quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Guiné-Bissau - e Portugal ?

Por razões de natureza profissional estive nos últimos dias na Guiné-Bissau, País onde já não me deslocava há uns bons anos, desde o início da década de 90.
Tendo em conta as notícias que nos vão chegando daquelas paragens pela nossa preclara comunicação social, as minhas expectativas eram muito baixas, confesso.
Esperava encontrar uma cidade de Bissau à pior maneira africana, suja, desordenada, com muitos buracos nas estradas, quase sem serviços de transporte, um parque automóvel bastante arruinado, sem sinais de recuperação da actividade económica, feridas ainda visíveis da guerra civil de há poucos anos etc,etc.
O que encontrei excedeu muito, para melhor, as minhas expectativas.
A cidade está bastante limpa – em claro contraste com Dakar, onde também estive – com um intenso tráfego automóvel, os edifícios exibindo sinais de recuperação recente, as pessoas com uma apresentação exterior bastante mais decente do que noutras cidades africanas que conheço, apesar dos iniludíveis sinais de pobreza.
Posso dizer que me surpreendeu em particular a qualidade do serviço de táxis, com muitas dezenas de automóveis, de óptima apresentação, todos da marca Mercedes e de cor azul e branca (influência de Pinho Cardão?). É outro contraste impressionante com Dakar, que apresenta uma frota de táxis claramente decadente, alguns num estado de degradação dificilmente narrável.
Encontram-se muitos estrangeiros em Bissau, que vão tratar dos seus negócios ou que estão envolvidos em acções de cooperação, sendo notória uma dinâmica recente do investimento estrangeiro em vários sectores, desde o turismo à agricultura e às agro-industrias.
Por vários contactos que lá mantive, apercebi-me de que são os marroquinos e os espanhóis em primeiro lugar, a seguir os líbios e os senegaleses, que estão na base da nova dinâmica da economia da Guiné-Bissau, investindo nos sectores mais importantes.
Importa referir que existem reservas de petróleo na zona offshore, as quais deverão entrar em exploração dentro de alguns anos.
A Guiné-Bissau pertence à UEMOA – União Económica e Monetária do Oeste da África (grupo de 6 países que também inclui o vizinho Senegal), pelo que a moeda corrente no País, o franco CFA, é externamente convertível, numa relação fixa com o Euro garantida por um acordo entre a Zona e o Tesouro Francês.
A participação nessa zona económica e monetária tem a vantagem de impor alguma disciplina financeira nos países participantes, cuja balança de pagamentos conjunta se apresenta equilibrada segundo me informaram.
É claro que no caso da Guiné-Bissau, cujo Orçamento é financiado em mais de 70% pela ajuda externa, a disciplina financeira é mais do que forçada. Em caso de indisciplina, não há dinheiro...Os salários dos funcionários públicos chegaram a ter mais de um ano de atraso, agora estão quase em dia.
Aspecto mais negativo neste breve apontamento de reportagem é a rápida perda de influência de Portugal na economia do País, apesar da generosidade da nossa ajuda financeira pública e das habituais proclamações oficiais, nomeadamente aquando das reuniões da CPLP.
A hora é dos espanhóis e dos marroquinos, que têm claramente uma percepção da importância estratégica de assumir posições naquela zona de África.

Introdução ao TLEBS III- O socialismo que resta!...

Continuando na matéria, confesso que começo a ver o TLEBS com outros olhos!...
O TLEBS não é assim uma coisa neutra. Assume-se ideologicamente e tem inclinações e embirrações muito personalizadas!...
Parece não gostar de Santana Lopes, como se verifica com a classificação do advérbio aqui. Ora, até Santana Lopes dizer, há tempos, que continuaria a andar por aqui, aqui era um advérbio de lugar, com toda a sua respeitabilidade. Era, porque agora foi despromovido, tendo passado simplesmente a Advérbio adjunto de lugar!...Uma suma injustiça, pois até foi uma portaria da sua Ministra da Educação que ajudou a dar ao TLEBS um sopro de vida!...
O TLEBS é também socialista radical, promovendo um igualitarismo forte e determinado e fazendo ascender rapidamente as palavras das hierarquias mais baixas a uma nova condição.
Por exemplo, a humílima palavra nenhum, que designa o zero, o nada e era um mero pronome, para mais, indefinido, subiu à casta mais alta e passou agora a quantificador universal!...De nada a universal é verdadeiramente um salto de respeito!...
Pela mesma razão de apoio firme aos mais desfavorecidos, o artigo definido o, pequenino e de uma só letra, foi agora promovido a determinante artigo!...
O TLEBS é verdadeiramente o “socialismo” em movimento!...Será a mesmo o único "socialismo" que resta deste governo socialista!...

1º Dezembro, um compromisso …

Celebra-se amanhã a efeméride do 1º de Dezembro de 1640. O que nos suscita esta data? A Restauração da Independência, sem muitas vezes sabermos o que sucedeu na realidade, quais as suas causas, os seus circunstancialismos e as suas consequências.
Nem sequer, as mais das vezes, é importante extrair uma reflexão de quanto valeu a pena e os sacrifícios que custou, não propriamente o golpe palaciano de 1640, mas um longo período de conflito armado que se lhe seguiu, de 28 anos.
O Estado Novo, ao exaltar os feitos dos Portugueses – heróis planetários, comparáveis aos da mitologia grega – ao menos recuperou a auto-estima nacional.
Hoje, noutro formato, convém, porém, não ignorar a obra realizada, sobretudo o seu esforço inerente.
Ser Português é um direito próprio que adquirimos. É uma honra para os nossos antepassados, para nós próprios e para as gerações vindouras. Outras populações há que têm identidade própria, mérito, valor, até um alto rendimento per capita. Mas não têm país, não vivem dentro de um seu território demarcado politicamente. Podem até ter um estatuto autónomo, mas não são independentes.
É claro que o estatuto integral de independência não serve apenas para afirmar a cultura. A cultura é essencial na identificação de um país, é uma marca registada sem o ser. É um activo, se inerente a muitas outras manifestações de independência. Um país independente tem o direito - totalmente incontestado, até hoje - de delinear a sua estratégia, de definir as suas opções, de executar a sua política fiscal, de ter ou não moeda própria, etc.
Ser soberano - e o 1º de Dezembro de 1640 afirma-o de modo real, europeu e moderno - requer enormes responsabilidades, desde logo garantir o bem estar económico e social das populações.
Saibamos, então, capitalizar a nossa independência.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Assim falava Vieira da Silva

Depois da reforma da segurança social, chegou a vez de o Governo se render às vantagens da flexibilidade na cessação dos vínculos laborais e na duração do trabalho, com compensações sociais mais abrangentes no caso de desemprego. Olhou novamente para norte (não, desta vez não foi para esse novo sol que é a Finlândia...) e descobriu que na Dinamarca é que souberam resolver essa que parecia ser a quadratura do círculo: como é que a regulamentação do mercado de trabalho pode deixar de ser um entrave à competitividade sem que se belisque a essência do modelo social europeu.
Leio a notícia e o entusiasmo com que os nossos habituais comentadores a acolheram, elogiando esta abertura a um novo pensamento, mais aberto, mais arejado, mais conforme com os novos tempos e a necessidade de enfrentar a globalização. Isso de manter o emprego, mesmo que inviável ou desnecessário, até que a empresa pereça e todos fiquem sem ele, é coisa do passado! Afinal a fórmula mágica que só um Governo com a coragem que este demonstra, um governo da esquerda moderna, poderia achar e levar à prática.
Dou comigo a pensar o que seria se há 4 anos, há 4 escassos anos atrás, o governo de então propusesse coisa semelhante no Código de Trabalho. Não ficaria pedra sobre pedra no Carmo e na Trindade! Basta recordar as reacções do PS então na Oposição às tímidas medidas de flexibilização nas relações laborais levadas aquele Código.
O que se passou no País para que a "esquerda" hoje no poder tivesse mudado tão radicalmente de opinião? Mudou o País? Nem tanto. Mudou o PS? Sem dúvida. Mudou a atitude dos media perante a incongruência? Parece-me uma evidência.

