terça-feira, 31 de agosto de 2010

Não dá para acreditar...

Veio a público que os presidentes de juntas de freguesia que ocupam o cargo em regime de permanência ainda não receberam qualquer remuneração em 2010.
A ausência de pagamento foi justificada pelo Secretário de Estado da Administração Local (SEAL) pela insuficiência de verba inscrita no Orçamento de Estado de 2010 para fazer face às remunerações destes autarcas.
Só foram inscritos 5 milhões de euros, contra os 8 milhões de euros necessários. Diz o SEAL que a culpa é da oposição porque não fez bem as contas e que está à espera que a Assembleia da República fixe os critérios sobre a origem do pagamento destas remunerações, se através do Orçamento de Estado se através do Fundo de Financiamento das Freguesias.
E como o dinheiro não chega e os ditos critérios ainda não foram fixados, então o Governo decidiu não pagar. Também não se entende porque é que a Assembleia da República ainda não clarificou a sua decisão. Estamos em Agosto. Está à espera de quê? Se há dúvidas, então que sejam esclarecidas.
Mas o SEAL já veio dizer que “(…) a melhor ideia jurídica é pegar nos cinco milhões de euros, distribuir pelas juntas de freguesia todas que têm presidentes em regime de permanência, mas distribuir menos que aquilo a que têm direito”.
Mas se têm direito, a solução legal só pode ser mesmo pagar a todos os autarcas as remunerações a que têm direito. Não vejo como é que essa "ideia jurídica" pode prosseguir.
Mais uma vez é lamentável o “jogo do empurra” e não é admissível que a falta de rigor orçamental e de clareza jurídica conduza à situação de 400 autarcas que estão desde o início do ano sem receber as remunerações que a lei lhes atribui pelo exercício das suas funções.

As expectativas para a “rentrée” I:


As expectativas para a "rentrée" I: A Evolução da economia
“Essas pessoas que fazem as suas deduções fiscais, como PPR, na saúde e na educação, não são ricos, é a classe média…Na saúde, são 610 milhões de euros que quer retirar à classe média. São 3 milhões e 250 mil beneficiários…Não estamos a falar de Amorim nenhum…”.
José Sócrates, há um ano, em 7 de Setembro, em debate com Louçã na RTP.

Quando acordei, e dormi bem e estava de olhos bem abertos, a minha expectativa era de que a economia vai continuar a estagnar e o país e os cidadãos a empobrecer.
Mas depois reflecti nas palavras de Sócrates. Como o 1º Ministro fala sempre verdade e decidiu agora anular as deduções fiscais que há um ano intransigentemente defendia, concluí que num ano passámos a ter mais de 3 milhões de Amorins. Amorins, amorins aos molhos!...
E se logo num ano assim se multiplicaram, em dois aumentarão na exponencial.
Como faz bem ouvir Sócrates e mudar assim radicalmente de expectativas!...

Desemprego em 11%: então e o optimismo "criador"?

1. Foi anunciado hoje pelo Eurostat que a taxa de desemprego em Portugal atingiu – sem surpresa, refira-se – os 11% em Junho último.
2. Um "máximo histórico" dizem os media, no seu estilo muito peculiar de colocar etiquetas apelativas neste tipo de notícias...
3. Trata-se de uma revisão do valor de 10,8% que tinha sido inicialmente divulgado pela mesma fonte há poucas semanas e que tinha provocado declarações de optimismo de diversos responsáveis governamentais...por representar (falsa pelo que agora se vê)descida de uma décima em relação ao valor de Maio...
4. Poucas vezes tenho aqui referido esta questão do desemprego, sem prejuízo de reconhecer que em certas categorias profissionais e em determinadas zonas do País constitui um problema extremamente sério.
5. O mercado do trabalho em Portugal tem características muito assimétricas: existem categorias profissionais para as quais a procura de emprego é um pesadelo – assim acontece com milhares de licenciados pelo ensino superior – a par de outras categorias, de operários especializados por exemplo, em que existe oferta de emprego mas escassez de procura.
6. Não sou dos que alinham em culpar os governos pelo desempenho da taxa de desemprego – como não os posso louvar pelas variações favoráveis dessa taxa, quando ocorram.
7. Entendo que a política do governo tem muito pouca ou nenhuma influência no comportamento do mercado de trabalho, numa perspectiva de curto prazo.
8. No longo prazo é diferente e, no nosso caso concretamente, a elevada taxa de desemprego que agora se verifica – e que deverá continuar a aumentar nos anos mais próximos – tem bastante que ver com a acumulação de sérios equívocos de política económica ao longo dos últimos anos - sem que se vislumbrem quaisquer sinais de mudança, é preciso não esquecer...
9. Também entendo, em razão do que precede, que a obsessão dos actuais governantes pela divulgação de notícias pretensamente favoráveis - as mais das vezes contrariando a própria realidade – num propósito confessado de exibir um discurso optimista, constitui um exercício estéril e enganador.
10. O formidável argumento segundo o qual o pessimismo não cria empregos – utilizado para justificar uma permanente exibição de optimismo “pacóvio”, como se este fosse criador de emprego – cai dolorosamente por terra quando as notícias do desemprego chegam com este estrondo...
11. Mas julgam que os optimistas vão desarmar? Eu julgo que não...”jamais”!

Dez expectativas para a "rentrée"


Vou revelar, aqui no 4R, as minhas expectativas para a "rentrée". Não que tenha havido qualquer "rentrée", porque nunca houve saída e está tudo igual. Mais igual do que nunca. Mas o pessoal político e os jornalistas gostam da palavra. É chique, e políticos e jornalistas gostam de coisas chiques.

Dez profundas expectativas para o ano político. Expectativas claras, todas elas acolhendo sentimentos mistos e até contraditórios, como é próprio, em Portugal, do que é perfeitamente claro.
As minhas 10 expectativas para a "rentrée". Ainda não sei bem quais são. Como as medidas governamentais, dependerão das emoções do dia. A começar em breve. Estejam atentos.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

"Pôr-se de cócoras"

Por vezes somos levados a escrever “um discurso novo em cima de um assunto velho”. Esta última expressão é de autoria do John Harington que, entre outros atributos, literários e afilhado da rainha Isabel I, teve o condão de inventar a sanita com autoclismo. O panfleto, Metamorfose de Ajax, escrito em finais do século XVI, descreve esta descoberta. Tal facto não significa que a paternidade do "trono" não tenha seja sido, também, atribuída a outras pessoas, e até em épocas anteriores.
O meu propósito não é dissertar sobre a história de tão confortável equipamento, mas sim realçar alguns aspetos menos saudáveis decorrentes do seu uso.
Quando se quer por em evidência uma patologia, não há nada melhor do que usar um caso concreto, de preferência uma figura pública. Aparecem logo nas televisões, jornais e revistas, especialistas a explicar ao povo a situação e quais as terapêuticas mais adequadas.
Em 1978, o então presidente norte-americano, Jimmy Carter, teve de interromper as suas atividades devido a uma brutal crise de hemorroidas. Se fosse um cidadão normal ninguém se interessaria, mas como era presidente, um médico, interpelado sobre a situação, por um jornal de renome, explicou que o ser humano “não foi feito para se sentar numa sanita” mas sim “para se por de cócoras no campo”.
Esta coisa de evitar a “posição de cócoras” tem os seus inconvenientes, nomeadamente o aparecimento de hemorroidas. Vários estudos clínicos apontam para diferentes explicações. O ângulo anorretal, por exemplo, aumenta na “posição de cócoras”, o que favorece a dejeção, a pressão intra-abdominal diminui substancialmente, o tempo de expulsão das fezes é muito mais curto, 50 segundos contra 130 na posição de sentado, o “herói” aguenta apenas um a dois minutos de cócoras, contra os dez minutos de sentado na sanita, isto se não for mais, porque muitos têm o hábito de ler o jornal, ou revistas, o que agrava o tempo de permanência ao transformarem a sanita numa espécie de sofá. O hábito de ler as notícias sentado é perigoso (que eu saiba, ninguém consegue ler de cócoras!). Mesmo que as novidades do dia sejam de ordem a convidar à dejeção, ao exigirem mais esforço podem agravar a situação. E, ultimamente são umas atrás de outras! Mas há mais. Nos últimos anos, a altura das sanitas têm aumentado o que agrava a situação.
Podemos afirmar que os seres humanos estão a violar uma regra de milhões de anos, trocando a “posição de cócoras” pela de sentado. Este conforto não é saudável. Para o efeito, basta analisar a prevalência das hemorroidas que chega a ultrapassar os cinquenta por cento. É óbvio que existem outras causas, tais como: predisposição hereditária, gravidez ou obesidade.
O ideal seria voltarmos à posição original: “pôr-nos de cócoras”, uma expressão que hoje tem um sentido pejorativo. Quando alguém se humilha propositadamente face a outrem dizemos que se pôs de cócoras, um forma de dizer que é cobarde. Talvez a expressão resulte da “fragilidade” de qualquer ser humano apanhado naquela posição. Estou convicto de que o próprio Hércules ou Aquiles sentir-se-iam mais do que vulneráveis se fossem apanhados atrás de uma moita ao respeitar a vontade da natureza.
Existem já aparelhos que satisfazem todos os requisitos, sentado, de cócoras, à turca e que estão a fazer sucesso nalguns países. É uma boa forma de adaptação, porque um a dois minutos naquela posição é um esforço terrível. São precisos joelhos fortes e bons músculos, mas como muita gente está a ficar cada vez mais obesa, além de sofrer problemas músculos esqueléticos, ainda podem correr o risco de ficar “bloqueados”, o que não seria nada agradável. Sendo assim, concluo que “pôr-se de cócoras” é normal, e desejável, desde que seja para respeitar a natureza; o que não é normal, e mesmo pouco saudável, é alguém “pôr-se de cócoras” para obedecer e humilhar-se a outrem.
Anda muita gente a “pôr-se de cócoras”? Ai não que não anda, mas por razões diversas das que estão na base de um fenómeno fisiológico com milhões de anos de evolução.

Novos aumentos de impostos?!... É tempo de dizer basta!...

