No seu mais recente World Economic
Outlook (WEO), o FMI, numa caixa assinada pelos economistas Olivier
Blanchard (economista–chefe da instituição) e Daniel Leigh, coloca em causa a
avaliação até agora conhecida do impacto das políticas de austeridade sobre a
economia. Em média, até aqui, os cálculos – baseados nas observações das três
décadas terminadas em 2009 – apontavam para que o efeito directo (de curto
prazo) de cada euro de austeridade adicional reduzisse o PIB em meio euro. Ou
seja, uma redução do défice público de 1% do PIB provocaria um efeito recessivo
de 0.5%: o “multiplicador orçamental” de curto prazo consensual era 0.5.
Porém, com base nos resultados obtidos em 2010-2011, o FMI conclui que,
afinal, o multiplicador orçamental pode não ser só de 0.5 – antes situar-se-á
entre 0.9 e 1.7. Ou seja, desde a “Grande Recessão”, cada euro adicional de
austeridade tem um efeito recessivo entre 0.9 e 1.7 euros sobre a economia.
Tomando o ponto médio deste “novo” multiplicador (1.3), e simplificando, o efeito
de curto prazo das medidas de austeridade é quase três vezes maior do que
anteriormente se estimava. Um desvio… colossal. E a caixa do WEO conclui que
estes cálculos são consistentes com investigação científica (research) recente, que aponta para multiplicadores
orçamentais superiores a 1 na conjuntura em que hoje vivemos, de crescimento
económico baixo e em que a política monetária se encontra limitada pelo nível zero
para as taxas de juro (nominalmente, não podem ser negativas…).
Complementando esta análise, um dos artigos referido nesta caixa do WEO,
publicado também recentemente com a chancela do FMI, da autoria dos economistas
Nicoletta Batini, Giovanni Callegari e Giovanni Melina e intitulado Successful Austerity in the United States,
Europe and Japan, levanta outras questões e dúvidas sobre o efeito da
austeridade na economia. Refiro aqui brevemente três, que me parecem relevantes:
- A
informação mais recente (2010-2011) sugere que planos de consolidação
orçamental mais agressivos no início (frontloading,
para evitar a chamada “fadiga da austeridade”) têm efeitos recessivos mais
duros e prolongados do que uma consolidação gradual. Por outras palavras,
reduzir o défice orçamental em 0.5% do PIB durante 4 anos terá custos menores
para a economia (e produzirá melhores resultados na redução do endividamento
público) do que cortar 2% do PIB num único ano;
- Os
autores lançam, assim, a dúvida sobre a inevitabilidade de uma consolidação
rápida para restaurar a confiança dos mercados financeiros. Porque, sustentam,
como a consolidação produz resultados piores que os desejados (em muitos casos,
com aumento a médio prazo do rácio da dívida pública face ao PIB), acabará por
agitar os mercados em vez de os acalmar (como se pretendia). Com a consequente venda
de títulos de dívida pública do país em questão e a indesejável subida dos
juros.
- Nas circunstâncias – recessivas – em que
vivemos, os autores questionam se, como a literatura científica e a evidência
empírica até agora sugeriam, as consolidações orçamentais mais baseadas no
corte da despesa produzem melhores resultados do que outras, mais equilibradas
entre reduções da despesa e aumentos de impostos. Isto porque os cálculos agora
efectuados mostraram multiplicadores da despesa pública de maior dimensão do
que os multiplicadores fiscais.
Em resumo, a mensagem deste paper
é que, numa conjuntura como a actual, um ajustamento orçamental gradual, com
uma composição equilibrada entre cortes na despesa e aumentos de impostos pode
aumentar a probabilidade sucesso (isto é, de obter menores rácios de dívida
pública face ao PIB).
A questão por detrás quer das conclusões da caixa do WEO, quer deste artigo
com chancela do FMI, parece, pois, saber se a alteração das condições
económicas a nível global com a “Grande Recessão” é duradoura e estrutural –
colocando em causa as políticas e os resultados anteriormente obtidos, e que
até aqui fizeram escola –, ou temporária. Os próprios autores afirmam que, em
virtude de o período de análise ser bastante curto, análises posteriores são
fundamentais para o confirmar (ou não). Mas o que me parece ser já evidente é
que estes estudos não podem deixar de nos fazer reflectir(1).
Como
se viu, o FMI já o começou a fazer – tendo a sua directora-geral, Christine
Lagarde, referido que “às vezes, é
melhor ter um pouco mais de tempo” e que pode ser “muito mais apropriado
aplicar as medidas e deixar os estabilizadores [automáticos] operarem", defendendo
implicitamente que se tenha tempo para avaliar o impacto das medidas de
austeridade tomadas. Mas o FMI representa 1/3 da Troika. É, pois, essencial que
os restantes 2/3 (Comissão Europeia e BCE, sob a batuta alemã) também reflictam.
Para maximizar a probabilidade de os indispensáveis processos de ajustamento em
curso na Europa terem o sucesso que todos desejamos.
_____________
(1) Também a quem, como eu, é defensor do supply-side economics, e continua a acreditar que sistemas fiscais simples e competitivos são peças estruturais fundamentais para o crescimento económico e sustentado. E que, como defensor da livre iniciativa e da liberdade individual, continua a preferir ajustamentos orçamentais baseados maioritariamente na despesa pública (que a literatura científica e a evidência empírica têm sugerido como opção mais adequada).
* Publicado no Jornal de Negócios em Outubro 23, 2012.