Poucos se recordam, mas há 4 anos atrás, há escassos anos atrás, o Deputado Vieira da Silva, hoje ministro das coisas do trabalho e da segurança social, discursava assim contra as propostas de reforma da segurança social do Governo com vista a garantir a sua sustentabilidade:

«Felizmente, com as alterações que foram introduzidas nos últimos anos, o cenário de ruptura de que falava o Livro Branco da Segurança Social não secoloca de todo, e mesmo as dificuldades de financiamento, como já atrás afirmei, apenas deverão surgir em meados da década de 30, e estas surgirão com uma dimensão compatível com uma diversificação de fontes de financiamento que garanta o crescimento razoável e sustentado, face ao que existe na generalidade dos países da União Europeia, do peso das pensões no produto interno bruto» - Cfr. DAR, 12/07/2002, p. 1345.

Introdução ao TLEBS II

Continuando na matéria!...
Na actual gramática, o verbo haver, no sentido de existir, não tinha sujeito. O que o punha em situação de calamitosa e manifesta inferioridade em relação aos seus pares!...
Situação terrível que o TLEBS agora resolveu!...
Segundo a nova gramática, passou a ter um e logo de arromba, de seu nome sujeito nulo expletivo!...
Situação admirável e que traz um enorme valor acrescentado. Nulo e redundante, mas sujeito!...Uma não existência existente!...Um não sujeito, sujeito!...
Nota: De salientar, na minha opinião, o artigo de Vasco da Graça Moura sobre "a culpa e a responsabilidade" quanto ao TLEBS, no Diário de Notícias de hoje.

O Discurso


Quando fez 80 anos a família juntou-se toda para celebrar.
Os irmãos, a mulher, os filhos, os netos, tudo numa algazarra que ele ouvia vagamente, naquele jeito que a doença lhe deixou de estar presente silencioso, de querer sossego com todos à volta. Não gostava que o vissem debilitado, não queria que as suas mãos formidáveis deixassem cair os copos e se recusassem a segurar a faca com firmeza.
Mas festa é festa, e ele vestiu-se a rigor e sentou-se à cabeceira da mesa.
Na altura do brinde todos pensaram que não ia falar e, por uma vez, não se fazia silêncio para ouvir os seus discursos, sempre tão cómicos, misturados com frases de filmes, de livros e trocadilhos, que depois ficavam a decifrar até ele acabar com as discussões.
Mas ele levantou-se a custo, pegou na taça com a mão trémula e ficou assim um momento, como que perplexo com a penumbra da sua memória.
Virou-se então para a mulher, sua paixão desde menino, e disse:
-“Só quero agradecer a Deus ter-me permitido amar tanto esta mulher. Para tão grande amor, foi curta a vida…”
E sentou-se, alheado, como se as palavras tivessem saído sozinhas.
Foi o discurso mais bonito da sua vida.

Empecilhos judiciais...

"Se há empecilhos judiciais faremos, naturalmente, o que for necessário para os remover".
Segundo o JN de hoje, com estas palavras o senhor Ministro do Ambiente Nunes Correia, garantiu o apoio à autarquia de Viana do Castelo na caricata cruzada pela demolição do famoso prédio Coutinho.
Somando estas declarações às que foram produzidas sobre a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que concedeu provimento à providência cautelar no caso dos ensaios para a co-incineração em Souselas, percebe-se que o Governo confia na justiça tanto quanto os cidadãos...

Os doutoramentos em pronomes possessivos!...

É sabido que muitos, jovens e não jovens, doutorados não encontram emprego. Uns por terem habilitações superiores às exigidas pelo mercado, outros porque não arranjam vaga nos Institutos e Organismos de investigação ou Universidades, outros pelas exigências que fazem.
Mas muitos também não encontram emprego, porque é impossível vislumbrar a utilidade ou mesmo a simples racionalidade do tema escolhido para a investigação e doutoramento. E aqui têm culpa as Universidades, que sem qualquer selecção, formam doutores como pintos em aviários.
Alguns temas de doutoramento são de enorme espanto: ainda há dias li que um jovem licenciado fez, na Universidade de Lisboa, um doutoramento em pronomes possessivos, dedicando-se a estudar as suas construções nominais!...
Obviamente, tal doutorado queixava-se de desemprego, vivendo do “biscate” de umas aulas aqui e ali e procurando uma bolsa de estudo que lhe permitisse continuar as investigações, porventura abrangendo um leque alargado de outros pronomes.
Neste e noutros casos, o modo de vida possível para os doutorados é arrastarem-se de pós-doc em pós-doc, mendigando periodicamente, de três em três anos, a concessão de bolsas para projectos de investigação, nomeadamente junto da Fundação para a Ciência e Tecnologia como forma de sobrevivência.
Praticamente todos reclamam o apoio do Estado. Que já subsidiou os seus cursos. Que pagou com bolsas o doutoramento. E que, directa ou indirectamente, continua a pagar as bolsas pós doutoramento, que se tornaram um modo de vida.
Têm culpa os próprios? Pois claro que têm, já que, ao embarcarem na iniciativa, já estavam na idade para saber o que o mercado exige e comporta. Mas têm culpa sobretudo as Universidades, que sem qualquer selecção, formam doutores só porque sim.
Depois do doutoramento referido em pronomes possessivos, o TLEBS irá com toda a certeza introduzir uma matéria infindável para novos doutoramentos. Mais uma linha de emprego em actividades pós-doc!...
Nota: O doutoramento em pronomes possessivos não é ficção. A notícia vinha publicada numa das últimas revistas Única do Expresso, creio que de 11 de Novembro, e o doutorado entrevistado a propósito das dificuldades de emprego.

A Prova...

... da mais aviltante impunidade, dá-a José Esteves, o fabricante da bomba, protegido por uma vergonhosa prescrição.

Mas mais aviltante ainda é a impunidade desta chamada ´justiça´!

Ainda anda por aí alguém com a lata de dizer que devemos confiar nela, nesta justiça que não temos?

terça-feira, 28 de novembro de 2006

“Hermafroditismo linguístico”…

A luta pela igualdade entre os sexos tem vindo a revestir-se de novas formas, não muito exuberantes, mas, sem sombra de dúvidas, cada vez mais eficazes. De facto, é um imperativo e uma necessidade que não haja qualquer tipo de discriminação. No entanto, assistimos com frequência inusitada a alguns comportamentos que dificultam o discurso, quer o escrito, quer o falado, nomeadamente, a tendência para o emprego das palavras no feminino. É de bom-tom, falar em cidadãos e cidadãs, em portugueses e portuguesas, ter cuidado em não referenciar Homem como sinónimo de masculino e feminino, e, muito provavelmente, ainda acabaremos por dizer Pátria e Mátria, Deus-Pai e Deus-Mãe…
Agora, na Alemanha, foi publicada uma nova versão da Bíblia, considerada “politicamente correcta”. O objectivo prende-se com a necessidade de utilizar uma “linguagem mais justa”. Deste modo, e a título de exemplo, as palavras iniciais da oração ao “Pai-nosso” passam a ser “Teus filhos e filhas, Deus que é nossa Mãe e nosso Pai nos Céus, santificado seja o Vosso nome…”
Os teólogos reconhecem o carácter assexuado de Deus, embora alguns contestem esta nova formulação em que ao lado do género masculino tem que surgir, também, o género feminino.
Aquando da minha passagem pela Assembleia da República fui confrontado com esta nova realidade a ponto de ser “repreendido” por algumas colegas que me alertaram para o carácter demasiado “masculinizante” (linguisticamente falando!) das minhas intervenções. Lá tive que fazer um esforço para não discriminar o género feminino usando as palavras mais adequadas ou, então, as mais neutras possíveis. Não foi fácil! E, a este propósito, recordo-me da discussão na especialidade da proposta de lei de bases da educação. Muitos artigos referenciavam "crianças de ambos os sexos". O objectivo dos proponentes, por influência do lóbi feminista, era, precisamente, reforçar a necessidade da igualdade entre os sexos. Só que neste caso concreto, a palavra crianças não se confunde especificamente apenas com meninos ou meninas. Serve para ambos! Ao permitir que ficasse contemplada no texto legal, a expressão, "crianças de ambos os sexos", poderíamos restringir o alcance da lei a um grupo muito restrito de hermafroditas verdadeiros! Lembro-me dos sorrisos, despertados por esta observação. Deste modo, com a “anuência” das senhoras deputadas (de todos os partidos), acabámos por aceitar apenas crianças…
Voltando à Bíblia alemã, traduzida por 40 mulheres e dez homens, parece que se esqueceram de feminizar certas palavras! Assim, Satanás, Diabo, Demónio e Mal continuam a ser palavras “masculinas”. E ainda se queixam de discriminação…

Parabéns ao Bloguitica!...