Vamos ser claros: a limitação das deduções à colecta e de benefícios fiscais em sede de IRS que o Governo pretende tornar efectiva já em 2011 é um novo aumento de impostos. É, assim, a continuação da política de pretensa consolidação orçamental dos últimos anos, com a redução do défice a ser feita sobretudo à custa de cortes nas despesas públicas de investimento e do aumento da carga fiscal – e não atacando, como se devia, o excessivo peso da despesa corrente primária. O resultado foi que não só (i) a sustentabilidade da redução do desequilíbrio das contas públicas não foi assegurada, como (ii) a economia foi, objectivamente, prejudicada – o que, com elevada probabilidade, teria acontecido ao contrário (como seria desejável) se a redução do défice tivesse assentado essencialmente na diminuição da despesa corrente primária (1).

É verdade que o PSD deu o seu aval a um forte aumento de impostos em Maio último (no chamado PEC-2); porém, tal sucedeu num momento de verdadeira emergência nacional, por pressão de Bruxelas e para recuperar a credibilidade externa de Portugal e a confiança dos nossos credores… e, além disso, foi o PSD que forçou o Governo a comprometer-se com um esforço de redução do défice em 2010 repartido em partes iguais por aumento da receita e diminuição da despesa. Algo que, de forma preocupante, não está a ser cumprido, como os números da Execução Orçamental até Julho mostram (a despesa corrente primária do Estado está a crescer 5.7%, praticamente o dobro do objectivo previsto).

Ora, como é evidente, esta realidade é também perceptível para a comunidade internacional ­– que, mais do que nunca, está atenta à forma de redução do défice público. E que sabe que subidas adicionais de impostos nada resolverão – como aconteceu no passado – se o combate ao despesismo não for efectivo.

Portugal precisa de levar a cabo uma real consolidação orçamental? Sem dúvida – mas reduzindo o peso da despesa pública e não com base em novos aumentos de impostos. Se o mais elementar bom senso imperar e o Orçamento para 2011 for construído a partir destas premissas, tenho poucas dúvidas de que será aprovado – e, mais importante ainda, que será útil a Portugal.

Quer o Governo ter uma actuação fiscal coerente e acertada no IRS?... Várias experiências europeias com resultados positivos mostram como é: eliminação ou redução drástica de benefícios e excepções; correspondente diminuição de taxas e escalões (são demasiados em Portugal face à realidade europeia (2), e em nada têm contribuído para tornar a nossa sociedade – das mais desiguais da UE-27 – menos injusta); redistribuição do rendimento através da despesa pública (apoiando quem efectivamente precisa). Simplificar-se-ia, assim, o sistema fiscal com importantes vantagens em termos de competitividade, eficiência, transparência e justiça (fiscal e social).

Há vários anos que me bato por alterações deste tipo. E irei continuar a fazê-lo. Porquê?... Porque as mudanças que têm sido efectuadas (como esta que agora parece estar sobre a mesa) vão exactamente na direcção oposta… tendo contribuído, infelizmente mas sem surpresa, para os resultados que se conhecem: um país mais pobre, mais endividado e mais injusto.
É mais que tempo de dizer: basta!...

_____________

(1) Como mostra um paper recente (Julho 2010) da economista Sílvia Ardagna, do Bank of America/Merrill Lynch, “Austerity can support growth”, os ajustamentos orçamentais assentes maioritariamente na redução da despesa corrente primária têm, em geral, resultados muito superiores àqueles que assentam sobretudo na subida da carga fiscal – quer em termos da sua sustentabilidade, quer na produção de efeitos virtuosos sobre a actividade económica (leia-se, aumento do crescimento económico). 
(2) Existem 8 escalões de IRS em Portugal contra uma média de pouco mais de 3 na UE-27.


Nota: Este texto foi publicado no Expresso em Agosto 28, 2010

Anátemas e polémicas estúpidas

Vai por aí acesa uma polémica sobre as manifestações de censura ao regime iraniano pela condenação à morte, por apedrejamento, de Sakineh Ashtiani. Há quem pretenda ver nas pronúncias de uns, ou nos silêncios de outros, cinismos e hipocrisias. Apercebi-me de insinuações de que as presenças e ausências da manifestação realizada há dias em Lisboa, eram  uma prova mais do que separa a direita e a esquerda. E apercebi-me de opiniões que sublinhavam a inutilidade destas expressões de solidariedade. Quem, parando para pensar, pode julgar que uma pretensa suma divisio a este pretexto não é uma rematada estupidez? É um bem que as pessoas se indignem perante aviltantes violações dos direitos humanos, ocorram elas onde ocorrerem. No Irão, na China, em Cuba, na Venezuela, nos EUA ou em Portugal. Foi também para isso que se consagraram como fundamentais os direitos à livre expressão e à manifestação. Direitos tão sagrados como a liberdade de pensamento. Por isso, controvérsias destas só podem alimentadas por gente carenciada de atenção ou por quem, por formação ou personalidade, se entregue à prática permanente da agressão intelectual. Se os primeiros não oferecem perigo, os do segundo tipo são perigosos porque perigosas são sempre as execrações sociais perpretadas com suposta superioridade moral. Basta olhar para trás e recordar os mais odiosos episódios do século passado e as atitudes que estiveram na sua génese.

domingo, 29 de agosto de 2010

Um Estado de direito

Duarte Lima é mais um condenado pela opinião que se vai publicando.
Dia a dia, lança-se a suspeita de que, como advogado, se apropriou de dinheiro da herança Feteira.
Notícia a notícia, inculca-se a ideia de que estaria implicado no assassinato da sua cliente, senhora que viveu 30 anos com o industrial.
Ah, e artigo a artigo, Duarte Lima deixa de ser ele, ou de ser advogado, para ser ex-líder do PSD.
Uma imprensa de direito num estado de direito está a demolir o homem.
Nada mais poderá fazer: qualquer que seja o fim do processo, está já julgado e condenado.

Numa frase diz-se tudo...

O ´Público´ foi saber o que pensavam alguns autarcas sobre o fecho das escolas nos seus concelhos. Embora não veja imputada a frase a nenhum autarca em concreto, percebe-se que foi proferida por um responsável local que apoia a política de concentração dos equipamentos escolares. A frase é esta e lança luz sobre a mentalidade subjacente ao aplauso do encerramento das escolas de pequenas comunidades locais: "As escolas antigas eram impróprias de um País que tem os centros comerciais que tem". É isto mesmo. São os centros comerciais que temos o paradigma do projecto de País que alguns propugnam. Já o tínhamos percebido. Nunca o tínhamos lido ou ouvido com tamanha clareza.

Passeando pela praia


Uns dias sem computador, praticamente sem ligar a televisão, num belo recanto deste país onde ainda passam poucos carros e se podem dar longos passeios a pé à beira mar passando por praias desertas, reconciliam-nos com as agruras de um ano cheio de crises, de ansiedade e de grandes incertezas quanto ao futuro. Bem, reconciliar não sei, pelo menos apaziguam, porque na verdade as casas crescem por aqui como cogumelos, os terrenos que foram agrícolas e férteis estão praticamente todos abandonados e à venda com planos de urbanização, a estrada erma que descia até à praia saloia, durante séculos esquecida entre penhascos, é agora ladeada por uma fileira de casas novinhas em folha anunciadas por uma tabuleta pretensiosa que aponta o “novo resort” com o nome da praia, mesmo ao lado da banca das mulheres que vendem legumes na curva da estrada, debaixo de um chapéu de sol. Em linguagem moderna dir-se-ia que esta região está desenvolvida ou seja, substituiu-se a actividade produtiva essencialmente agrícola pela indústria do lazer, mudam-se as populações e os estilos de vida mas as mulheres da praça queixam-se que nem assim vendem mais e apontam desgostosas os grandes supermercados que se espalham em redor do centro de Mafra. Verdade se diga que a Vila de Mafra cresceu exponencialmente e as dezenas de novas urbanizações de uma simplicidade atraente e cuidada trouxeram para aqui inúmeros casais novos, que provavelmente trabalham em Lisboa, preferem pagar portagens e ter alguma qualidade de vida e que aos fins de semana enchem os cafés, os jardins e as praias com famílias jovens e crianças, como já não se vê em Lisboa. A Ericeira está a abarrotar de gente, só vale a pena ir lá no Inverno, mas nos arredores há sítios lindissimos e nem sequer a bruma da manhã desanima de uns belos passeios pelos areais defendidos pelos penhascos abruptos e só acessíveis na maré baixa. Quando tudo se conjuga, parece que o tempo pára enquanto se caminha a pisar a espuma das ondas, a contornar as rochas escorregadias de limo verde brilhante ou aguçadas de mexilhões, a subir as pequenas dunas que a maré alta vincou. Na areia, pegadas fundas vão pontilhando o percurso, a contrastar com as marcas breves das patitas das gaivotas, as primeiras a estrear logo de manhã a quietude das praias desertas alisadas pelo mar. Ao fundo, quando a parede rochosa entra no mar a marcar o fim do areal, ainda teima o nevoeiro, deixando apenas vislumbrar três rochas ponteagudas, muito alinhadas, quase apontadas como canhões, pequenos filhotes de Adamastor a guardar a passagem para além da Vigia. No regresso, já a bruma se desvaneceu para o lado da praia habitada pelos veraneantes, é só dar uns mergulhos antes que a maré traga as ondas grandes e depois aproveitar o descanso, a ler um bom livro. Aliás, era disso que eu vos queria falar, do excelente livro que estou quase a acabar de ler, mas isso fica para amanhã, perdi-me nos passeios pela praia...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Preparem-se, pois quem vos avisa...

