhadores para segurar um rendimento substitutivo no caso da eventualidade do desemprego. Se a medida avançar irão continuar a descontar na situação de desempregados.
É preciso ter presente que o subsídio de desemprego tem vindo a sofrer desde 2010 vários cortes, na forma de cálculo, no valor máximo, no tempo de duração. E justamente num tempo em que o desemprego tem vindo a crescer de forma galopante.
Austeridade sim, não temos como fugir dela, mas tem que haver limites à austeridade que é imposta a quem é pobre e vive no limiar da pobreza. O estado do país é de necessidade, mas não haverá gorduras públicas por onde cortar?
O Estado Social está em crise, olhe-se para o que se está a passar com a ruptura do sistema previdencial da Segurança Social. Mas se está em crise é um imperativo repensá-lo e reforça-lo no sentido de proteger as pessoas e famílias mais desfavorecidas, agora e no futuro. Estamos a assistir avulso a uma desconstrução do modelo de Segurança Social. Nas piores circunstâncias. Não nos preparámos com tempo, mas tivemos tempo para isso. Reconstrua-se diferente mas com lógica e coerência. Discuta-se o que se pretende da Segurança Social e do Estado Social que podemos e queremos ter, a sua utilidade e a repartição de responsabilidades e do esforço financeiro que exige. Assim é que não...

"Genocídio moral"!


Estou perfeitamente convicto que as diferentes formas de intolerância têm como objetivo justificar a identidade de um povo, de uma comunidade, de uma crença ou de uma ideologia. Ao encontrar "defeitos" nos outros torna-se mais fácil convencerem-se da sua superioridade moral. Talvez seja essa a razão dos grupos conservadores russos que têm vindo a fazer uma guerra contra a homossexualidade. A recente ida de Madonna à Rússia desencadeou uma onda de protestos devido à atitude "provocatória" da cantora norte-americana. O mal-estar russo, que tem o máximo de representatividade numa espécie de "polícia dos bons costumes", não se ficou pelo show da artista, até produtos publicitários, caso de produtos lácteos, em que nas embalagens surge um arco-íris atrás da figura de um homem, estão a ser objeto de manifestações na medida em que as cores do arco-íris se identificam com a bandeira "gay". A loucura tem destas coisas, e, por este andar, até as histórias infantis, em que abundam os arco-íris, poderão vir a serem consideradas como convites à homossexualidade, basta que os dos "bons costumes" se lembrem disso. Na Rússia nota-se uma forte contestação a certos comportamentos que são conotados com o ocidente e, naturalmente, com a corrupção que por aqui brota. Deixem lá que para as vossas bandas corrupção e imoralidades são coisas que não faltam. Também fiquei perplexo com a hierarquia de gravidade dos problemas que os russos sentem na sua forma de ser, em primeiro lugar está o suicídio, seguido da rejeição das crianças e em terceiro lugar a condenação da homossexualidade. Há quem afirme que se estão a criar condições para uma perseguição tipo "novos judeus".
A atitude de Maddona, ao querer defender os direitos destas pessoas, foi considerada como uma "arma ideológica do oeste" e os responsáveis queixaram-se na opinião publica de que a senhora estaria a cometer "genocídio moral"! Enfim, a intolerância é um facto muito preocupante, ao relembrar outras situações já vividas e sofridas. Olhando para os russos intolerantes, ponho-me a pensar se ainda não irão encontrar um meio de evitar os belos arco-íris, privando-nos da sua beleza e de todas as histórias que se contam a seu propósito...
Já não digo nada!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