O Bloguitica perfez ontem um milhão de visitas!...
Na minha opinião, trata-se de um blog de referência, pela qualidade dos "posts", pela saliência que dá a textos de outros blogs, pela resenha, na secção Leituras, das publicações que vão saindo, pela publicitação de pertinentes e oportunos editoriais e outros artigos de jornais nacionais e estrangeiros.
Concordando ou discordando, a sua consulta tornou-se para mim um dos melhores instrumentos para saber como vão as coisas em Portugal e no mundo. Por isso, nem quero admitir que o Paulo Gorjão se sinta cansado, como confessou no seu blog!...
Daqui do 4R os parabéns ao Paulo Gorjão e os votos de que possa ultrapassar a fadiga e chegar rapidamente aos 2 milhões!...

Violência sobre a Mulher, um comportamento ignóbil... II

Ainda na sequência do texto que escrevi no passado dia 25 de Novembro, a propósito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência sobre a Mulher, assinalo agora, pelo seu alcance, a campanha que foi ontem lançada pelo Conselho da Europa contra a violência sobre as mulheres.
É um fenómeno que nos deve envergonhar a todos, que não é compatível com uma sociedade decente, ancorada na defesa dos direitos humanos.
A iniciativa constitui um desafio politicamente relevante, incitando os países a cumprirem e a colocarem nas suas agendas políticas medidas que previnam a violência, castiguem os infractores e protejam e reabilitem as vítimas.
Para além dos elevados custos humanos e sociais, nunca quantificáveis, os custos contabilizáveis associados à violência doméstica, designadamente a intervenção junto das vítimas, podem chegar num país com 10 milhões de habitantes aos 400 milhões de euros por ano.
Seria bom que o Governo apresentasse uma avaliação dos efeitos das políticas públicas que têm sido prosseguidas contra a violência sobre as mulheres, na qual se examinem as mudanças da realidade social ocorridas e os impactos de natureza económica, social, cultural e orçamental.
Só medindo se poderá avaliar e só avaliando se poderá aferir da necessidade de mudar e melhorar.

Triste tecnocracia!...

Vi a primeira parte dos Prós e Contras. Dá gosto ouvir o Professor Adriano Moreira. E são devidos os parabéns à Fátima Campos Ferreira pelo modo como o apresentou. É, de facto, uma das mais lúcidas inteligências portuguesas. Magoado pelo facto de o Ministro Mariano Gago não ter reconhecido validade à avaliação feita às Universidades pela Comissão de Avaliação a que presidia. E magoado também por ter sido maltratado, ele e a Comissão, diante do próprio Ministro e sem qualquer palavra de defesa por parte deste, pelos custos adstritos a essa avaliação, que não corresponderiam à realidade.
Pode até o Ministro ter toda a razão. Mas não se trata dessa maneira uma pessoa digna, que tem a ideia de serviço público, que tem dado o melhor de si nessa tarefa e por isso merecia melhor agradecimento.
Deste modo, e cada vez mais, só se dedicará ao serviço público quem, em desespero de causa, não encontre lugar em qualquer outro sítio. E mais lugar ficará para os consultores internacionais, como estes que agora substituiram Adriano Moreira!...

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Mas nunca mudamos?

Hoje de tarde, enquanto me deslocava de carro, fui metralhado de meia em meia hora com a notícia-bomba, assim expressamente denominada pela RDP, de que o Tribunal de Contas acusava o Metro do Porto de descontrole financeiro e censurava o Estado por não ter assumido uma maior participação no capital da empresa, como forma de introduzir disciplina financeira na sua gestão.
Duas observações a propósito:
-a primeira, sobre o sensacionalismo da RDP, quer pela excitação da leitura, quer pela classificação do facto como notícia-bomba!...À estação de serviço público cabe ser rigorosa e discreta. Para isso é que a pagamos. Para fazer igual às privadas, não é precisa. Deixe, pois, o sensacionalismo para os outros!...
- a segunda, sobre a "cultura" instituída, pelos vistos também no Tribunal de Contas, de apelar a uma maior participação do Estado no capital, para o controle da empresa. Então as empresas públicas, em que o Estado detém a totalidade do capital, estão controladas? Não apresentam desvios substanciais entre os Orçamentos e a sua execução? Não estão algumas em colapso financeiro? Não sabe o Tribunal de Contas que os Governos têm múltiplas formas de intervir, sendo que a via do capital é a menos eficaz?
Quando é que nos deixamos dessa cultura de que a propriedade é condição essencial ao controle pelo Estado?

Introdução ao TLEBS I

Agora foi Miguel Sousa Tavares a focar o TLEBS num belo artigo da sua coluna de opinião na última edição do Expresso. Aí Sousa Tavares reflectia sobre o futuro do seu cão face à nova terminologia e filosofava a propósito: não sei se cão ainda é cão, mas substantivo é que já não!...
Pois, cão deixou de ser um mero substantivo e passou a nome comum, concreto, contável, não humano, animado, masculino do singular!... O que denota a nobreza da linhagem!...
Mas, por exemplo, a palavra gay, que era substantivo masculino, passou à seguinte classificação: nome comum concreto, contável, humano, animado, epiceno do singular. Epiceno, porque designa tanto o indivíduo homem como mulher.
Ser ou não ser gay não é questão, é um imponderável da natureza, como também já aqui explicou o nosso Professor Massano. Gay ou não gay merecem respeito por igual. Mas ser epiceno, senhores! Será isso constitucional?

domingo, 26 de novembro de 2006

"Corrigir um ponto de exame"...

A decisão de um tribunal, obrigando o ministério da educação a realizar um novo exame a uma aluna, que se sentiu prejudicada, na sequência da trapalhada dos exames de acesso ao ensino superior, foi acatada. Não podia deixar de ser num estado de direito. A justiça funcionou e de forma célere. Bom sinal para os cidadãos descrentes da eficiência do nosso sistema judicial.
A menina já fez o exame, no dia 7 de Novembro, mas não sabe ainda o resultado!
É interessante a cadeia de ignorância e de desresponsabilização. As instituições, hipoteticamente competentes, acabam por remeter para níveis superiores, afirmando que "não é possível dar qualquer tipo de informação sobre essa matéria, uma vez que a mesma está sob a alçada da tutela"! Sendo assim, será que a senhora ministra da educação "não quer" que o exame seja corrigido? Ou será que desconhece este atraso? Ter-se-á perdido o ponto? Será que algum "esperto" encontrou algum buraco no despacho do juiz?
Seja como for a situação é perfeitamente caricata. Se a ministra conhece a situação e não publica a nota, então revela falta de ética política, desrespeito pela decisão do poder judicial e, mais grave ainda, acaba por transmitir a uma população, que necessita de aprender o significado da justiça e da honra, um exemplo pouco dignificante.
Há perigo de consequências políticas? Talvez haja. Mas respeitar os direitos de um cidadão, independente das sequelas ou consequências políticas daí decorrentes, é um acto de grande dignidade. Uma atitude correcta, no momento oportuno, mesmo tratando-se de um caso singular, pode ter mais impacto do que muitas medidas políticas.
Quero ainda acreditar que a senhora ministra da educação não esteja a par da situação...

sábado, 25 de novembro de 2006

Violência sobre a Mulher, um comportamento ignóbil...