As empresas públicas adstritas à Direcção-Geral do Tesouro apresentavam, com referência a 2009, um endividamento de 25 mil milhões de euros, cerca de 15% do PIB. Durante o ano, a dívida cresceu 13%.
Numa empresa, o endividamento, só por si, pouco significa. Mas significa tudo, se for superior aos activos da empresa. Significa que as empresas estão falidas. Apresenta-se o valor do endividamento de algumas delas:
CP: 3,4 mil milhões de euros, 213% dos activos!...
STCP: 288 milhões, 342% dos activos!...
Carris: 393 milhões, 233% dos activos!...
CP: 3,4 mil milhões de euros, 213% dos activos!...
Metro de Lisboa: 3,6 mil milhões de euros, 98,3% dos activos
Metro do Porto: 2 mil milhões de euros, 91% dos activos
Metro de Lisboa: 3,6 mil milhões de euros, 98,3% dos activos
Refer: 5,5 mil milhões de euros, 71% dos activos
E porque não geram meios para reembolsar a dívida, terá que ser o Estado a proceder ao pagamento. O que significa que à dívida pública directa do Estado, no fim do ano, terá que se somar mais cerca de 17%, porque as empresas continuaram a endividar-se em 2010. A dívida pública aproximar-se-á dos 110% do PIB. Sem os compromissos com as PPP e outros relevantes.
Preparem-se pois para aumentos brutais das tarifas de transporte. Quem vos avisa...
Nota: Valores do endividamento retirados do Semanário SOL de 27.08.10

Contas externas: cheque-mate à política económica

1. São conhecidos os dados provisórios das contas externas para metade do ano, tornando-se evidente o enorme aperto a que política económica portuguesa está sujeita...e o beco sem saída em que nos meteram!
2. Por mais voltas que os responsáveis governamentais “queiram dar ao texto” para nos tentar convencer de que estamos numa “recuperação”, a verdade é que a economia portuguesa já não tem forças para corrigir o enorme desequilíbrio externo que ano após ano vai contribuindo para agravar uma dívida por tantos considerada insustentável...
3. Sendo certo que o défice externo corrente até ao final de Julho mostra uma redução de 2,96% em relação a idêntico período do ano passado (€ 9.170 milhões contra € 9.449 milhões em 2009), a verdade é que, analisando as diferentes rubricas, se conclui que essa diferença se fica a dever a uma temporária redução no défice dos rendimentos, de € 4.199 milhões em 2009 para € 3.949 milhões no corrente ano.
4. Ora esta rubrica dos rendimentos pagos ao exterior já em 2009 tinha exibido um comportamento atípico: até ao final do 3º trimestre tudo parecia correr melhor, mas no último trimestre do ano o défice disparou, ultrapassando surpreendentemente o de 2008.
5. Assim, em função do valor registado até Junho, não será surpresa que o défice dos rendimentos venha a ultrapassar o de 2009, cifrando-se em valor próximo de € 8,5 mil milhões ou seja 5% do PIB.
6. Mas isso significará, quase inevitavelmente, um défice corrente muito próximo de € 18 mil milhões ou seja mais de 10% do PIB – com um agravamento em igual medida da dívida ao exterior...
7. Ainda que as exportações aumentem – o refrão oficial não se cansa aliás de o proclamar – as importações aumentam mais.
8. No 1º semestre do ano as exportações de bens aumentaram de facto - cumpre reconhecer - mais € 2.239 milhões (+14,5% sobre 2009), mas as importações aumentaram ainda mais, € 2.478 milhões (+10,4%), anulando na totalidade aquele progresso...
9. A explicação para este facto estará em boa parte no descontrolo da despesa pública, que faz natural e esperada pressão sobre as importações, anulando o meritório comportamento das exportações...
10. A conclusão é forçosa e lamentável: apesar do desempenho favorável das empresas exportadoras - que é de enaltecer numa conjuntura difícil e sob apertada concorrência do exterior – uma política económica disparatada acaba por anular esse esforço, agravando a despesa improdutiva e fomentando do mesmo passo as importações...
11. Sobrepondo-se a toda a verborreia política que diariamente nos assalta, são as contas externas que lançam um verdadeiro cheque-mate à política económica...
12....Pondo a nu a incapacidade dessa política para corrigir os enormes desequilíbrios da economia (agravando-os, de facto) e a total desconformidade entre o discurso político e a realidade...quem nos vale?

A causa e o efeito

Extraordinária a forma como a cultura instalada, que vê no Estado e na despesa pública o motor da economia, subverte a realidade, transformando causas em efeitos e efeitos em causas. Tanto se repete e repete a ideia, que ela se tornou aceite e indiscutível, sejam quais forem as circunstâncias. Claro que tal concepção, por razões marcadamente ideológicas, serve sobretudo os governos socialistas, mas qualquer governo tem a tendência de se utilizar dela para fins propagandísticos, em detrimento de serviço à economia e, assim, à comunidade.
A generalidade dos media, por opção ideológica, ignorância ou tendência para seguir o poder, veicula diariamente tal doutrina, de forma explícita ou subliminar, quaisquer que sejam os seus limites ou a carga fiscal que impõe aos cidadãos.
Há dias, dei o exemplo de um artigo do Público, referindo que a zona euro cresceu ao nível mais rápido desde 2006, mas Portugal desacelerou. Devido à contenção orçamental que, aliás, vai ensombrar a evolução do resto do ano...
Notícia similar é dada na última edição do Expresso, Caderno de Economia, pág. 3, ao fundo. Aí se lê que “Portugal vai abrandar no 2º Semestre”. Devido às medidas de austeridade. “Mas os maiores efeitos estão guardados para 2011”.
Claro que a justificação é falsa, um sofisma completo. Em Portugal, não houve qualquer medida de austeridade ou mesmo de contenção da despesa pública. Ela aumentou mesmo, segundo os últimos dados oficiais da execução orçamental.
Assim sendo, como pode ser essa a explicação? Mas subliminarmente passa-se a mensagem falsa. E as pessoas vêem aí a explicação do fraco ou nulo crescimento.
Portugal não cresce muito devido à pesada carga fiscal, que impede a poupança e o investimento; e não cresce também porque a enorme despesa pública drena recursos da banca para o financiamento do Estado, em detrimento do apoio às empresas.
A causa é o enorme volume de despesa pública. O efeito é o fraco crescimento. E aumentar a despesa, como é subliminarmente preconizado, só amplia o efeito negativo no crescimento da actividade económica. Lamentável é que dois jornais de referência, a par das televisões e da rádio, deturpem tão grotescamente a realidade. Competem assim com o Governo no empobrecimento do país.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

“Relógio com duas caras”


Sempre ouvi dizer que quando alguém não se comporta com a mesma atitude perante situações idênticas é apodado de feijão-frade, porque tem duas caras. Coitado do feijão-frade que não tem culpa de ser usado para um fim destes, até porque é muito saboroso e saudável. Como é que algo nutritivo e agradável pode ser utilizado como algo negativo e logo com a falta de caráter ou caráter oscilante? Tem de ser arranjada nova expressão que não insulte tão importante leguminosa que faz as delícias de muitos. A mim faz.
Numa manhã de agosto, estranhamente enevoado, e até um pouco fresca, em contraste com os dias anteriores e subsequentes, e depois de ter lido os jornais, olho, com olhos cansados, já se vê, para a torre da igreja, a minha companhia matinal de férias. Que diabo! Será que estou a ver bem? A torre tem um relógio e dois mostradores, um virado a oeste e o outro a norte. No local onde costumo sentar-me visualizo ambos e verifico que um deles apresenta mais um quarto de hora que o outro. Quinze minutos de diferença! É muito? Para o mesmo relógio até é capaz de ser! Mas afinal qual dos dois estará certo? Olhei para o meu relógio de pulso e verifiquei que era o mostrador “norte”. Pus-me a pensar que - na eventualidade de ter um compromisso na localidade -, teria uma boa desculpa para explicar um eventual atraso. Para esse efeito orientar-me-ia pelo mostrador oeste. Mas não é o meu caso, porque tenho o hábito de não chegar a desoras, o que constitui um verdadeiro tormento e um desafio para os parcos cumpridores. O “normal” é chegar-se atrasado e, para o efeito, algumas pessoas, “entidades”, já costumam marcar os encontros e as reuniões meia hora, uma hora e até mais antes das suas “verdadeiras horas”. Este comportamento exaspera os cumpridores dos horários. Um insulto institucionalizado em muitas cerimónias públicas e partidárias. A este propósito, tenho de realçar que, de vez em quando, ainda aparece um governante cumpridor dos horários. A história de um amigo, na altura governante, que chegou a horas ao evento para as bandas de onde era natural, apanhou de surpresa os poucos presentes e, sobretudo, os não presentes, nomeadamente a filarmónica. Não sei se esta ainda foi a tempo de ensaiar algum corridinho no final da cerimónia, às tantas talvez tenha conseguido, mas já não estou seguro de tal. Uma partida destas feita por um secretário de estado não se faz! Pode ser que leia esta crónica e venha comentar o sucedido. Valia mesmo a pena!
Mas voltando ao relógio da torre da igreja da minha terra, pus-me a pensar que em tempos podia ter sido bastante útil. Na altura obrigavam-me ir à missa. Eu não apreciava muito, tenho de confessar, mas como quem manda pode, lá tinha de ir, um pouco contrariado. Se na altura os mostradores revelassem as horas como fazem hoje, eu tinha uma boa desculpa para chegar atrasado, e mesmo que a missa já estivesse “a santos” ninguém me podia chamar a atenção, porque a culpa seria sempre do relógio, ou melhor, de um dos mostradores. Obviamente escolheria o mais indicado para eu poder chegar atrasado.
Curioso. Só agora é que reparo que, tendo a mania de chegar sempre a horas, também fui, em tempos, mas era criança, um retardatário, uma espécie de “feijão-frade infantil”. Espero que não levem muito a sério este comportamento reativo da altura face à missa. Mas tirando esta situação, não consigo recordar de outras em que pudesse chegar atrasado, beneficiando do “relógio com duas caras”...

Declaração notável...de humor negro!