RTP, Serviço Público de Televisão: a Informação II

Como no post anterior referi, os subscritores do Manifesto em Defesa do Serviço Público de Rádio e Televisão identificam serviço público como o serviço que a RTP presta e, como tal, contestam a privatização da RTP.
Depois das considerações mais genéricas ontem produzidas e que contrariam em absoluto as teses do Movimento, analisarei hoje a informação da RTP à luz da própria caracterização constante do site do Movimento: informação rigorosa e independente, a que os portugueses têm direito…garantia de pluralismo…
Ora a informação da RTP nem é rigorosa, nem é independente, nem é plural.
a)      É uma informação com predominância absoluta da política: a avaliar pela RTP, não há outra actividade no país: não há empresas, nem iniciativas, para além das políticas, dos sindicatos, das corporações, dos lóbis, das pseudo Comissões de Utentes de tudo e qualquer coisa. Não há empresários, não há exemplos humanos de voluntariado social para ouvir, não há empresas inovadoras, não há entidades exemplares para divulgar. Mas há Observatórios de burocratas para confundir, e só e apenas um país sentado para mostrar. Há muita vida para além dos telejornais da RTP. O serviço público não a revela, mas é ela que sustenta o país.
b)      É uma informação que não salvaguarda o pluralismo: a RTP dá exclusividade absoluta aos partidos com representação parlamentar, o que impede que outras forças da sociedade civil ou que pretendem concorrer a eleições apareçam e a sua mensagem seja conhecida.
c)       É uma informação preguiçosa, que insiste nas mesmas figuras (e figurões…) como comentadores: gente que a mais das vezes não se prepara, ou se limita a dizer as mesmas coisas, alguns de há décadas a esta parte. Já se sabe de antemão o que vão dizer. Mas a opinião está cativa dessa uma dúzia de “pensadores”. Que são os mesmo nos telejornais ou nos Prós e Contra ou nas entrevistas de fundo, que apenas servem a vaidade de entrevistadores e entrevistados.
d)      É uma informação que sistematicamente destrói as mais importantes mensagens políticas, sejam elas declarações institucionais ou entrevistas do Presidente da República, do 1º Ministro, ou do principal dirigente da Oposição. Segue-se de imediato um painel que interpreta, adultera, corta, adiciona, corrói e corrompe tudo o que foi dito. Estes programas não constituem serviço público, são verdadeiros produtos estruturados tóxicos, piores do que o sub-prime. Formatados para vender audiências. Os cidadãos não precisam desta intermediação imediata. Compete ao serviço público deixá-los pensar. Comentários, passado algum tempo. Difícil, porque os pensadores profissionais perderiam o palco.
e)      Em síntese, trata-se apenas de uma informação de telejornais de encher chouriços. Com tempos intermináveis a perguntar se se concorda com aumento dos combustíveis, das portagens, do gás e da electricidade, das taxas moderadoras, …choros nos incêndios…e, dentro em breve, o que se pensa da neve e do frio e da chuva…E a repetir pela e-nésima vez peças do dia anterior.
Nada a distingue da informação das estações privadas e, por vezes, fica até muito aquém. Mas é esta informação medíocre na qual o Movimento se revê e erige como serviço público. Porque é a que a RTP faz. Aquela a que, no seu entender,temos direito!...

 