Assinala-se hoje o Dia Internacional para a Eliminação da Violência sobre a Mulher. O combate contra todas as formas de descriminação contra a mulher é um tema que está hoje mais presente na sociedade portuguesa, mas os números revelam que a violência contra a mulher continua a ser um flagelo em Portugal.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vitima acompanhou em 2005 14.371 processos. Do respectivo Relatório extraem-se, em particular, as seguintes características:
89% dos crimes reportados são de violência doméstica, correspondendo, em cerca de 2/3, a maus tratos físicos e psicológicos;
88% das vítimas são mulheres com idades compreendidas entre os 26 e os 45 anos de idade (cerca de 35%);
89% dos autores da violência são homens;
24% dos autores são dependentes de álcool(1), 7 por cento de estupefacientes e 2 por cento de fármacos;
Em 60% dos casos, a vítima ou é cônjuge ou companheira(o) do autor.
Portugal terá que neste domínio de prosseguir com políticas públicas que apostem fortemente na prevenção e criminalização da violência contra a mulher e na sua reabilitação, através de uma rede de unidades de encaminhamento e acolhimento das mulheres violentadas e em situação de risco, bem como dos seus filhos, e de políticas de integração social e económica.
Por ocasião desta efeméride o Secretário Geral da ONU afirmou: “A violência persiste e é um fenómeno extremamente difícil de se combater. Existe de várias formas: sob a forma de violência física, psicológica, sexual, em casa, na rua, no local de trabalho, em nível global... Hoje uma das formas de violências que estão em crescimento, e que é terrível, é o tráfico de pessoas e de mulheres em particular para fins de exploração sexual. Portanto isso é um dado de fato do nosso tempo mas tem provado ser muito difícil de se combater".
A socialização da consciência da existência do fenómeno da violência sobre a mulher e da necessidade de com ele ter uma relação de repúdio é uma ajuda fundamental no combate a tão ignóbeis comportamentos.

25 de Novembro de 1975: não havia esperança para nós, nessa via!...

Assinalam-se hoje 31 anos sobre a passagem do 25 de Novembro de 1975.
Na confusão e turbulência do PREC, o PCP foi o primeiro a gravar na tábua de cera virgem da consciência política de muitos militares, aberta e disponível para todas as inscrições, a ideia de que o movimento libertador do 25 de Abril apenas se poderia realizar num regime comunista.
A falta de preparação política era terra fecunda para o florescimento da propaganda e as viagens, nomeadamente a Cuba, onde eram recebidos com todo o aparato propagandístico, levaram-nos rapidamente a aceitar como desígnio a instauração em Portugal da ditadura comunista.
Se tivessem alguma preparação política que lhes moderasse o entusiasmo, saberiam que, cerca de uns dez anos antes dessa data, Che Guevara, aquando de uma passagem pelo Cairo, nas vésperas da sua ruptura com Castro, tinha proferido as seguintes palavras:
"...Acredito na transformação da sociedade, mas as pessoas capazes que colocámos em Cuba depressa esqueceram o seu fervor revolucionário nos braços de encantadoras secretárias, no seu carro, nos privilégios e no seu ar condicionado. Começaram a fechar as portas dos seus gabinetes, para aí manterem o ar fresco em vez de as abrirem ao povo do trabalho. Compreendi que favorecíamos o oportunismo..." E ainda:
“…Há no comunismo um paradoxo. Quando negoceio com a União Soviética, constato que os Russos querem comprar as nossas matérias-primas aos preços fixados pelo imperialismo. Não posso admitir isso da parte de um país socialista. Discuti o assunto com eles e disseram-me que eram obrigados a vender a preços competitivos. Então perguntei-lhes: qual é a diferença entre vocês e os imperialistas? Disseram-me que compreendiam o meu ponto de vista, mas repetiam: somos obrigados a vender a preços competitivos. Então, fiz-lhes perguntas sobre os artigos acabados que nos vendem. Disse-lhes: têm automatização, não pagam salários elevados, todavia vendem-nos os vossos produtos ainda mais caros que no mercado. Estamos esmagados. Não há esperança para nós nesta via…”
De facto, não havia esperança nessa via. O 25 de Novembro fez voltar a esperança.

Portugal Solidário...

O Banco Alimentar Contra a Fome é um banco muito especial, no qual os depósitos são constituídos por bens alimentares e os dividendos distribuídos naquelas intangibilidades que nos fazem acreditar no sentido profundo da nossa vida.

Uma realização baseada num lema muito simples, mas muito forte: "aproveitar onde sobra para distribuir onde falta". O objectivo é combater o desperdício de produtos alimentares e fazê-los chegar às pessoas que têm fome. Uma acção que une esforços solidários e voluntários, pessoas, empresas e instituições, na luta contra a pobreza e a exclusão social.

O Banco Alimentar recebe, ao longo de todo o ano, toda a gama de produtos alimentares, que constituem em muitos casos excedentes de produção da indústria agro-alimentar, excedentes agrícolas e da grande distribuição, e ainda produtos de intervenção da União Europeia e recolhe duas vezes por ano uma vasta gama de géneros alimentares através de campanhas nacionais efectuadas directamente nas médias e grandes superfícies comerciais.

O Banco Alimentar entrega, diariamente, ao longo de todo o ano, a centenas de instituições de solidariedade social espalhadas por todo o País os bens alimentares recebidos, que os fazem chegar a milhares de pessoas carenciadas, através de cabazes de produtos alimentares entregues às famílias ou através de refeições confeccionadas.

Os números deste grande empreendimento, que envolve dez bancos alimentares, são impressionantes (ano de 2005):
- 17.704 toneladas de alimentos recebidos e distribuídos;
- 1.173 instituições de solidariedade social apoiadas;
- 216.409 pessoas beneficiadas.

O Banco Alimentar é também o mais importante movimento de voluntariado, unindo nas campanhas nacionais mais de 11.000 voluntários de todas as idades e classes sociais.

O Banco Alimentar deve ser, para todos, um grande motivo de orgulho nacional, uma prova concreta de que somos um povo capaz e solidário, mobilizador de vontades e ajudas.

A campanha nacional de NATAL decorre este fim-de-semana. A generosidade e o afecto dos portugueses vão de novo ajudar o NATAL das pessoas pobres e carenciadas.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Obedeçam os que não tiverem alma de advogado!

O título de primeira página do Jornal de Negócios de hoje é sugestivo: o Governo quer que os advogados quebrem um dever que é a essência da sua profissão - o de guardar estrito sigilo sobre tudo aquilo que lhe confiam os seus constituintes.
No dia em que a lei quiser transformar o advogado no delator dos seus clientes, não tenho dúvidas que se musculou o Estado, sob as vestes de Fisco ou sob qualquer outra roupagem (o que não deixará de agradar a muitos). Mas finará nesse mesmo dia o Estado de Direito, respeitador das liberdades e dos direitos fundamentais.

Uma coisa tenho por certa. Deste modestíssimo advogado nunca o Estado, por mais Estado que seja, por mais ameaças que lhe faça ou represálias que concretize, alguma vez conseguirá que aliene a sua alma de advogado.

Uma palavra de gratidão...

A Gulbenkian assinalou os 150 anos sobre a morte de Robert Schumann com um programa, ontem e hoje, inteiramente dedicado ao compositor alemão, no qual incluiu duas das suas obras mais celebradas: a Sinfonia nº2 e o Concerto para Violoncelo.
Ontem, ao ouvir Schumann senti que o prazer de ali estar só era possível devido ao talento extraordinário deste homem e à sua enorme beleza e força interior, que ganham ainda mais significado quando sabemos que acabou os últimos anos da sua vida num asilo para loucos.
Teve um casamento muito romântico e feliz, do qual nasceram dez crianças. A Mulher foi uma célebre pianista da época, para quem compôs a maior parte da sua grande obra pianística, repleta de romantismo. Viveu 46 anos (1810-1856).
Robert Schumann foi um homem excepcional, dotado de uma capacidade criativa cuja obra perdura até hoje, sem nada perder o entusiasmo da sua grandiosidade. Iremos continuar a sentir o prazer de o "ver" e ouvir...