1. Foi muito divulgada pelos media – como se de um importante achado se tratasse – uma declaração do PM, em visita há poucos dias a uma empresa industrial, na qual, segundo rezam as crónicas, pontificaram os conceitos “exportações” e “investimento” como elementos-chave para o sucesso da economia.
2. Bem sei que as declarações dos políticos, (não só mas) especialmente dos responsáveis governamentais, já quase não têm significado, de tão distantes da realidade se apresentam.
3 Estes políticos parecem viver num País que manifestamente não é o mesmo em que os cidadãos-comuns vivem:
(i) Andam exclusivamente preocupados com as aparências,
(ii) Desdobram-se em permanentes declarações para os media na ânsia de mostrar um trabalho inexistente ou de transmitir uma imagem rosa de realidades bem adversas,
(iii) Manipulam as estatísticas a seu bel-prazer para tentarem transmitir uma imagem estatística favorável de uma realidade bem pior,
(iv) Esmeram-se na arte de varrer os problemas para debaixo de um imenso tapete (que já sofreu uma série de “allongues”) para encobrir a acumulação de matéria inerte resultante dos erros de política,
(v) Continuam convencidos que o optimismo (pacóvio) cria empregos quando a única coisa que se mostra capaz de criar é impostos cada vez mais elevados....
4. Em regra, pois, não vale a pena prestar atenção ao que dizem e menos ainda gastar tempo a comentar essas declarações...já cansa e quase não se pode ouvir...
5. Admito todavia justificar-se neste caso uma breve referência a esta declaração, por ser paradigmática da distância entre a realidade e o discurso político.
6. De facto, numa época em que a política económica - graças ao descontrolo comprovado das despesas públicas (de que só conhecemos uma parte, não obstante), ao agravamento das restrições financeiras e aos sucessivos agravamentos da carga fiscal em especial sobre os rendimentos - penaliza cada vez mais o investimento empresarial e agrava as dificuldades das empresas expostas à concorrência internacional...
7....o primeiro responsável por essa mesma política aparecer a proclamar as virtudes do investimento e das exportações constitui um caso sério, mas muito sério mesmo, de levitação política...ou de humor negro!

O up-grading dos charlatães de feira

Os mercados são uns tinhosos e não ouvem o nosso Governo; por isso, não se convencem da admirável evolução da economia e das finanças públicas portuguesas.
Segundo a CMA, Credit Market Analisys, com base no custo dos CDSs (preço do seguro da dívida), apenas, imagine-se, a Venezuela, a Grécia, a Argentina, o Paquistão, a Ucrânia, o Iraque e o Dubai apresentam risco mais elevado do que Portugal. Excelente companhia a nossa!...
E a RTP referiu hoje mesmo que o “risco da dívida portuguesa é o que mais sobe a seguir ao Vietname”.
Não admira. As perspectivas vão no sentido de não se cumprir o défice, a não ser que se recorra a espertalhuças engenharias contabilísticas. Coisa que ainda pode iludir a CE, mas não engana os mercados. Até porque ilusões contabilísticas desfazem-se com a realidade do valor que tem que se pedir emprestado. E este não engana: a dívida pública aumentou 13,5 mil milhões de euros de Janeiro a Julho deste ano. A continuar assim, bater-se-ão novamente records.
Por isso, e insensíveis à retórica governamental, os mercados aumentam-nos a cada dia as taxas de juro. No leilão de ontem, a colocação de 629 milhões de euros, a 6 anos, foi feita a uma taxa de 4,371%, superior em mais de meio por cento relativamente a operação similar de há 2 meses atrás.
Esta é a triste realidade. O Governo ignora-a e nega-a. E, o que é pior, actua em conformidade com a realidade virtual que propala. E insulta quem diz que o rei vai nu.
Com o progresso, também os charlatães de feira tiveram um up-grading e tendem a actuar em palcos mais elevados. Com mercenários e crédulos sempre prontos a aplaudir.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Os "cientistas" mandantes

Espiões militares seguem para teatro de operações do Afeganistão no Outono.
Ministro da Defesa
O aumento da despesa orçamentada em 546 milhões de euros não agrava o défice.
Ministro das Finanças
"A Estradas de Portugal nunca esteve tão saudável como está agora".
Secretário de Estado das Obras Públicas

Há tantos "burros" mandando
Em homens de inteligência,
Que ás vezes fico pensando,
Se a burrice não será uma ciência...".

António Aleixo

A mania do betão...

Não deixei de sorrir ao ler a entrevista (o link não permite ter acesso a toda a entrevista) ao DE do Secretário Geral da Prevenção Rodoviária Nacional. A certo momento diz o Secretário Geral que “É vergonhoso que sejamos um dos poucos países da Europa que, ano após ano, investe mais em novas estradas do que na manutenção das estradas existentes” e aponta, a propósito das auditorias às estradas, que “Em Portugal foi feito um trabalho muito relevante de sistematização do que deve ser um auditor, as suas competências e o seu papel na avaliação da qualidade das estradas. Mas esse trabalho nunca passou do papel, nunca foi publicado. (…) Todo o trabalho de definição das regras está feito mas nunca não saiu das gavetas”.
Mas o mal é geral. Antes fosse um exclusivo das estradas. É a mentalidade do betão. Vivemos fascinados com as grandes obras e não somos capazes de fazer, pelo menos, a manutenção do que existe. E são, também, as iniciativas e as medidas que se anunciam, normalmente a seguir a qualquer coisa que correu mal, que depois não chegam ao fim, ficam na gaveta.
Construímos estradas, rotundas, edifícios, estádios, tudo em nome da modernização, como se o desenvolvimento se medisse pelo peso daquilo que é novo. É a mania do ter. Subalternizamos os investimentos na requalificação, reabilitação e recuperação urbana, do património histórico e cultural, da rede rodoviária e por aí adiante. Estamos a edificar dois países: a construir o novo e a descurar o “velho”. Duas facetas que não têm que andar de costas voltadas. Parece que construir novo dá maior sentido de poder, reabilitar é uma coisa de segunda categoria. Ainda por cima construímos mal. Basta olhar para os verdadeiros atentados urbanísticos que povoam algumas zonas do País. Os incentivos parecem estar todos apontados para edificar betão.
Com o envelhecimento demográfico, que é uma realidade e não uma ficção, a que se junta o fenómeno que se está a construir do despovoamento do interior do país e a perda de jovens que todos os dias partem para fora à procura de trabalho para poderem aspirar a ter um projecto de vida, a política do betão faz cada vez menos sentido. Estamos a fazer investimentos que serão parte deles verdadeiros monos porque não teremos quem os utilize. São investimentos de rendibilidade económica e social duvidosa, para além das vultuosas rendas que no futuro alguém vai ter que pagar. E, tudo indica que seremos cada vez menos para o fazer.
É claro que nem tudo é mau. Evidentemente que também devemos olhar e reconhecer o que é bom, o que de vez em quando, quando é caso para isso, sabe bem fazer...

Os descarados incontinentes verbais

"A Estradas de Portugal nunca esteve tão saudável como está agora".
Paulo Campos, Secretário de Estado das Obras Públicas, em entrevista ao Público, edição de 23 de Agosto, pág. 18.
É que a "empresa terá um conjunto de receitas que lhe permitirão satisfazer os encargos da dívida... a 60 ou 70 anos..."!...!...!...!...
O Ministro da Propaganda de Saddam Hussein era um aprendiz. Este homem vê longe. E Sócrates pode dormir descansado: criou escola e descendência a condizer.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Grande Sporting Clube de Braga!


Quando se aposta no trabalho e no mérito, os sucessos acontecem. No futebol também. Cinco golos marcados a uma equipa como o Sevilha, duas vitórias sendo uma no campo do adversário, é obra. E não é por acaso.

Os boçais incontinentes verbais

"...Com a conversão da A25, reduzimos de uma média de 30 mortos por ano para três."
Paulo Campos, Secretário de Estado das Obras Públicas, em entrevista ao Público, edição de ontem, pág. 19, última coluna, ao fundo.

Precisamente no dia do fatídico desastre que vitimou 6 pessoas e fez dezenas de feridos graves. Intolerável incontinência verbal.

Antes da revisão da Constituição, talvez rever o pensamento sobre democracia interna, não?


"O presidente do partido fará no texto aquilo que quiser" - Calvão da Silva, do grupo encarregado de elaborar uma proposta de revisão constitucional do PSD (que por engano julguei elaborada e divulgada urbi et orbe), citado pelo ´Publico'.
Quando as emendas se revelam piores do que os sonetos...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Tempo

rio de mágoas/ que corre alegremente nas veias/ à procura do mar/ do mar da eternidade...