FMI: Reflexões de 1/3 da Troika *


No seu mais recente World Economic Outlook (WEO), o FMI, numa caixa assinada pelos economistas Olivier Blanchard (economista–chefe da instituição) e Daniel Leigh, coloca em causa a avaliação até agora conhecida do impacto das políticas de austeridade sobre a economia. Em média, até aqui, os cálculos – baseados nas observações das três décadas terminadas em 2009 – apontavam para que o efeito directo (de curto prazo) de cada euro de austeridade adicional reduzisse o PIB em meio euro. Ou seja, uma redução do défice público de 1% do PIB provocaria um efeito recessivo de 0.5%: o “multiplicador orçamental” de curto prazo consensual era 0.5.
Porém, com base nos resultados obtidos em 2010-2011, o FMI conclui que, afinal, o multiplicador orçamental pode não ser só de 0.5 – antes situar-se-á entre 0.9 e 1.7. Ou seja, desde a “Grande Recessão”, cada euro adicional de austeridade tem um efeito recessivo entre 0.9 e 1.7 euros sobre a economia. Tomando o ponto médio deste “novo” multiplicador (1.3), e simplificando, o efeito de curto prazo das medidas de austeridade é quase três vezes maior do que anteriormente se estimava. Um desvio… colossal. E a caixa do WEO conclui que estes cálculos são consistentes com investigação científica (research) recente, que aponta para multiplicadores orçamentais superiores a 1 na conjuntura em que hoje vivemos, de crescimento económico baixo e em que a política monetária se encontra limitada pelo nível zero para as taxas de juro (nominalmente, não podem ser negativas…).
Complementando esta análise, um dos artigos referido nesta caixa do WEO, publicado também recentemente com a chancela do FMI, da autoria dos economistas Nicoletta Batini, Giovanni Callegari e Giovanni Melina e intitulado Successful Austerity in the United States, Europe and Japan, levanta outras questões e dúvidas sobre o efeito da austeridade na economia. Refiro aqui brevemente três, que me parecem relevantes:
- A informação mais recente (2010-2011) sugere que planos de consolidação orçamental mais agressivos no início (frontloading, para evitar a chamada “fadiga da austeridade”) têm efeitos recessivos mais duros e prolongados do que uma consolidação gradual. Por outras palavras, reduzir o défice orçamental em 0.5% do PIB durante 4 anos terá custos menores para a economia (e produzirá melhores resultados na redução do endividamento público) do que cortar 2% do PIB num único ano;
- Os autores lançam, assim, a dúvida sobre a inevitabilidade de uma consolidação rápida para restaurar a confiança dos mercados financeiros. Porque, sustentam, como a consolidação produz resultados piores que os desejados (em muitos casos, com aumento a médio prazo do rácio da dívida pública face ao PIB), acabará por agitar os mercados em vez de os acalmar (como se pretendia). Com a consequente venda de títulos de dívida pública do país em questão e a indesejável subida dos juros.
- Nas circunstâncias – recessivas – em que vivemos, os autores questionam se, como a literatura científica e a evidência empírica até agora sugeriam, as consolidações orçamentais mais baseadas no corte da despesa produzem melhores resultados do que outras, mais equilibradas entre reduções da despesa e aumentos de impostos. Isto porque os cálculos agora efectuados mostraram multiplicadores da despesa pública de maior dimensão do que os multiplicadores fiscais.
Em resumo, a mensagem deste paper é que, numa conjuntura como a actual, um ajustamento orçamental gradual, com uma composição equilibrada entre cortes na despesa e aumentos de impostos pode aumentar a probabilidade sucesso (isto é, de obter menores rácios de dívida pública face ao PIB).
A questão por detrás quer das conclusões da caixa do WEO, quer deste artigo com chancela do FMI, parece, pois, saber se a alteração das condições económicas a nível global com a “Grande Recessão” é duradoura e estrutural – colocando em causa as políticas e os resultados anteriormente obtidos, e que até aqui fizeram escola –, ou temporária. Os próprios autores afirmam que, em virtude de o período de análise ser bastante curto, análises posteriores são fundamentais para o confirmar (ou não). Mas o que me parece ser já evidente é que estes estudos não podem deixar de nos fazer reflectir(1).
Como se viu, o FMI já o começou a fazer – tendo a sua directora-geral, Christine Lagarde, referido que “às vezes, é melhor ter um pouco mais de tempo” e que pode ser “muito mais apropriado aplicar as medidas e deixar os estabilizadores [automáticos] operarem", defendendo implicitamente que se tenha tempo para avaliar o impacto das medidas de austeridade tomadas. Mas o FMI representa 1/3 da Troika. É, pois, essencial que os restantes 2/3 (Comissão Europeia e BCE, sob a batuta alemã) também reflictam. Para maximizar a probabilidade de os indispensáveis processos de ajustamento em curso na Europa terem o sucesso que todos desejamos.
_____________
(1) Também a quem, como eu, é defensor do supply-side economics, e continua a acreditar que sistemas fiscais simples e competitivos são peças estruturais fundamentais para o crescimento económico e sustentado. E que, como defensor da livre iniciativa e da liberdade individual, continua a preferir ajustamentos orçamentais baseados maioritariamente na despesa pública (que a literatura científica e a evidência empírica têm sugerido como opção mais adequada).

* Publicado no Jornal de Negócios em Outubro 23, 2012.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

RTP, serviço público de televisão?