Dia Nacional da Cultura Científica

Comemora-se hoje o "Dia Nacional da Cultura Científica".
Sem uma forte cultura científica dificilmente um povo conseguirá atingir os níveis desejados de desenvolvimento e bem-estar. Importa, pois, criar condições que estimulem a apetência para a cultura científica que, a par de outras formas de cultura, tem fraca expressão entre nós.
Apesar de todas as conquistas verificadas no último século, nas diferentes áreas científicas, colocam-se alguns problemas, nomeadamente a "integridade da ciência".
Integridade, de acordo com os vários dicionários, identifica-se com várias palavras, tais como: "unidade", "incorruptibilidade", "honestidade", “inocência”, “imparcialidade”, “rectidão”, "castidade, virgindade", as duas últimas em dicionários portugueses, mas que já desapareceram nos de origem inglesa e espanhola.
A integridade não é apanágio só da ciência. Quando se fala da integridade de um artista, significa que o mesmo respeita valores estéticos ou artísticos. Quando se fala da integridade de um político significa que as suas preocupações, probidade ética e financeira, foram respeitadas. A integridade de um cientista significa respeito por valores epistemológicos em que o rigor dos princípios de investigação está associado à honestidade e partilha com terceiros. Honestidade consigo próprio, e com os outros, de modo a evitar a fraude, a fabricação, a manipulação ou a "massagem" dos dados.
Nem todos os cientistas são intelectualmente honestos, e muitos não partilham os seus trabalhos com outros.
As implicações das descobertas científicas são muito importantes, em todos os domínios da economia, mas também na organização social e cultural.
Hoje em dia, há ameaças à integridade científica, motivadas por vários interesses, apesar de estarmos muito longe de virmos a sofrer um pesadelo ao cenário descrito por Polani, autor de "Science, Faith and Society", escrito em 1946 ("Faith" referente à honestidade intelectual, respeito pela evidência): "o cientista deverá, ao acordar, sentir desejo de trabalhar com o objectivo de fazer o melhor, evitando contribuir para qualquer tipo de charlatanismo". Mas a prática, infelizmente, não é esta. A história recente da ciência está cheia de exemplos em que o não respeito e a erosão da integridade da ciência é um facto. Claro que os seres humanos têm a capacidade de reconhecer essas faltas, detectando-as, denunciando-as e corrigindo-as. É a nossa capacidade intelectual a dar o seu melhor. Entretanto, os estragos não deixam de ser aproveitados por aqueles que têm medo da ciência, alimentando formas de anti-intelectualismo, e contribuindo para um cinismo eivado, muitas vezes, de falsos conceitos morais.
Não basta dinamizar a cultura científica, é preciso promover a integridade da ciência, evitar a sua erosão e respeitar os princípios éticos.

O Observatório drogado!...

Causou-me profundo espanto o teor publicitado do Relatório do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência ontem apresentado em Bruxelas, ontem já referenciado nas televisões e hoje divulgado pelo DN.
Creio que nenhuma campanha de marketing dos barões da droga faria mais e melhor a favor da colocação do produto no mercado.
Como boa campanha de marketing, a questão da acessibilidade do preço vem logo à cabeça. O Relatório diz que tem havido uma baixa generalizada nos preços. O que, em termos de marketing, visará democratizar o produto e estimulará o acesso aos mais carenciados.
Mas, ao mesmo tempo, e em obediência às boas regras do marketing, o Relatório também vai avisando que o preço de algumas espécies, como a heroína, poderá subir. O que, também em termos de marketing, servirá para estimular, desde já e sem perda de tempo, a aquisição a grosso ou a retalho, como forma de prevenção e de poupança futura.
O Relatório estuda também os mercados de rua, por produtos e por países, apresentando mesmo uma tabela com o preço por unidade de referência do haxixe, da heroína, da cocaína, do ecstasy e do LSD, em diversos países da Europa. O DN inclui um quadro com os preços em Portugal, Espanha, França, Alemanha e Inglaterra.
Portugal apresenta uma enorme vantagem competitiva de preço sobre os restantes países em todos os produtos, apenas com excepção da heroína.
Por exemplo, Portugal é o país da Europa onde a cannabis é mais barata. Cada grama de haxixe custa 2,3 euros e cada grama de erva 2,7 euros, quando a média dos restantes Estados varia dos cinco aos dez euros, e na Noruega ascende mesmo aos 12.
Portanto, e face aos preços, fica a feito o convite ao abastecimento em Portugal, o que potenciará este país como um entreposto e plataforma do comércio da especialidade, atraindo investimento acrescido.
Os barões devem sentir-se satisfeitos pela publicidade sem custos que assim o Relatório possibilitou aos seus produtos.
E fica-me a suspeita sobre se os barões, para além de investirem em clínicas de toxicodependência, como há tempos foi referido, não investem já em observatórios e quejandos, para terem a fileira total do negócio.
Aliás, a propósito da notícia, na sua edição de hoje, o DN tem o cuidado de referir, em nota de pé de página, que viajou a convite do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência.
O que normalmente se faz quando se pretende distinguir claramente publicidade a uma Instituição, no caso o Observatório, de informação criteriosa respeitante à sua actividade. O que também poderá indiciar que a notícia mereceu dúvidas e só saiu por estribada na “idoneidade” da fonte. Do mal...o menos!...

António Gedeão



Esta é a Cidade

Esta é a Cidade, e é bela.
Pela ocular da janela
foco o sémen da rua.
Um formigueiro se agita,
se esgueira, freme, crepita,
ziguezagueia e flutua.

Freme como a sede bebe
numa avidez de garganta,
como um cavalo se espanta
ou como um ventre concebe.

Treme e freme, freme e treme,
friorento voo de libélula
sobre o charco imundo e estreme.
Barco de incógnito leme
cada homem, cada célula.
É como um tecido orgânico
que não seca nem coagula,
que a si mesmo se estimula
e vai, num medido pânico.

Aperfeiçoo a focagem.
Olho imagem por imagem
numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água.
Tanto sonho! Tanta mágoa!
Tanta coisa! Tanta gente!
São automóveis, lambretas,
motos, vespas, bicicletas,
carros, carrinhos, carretas,
e gente, sempre mais gente,
gente, gente, gente, gente,
num tumulto permanente
que não cansa nem descança,
um rio que no mar se lança
em caudalosa corrente.

Tanto sonho! Tanta esperança!
Tanta mágoa! Tanta gente!

___

Há precisamente 100 anos nascia, ali para os lados da Sé, Rómulo Vasco da Gama de Carvalho. Um génio que pela poesia nos fez ver que o mundo também avança pelo sonho.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

O TLEBS...mais uma vez!...

Demorou, mas tem havido ultimamente um verdadeiro frenesim de críticas ao TLEBS, a nova Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário. É um bom frenesim.
Vasco da Graça Moura, com a sua autoridade nas letras, tem sido um dos paladinos, nomeadamente em artigos no Público. E a Drª Maria do Carmo Vieira um expoente nessa luta.
O Diário de Notícias dedica-lhe hoje atenção muito especial, através de uma reportagem, do Editorial e de um divertido e ácido texto de Rúben de Carvalho na sua habitual coluna.
Nada que o 4R já não tivesse feito, há meses, em 23 de Fevereiro, no post Os Epicenos do TLEBS e, mais recentemente, em 1 de Outubro, no post Nunca conseguirão ler um poeta.
O que prova que o 4R está atento à realidade e a ela deu atenção antes dos oráculos da praça!...
O TLEBS é a gota de água que evidencia de forma clamorosa a confusão mental, para não dizer loucura global, que reina no Ministério da Educação. Nada mais é preciso para explicar os problemas do nosso ensino. E que continuarão, enquanto a “nomenklatura” reinante continuar a dar cartas e a colocar fora do baralho qualquer Ministro decente. Haja um ou uma que, de vez, tome conta do baralho e deite fora as cartas viciadas!...

O aeroporto


(...)
Se vês moinhos, são moinhos.
Se vês gigantes, são gigantes.(...)

António Gedeão

Um amigo mandou-me um mail com fotografias antigas do aeroporto de Lisboa.
Uma das memórias mais antigas que tenho é a do aeroporto de Luanda, numa confusão enorme, e um avião gigantesco parado na pista, com uma escadaria a subir pela barriga acima. Não conseguia ver o fim das escadas, mas a minha irmã ia-me sussurando ao ouvido que lá em cima havia uma porta enorme, com a forma de boca, que nos ia engolir.
Entrámos para o monstro, a minha mãe, nós as quatro, a mais nova bebé de meses, e dentro do avião era um caos de mães e crianças, bagagens e choros. Quando espreitei pela janela, vi o meu pai, perdido na multidão, pouco maior que uma formiga a acenar com um grãozinho de areia branco na mão. Estávamos em Abril de 1961.
Em Lisboa, não nos conformávamos com os espaços acanhados, com o frio, com as casas cinzentas e os avós taciturnos, não se podia correr em casa, nem falar alto, nem andar na rua de bicicleta, nem ter cães e macacos. Víamos fotografias horas a fio, a tentar trazer de volta o meu pai e tudo que o avião tinha deixado ficar do outro lado do mundo.
Íamos então para o aeroporto de Lisboa, domingo após domingo, coladas às barras da varanda a ver chegar os aviões. Um dia o nosso pai ia sair daquela boca medonha transformada em gargalhada de alegria. Um dia a formiguinha ia voltar a ser maior que nós, fazer-nos partidas, pegar e atirar-nos ao ar para nos apanhar de volta até pedirmos tréguas.
Quando ele regressou, trazia consigo a nostalgia incurável de não termos podido voltar. Tinha filmes do desembarque das tropas em Luanda, das casas novas que se construíam, das estradas que ele tinha querido abrir e percorrer com o seu grande Pontiac. E levava-nos ao aeroporto de Lisboa, a ver chegar os aviões, “Este vem de lá, aquele vai para lá, nós qualquer dia também vamos…” até que nos habituámos àquele ritual, a inventar histórias ao despique a propósito de quem vinha e de quem partia. Já éramos crescidas, o aeroporto já estava maior, e um dia deixou de ser possível ficar ali na varanda, tão perto do cheiro e do barulho dos aviões.
Mas, nessa altura, já os gigantones de boca imunda se tinham transformado em aves fantásticas que nos podiam transportar tão longe quanto os nossos sonhos.
Gosto imenso de andar de avião.