Dizem que o tempo não existe. Existe porque mata. Existe porque muitas vezes queremos matá-lo e ele vinga-se, claro. Quem é que gosta de ser ameaçado de morte? Ninguém. Nem o tempo. O melhor é viajar no seu dorso e fugir do mar da eternidade. Os convites, imensos, estão espalhados por tudo o que é sítio.
Calor. Muito calor. Ninguém de juízo perfeito se arriscaria andar debaixo do sol àquela hora. Hora em que o tempo descansa. Hora perfeita para as pessoas de juízo imperfeito procurarem o silêncio humano e escaparem-se para outras épocas. Tempos que deixam saudades, mesmo que não tenham sido vividos. Eras que não ofereciam as prerrogativas, as doçuras e as vantagens dos tempos atuais mas que seduzem e muito.
Esbarro nas paredes de uma igreja muito antiga, bela e cheia de história. Recuei a um tempo em que ainda se contava pela era de César. O frontispício indicava o ano de 950, trinta e oito anos a mais do que a era cristã. Entrei. Sensações únicas emergiram com facilidade. Pedras, inscrições, imagens e esculturas à espera de almas frescas a quem possam contar o que viram, ouviram e sentiram. Noutra localidade, não muito distante, um anfiteatro romano, recentemente recuperado, permitiu-me saborear o mesmo sol, e os seus efeitos, que os espetadores de uma época mais longínqua. Ambições, desejos, alegrias e tristezas vaguearam por aquelas bandas à espera de vindouros desejosos de viajarem no tempo. Um pouco mais longe, pedras quentes, de um período ainda mais antigo, com milhares de anos, dispostas humanamente em locais naturais, que mais parecem altares da natureza, contam segredos e esperanças. Conheço todos estes locais desde há muito tempo, mas sempre que os visito, contam-me novas histórias, diferentes, belas ou tristes, mas sedutoras ao ponto de ansiar viver entre as suas pedras.
As pedras falam e os livros muito mais facilmente. Entre casario medievo, vi uma banca à entrada de uma loja, cheia de montes de livros velhos. Montes a um, a dois e a três euros. Interroguei-me sobre a razão desta divisão e deduzi que deveria ser com base na espessura das obras. Procurei e encontrei três obras que me chamaram a atenção. Um volume de Arnaldo Gama, “Honra ou loucura”, romance que retrata a vida de meados dos século XIX e a cidade de Coimbra. Custou um euro. Li-o em dois dias. Brilhante, quer o enredo, típico da época, mas sobretudo a descrição da vida de Coimbra, boémia, funcionamento da universidade e o comportamento dos estudantes. O outro volume, que custou dois euros, intitulado “Morte Lenta”, de Émile Henry, descreve a vida do autor, um barman francês, nascido em Lourenço Marques e que viveu em Portugal. Acabou por ser preso a escassas centenas de metros da fronteira espanhola ao tentar fugir para o nosso país, onde viviam os seus pais. Foi levado para o campo de concentração de Buchenwald onde passou os dois últimos anos da guerra. Escrito logo após o final do grande conflito, setembro de 1945, constitui uma das primeiras obras sobre tão triste período. Uma verdadeira preciosidade que - presumo ser desconhecida do público -, me arrastou para aquela estranha e negra época. O terceiro, “Verdes anos”, de Bernard Shaw, grosso, e por isso a valer três euros, está, agora, debaixo dos meus olhos. Mas voltando a Arnaldo Gama, consegui viajar até Coimbra do século XIX. Reconheci muitos locais, e fiquei a saber que Henrique de Avelar, a personagem central, viveu na Couraça de Lisboa, onde também vivi. Calcorreámos as mesmas travessas, ruas e escadas e, naturalmente, ouvimos o mesmo tinido do sino da torre, a “cabra”, assim chamada pelos estudantes para mostrarem o seu “ódio académico” a quem perturbava muitas vezes o primeiro sono, ao chamá-los para as aulas. Quanto à “Morte Lenta”, a viajem não foi tão agradável, mas permitiu ver, através da vivência de um cidadão comum, o pior e o melhor da espécie humana. Curioso o facto de o autor referir que, conjuntamente com outras vítimas, ficarem admirados que “a raiva acumulada e que todas aquelas ideias de vingança, que para muitos tinham servido de estimulante se tivessem extinguido tão depressa. Se conhecemos o ódio, ele foi desaparecendo aos poucos...”. Estou convicto de que as suas aspirações, após ter regressado a Portugal, onde viviam os seus pais, divertir-se no São João e ouvir novamente o “tiroliro”, que um seu amigo e compatriota, antigo professor de francês em Braga, inopinadamente cantou em Buchenwald, foram concretizados. Ambos assim o desejaram, porque naquele ambiente viviam exclusivamente à custa de viagens ao passado...

O Segredo dos seus Olhos


Mesmo antes de partir para férias fui ver o filme argentino "O Segredo de Seus Olhos", de Juan Jose Campanella, que conquistou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Devo dizer que há muito tempo não via um filme tão belo, tão intenso e tão cheio de emoção. É um romance e também a história de um mistério policial, através do qual se cruzam várias vidas no cenário de fundo do despontar da ditadura argentina, cujos sinais são desvendados com o espanto de quem não quer acreditar que seja possível. Neste filme a condição humana é suportada pela força das paixões que destroem ou que são a única razão de viver, ou de sobreviver à injustiça ou à tirania das convenções sociais, mostra como todas as certezas são abaladas quando a sociedade se dasagrega e no entanto é preciso que a vida continue a fazer sentido. Sem violências inúteis ou chocantes, sem diálogos inúteis, tudo neste filme merece ser visto. Não percam, vão ver como o Óscar foi bem merecido.

"Na próxima semana divulgamos os espiões..."

O senhor ministro da defesa deu uma entrevista ao i, desta feita para falar não sobre a principal ameaça à paz que tem sido o PSD, mas - calculem!- sobre a segurança internacional. É hábito nestas entrevistas de encomenda aparecer uma revelação estridente. Ao contrário do que se poderia calcular, o sound bite não foi que o ministro se pôs ao lado dos militares que anunciaram pretender "ir ao focinho" do corajoso escritor Lobo Antunes. Não. Santos Silva veio revelar ao País que "espiões militares seguem para teatro de operações do Afeganistão no Outono". Mas mais: "o ministro acredita que também no Líbano - os militares portugueses participam na UNIFIL - deve haver este «instrumento»".
Eis mais uma originalidade com que Portugal brinda o mundo, divulgar a sua participação em acções secretas. A lista dos espiões militares segue dentro de momentos...

sábado, 21 de agosto de 2010

A insanidade do governo socialista

No actual quadro das finanças públicas e da economia do país, Passos Coelho fez a proposta mais óbvia: não aumento de impostos e diminuição da despesa no próximo Orçamento do Estado. Sem isso, o PSD não viabilizaria o Orçamento.
Um Governo dotado de alguma inteligência e de um suficiente bom senso agarraria com ambas as mãos e todas as forças a proposta do PSD. Porque é a proposta necessária. E também pela sorte grande de ter o maior partido da Oposição a suportar esse instrumento importante da política governamental.
Contra toda a lógica, logo se levantaram o PS, Santos Silva, Vitalino, Assis, etc, etc, e agora Sócrates, a malhar na proposta de Passos Coelho. Acusando o PSD de querer provocar uma crise política, não aprovando o Orçamento.
Tal levantamento só pode significar que o Governo vai continuar a política insana de aumentar a despesa e de aumentar os impostos.
Insistindo no veneno socialista de, engordando o Estado e os seus prosélitos, arruinar os cidadãos e a economia.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A solidariedade quebra barreiras...


- fotografia do Diário de Coimbra -

É um excelente exemplo de intervenção cívica. É verdade que há muito dinheiro mal gasto e que faz falta para outros projectos que dele precisam. Muitas vezes são incompreensíveis as opções que se fazem nos gastos dos dinheiros públicos. Estou-me a lembrar de uma notícia que li, a propósito de escolas, que dava conta de investimentos de milhões de euros que o Ministério da Educação despendeu em 2008 e 2009 com a reabilitação e a modernização de escolas que agora integram a anunciada lista de 701 escolas do 1º ciclo que vão encerar com o novo ano lectivo que está aí à porta. Mas adiante.
A boa vontade e o espírito solidário e construtivo dos pais e amigos da escola EB1 da Póvoa, em pareceria com a Junta de Freguesia de S. Martinho do Bispo, superaram a crítica, que nem por isso deixará de ser legítima, e a inércia de 50 anos, que custa a compreender, para dar lugar a uma realização de grande valia para a comunidade local. A necessidade e a responsabilidade foram mais fortes.
Uma valia reflectida na melhoria de condições de segurança e de higiene da escola e da sua integração nos planos urbano e paisagístico, mas, também, traduzida em força cívica e laços de solidariedade. Numa época em que fazem falta bons exemplos, este caso ganha maior reconhecimento e admiração. As crianças de S. Martinho do Bispo estão bem entregues...

Cansaço

Viver é muito cansativo. Mas, também, tenho dias em que consigo sentir uma frescura transitória e analgésica, para logo em seguida dar lugar ao cansaço. Não é só o cansaço físico que, insidiosamente, começa a impor-se contra a minha vontade - verdadeira traição fisiológica -, mas também devido à doença. Neste último caso o cansaço pode passar a ser a regra, progredindo para fases debilitantes, caso não seja controlada.
Ao querer escrever sobre o cansaço deparei-me que a tinta da caneta tinha acabado. Estranho! Ainda mal tinha alinhavado meia dúzia de linhas quando senti o protesto da escrita, e logo numa altura agradável. Os turistas tinham abandonado a esplanada do hotel, poupando-me às suas algaraviadas linguísticas. Espanhóis, franceses, japoneses, italianos e ingleses. Muitos eram verdadeiros representantes de uma fauna que abunda entre nós, caracterizada por falar alto, não ter normas, especialista em incomodar os que procuram sossego, sem pejo em sentar-se nas mesas de outros, só porque conseguem pagar as quantias excessivas praticadas nesses estabelecimentos como se fossem os cafés dos seus bairros. Os seus comportamentos deixam muito a desejar. Como já não tinha tinta, e não levei uma esferográfica, desisti de escrever naquele ambiente que, entretanto, tinha recuperado o normal sossego edénico.
Cansado, não da paisagem, porque é impossível, mas de alguns dos seus frequentadores, abandonei o local. Ainda passei pelos lavabos, novos, habitualmente ultra limpos, mas agora a transpirarem a passagem dos novos bárbaros. Afinal também se comportam como os nossos. Desisti, sempre era mais higiénico. Desloquei-me a pé até ao carro com a mochila às costas, a pensar no cansaço que sentia. Que raio de tarde! Talvez a culpa fosse das nuvens que entretanto tinham aparecido e de uma ligeira diminuição da temperatura. É cómodo atribuir a responsabilidade às alterações climáticas. No entanto, confesso, não acreditei muito nas minhas deambulações. Sentia-me cansado, talvez mais psíquica do que fisicamente. Cansado de ver as pessoas, de ouvir as suas observações, da forma como interpelam o próximo e da grosseria das suas atitudes. Olhando em volta, sinto que tudo se repete com uma previsibilidade patética. Procuro incessantemente algo que me permita esconder ou aligeirar o cansaço. Não é fácil. É duro. Só através de emoções agradáveis é que consigo esquecer. Às vezes consigo, lendo um bom livro, olhando uma bela paisagem ou um rosto sereno e formoso, tocando em pedras ancestrais que me obrigam a viajar no tempo, fugindo dos sons humanos, bebendo a fantasia de um quadro ou a fragilidade de uma peça de arte cuidadosa e amorosamente trabalhada por alguém que odiava ser vítima de cansaço.
Procurar emoções fortes, belas e únicas, é uma necessidade vital, a única forma que permite fugir à prisão fria e triste do cansaço, maldição que cresce e se agrava de dia para dia.

