Há poucos dias um jornal (o Público ou o DN, não sei ao certo) trazia uma reportagem sobre o crescente recurso dos pais a detectives para seguirem os filhos adolescentes, vigiarem as suas amizades e fiscalizarem o modo como se comportam quando vão às discotecas para o que usam, por vezes, imagine-se, outros jovens espiões. Aí dizia também que muitos pais aprendem a ler os registos do telemóvel dos filhos, as suas mensagens e telefonemas e ainda as mil maneiras de vasculhar nos computadores dos meninos. O argumento, ao que parece bastante banalizado, é o de que querem saber tudo da vida dos filhos, preocupam-se com eles e não aguentam a angústia de não saber por onde andam, com quem e a fazer o quê, por isso consideram legítimo recorrer a espionagem paga e à decifração dos registos da vida pessoal nesta fantástica tecnologia que tanto nos facilita a vida.
Quando eu era adolescente, tinha uma amiga cujo pai era irascível e meio doido e proibia-a de ir fosse onde fosse, fazia esperas à porta do liceu para ver se ela falava com algum rapaz e armava ciladas nas conversas para ver se ela mentia. Um dia, quando chegou das aulas, ele estava furibundo, com o diário dela na mão, o fecho arrombado e páginas arrancadas, e começou a bater-lhe como um doido porque tinha lido no diário que no sábado anterior ela tinha ido ao Estoril de comboio, a casa dos primos, e não lhe tinha dito. A violação do diário era uma declaração de guerra, um acto ignóbil que nem sequer era comparável com uma sova brutal para castigar um acto inocente. Não sei se ela alguma vez lhe perdoou esse e outros episódios, mas eu pensei que se os meus pais fossem assim nunca lhes confiaria uma dúvida, uma alegria ou um desgosto, nunca pediria conselho nem esperaria apoio. Faria tudo para que não soubessem de nada da minha vida porque não há amor sem confiança.
Por isso fiquei horrorizada com o que li no jornal e mais me escandalizou a falta de escândalo com que a notícia era acompanhada, como se fosse uma informação útil e não o relato de uma tendência doentia e irresponsável. Não se trata sequer de pensar se é legítimo ou ilegítimo, se uma criança ou um jovem também têm ou não direito a ser respeitados na sua individualidade, nem quero pôr a questão nesses termos porque antes de ser uma questão de direito é uma questão de formação moral e de educação. Pais que não confiam nos filhos a esse ponto, que não foram capazes de conhecer os seus amigos, que não sabem perguntar ou não acreditam nas respostas, que não querem arriscar confiar nos seus próprios filhos, que não são capazes de lhes dar liberdade e responsabilidade, são pais que também não merecem que os filhos confiem neles e os respeitem. Pais desses não podem esperar dos filhos um comportamento que não seja o de enganar, disfarçar e mentir.
Crianças e jovens que crescem junto de adultos que não lhes ensinam o que é a confiança e o respeito não podem, mais tarde, ser pessoas íntegras e leais. Vão ser fugitivos, espiões e delatores e vão achar-se uns heróis sempre que conseguirem enganar sem ser descobertos. Duvido que consigam alguma vez confiar em alguém ou que estejam habilitados a assumir responsabilidades, vão sentir revolta por os seus próprios pais admitirem que sejam uns malandros e, já que ninguém espera nada deles, também não têm que cumprir expectativas.
Quando eu era adolescente, tinha uma amiga cujo pai era irascível e meio doido e proibia-a de ir fosse onde fosse, fazia esperas à porta do liceu para ver se ela falava com algum rapaz e armava ciladas nas conversas para ver se ela mentia. Um dia, quando chegou das aulas, ele estava furibundo, com o diário dela na mão, o fecho arrombado e páginas arrancadas, e começou a bater-lhe como um doido porque tinha lido no diário que no sábado anterior ela tinha ido ao Estoril de comboio, a casa dos primos, e não lhe tinha dito. A violação do diário era uma declaração de guerra, um acto ignóbil que nem sequer era comparável com uma sova brutal para castigar um acto inocente. Não sei se ela alguma vez lhe perdoou esse e outros episódios, mas eu pensei que se os meus pais fossem assim nunca lhes confiaria uma dúvida, uma alegria ou um desgosto, nunca pediria conselho nem esperaria apoio. Faria tudo para que não soubessem de nada da minha vida porque não há amor sem confiança.
Por isso fiquei horrorizada com o que li no jornal e mais me escandalizou a falta de escândalo com que a notícia era acompanhada, como se fosse uma informação útil e não o relato de uma tendência doentia e irresponsável. Não se trata sequer de pensar se é legítimo ou ilegítimo, se uma criança ou um jovem também têm ou não direito a ser respeitados na sua individualidade, nem quero pôr a questão nesses termos porque antes de ser uma questão de direito é uma questão de formação moral e de educação. Pais que não confiam nos filhos a esse ponto, que não foram capazes de conhecer os seus amigos, que não sabem perguntar ou não acreditam nas respostas, que não querem arriscar confiar nos seus próprios filhos, que não são capazes de lhes dar liberdade e responsabilidade, são pais que também não merecem que os filhos confiem neles e os respeitem. Pais desses não podem esperar dos filhos um comportamento que não seja o de enganar, disfarçar e mentir.
Crianças e jovens que crescem junto de adultos que não lhes ensinam o que é a confiança e o respeito não podem, mais tarde, ser pessoas íntegras e leais. Vão ser fugitivos, espiões e delatores e vão achar-se uns heróis sempre que conseguirem enganar sem ser descobertos. Duvido que consigam alguma vez confiar em alguém ou que estejam habilitados a assumir responsabilidades, vão sentir revolta por os seus próprios pais admitirem que sejam uns malandros e, já que ninguém espera nada deles, também não têm que cumprir expectativas.