Reforma da Segurança Social - II: "Distribuir os ovos por diferentes cestas"

A ideia de que só há uma soluçaõ não
faz sentido. O interesse nacional exige
um debate sério, despido de demagogia
política, na busca da melhor solução.


A ideia de que só há uma solução para reformar a segurança social não faz sentido. O interesse nacional exigiria um debate sério, despido de demagogia política, na busca da melhor solução.
O Pais não pode estar permanentemente sobressaltado com a insustentabilidade da segurança social, com medidas políticas avulsas de saneamento financeiro que, sendo necessárias para reduzir a despesa pública, provocam perdas financeiras e sociais graves e significativas para os futuros pensionistas, em particular para as gerações mais novas. Os Portugueses querem saber com o que é que podem contar no futuro.

Governo e Oposição colocam, e bem, o dedo na ferida quando assinalam que a evolução do perfil demográfico é uma determinante nas opções políticas a fazer. Com efeito, não é mais possível ignorar as consequências económicas do envelhecimento da população. O resultado será, como sabemos, um cada vez menor número de contribuintes a financiar, em cada momento, um cada vez maior número de pensionistas. O problema económico advém, portanto, de um duplo efeito negativo: uma redução da receita, por via da redução de contribuintes e um aumento da despesa, por força do aumento de pensionistas e da sua maior longevidade.A persistirem taxas de natalidade muito baixas, deixaremos de ter no futuro trabalhadores que financiem as nossas pensões de amanhã.

Esta consciência tem vindo a gerar nos cidadãos uma crescente ansiedade, perfeitamente legítima, quanto à capacidade do Estado assegurar no futuro o pagamento das pensões aos trabalhadores que hoje no activo pagam as suas contribuições para a segurança social.

As medidas do Governo, que considero indispensáveis e correctas na actual conjuntura, actuam essencialmente do lado da redução de pensões e de direitos, ou seja, diminuem a despesa pública.Mas não constituem só por si uma reforma da segurança social, muito embora se lhes reconheçam efeitos estruturantes. São, com efeito, medidas paramétricas que introduzem melhorias no modelo de repartição. São disso exemplo, a antecipação da aplicação da nova fórmula de cálculo das pensões e a introdução do “factor de sustentabilidade”.

O impacto em particular destas medidas na vida dos cidadãos, tornou-se inevitavelmente grande porque infelizmente, deixámos acumular durante muitos anos os problemas e os riscos inerentes ao modelo de repartição, não tendo sido capazes de antecipar e corrigir com coragem e determinação políticas um sistema devotado ao fracasso.Ora, as medidas do Governo sendo endógenas ao sistema, não alteram o modelo base de financiamento da segurança social, que pelas razões apontadas deixou de ser auto-sustentável.

A tentativa de resolução dos problemas com que nos deparamos no modelo de repartição está bem patente na severidade dos efeitos das medidas do Governo e nas projecções desfavoráveis da evolução a longo prazo da conta da segurança social (com uma nova ruptura calculada pelo Governo para 2034!).

Com este rumo, a segurança social continuará a depender excessivamente do Estado e serão inevitáveis, no futuro, mais cortes nas pensões e/ou aumento de impostos. Com efeito, a redução de pensões recentemente anunciada e o aumento da carga fiscal por via da consignação de 1% do aumento do IVA aprovado em 2005, permitem apenas aguentar o sistema por mais alguns anos.

A discussão da introdução de uma componente de capitalização permitiria reflectir sobre os benefícios de os cidadãos pouparem para a reforma e sobre o desagravamento de alguns dos actuais riscos de injustiças sociais, especialmente em relação à classe média e às novas gerações, as quais irão pagar uma nova factura perante uma futura e inevitável ruptura financeira do sistema.

O Governo deveria aproveitar o seu ímpeto “reformista”, não só para quebrar o preconceito ideológico de que o modelo de repartição é bom e o modelo de capitalização é mau, mas também para desmistificar o “papão” da privatização da segurança social. Não está em causa a sua privatização.

Capitalização e privatização são coisas muito diferentes. Capitalização significa acumulação de poupança. O que está em causa, sim, é determinar que níveis de pensões é que o Estado pode e deve garantir através da repartição e que parte das contribuições dos trabalhadores e/ou das empresas devem ser canalizadas para a acumulação de poupança. A capitalização, assim entendida, é parte do sistema público de segurança social. Aceitar o princípio da capitalização constituiria uma oportunidade de instituir um novo modelo de relacionamento entre o Estado e os cidadãos, assente numa partilha de responsabilidades e riscos na reforma.

Creio que ficaríamos todos mais descansados se “distribuíssemos os ovos por diferentes cestas”.




Reforma da Segurança Social - I: "O debate político que se segue"

A ideia de que só há uma solução não
faz sentido. O interesse nacional exige
um debate sério, despido de demagogia
política, na busca da melhor solução.


É hoje discutido e votado na Assembleia da República, na generalidade, o pacote legislativo de iniciativa do Governo, do qual quero destacar o diploma da REFORMA DA SEGURANÇA SOCIAL.
Se há domínio onde deveria ser procurado um entendimento alargado entre o Governo e a Oposição é o da Segurança Social.
A Reforma da Segurança Social é uma reforma de grande fôlego, que afecta os direitos e os interesses de todos os cidadãos e que atravessa várias gerações.
É elementar ter presente que as decisões sobre o futuro da segurança social devem responder com realismo ao inexorável fenómeno do envelhecimento da população e devem conferir estabilidade, previsibilidade, credibilidade e segurança no curto, médio e longo prazo ao sistema.
Uma reforma desta envergadura não se deveria confinar à apresentação de uma única solução e num único fórum de apreciação, a Concertação Social. É um assunto que diz respeito a Todos.
Refere o Governo que não vai a plenário uma proposta do Governo, mas sim uma proposta objecto de acordo dos Parceiros Sociais.
Seria bom, que o Governo não partisse para esta etapa final de discussão da Reforma da Segurança Social com os mesmos “argumentos” políticos com que a foi negociando, tudo fazendo para “desvalorizar” e “abafar” as propostas da Oposição, de que ficou célebre a intervenção do Primeiro Ministro, num célebre debate parlamentar, de que a proposta do PSD tinha sido apresentada "fora de prazo"!
Foi justamente a proposta apresentada pelo PSD que veio trazer para a agenda pública uma visão diferente, quebrando o "monopólio" das ideias. Refiro-me, em particular, ao tema da “capitalização”.
Não creio que tenha sido feito, ao longo destes últimos meses, um amplo e sério debate político e público, assim como estou convencida que uma larga maioria dos portugueses não tem ou não formou uma opinião sobre o que verdadeiramente está em jogo e, mais grave ainda, sobre quais os vários caminhos possíveis no futuro, as suas vantagens e os seus inconvenientes.
É este o ponto de chegada à Assembleia da República deste importante dossier. Embora na "recta final" do veredicto, quero acreditar que o Governo e o PS vão ter abertura para discutir com espírito democrático as suas e as propostas da Oposição, sem preconceitos ideológicos, centrando a discussão na busca de soluções que melhor respondam ao desafio da sustentabilidade da segurança social.

A ler

"Do semipresidencialismo português", de Luciano Amaral, no DN.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Um pequeno intervalo... só para iniciados!...