A farsa e os farsantes II

Acaba de sair a Síntese da Execução Orçamental referente a Julho deste ano.
A despesa da administração central do Estado aumentou mais de mil milhões de euros em relação a igual período do ano anterior, e o défice de 8,9 mil milhões de euros só não cresceu mais devido ao aumento dos impostos e da carga fiscal.
Os números comprovam à evidência a farsa da consolidação orçamental que o Governo constantemente propala, engando despudoradamente os cidadãos.
a) a despesa da administração central do Estado teve um aumento superior a mil milhões de euros, em relação a idêntico período de 2009.
b) a despesa cresceu 3,8%, mais que os previstos 2,9%.
b) o défice, no valor de 8,9 mil milhões de euros, apresenta-se também superior ao do período transacto.
c) o défice só não foi maior, porque a receita fiscal cresceu 5,9%, mais que o previsto.
d) a agravar as coisas, a despesa primária (despesa, excluindo os juros da dívida) cresceu 5,3%, quando era previsto que crescesse 1,9%.
Não tarda, e virá uma Nota do Ministério das Finanças ou uma declaração do Ministro, ou ambas, dizendo que todos os Ministérios estão a gastar menos e a situação controlada.
Que a dívida pública também desmente: mais 13, 5 mil milhões de Janeiro a Julho de 2010.

A tentação da burra

Um agricultor de Celorico da beira foi apanhado a conduzir uma carroça puxada por uma burra. Não sei se terá sido uma operação stop estrategicamente colocada em via onde circulam carroças em excesso de velocidade ou se a burra ia aos “esses”, inspirada na mão trémula do embriagado. Talvez até fosse o timbre da cantoria ébria que alertou a orelha policial, a notícia não diz como é que o apanharam mas o próprio diz que recusou a contra prova. Coisa grave terá sido, de certeza, a culpa até foi da burra, ou a juíza não teria dado o maternal conselho “venda a burra se ela for uma tentação”, está visto que se fosse um burro era mais difícil compor a frase, enfim, ele há preconceitos que custam muito a arredar. À cautela, não fosse o homem vender a burra e trocá-la levianamente por uma mota ainda mais tentadora, ficou proibido de “conduzir qualquer veículo motorizado por sete meses”, incluindo certamente aviões, mas excluindo bicicletas, vá lá, pena manifestamente inútil uma vez que o homem só tinha mesmo a carroça, único meio de escape para as suas fúrias, como o próprio alega, ao jantar bebeu mais vinho e “depois começaram a chatear-me e abalei com a carroça”. Assim como quem pega no automóvel e vai prego ao fundo, só para espairecer, tal e qual fez a burra com a carroça, interpretando fielmente o estado de espírito do seu dono. O homem deve ter ficado sem saber se podia andar só na burra, sem a carroça, ou se a proibição incluía umas feriazinhas para o animal, uma vez que se deslocou 8 kms a pé “debaixo da torreira” para ouvir a sentença. Mas parece que é repetente, em Setembro vai ser julgado por um crime semelhante, desta vez apreendem-lhe a carta...

A farsa e os farsantes

De Janeiro a Julho, a dívida pública directa do Estado aumentou 13,5 mil milhões de euros!
E passou de 132,7 mil milhões de euros, em 31 de Dezembro passado, para 146,2 mil milhões, em 31 de Julho de 2010 (dados do Instituto de Gestão do Crédito Público).
Ainda este ano, a dívida ultrapassará os 90% do PIB (80% em 2009). Não incluindo a dívida das empresas de transportes deficitárias, dos hospitais-empresa, das parcerias público-privadas, etc, etc, que o Estado inevitavelmente será chamado a pagar.
O Governo pode ir enganando com a redução do défice e da despesa. Mas os reflexos na evolução da tesouraria e da dívida pública não enganam quanto à grande farsa que a propalada consolidação orçamental do governo constitui.
Em 7 meses, mais 13, 5 mil milhões de euros, valor equivalente ao défice orçamental previsto para 31 de Dezembro!...
Há farsas que dão inevitavelmente em tragédia. Acontece que os farsantes vão enganando o público e normalmente safam-se a tempo.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Mais estado...pior Estado

Segundo o jornal i , com base em dados dos relatórios de governo (termo chiquíssimo, agora na moda...) de sociedade das empresas públicas divulgados pelo Ministério das Finanças, de 2007 a 2009, a evolução do Sector Empresarial do Estado foi a seguinte:
a) o número de empresas públicas cresceu 20%
b) o número de administradores cresceu 19%
c) os encargos com as administrações subiram 19,4%.
d) em contrapartida, o valor médio da remuneração paga por administração desceu.
No fim, mais Estado, sem dúvida. E pior Estado: numa coisa já disforme, quantidade não traz qualidade e gestores que aceitam pior remuneração normalmente indiciam menor competência..
Nota: Algumas das novas sociedades: Parque Escolar, Frente Tejo, Arco Ribeirinho Sul, EMA (meios aéreos), SIEV (matrícula electrónica), Agência Nacional de Compras, várias sociedades Polis e as empresas de cultura - OPART (Teatro de São Carlos e Companhia de Bailado) e Teatro Nacional de São João.
Só gostava de saber o que fazem agora os serviços públicos que se encarregavam da matéria.

Encerrar o País aos poucos...



Sei de gente estimável, respeitada e informada, certamente muito bem intencionada, que defende com unhas e dentes a concentração da rede escolar em curso. Eu continuo a sustentar exactamente o contrário. Não me baseio em estudos, mas no conhecimento que julgo ter daquelas parcelas do País que cada vez contam menos. Com base nesse conhecimento, já aqui escrevi e noutras sedes defendi que o encerramento das escolas do 1º ciclo do interior de Portugal, é um dislate traçado a régua e esquadro, como são quase sempre traçados assim os mais rectos dislates. Um erro cometido contra as famílias, um erro cometido contra o território. Sei bem que as famílias e os territórios vítimas desta política de desertificação não são eleitoralmente relevantes, e isso explica muito do á-vontade com que estas decisões são tomadas. Lamego, a minha terra, é hoje notícia por ser a triste recordista no número de escolas encerradas. Em nome da racionalidade de um Estado que cada ano gasta mais do que no ano anterior, dá-se cabo do pouco que mantinha vivas as comunidades do interior. Em nome de que projecto de País?

Em defesa do Hospital da Estefânia

Ouvi hoje, na SIC, o Prof. Gentil Martins a combater a decisão do Governo de integrar o Hospital da Estefânia no novo Hospital de Todos os Santos, a erguer em Lisboa.
O Hospital da Estefânia é um hospital de excelência no domínio da sua especialidade, a pediatria. Nomeadamente o Serviço de Neonatologia e a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais constituem serviços de ponta em Portugal e no mundo.
Dotada de um corpo técnico, médico e de enfermagem muito especializado e competente e devidamente equipada, aliás muito à custa de donativos da Gulbenkian e de entidades particulares, esta Unidade, imbuída do mais alto sentido de serviço e de profissionalismo, opera verdadeiros milagres médicos. Sei-o, por experiência própria. E sabem-no muitos portugueses que, como crianças ou pais, ou avós passaram por este Hospital.
Poderia parecer, à primeira vista, que a integração seria boa solução, trocando instalações envelhecidas (mas, apesar disso, com alguns serviços bem instalados), por um edifício novo. Mas não é assim. É que a integração pura e simples dos serviços de pediatria num espaço gigantesco, sujeito a regras de funcionamento genéricas e comuns, fará necessariamente perder a autonomia, a leveza, a identidade, a cultura que fazem da Estefânia um caso de excelência no domínio hospitalar.
Os hospitais pediátricos têm características próprias e devem permanecer autónomos, pela simples razão de que a medicina não é só uma questão de técnica e as crianças não são adultos em escala reduzida, dizia, creio, o Prof. Gentil Martins.
Da minha experiência de gestão noutros domínios, também sei que a integração de unidades especializadas em grandes unidades por razões tecnocráticas só traz desvantagens. Acarreta entropias, desfaz a boa cultura dos serviços, traz desmotivação, dificulta a gestão, encarece o funcionamento. No fim, acaba por liquidar o que era específico e bom, em nome de generalizações de regras, normas e conceitos. O que não é consentível, nomeadamente em medicina.
Tendo sempre na boca a defesa do Serviço Nacional de Saúde, o Governo vem fazendo tudo para o desmantelar. Agora, através da destruição do corpo e da alma e do espírito de serviço de uma das suas melhores Unidades, o Hospital da Estefânia. Aqui, o meu sentido grito de indignação.

“humanidade”