Cavaco Silva recebeu um grupo de subscritores do Manifesto em Defesa do Serviço Público de Rádio e Televisão, que contestam a privatização da RTP, nomeadamente por identificarem serviço público como o serviço que a RTP presta.
Assim, para os subscritores do Manifesto, serviço público seria aquilo que a RTP faz.
Acontece simplesmente que Serviço público de televisão não é (nem pode ser) aquilo que a RTP faz; a existir, serviço público seria aquele tipo de programação que o mercado não está em condições, não quer ou não pode oferecer. Se essa lacuna existe, e existe, muitos defendem que deveria ser colmatada através de um serviço público, que interviria como regulador da natureza da oferta, oferecendo diversidade, complementaridade e qualidade. Mas não é isso que a RTP faz.
Aliás, é o próprio site do Movimento que, ao caracterizar o serviço público como …garantia de pluralismo, de defesa da língua e da cultura, de presença no vasto mundo lusófono, e o meio privilegiado de formação do gosto e do espírito crítico, de acesso à cultura, ao entretenimento de qualidade e a uma informação rigorosa e independente, a que os portugueses têm direito, dá, de mão beijada, a argumentação perfeita para dizer que serviço público não é aquilo que a RTP faz.
Pois é óbvio que a RTP não cumpre aquela definição: a programação da RTP é tendencialmente similar à das estações privadas. Não há diferença substancial, nem valor acrescentado. Deixo para próximo post a comprovação da verdade da afirmação.
Mas, para a comprovação da sua tese, os Subscritores acentuam ainda como serviço público essencial aquilo que o Segundo Canal também faz.  
Ora só por absurdo o 2º Canal pode ser considerado um canal público. Trata-se, antes, de um canal confidencial destinado a minorias das minorias, estas no geral com possibilidade de acesso a uma diversidade de bens culturais. Além do mais, é um canal que apenas reproduz uma oferta cultural há muito fechada em si própria e cativa dos interesses que no canal conseguiram predominância.
Acontece que serviço público não é para minorias, nomeadamente para minorias esclarecidas, ilustradas ou vanguardistas. Essas têm normalmente acesso aos bens culturais que pretendem. Mas música, ópera, ballet, teatro, bom cinema a horas decentes são serviço público para grandes segmentos da população que, de outro modo, não têm acesso a esses bens.   
E esse tipo de programação nem a RTP 1 nem a RTP 2 apresentam.
(Continua)

"Pai aos 96 anos depois de 86 como celibatário"


Não é por nada, mas, c'os diabos, dizer que é por vontade de Deus, valha-me a Nossa Senhora da Agrela, não há senhora como ela. O raio do homem deve ter caído num caldeirão viagrado, só pode!

Cadê o "neo-liberalismo"? Será que a "tax storm" o levou?

1. Até há pouco tempo, o actual Governo era frequentemente acusado, por alguns dos mais brilhantes comentadores políticos da nossa praça – magnos comentadores – de prosseguir políticas “neo-liberais”: a propósito de tudo ou de nada, os magnos comentadores lá brandiam o epíteto do “neo-liberalismo”, na sua análise o grande responsável pela praga económica que o País vem suportando.
2. Para além da simplicidade do argumento, enxuto e axiomático, esta acusação tinha outra vantagem, nada despicienda, qual seja a de passar uma esponja sobre eventuais responsabilidades de governantes do passado recente, esses pelo menos não manchados pelo pecado do neo-liberalismo - quando muito tiveram o azar de estar no governo errado, no país errado, à hora errada em que a crise internacional nos entrou pela porta dentro...
3. Confesso que sempre me intrigou esta mania de acusar o “neo-liberalismo” por tudo e mais alguma coisa; e escapa ao meu entendimento, muito particularmente, a ideia de considerar “neo-liberais” as medidas de política associadas ao Plano de Ajustamento (PAEF), nomeadamente o ajustamento orçamental (vulgo Austeridade)...
4. ...pois, na minha perspectiva, verdadeiramente “neo-liberal” teria sido a opção de recusar o resgate financeiro como pretendia (inconscientemente, porventura) o ex-PM, não assinando o PAEF e as suas odiosas consequências: em tal cenário, o ajustamento teria sido feito exclusivamente pelo funcionamento das forças de mercado, provocando, num ápice (i) a suspensão de pagamentos pelo Estado – tanto Estado Central como Regional e Local - incluindo a suspensão do pagamento de vencimentos a funcionários públicos, (ii) a bancarrota generalizada, (iii) uma tempestade de falências de empresas INCLUINDO empresas públicas, (iv) o disparo do desemprego para níveis de 30% (em não mais de 6 meses) e, como ponto alto, (vi), o abandono do Euro...
5. ...isso, sim, teria sido o verdadeiro “neo-liberlismo” a funcionar e seguramente que a economia encontraria um ponto de equilíbrio, talvez mais depressa do que pela via que vem sendo seguida, só que com custos sociais imensamente mais duros dos que os actuais.
6. Dito isto, verifico, com alguma surpresa, que nas últimas semanas as acusações de “neo-liberalismo” se dissiparam como que por encanto...quiçá por efeito da “tax storm” que está a varrer o País com enorme intensidade desde há 2 semanas?
7. Convenhamos que insistir em etiquetar de “neo-liberal” um Governo que se atreve a aplicar em Portugal taxas marginais de tributação do rendimento das Famílias muito superiores às que são aplicadas em países como a França ou o Reino Unido, tornar-se-ia manifestamente ridículo... Este Governo, em matéria fiscal pelo menos, assume-se como o mais socialista de que me recordo, não hesitando em incrementar, com enorme“generosidade”, a já excessiva transferência de recursos dos cidadãos e das empresas para um Estado insaciável...
8. E, assim, de sopetão, lá se foi o “neo-liberalismo” - levado na enxurrada da “tax storm”?!
9. Este curioso episódio ilustra a Ligeireza e Vacuidade de opinião de magnos comentadores políticos da nossa praça - formidáveis consumidores de adjectivos, advérbios, complementos de modo e de outras figuras gramaticais e de retórica, mas muito avaros em ideias... noto, não obstante, que os nossos inestimáveis “media” insistem e persistem em atribuir um alto valor interpretativo às suas proclamações - o que também serve para explicar o estado do País...