Um pequeno intervalo nestas coisas sérias do 4R, para falar de três outras ainda mais sérias e só para iniciados!...
1ª- A mão dourada de Pinto da Costa
Globalizou-se e tem o condão de se estender a todo o apito, dourado ou furta-cores, que lhe interesse. Depois de ter obrigado esse musical instrumento a ouvir-se no lance em que Micolli viu o segundo carão amarelo que o impediu de jogar contra o Porto, ontem também o intimou a sancionar Thierry Henri do Arsenal que, dentro de 15 dias, não poderá defrontar os azuis e brancos.
Mas, para além de actuar sobre os apitos, essa mão larga tem ainda outras formas de exprimir. Ainda ontem desviou subrepticiamente da bola a chuteira dourada do jogador Shaa do Manchester, impedindo-o de concretizar o penalty que lhe daria o empate e colocava o Benfica em melhores condições de continuar na Taça dos Campeões!...
2ª- A sinceridade de Karyaka
Um jogador que não tem problemas em dizer o que sente dá pelo nome de Karyaka, é russo e joga no Benfica. Há um ano disse cobras e lagartos do seu clube e de Portugal e foi suspenso. Ontem, no dia em que o Porto jogou com o CSKA, deu uma entrevista a jornal russo em que confessa que muitos adeptos do Benfica queriam a derrota do F.C. Porto e que alguns jogadores seus colegas também lhe confidenciaram gostar de ver o Porto perder.
O que não traz novidade de maior. Aplicar-se-à a muitos portistas, sportinguistas e benfiquistas em tudo o que não envolva os seus clubes.
Cá por mim, não alinho nessa onda, se não por motivos de solidariedade, pelo menos por motivos egoístas. Com efeito, é bom que todos vão conquistando uns pontinhos para que o meu clube, se improvavelmente cair alguma vez no terceiro lugar do Campeonato, ainda se possa classificar para a Taça dos Campeões!...
3ª- As exigências do marketing
Luís Figo teve uma carreira gloriosa até há uns três anos, com a qual naturalmente vibrei. Mas, tal como aconteceu no Real Madrid, começa a ter dificuldades na equipa do Inter. De titular corrente, passou a titular substituído, a substituto de titular e a jogador de banco, como hoje aconteceu com o Sporting.
Perante tal situação no Real Madrid, pediu para regressar à selecção nacional, da qual se havia voluntariamente afastado. Palpita-me que não tardará, lá para Março, a fazer o mesmo outra vez. Até porque, tendo contratos de marketing, tem que se mostrar enquanto os mesmos durarem, sob pena de serem revistos...
E as reticências e intermitências que tem havido na convocação de Quaresma, impedido de se afirmar na selecção, apontam mesmo nesse sentido!...
PS- Apesar de tudo, não deixo de me interrogar sobre se terei sido verdadeiramente isento nesta Nota!...

A pobreza tem cheiro e a “riqueza” também…

O odor tem desenvolvido um papel importante na evolução de muitas espécies ao permitir encontrar alimentos, parceiros sexuais e, em determinadas circunstâncias, facilitar a propagação de doenças através de mosquitos-mercenários.
Não querendo entrar em pormenores evolutivos, alguns dos quais são bastante interessantes, gostaria de fazer uma análise comparativa entre uma interessante crónica e uma notícia recente. O denominador comum é o odor.
A crónica é da autoria de Mário Vargas Llosa com o título “O Odor da Pobreza” publicada no El País. O escritor recorda que, durante uma viajem, parou, no meio de uma pampa, no alto da cordilheira, num posto policial, solicitando ao oficial que lhe indicasse os lavabos. Lá lhe apontou o sítio que não era mais do que “um miserável curral onde pairavam nuvens de moscas além de um cheiro vertiginoso”. A partir desta recordação, aliada à leitura de um extenso relatório das Nações Unidas sobre a pobreza e a crise mundial da água, o autor analisa de forma superior as condições de vida de grande parte da população mundial, que vive na miséria, sem condições mínimas de abastecimento de água, sem esboço de saneamento, adoecendo e morrendo como tordos, sobretudo as crianças.
De facto, a pobreza tem cheiro, um cheiro a pestilência, mais pestilento do que aquele que sentiu nos lavabos perdidos no alto da cordilheira.
Se a pobreza tem odor pestilento, algumas sociedades não têm razão de queixa já que desfrutam de múltiplas e agradáveis fragrâncias distribuídas de várias formas, muitas das quais são do conhecimento geral. Mas parece que a necessidade de gozar os seus efeitos está a ganhar novas formas, tais como a publicidade-olfactiva ou o seu uso em locais públicos, restaurantes, lojas, supermercados e repartições públicas. Fragrâncias exóticas vão começar a inundar a cidade de Lisboa. Algumas têm efeitos especiais: estimulam o consumo, tranquilizam e obrigam a voltar ao local, enfim, os objectivos são modificar o comportamento ou estimular o consumo.
É grande a variedade de produtos: fragrâncias de café, chocolate, bambu, pimenta e até de melão, só para citar algumas. Os promotores, segundo a notícia, já estão a negociar com dois bancos para colocarem fragrâncias capazes de fazer perder a noção de tempo nas filas de espera! Não sei se as repartições de finanças não passarão a utilizar substâncias capazes de tranquilizar os contribuintes e até "convidá-los" para se deslocarem mais vezes a tão interessantes santuários. Quanto ao ministro da saúde, poderia utilizar fragrâncias tipo repelente (mas que cheirassem bem!), nos serviços de saúde.
A aposta está lançada, enquanto uns narizes irão continuar a usufruir do odor da pobreza, outros irão gozar com múltiplas e funcionais fragrâncias.
Parafraseando Llosa, “viver na sujidade não só enferma o corpo mas também o espírito”. Mas viver na “limpeza” pode ser um sinal de doença do espírito e quem sabe se não enferma o corpo…

"Também há republicanos patriotas"...

A propósito da apresentação da biografia de Duarte Pio, pelo deputado Manuel Alegre, fiquei a saber que “há, também, republicanos patriotas”… Vá lá!
Coloca-se a hipótese de se fazer um referendo para que os portugueses escolham entre a monarquia e a república.
Faltam menos de quatro anos para comemorar o centenário da República Portuguesa. Seria interessante que a comissão responsável pelas “festas” incluísse uma proposta de referendo. Eu propunha o dia 5 de Outubro de 2010! Seria uma forma mais festiva do que as habituais “chaladices" de condecorações”, discursos e coisas semelhantes…
Caso venha a ocorrer, o meu voto é pela República, por vários motivos, dos quais destaco dois: respeito pelos valores republicanos transmitidos pelo meu avô e para ver se deixava de ouvir e ver certas "nobre-patetices"…

Desenrascanço, uma vantagem competitiva!

Afinal a cultura do desenrascanço que nos é tão familiar pode constituir uma mais valia importante para a aposta nacional na inovação! Uma descoberta?

O desenrascanço e a presença de pessoas inconformadas nas empresas, rebeldes ou, mesmo, com vestígios de loucura podem ajudar a aumentar a competitividade do País. Esta e outras reflexões constam de um estudo promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã sobre a inovação em Portugal, hoje noticiado.

Desenrascanço é usado para expressar uma habilidade de resolver um problema sem as ferramentas adequadas ou a técnica apropriada para fazer assim, e pelo uso do resourcefulness às vezes imaginative ao enfrentar situações novas (definição Wikipedia).

Discute-se se o desenrascanço está ou não associado à cultura portuguesa. Podem os investigadores continuar a investigar. Porque uma coisa parece ser inegável, que sabemos há muito, que a “arte de desenrascar” faz parte do quotidiano dos portugueses e das nossas empresas, incluindo os nossos governantes e políticos que não escapam à tentação dessa “criatividade”.

O que seria de nós, sem esta “arma” para suprirmos as coisas mais elementares que têm a ver com a disciplina, a programação e o planeamento?