As palavras são mágicas. Servem para tudo, para alegrar, para entusiasmar, para matar, para curar, para aliviar, para recordar, para esquecer, para dar sentido à vida, para amar, para odiar, ou seja para tudo o que um ser humano se possa lembrar. É um encanto poder domesticá-las e dar-lhes um sentido por mais simples que seja. Acontece que o sentido com que o autor pretende carregá-las resvala, frequentemente, pelos flancos e perde-se no caminho. Sentido mal albardado por inépcia ou incapacidade do autor ou por miopia de quem as lê ou, então, por culpa de ambos. Não importa, sempre foi assim e irá continuar.
Muitos autores escrevem, na maioria das vezes, para si próprios, permitindo a partilha da leitura a terceiros assim que acabam de escrever, ou mais tarde, às vezes tão tarde ao ponto de já fazerem parte do reino dos mortos.
Costumo analisar o comportamento humano nas suas múltiplas facetas assim como o papel de Deus em muitos assuntos. Quanto a este último, faço-o não por uma questão religiosa ou de fé, as quais desde muito cedo me causaram muitas dúvidas e deceções, mesmo numa idade em que ainda não sabia escrever ou escrevia muito mal. Ainda caí na esparrela de escrever uma carta ao menino Jesus, por alturas de um Natal, mas, agora, passados tantos anos, recordo que o que eu queria era mesmo acreditar, se bem que achasse um pouco estranho que houvesse correio para aquelas bandas. Um pouco mais tarde começaram as minhas discussões e perguntas “estúpidas”, e tinha de ser logo com os padres.
Passei a infância, como muitos outros, imerso numa cultura religiosa intensa, cheia de “explicações” esquisitas e pouco plausíveis que foram minando a minha “racionalidade” infantil. E como tal não bastasse, ao longo dos anos, foi raro o dia em que não ouvi que muitos acontecimentos foram, são ou serão da responsabilidade divina.
“Explicações divinas” são uma constante, uma expressão da crença de milhares de milhões de pessoas por esse mundo fora, embora jogando em religiões diferentes, as principais na primeira liga, enquanto as outras se entretêm em campeonatos secundários. Tal facto obriga-me a comentar as intenções de Deus em coisas importantes e em coisas mais comezinhas. Não é uma questão de desprezo por quem tem crenças. Não é por isso, às tantas, até posso estar errado, o pior é que não consigo achar onde está o erro ou onde errei. Tanto faz que exista ou não. Digo que tanto faz, porque de uma forma ou outra, as coisas continuam na mesma, sem soluções.
Escrevo frequentemente homem com letra minúscula para representar a humanidade. Faço-o não por uma questão de erro ou de esquecimento. Não, escrevo propositadamente. Dizem e poderão dizer que está errado. Não é assim que se escreve, homem, quando diz respeito ao coletivo tem de ser escrita com H, maiúscula. Poder ser e aceito que gramaticalmente é assim que se deve escrever, tal como Deus. Escrevo homem ou humanidade em minúsculas porque me apetece. Está errado, disseram-me. Não sei se está ou não! E agora pergunto: - O que é que me acontece por escrever com minúscula? Nada! Ótimo. Mesmo que me apontem como sendo um erro, não corro grandes riscos de reprovar, porque já fiz o exame da quarta classe há muitos anos, no qual não se podia escrever muitas calinadas. Sendo assim, não reprovo. - Então porque é que escrevo Deus com letra maiúscula? Nem sempre, às vezes, quando estou chateado com ele ou com a sua ausência escrevo com minúscula, mas reservo esta última forma para os deuses de segunda ordem, porque a maioria são filhos de um deus menor. Deste modo, faço a distinção entre um deus humanizado e o comandante supremo. Existe? Não existe? Não sei, nem me interessa, porque o resultado é o mesmo; uma humanidade cheia de pesadelos, de sofrimento, de injustiça, de angústia e de dor em que os responsáveis são os próprios homens. Para mim ainda não atingiram o estatuto e a dignidade que permitem escrever Homem em vez de homem. Aqui está a minha explicação: persisto num erro ortográfico deliberadamente. Não se trata de um qualquer defeito do corretor ortográfico, como já foi sugerido. Não, nada disso, é mesmo intenção minha e se o raio do corretor tivesse capacidade de chamar atenção para o facto, eu contrariava-o e escrevia homem.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Teixeiraldrabice dos Diabos I


O aumento da despesa orçamentada em 546 milhões de euros não agrava o défice.
Garantia dada pelo Ministro das Finanças de Portugal.
Com tal garantia, está tudo dito!...

Alimentados a hamburger e coca-cola

Um estudo de uma instituição norte-americana (cuja credibilidade desconheço), revelou que a maioria dos estudantes norte-americanos que se encontram às portas da universidade, aposta que Beethoven é um cão, Michelangelo um vírus de computador, que nunca existiu um Estado chamado Jugoslávia e que João Paulo II foi afinal o primeiro e único papa! Nem o desporto parece despertar o interesse e conhecimento dos jovens pré-universitários americanos. A glória americana do ténis John McEnroe, é para a maioria um garboso modelo publicitário.
A nação não está, todavia, preocupada. As universidades que acolherão estes produtos "burger&cola" são tão boas, tão boas, que em breve (em menos de 3 anitos) farão destes ignatos rapazes e raparigas, sábios capazes de manter as instituições de ensino que os formarão, no topo dos rankings onde sempre estiveram.

Competência, não orçamento

Nenhum governo governa sem orçamento aprovado
Santos Silva ao Diário Económico

Nunca lhes faltou o orçamento aprovado, mas sempre governaram como se ele não existisse. Sempre usaram e abusaram do orçamento que eles próprios propuseram.
Nunca respeitaram os valores nele inscritos, aumentaram a dívida, os impostos, a carga fiscal e o défice.
Governar é questão de competência, não de orçamento. Ouviu, Sr. Ministro?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

7ª senha - lições da natação

(*)
Por alturas da 7ª senha (se julgavam que eu tinha desistido, desenganem-se) percebe-se como a evolução expressa em percentagens pode ser enganosa. De facto, o fantástico e estimulante progresso de, digamos, 30%, 50% e mesmo 80%, equivalente a passar a ser possível nadar de forma contínua e certinha sem vacilar, começa a ameaçar marcar passo a partir desses prodígios. Pudera, tudo depende do ponto de partida, se não se sabe nada aprende-se depressa, o problema é que a partir daí exige-se o aperfeiçoamento, a tenacidade, nos detalhes é que está o diabo, diz o povo e é bem verdade. É portanto a fase das grandes decisões, ou passamos a achar que o facto de se saber o elementar já nos dá direito a pregar uma amona no treinador que insiste em que ainda há muito que fazer até se deslizar na água na perfeição, com o mínimo de esforço e o máximo de eficiência, ou se toma a atitude humilde de meter ombros à técnica. Resolvi essa hesitação num instante quando me lembrei de alguns maus nadadores que se metem às águas de missões para as quais lhes falta preparação, dirigindo o que não sabem e perorando sobre o que nunca perceberam sem que a sua ignorância os iniba de dar braçadas largas nas direcções erradas. Então quando se convencem de que já ninguém vê que metem água, dispensam os conselhos de quem sabe mais, chegando mesmo a mandar encostar à borda os que fazem ondas nas águas onde imperam. Muitas vezes os seus movimentos desastrados e mal orientados afugentam da piscina os nadadores de grande estilo, dando lugar aos amadores que não têm mais ambição nem referência do que seguir os sulcos incertos dos maus nadadores que ocupam o espaço.
Na 7ª senha estou muito animada por já fazer seis piscinas, mesmo oito com algum esforço, mas também já deixei de dizer que antes sabia nadar, não sabia nada, tenho que me esmerar, já só me faltam 13 senhas e está a ficar mais frio de madrugada, as minhas ricas cadeirinhas ainda estão à sombra quando passo por elas esfalfada…!
(*) Esta é que é a minha prancha!

Estavam à espera de outra coisa?

"Concessionário de SCUT quer cobrar ao Estado 263 mil euros por atrasos". Pensar que a omissão e a incompetência políticas não têm preço, é inconsciência que sai cara, embora o custo não saia do bolso dos incapazes, mas da bolsa das vítimas. Mais um assalto à luz do dia. E ainda a procissão vai no adro...

Não têm emenda!



"Várias alterações ao Orçamento do Estado para 2010 publicadas ontem em Diário da República dão conta de um aumento de 546 milhões de euros na despesa pública orçamentada para este ano.
Deste montante, 94,6 milhões são acrescentados aos serviços que dependem directamente dos ministros. Os restantes 451,5 milhões surgem inscritos nos mapas de despesa dos serviços e fundos autónomos (na sua maioria, institutos públicos)" - Jornal de Negócios de hoje

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A conta certa da fiscalização...

Não sendo possível nem desejável ter um inspector em cada esquina, a falta de recursos de fiscalização pode afectar actividades que pela sua importância podem colocar em perigo bens de interesse público como é o caso da saúde. Não é apenas uma questão de redistribuição, é também uma questão de quantidade e qualidade, tendo em conta a protecção e a segurança das pessoas e a integridade desses bens de interesse público.
É interessante verificar que é preciso acontecerem tragédias, com o adequado tratamento mediático, como a que aconteceu recentemente com os doentes que estão na iminência de perder a visão, para que determinadas actuações do Estado sejam faladas. E é também curioso verificar que passados uns tempos os acontecimentos atingem uma espécie de "prazo de validade" e parece que tudo fica na mesma até à próxima.
A questão colocada no Editorial do DN faz parte das questões estruturantes de entre muitas que requerem uma avaliação e intervenção de forma integrada por parte do poder político. E a sociedade civil não se deve alhear deste processo. Quanto mais os problemas se acumulam, maior é a premência da sua resolução, mas fica cada vez mais distante uma solução imediata. A fiscalização é, no entanto, uma peça da engrenagem. Se fossemos um País cumpridor, incluindo o próprio Estado, com o sentido do dever cívico e se o sistema de justiça funcionasse, provavelmente nem precisaríamos do total de 2.120 inspectores actualmente ao serviço do Estado. Mas a realidade é outra! A ler no Editorial do Diário de Notícias de 16.08.2010:

"Inspecção nacional exige revisão imediata

Ocaso do oftalmologista de Lagoa que operava numa clínica sem licenciamento voltou a colocar a descoberto as fraquezas das nossas inspecções. Na mesma semana, a propósito de uma morte numa sauna na Finlândia, o DN descobriu que em Portugal ninguém fiscaliza as saunas e banhos turcos.
Sendo recorrente a constatação de falhas de inspecção, fomos investigar no sentido de traçar um retrato completo da inspecção que se faz em Portugal e, assim, tentar compreender melhor por que razão há tantas falhas de inspecção, em sectores tão distintos como os das finanças e da saúde.
As conclusões são elucidativas: no País há apenas 2120 inspectores, mais de metade afecta ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. Os restantes - menos de 1000 - redistribuem-se pelos vários sectores da sociedade, embora 50% estejam afectos à área do trabalho e só a outra metade fiscaliza todas as outras actividades económicas. As finanças e a saúde, duas das áreas em que mais vezes há queixas, ficam-se pelos 135 e 51 inspectores, respectivamente.
Com estes números nem se precisa analisar o orçamento de cada uma das inspecções para termos a certeza de que algo está errado nesta distribuição. E de que é vital revê-la com urgência. Parece também evidente que pouco mais de dois mil inspectores é escasso, sobretudo quando sabemos que, nos últimos anos, a evolução tecnológica trouxe dificuldades acrescidas para quem tem a missão de fiscalizar infracções.
Além disso, os resultados positivos que o Ministério das Finanças de Teixeira dos Santos tem tido provam que uma fiscalização mais apertada compensa - financeiramente e, ainda mais importante, na moralização da sociedade e na interiorização de boas práticas.
"

Uma investigação verdadeiramente científica!...