domingo, 21 de outubro de 2012

"Aquela velha Tileira"


O tempo cinzento afastou-me de casa e tive de procurar um destino. Esbarrei numa centenária tileira e num belo poema. Folhas amareladas prenunciavam o destino da bela árvore. Hoje via-a, das outras não! Como foi possível não a ter visto como hoje? Nunca paramos o tempo suficiente para ver uma maravilha mesmo que seja deste tamanho. Vou voltar para a ver, nua e quando se vestir novamente, fresca, largando o perfume que mais aprecio atiçado pelo calor da noite.

(...)
Aquela velha Tileira

Que em chegando o Outono,
Se despe ingenuamente
E fica nua, fica triste,
Dando o corpo ao seu dono.
A sua bela folhagem,
Tudo que tem de melhor,
Que seria até vaidade.

E continua despida
Quando o inverno aparece,
Resistindo à investida
Dum tempo que não merece,
Mas logo que o tempo passe
E a Primavera aproxima,
Sua carícia de sol,
Ela, a nobre Tileira,
Farta de estar inativa,
Dá de vez sua primeira
Sensação de reanimar.
Quer voltar a ser menina,
Quer voltar a casar,
Que a sua flor pequenina
Tem arte até de curar.

Aquela velha Tileira

(...)
(Adelino da Costa Gonçalves)





Por algum lado é preciso começar...



Chamou-me a atenção o título “Ensinar chinês a um filho será melhor que um dote”.  Pelo menos é o que pensa o presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira que não ficou à espera de directrizes de Lisboa para avançar com o ensino do mandarim. A sua iniciativa chama a atenção para a mais-valia que representa saber chinês/mandarim quando se quer estar no mercado global. É também um exemplo da importância da capacidade de ao nível local fazer acontecer sem estar à espera que o nível central decida.
Dizem-me que as escolas de línguas estão a incluir cursos de mandarim  nos seus programas à semelhança do que acontece com outras línguas universais como é o caso do inglês. Há universidades que também já entraram neste mercado. É também interessante, como algumas escolas estão a fazer, complementar os conhecimentos linguísticos com conhecimentos sobre a história da China e os seus hábitos culturais. A procura é crescente, muita gente já percebeu que a China é um mercado fundamental para a exportação. Tem dimensão  e poder de compra, atributos que estão a interessar um número crescente de empresas portuguesas.  

Síndrome Luís XIV.

O domingo serve para muitas coisas, até para trabalhar! Tive de acabar um texto para uma conferência sobre "ambiente e saúde pública". Apeteceu-me designá-lo como "síndrome Luís XIV". Transcrevo a última parte, o resto foi para o Quarto da República. É o sítio indicado.


(...) Tudo aponta para que a exposição aos poluentes, micro poluentes, poderão originar alterações estruturais e funcionais ao nível do genoma com impacto no futuro, ou seja, muita da patologia que irá ocorrer nas próximas gerações não resultarão só do comportamento ou do desequilíbrio assumidos e provocados pelos nossos descendentes, mas também poderão resultar da exposição a que estamos sujeitos neste momento. Esta forma de ver o problema da poluição tem como objetivo estender no tempo, desde o passado até ao futuro, a complexidade da exposição ambiental. Hoje, estou convicto de que muitas patologias têm raízes na exposição e comportamento dos nossos pais e avós, e, do mesmo modo, estamos a condicionar o futuro dos nossos filhos e netos. A vida é um continuum, mas a doença também pode ser considerada um continuum que vem do passado e que irá continuar no futuro.
A consciência destes fenómenos, que a ciência dos nossos dias começa a desvendar, vai obrigar ao desenvolvimento da ética transgeracional, porque a saúde dos nossos descendentes depende da nossa saúde, da forma como nos comportamos e relacionamos com o ambiente.
O que fazer então? Algo simples e ao mesmo tempo muito difícil, atendendo às características humanas, eivadas de um egoísmo atroz, evitar que cada um se comporte como um Luís XIV. Não ao "depois de mim, o dilúvio", mas "depois de mim, mais e melhor vida".

Comediantes com fraca figura

"O Presidente da República e o Governo só fazem asneiras o tempo todo...
...Toda a sociedade, de norte a sul, está contra o governo: são militares, polícias, enfermeiros, médicos, advogados, em suma, todos os sectores da sociedade".
Mário Soares à Rádio France Culture
Convenientemente Mário Soares esquece que, em 1983, as medidas que tomou trouxeram uma austeridade e uma perda de poder de compra muito superiores ao que actualmente sucede: é que os cortes salariais e a desvalorizção da moeda, aliadas a uma inflação de 30%, só muito parcialmente repercutida nos salários, tornam comparativamente modestos os actuais, mas muito reais e sentidos, sacrifícios. Até porque, na altura, a base de partida era muito mais desfavorável.
E, convenientemente, Mário Soares também esquece a enorme onda de contestação a essas suas medidas: manifestações, violência, cartazes ofensivos, em que chamar-lhe gatuno e ladrão eram dos dizeres mais inofensivos. 
De qualquer forma, muito mais grave que o esquecimento, que faz parte da natureza do ex-Presidente, intolerável é que faça tais declarações a uma rádio estrangeira, ampliando dúvidas, criando mais incerteza. Com que objectivos, com que fins? Ajudar Portugal não foi, e ele sabe bem.
Lamentavelmente, os ódios de estimação encontraram ambiente para correrem livremente. Eles estão em todo o lado, não apenas em Soares, no Partido Socialista ou na Oposição. Eles estão também no PSD, para melhor ajudar à festa. 
Alternativas é que não propõem. E, se não as têm, pois fazem mesmo uma fraquíssima figura que os títulos dos jornais só ampliam.
Nota: Ressalvam-se, obviamente, algumas críticas construtivas, como tal perfeitamente justificadas, e que apontam caminhos que deveriam ser devidamente considerados.    