Um estudo científico defende que a preguiça deve ser considerada doença. Logo, com direito a baixa e subsídio da segurança social.
Os não preguiçosos, para além de trabalhar, ainda irão sustentar os preguiçosos enfermos.
Haverá certamente nova especialidade médica e de enfermagem e o correspondente Colégio da Especialidade Preguiça. Não vão ter falta de trabalho!...
É mandriar, pois, meus senhores. Nada a temer por faltas ao emprego. A preguiça é, agora, uma doença oficial e grave. E cientificamente testada!...
Enfim, nem escrevo mais nada, estou cheio de preguiça e não quero ser penalizado por estar a trabalhar preguiçosamente doente!...
Não sei é se conseguirei vencer a preguiça para chamar o médico do centro de saúde a vir cá a casa!...

domingo, 15 de agosto de 2010

Venha o frio!

Os fogos são uma desgraça que se repete todos os anos como uma fatalidade, apesar de todas as ideias brilhantes e urgentes que surgem durante a catástrofe para que no próximo ano já não seja assim. Deve haver uma pilha de quilómetros com os planos e as evidências que todos os anos nascem e todos os anos morrem logo que se apagam as chamas. Este ano já tivemos direito a várias, algumas em artigos de jornal, outras mais estridentes, como a da nacionalização das propriedades que não sejam limpas e ontem, creio eu, a de um partido político, que quer mobilizar os beneficiários do rendimento mínimo para irem limpar as matas. Não sei da ideia mais do que ouvi na rádio a um responsável daquele Partido mas confesso a minha incredulidade, se é que ainda temos direito a espantar-nos com alguma coisa. Eu pensava que as pessoas que têm direito ao rendimento mínimo são objecto de um esforço de regresso ao activo através da Segurança Social, pensava que o Estado criou mecanismos claros e imperativos para regular essa atribuição e as condições que devem cumprir os seus beneficiários. Pensava até que esses cidadãos, se têm direito a uma prestação que a lei prevê e que o Estado atribui merecem ser tratados com dignidade – e os que não merecem que se actue, dentro da lei -, não são um exército disponível para trabalhar à força, dependendo das necessidades que cada um se lembre de apontar como muito úteis, agora é limpar florestas, amanhã ser nadadores salvadores, polícias nas horas de ponta, enfermeiros se houver epidemias, etc., afinal do rendimento mínimo podemos tirar um benefício máximo, é mobilizá-los como na guerra e acabou-se. Pensei até que a limpeza das florestas que competir ao Estado deve ser feita através do recrutamento de mão de obra de acordo com as regras de trabalho e que quem recusa trabalhar estando em condições de o fazer devia perder o benefício do apoio social. Ou então alguma coisa está muito errada nisto tudo, e tem que se mudar.
Este País está um pouco paranóico, um dia perseguem-se os ricos, no outro os pobres, no outro os assim assim porque não são nem uma coisa nem outra, e no fim acabamos todos convencidos de que o mais natural é perseguirmo-nos uns aos outros e apontar o dedo a toda a gente. Mas afinal quando é que acaba a estação tonta?

As lógicas escondidas do semipresidencialismo

Andei por um cantinho isolado deste País adormecido, onde já nada do que acontece ou do que tarda a acontecer parece interessar à generalidade das suas gentes. Só a espaços tomava conhecimento do que se ia passando. Mais floresta ardida, as aflições e desgraças infelizmente habituais nesta altura do ano, mais incêndios na justiça desmentindo quem julgava nada mais haver para arder na coutada dos marqueses, condes e barões, e os comentários e análises das habituais figuras, tentado inventar rebuscadas interpretações para uma realidade que todos já entendemos nas suas causas e não se torna necessário conhecer nas suas consequências.
Um facto, um só, me perturbou a apatia a que senti ter também direito. A recomendação do senhor Presidente da República dirigida aos analistas estivais para a leitura de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Os Poderes do Presidente da República, 1991) com que pretendeu defender que o Chefe do Estado tem os poderes que tem, e que ali, naquele livro, vêm explicados. Se não estou em erro, a declaração visou rejeitar a hipótese, posta por alguns, de que o PR deveria intervir para suster o aprofundamento da crise da justiça, para o qual o PR não pretende contribuir, intervindo.
Confesso que fiquei perplexo com a declaração do Professor Cavaco Silva. Não tanto por o PR entender que não deve acudir à agonia da justiça por entender suficiente a acção do ministro da dita. Mas mais por ter invocado uma visão doutrinária, ainda que seja a mais clarividente, sobre o sentido e alcance dos poderes presidenciais, parecendo alienar um poder evidente, que é o de o Chefe do Estado avaliar em cada momento, e com ampla discricionariedade, que actuação é requerida para reposição da normalidade e da regularidade do funcionamento das principais instituições da democracia. No quadro da Constituição que jurou respeitar, está claro. Tanto quanto claro está que é a própria Lei Fundamental que lhe confere esse poder de avaliação.
A minha perplexidade resulta do facto de ser conhecido que o quadro dos poderes do Presidente da República no nosso semipresidencialismo é versátil, acentuando-se a vertente governamental, parlamentar ou presidencial em razão da conjuntural correlação de forças, da circunstância de existir ou não uma maioria parlamentar, e mesmo no caso de existir, de ela ser sólida e homogénea ou fruto de contigência. O que implica que o PR tenha de ser nalgumas circunstâncias mais "bombeiro" do que "polícia" ou "árbitro"; e noutras, mais "árbitro" e "polícia" que "bombeiro", para utilizar as expressões de Canotilho e Moreira na obra que o Presidente recomendou aos analistas sazonais.
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A completar a leitura recomendada pelo Professor Cavaco Silva aos analistas de verão, sugere-se uma outra, um pequeno texto da autoria de Olivier Duhamel, Les Logiques Cachées de la Constitution de La Cinquième Republique, escrito em 1984 quando o semipresidencialismo encantava (salvaguardadas as diferenças em relação ao modelo semipresidencial de França e o contexto histórico do desenvolvimento do V República). Estou certo que ali se poderão inspirar os que terão de encontrar os fundamentos de futuras e inevitáveis intervenções presidenciais, quando outros contra elas venham a brandir do livro dos professores de Coimbra e recordar esta declaração presidencial.

As ideias feitas: o remédio e o veneno

A ideia de que a contenção orçamental impede o crescimento económico é mais uma ideia feita, contra a qual esbarram todas as evidências e demonstrações. Porque é uma ideia assimilada, permanentemente declarada como axioma no ensino e nos media, servindo de suporte teórico às mais erradas políticas governamentais..
Tal cultura instalada leva a que todas as explicações para a crise desemboquem nas restrições orçamentais, como se não fosse o uso e o abuso dos excessos orçamentais que levaram à actual situação. Onde está o remédio, os professores e analistas mediáticos vêem o veneno e onde está o veneno os mesmos professores e analistas vêem o remédio.
Exemplo do modo como tal ideia está enraizada nos media, deu-a o Público, ontem.
Na 1ª página, refere em título: A zona euro cresceu ao nível mais rápido desde 2006 mas Portugal desacelerou. Contenção orçamental ensombra evolução do resto do ano.
Isto é, caso não houvesse restrições, a economia teria crescido. Mas onde é que estão as restrições, se o défice público português de 2009 foi o maior de sempre e a despesa pública até subiu no 1º semestre deste ano?
Também ouvi um professor com a mesma justificação.
Onde é que está a lógica? Obviamente em parte nenhuma: o jornalista e o professor são levados ao erro por uma ideia feita. Já tão assimilada que nem se dão conta da contradição grosseira que ela traduz. Ideia feita, na melhor das hipóteses, porque outra é que subordinam a inteligência à ideologia.
Confundem o veneno com o remédio. Desgraçados alunos, pobres leitores!...

sábado, 14 de agosto de 2010

Um salto para o futuro...

Ouvi há pouco uma repetição de uma das sessões do programa “Plano Inclinado” tendo como convidado o Professor Ernâni Lopes. A discussão centrou-se no futuro, muito em torno da importância do pilar dos valores na sua construção. Um tema que não é fácil de tratar. Uma abordagem que, a meu ver, é ainda "intangível" para muitas pessoas.
O Professor Ernâni Lopes dizia que a última década em Portugal foi uma década “esvaziada” e colocou grande ênfase na necessidade de recuperarmos valores, atitudes e padrões de comportamento e de convencermos os jovens que a prosperidade que lhes tem sido mostrada é virtual.
Apresentou uma tabela, em que na 1ª coluna são listados os valores que se instalaram na sociedade portuguesa e marcaram o caminho insustentável que temos vindo a fazer e na 2ª coluna constam os valores que são fundamentais adoptarmos se queremos ter futuro:

Onde está ------- ► Pôr

Facilitismo ------- Exigência
Vulgaridade ------ Excelência
Ignorância ------- Conhecimento
Mandriice -------- Trabalho
Aldrabice -------- Honestidade
Videirismo ------- Honra
Golpada --------- Seriedade
Moleza ----------- Dureza

Como referiu o Professor Ernâni Lopes os “novos” valores são a chave do médio e longo prazo. Mas é preciso ensinar estes padrões aos jovens. Não é, contudo, fácil inculcar no espírito de um jovem que é preciso ser diferente, que é preciso mudar, pensar as coisas de outra maneira. É preciso explicar-lhes que é possível ser-se próspero com trabalho e honestidade, ao contrário dos casos que hoje lhes servem de referência, que mostram que para se ter sucesso – poder e dinheiro – o trabalho, a honestidade e o conhecimento não fazem falta.
Será que somos capazes de o fazer? Ou melhor, será que queremos fazê-lo? Talvez que a crise económica que estamos a viver possa ajudar, obrigando-nos a mudar de vida e a repensar o futuro, mostrando aos jovens que não somos uma geração perdida e egoísta. Se não o fizermos que confiança podemos esperar receber dos nossos jovens?
Estamos, realmente, num tempo em que temos pela frente um desafio muito grande de compromisso geracional …