Memento mori

Uma estranha sensação de conforto, quase que diria voluptuosa, começou a conquistar o meu corpo procurando adormecer a alma. Encontrou-a. Não ofereci qualquer resistência, o silêncio da noite, quente, suave, tranquilo, inundou o mundo de paz. O pequeno écran continuava a debitar imagens e sons, que não via nem ouvia. Emergi do sono, não sei quem foi o responsável, se eu, para fugir à morte aparente ou se a morte brutal, inaudita, descrita violentamente num documentário entretanto em exibição. Descrevia o genocídio do Darfur, onde homens, partilhando a mesma religião, revelaram mais uma vez a verdadeira essência da maldade e do ódio. Estranho nacionalismo a reviver outros genocídios, Ruanda, Camboja, Sérvia, Rohingya, para falar dos mais recentes, e que violam a promessa do "nunca mais", expressão criada após o Holocausto. Nunca compreendi muito bem a essência do nacionalismo, mas presumo que é uma forma de acreditar que é possível viver fazendo parte de um grande todo. Será que é para fugir à morte? Li que a negação da morte é a forma mais eficiente para abrir a estrada à maldade, acabando por promover a separação dos grupos em "nós" e os "outros". Mas não fica por aqui, acaba, também, por fomentar o preconceito e a agressão e por alimentar e suportar as guerras e o terrorismo. Uma curiosa tese que nos obriga a pensar como deveremos abordar a morte, como a "ensinar", como a interpretar e como a viver. Perde-se na noite dos tempos as primeiras iniciativas relativas à morte, que se tornaram complexas e muito elaboradas ao longo do tempo. A morte mete medo, sem dúvida, e é bom que provoque essa sensação de finitude, porque nos dá a correta dimensão da nossa existência. É preciso conviver com ela, com naturalidade e com proximidade, coisa que acontece cada vez menos nos nossos tempos. Há um distanciamento progressivo entre o homem e o seu destino face ao único fenómeno que nos pode libertar e unir ao mesmo tempo, libertar o mundo e unir os homens ao redor dos superiores princípios respeitadores da dignidade e valores humanos. "Ensinar" a morte, conviver com a morte, aceitar a morte, dar significado à morte, "ajudar" a morte, são formas de vida que nos permitem defender sem prejuízo a morte. As consequências para a humanidade seriam imensas, facilitando a sua "aceitação" e ajudando a combater a arrogância, que muitas vezes é mortífera. Não sei se esta observação não terá sido já tomada em conta aquando das "marchas do triunfo" em Roma. Na altura, o herói, o general, ao entrar na cidade com os seus homens para recolher as aclamações das vitórias, era seguido de um escravo que lhe papagueava: ao ouvido, "memento mori", "memento mori", a lembrar a sua temporalidade e a refrear o efeito inebriante do passeio vitorioso. Verdade? Fantasia? Não interessa, o que interessa é relembrar o "memento mori", "lembra-te de que és mortal". Precisamos de alguém que começa a andar atrás de muitos "heróis" lembrando-lhes, senão a todo o momento, o maior número possível de vezes, "lembra-te de que és mortal", "lembra-te de que és mortal". Não é traumatizante, e poderia ajudar muito, com toda a certeza, mas...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Se não tivesse passado quem passou...


Se não tivesse passado quem passou, passava. Mas, como passou quem passou, não passou.

Falava-me há tempos alguém nos “caminhos não trilhados”, o que é uma forma de imaginar o que seria se tivesse sido, ou o que não seria se não tivesse acontecido. Em qualquer caso, é sempre uma reconstituição hipotética, quando nos pomos a redesenhar os trilhos que lá estavam e que não percorremos eles surgem sempre livres dos escolhos que talvez então nos dissuadiram mas que, agora, não nos parecem tão grandes, também podemos com facilidade orientar esses rumos para um horizonte que nos sorriria quando, na altura, o caminho se fechava num lugar escuro. Não é só a vida das pessoas que é feita destes “ses”, geralmente decantados pela bondade da memória, ou pela insatisfação da realidade presente, em qualquer caso impossíveis de restaurar na sua real importância e inúteis se influenciarem a nossa capacidade de fazer balanços para orientar o presente. A vida dos países é, como não podia deixar de ser, igualmente fértil nessas encruzilhadas que se abriram, qualquer livro de História, mesmo romanceada, nos confronta com essas incógnitas que é preciso interpretar para lhe conferir emoção ou avolumar a responsabilidade ou a clarividência de quem decidiu na altura. Mas os “caminhos não trilhados” raras vezes servem para que se dirijam os destinos de uma forma mais lúcida, que se saiba nunca são as lições do passado que nos livram de errar de novo, ou de fazer escolhas que voltam a ser diferentes do que antecipávamos, precisamente porque as circunstâncias mudam, por muito que as queiramos pintar com as cores nítidas com que recordamos o que podia ter sido. Sempre que é preciso escolher, dizer que sim ou renunciar, voltamos a acrescentar “ses”, que voltarão a ser lidos com olhos que não foram os que os viram quando os confrontámos e decidimos, para o bem e para o mal. O mais que se aprende é prudência, é cálculo, o mais que se consegue é duvidar e hesitar, talvez até deixar de sonhar. Se, na vida das pessoas, isso significa menos paixão, menos ousadia, na vida dos povos essas reconstituições, aplainadas do seu real contexto, trazem frustração, desejo de vingança ou, talvez o pior, descrença nas capacidades de enfrentar a realidade da melhor forma possível. Já não é nada mau se usarmos o passado para olhar com prudência o que se nos depara sem perdermos a coragem de voltar a decidir. Mas, por favor, não aproveitemos a confusão para desvendar os “ses” do passado como se, tal como hoje, as escolhas de então tivessem sido isentas de erros, dúvidas e muitas incertezas. Tal como a vida de qualquer pessoa, que pode ser contada como uma sucessão de felicidades ou uma sucessão de falhanços, dependendo do ponto de vista que se queira focar, a História dos povos pode ser contada como gloriosa ou dramática porque sim, foram, ou porque, que pena, podiam muito bem ter sido. Nunca saberemos, de certeza absoluta, como seria se não tivesse sido ou, sequer, se poderia ter sido de maneira diferente. O que é difícil, na verdade, é continuar para a frente, apesar do que se sabe, admitindo que se supõe bem, esperando acertar quando é preciso decidir entre tantos ses. Como sempre foi e será, até nos figos, que podem passar se ninguém passar para os colher antes que passem, ou talvez não, quanto mais nos povos.

Momento


Há fotografias que valem pela emoção que captam e transmitem. Pela perpetuação do seu significado. Esta, tirada em 31 de Outubro de 2010, da autoria de Kim Ho-Young, retrata a despedida de um homem de regresso à Coreia do Norte. A despedida de um seu parente da Coreia do Sul, depois dos três dias de reencontro que as autoridades consentiram. A separação forçada das famílias foi consequência da guerra de 1950-1953 que levou à secessão. Ainda hoje se fazem sentir os efeitos dolorosos de mais um ato da essencial estupidez humana.
Mas momentos destes recordam-nos, sobretudo, que não são mensuráveis os valores da liberdade e da paz. Apesar de tantas vezes o esquecermos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Fantasia...

O mundo deve ter sido criado num momento de irreflexão, talvez fruto de um desejo, de uma paixão momentânea, mas nunca com base na razão, nunca. Perante o que vemos em nosso redor, e o que nos precedeu, terror, miséria, vingança, sangue e predação constante, viver constitui um tormento difícil de aceitar e de digerir. Mesmos os momentos mais prazenteiros, delicados, finos, artísticos, amorosos, caritativos, e inspiradores são ou foram curtos instantâneos que permitem apenas manter uma estranha e vã esperança em dias melhores ou numa melhor humanidade, mas não passam de ilusões num devir estupidificante que sabe adaptar-se às novas tecnologias e criações ao nosso dispor. Talvez o "sucesso" ou a beleza da criatividade sejam devidos à natural capacidade destruidora e predadora do homem, uma tentativa de esconjurar uma natureza pérfida ou meio pérfida, apenas para não reduzir à forma mais negativa a sua maneira de ser. Um ciclo estranho para o qual não há maneira de quebrar; nem a religião, ela própria um poderoso combustível de terror e de amor, nem a educação, nem todas as medidas sociais e culturais são capazes de melhorar o que quer que seja. Modificam o aspeto das coisas, e querem dar a entender que um dia tudo mudará, mas não, é uma ilusão que mitiga o esforço de alguns, só isso e nada mais do que isso. Resta-nos tentar viver na fantasia, a única forma de passar pela existência, porque a realidade faz doer, e cada vez mais. Um estranho queixume? Não. Um queixume tão velho como o homem, só que não nos recordamos dele, porque só agora é que o sentimos, ele precede-nos e suceder-nos-á com um estranho, colorido e cínico sorriso. Penso compreender a razão do porquê do refúgio de muitos em determinadas atividades; a melhor maneira de viver é virar as costas a uma realidade que se torna cada vez mais incompreensível. Afinal, a fantasia é muito mais percetível, quer a nossa quer a dos outros. Olho para as crianças e vejo exemplos vivos ameaçados de morte prematura assim que começam a entrar no mundo dos adultos. Tanta pressa! Mas para quê? Para nada, ou melhor, para sofrer, embora alguns consigam morfinizar-se por curtos períodos de tempo na beleza da arte e da criatividade.
Estranho consolo!