Standard & Poor's e a OTA

Foi ontem divulgado um relatório da Standard & Poor’s (S&P), segundo o qual a persistência do elevado défice externo de Portugal constitui uma ameaça ao rating atribuído ao País enquanto emitente de dívida nos mercados internacionais.
Não se trata de uma ameaça iminente – convém recordar que o rating atribuído pela S&P foi revisto em baixa (para AA-) ainda em 2005.
Mas é um aviso sério, pois a persistência de um défice externo muito elevado contribui para o agravamento da dívida – Estado, Famílias, Empresas - a credores externos, tornando cada vez mais pesado o serviço dessa dívida.
No caso português esta situação está a ganhar contornos “esquisitos”.
Apesar (i) de todos os esforços e acções, diariamente publicitados, para melhorar a competitividade da economia, (ii) dos anúncios de que se assiste a uma recuperação – ou até de que a crise já terá terminado, (iii) das medidas de contenção orçamental tão ventiladas, a verdade é que o défice externo se mantém a um nível extremamente elevado.
Há aqui qualquer coisa que não bate certo.
Este ano, o défice da balança corrente, não obstante o bom desempenho das exportações de bens e serviços, deverá voltar a situar-se próximo de 9% do PIB, sendo financiado por entradas de capital em pouco mais de 1,0% do PIB, sendo o restante financiado por mais dívida ao exterior.
Apenas em 2003, aquando da gestão Ferreira Leite, que usou mesmo os “travões” não se limitando a proclamar que o fazia, este défice veio para a casa dos 3% do PIB, tendo voltado a subir logo depois, em 2004 e 2005.
Como referi no POST que aqui dediquei em especial ao défice na rubrica dos Rendimentos, em Agosto último, a evolução desse défice é o reflexo desta espiral de endividamento que parece não ter fim.
É nesta rubrica que se registam os juros pagos pela dívida ao exterior, e nos últimos 3 anos (2003-2005) a progressão do saldo negativo foi impressionante: -2059 milhões; -2375 milhões; -3161 milhões.
E até Setembro deste ano o défice dos Rendimentos excede já largamente o valor total apurado em 2005, cifrando-se em -3418 milhões, sendo provável que no final do ano mais do que duplique o valor contabilizado em 2003, ou até quase duplique o de 2004.
É a esta luz que se justifica reflectir sobre as implicações financeiras de projectos como o da OTA.
Pouco importa que o projecto OTA seja financiado mais ou menos por capitais públicos ou privados, para este efeito. Em qualquer caso, são capitais que não existem no País, pelo que será necessário recorrer ao financiamento externo.
A grande questão é que a OTA durante longos anos – se é que alguma vez – não irá gerar recursos para cobrir o serviço da dívida externa que vai ter de ser contraída.
E serão alguns milhares de milhões de Euros (4 a 5 mil milhões?) aumentando este défice já hoje “sufocante”.
Por este andar, apesar dos avisos, a S&P acabará mesmo por baixar, mais uma vez, o rating da República. Quantas vezes mais, até que sejamos capazes de perceber?
E essa decisão terá como efeito agravar mais ainda o serviço da dívida, subindo os spreads sobre as taxas de juro.
Poderemos chamar a isto uma “espiral de sufoco”?
Talvez, mas pelos vistos pouca preocupação suscita no”establishment”. Até ver.

A prejudicial e vã glória dos Ministros da Economia!...

Um dos gostos mais requintados dos nossos Ministros da Economia tem sido a reestruturação accionista nas empresas ainda parcialmente detidas pelo Estado, que fazem suas para o efeito. A comunicação social costuma acompanhar, quase em tempo real, esse denodado esforço, transmitido por leais gabinetes de imprensa e que inclui sobretudo viagens e conversas com as grandes multinacionais, já que o trabalho interno é adjudicado a ilustres consultores e bancos de investimento também globais. E a glória chega quando um qualquer jornal, na coluna dos altos e baixos, coloca o Ministro com a seta virada para cima, depois de uma qualquer etapa desse inabalável trabalho. E quando é entrevista a formulação final, mesmo que no dia seguinte tudo se volte a baralhar, o Ministro é coberto pela glória total.Passageira, no entanto, como qualquer glória.
Pina Moura deixou a GALP bem entregue aos accionistas que congeminou. O desenho permitiu até que um grupo de accionistas ganhasse uns bons proventos com a operação. Carlos Tavares não concordou com o modelo e só parou quando fabricou novo exemplar, a seu gosto. O qual, noblesse oblige, Manuel Pinho rejeitou, tendo esfalfado os consultores em engendrar um outro. No meio da estafa, sem solução à vista, apareceu um empresário, Américo Amorim que, mercê dos modelos sucessivamente congeminados, já lá tinha estado e já tinha saído, o qual se apresentou para patrioticamente viabilizar a operação. Em desespero de causa, logo foi aceite, embora ministerialmente obrigado a manter o Presidente Executivo e a deter a posição por um bom par de anos.
Para além de A. Amorim, também com ministerial acordo, ter entretanto feito gato sapato do primeiro ponto, notícias recentes dizem ainda que, em total contravenção a um modelo tão laboriosamente construído, já vendeu parcialmente as suas acções à Gazprom.
É a nossa sina. A de os Ministros da Economia ainda não terem compreendido que estamos numa economia de mercado, numa época de intensa globalização, em que os parceiros de hoje são os adversários de amanhã, em que os parceiros que hoje se escolhem são adquiridos pelos que ontem se rejeitaram, e vice-versa, em que tudo muda e em que os contratos têm sempre uma brecha que permite obter o contrário do que se visou. Perante esta realidade, que é esta e não outra, o único critério de venda de activos do Estado, é vender o mais caro possível.
Porque só essa prática é susceptível de defender o interesse público e não interesses privados, todos ganhávamos e os Ministros, se para isso tivessem capacidade, não deitavam fora o seu precioso tempo para atacar os verdadeiros problemas da economia.
Mas esta opção é mais dura e não traz a ministerial e almejada glória imediata.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Liderança de Putin - uma valorização comparativa...

Parece que o Presidente Putin emergiu virtualmente como o único líder mundial digno desse nome. Depreende-se que um líder de um grande país tem que conduzir no campo doméstico e na cena mundial. Liderar implica um conjunto de qualidades naturais e capacidades intelectuais, com relevância – na condução dos negócios públicos – quanto ao carisma, à forte personalidade, à persuasão, à fiabilidade, à habilidade de gestão e negociação dos dossiers e, até, à criação de doutrina.

Noutros países de peso decisivo ou determinante no mundo dotados de regimes constitucionais presidencialistas – seja através do seu poderio económico, do seu assento permanente no Conselho de Segurança das NU ou do seu armamento nuclear estratégico – verifica-se o contrário. O Presidente Bush é agora obrigado a restringir ou a negociar as suas iniciativas internamente, o que lhe retira poder e, na melhor das hipóteses, lhe confere o estatuto de estrela cadente; o Presidente Chirac, esse, há muito que é um personagem abandonado.

Nas democracias parlamentaristas, o PM Blair encontra-se em perda e sem dispor, sobretudo no campo internacional, da confortável autoridade e margem de que dispunha; o Presidente do Conselho Rodríguez Zapatero não chega aos pés do seu antecessor nem é correspondentemente ouvido; o Presidente do Conselho Prodi, por razões que conhecemos, está votado a ser um fiel de balança – enquanto for; e a Chanceler Merkel, resultado de um difícil compromisso governativo, não tem poder efectivo. Ainda tem a maioria da legislatura para cumprir; os outros estão no fim do prazo.

Certamente que o Presidente Putin não goza do favor de largos sectores do jornalismo internacional. A Rússia tem em mãos sérias questões de segurança, a que apenas uma democracia musculada é capaz de dar resposta; esses problemas são os mais propagandeados, mas reorganizar o aparelho do Estado em moldes pós-comunistas, depois de 70 anos, não parece ser tarefa para alguém que não seja líder.

Ainda há dez anos era difícil vislumbrar uma evolução tão razoável da situação do país. E convém não esquecer que é vital para a nossa própria segurança a segurança e estabilidade política e financeira da Rússia. Rússia que tem vindo a saldar credivelmente a sua dívida externa, sabendo aproveitar os benefícios da alta do preço do petróleo, não os desbaratando.

A par disto, eis o Presidente Putin às “compras” na Europa. Terá a Europa líderes à altura para gerir estas suas pretensões, perante a tentação do gás natural barato?

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Ramalho Eanes


Ramalho Eanes doutorou-se em Navarra. Fez bem. Não precisava de mostrar nada, já todos o conhecíamos. Mas o facto serviu para evidenciar que, para além dos méritos militares e políticos, das virtudes da coragem, da honestidade e da seriedade que pôs ao serviço do país, havia em Ramalho Eanes uma sólida estrutura mental e intelectual.
Muitos doutoraram-se, interpretando a história. Ramalho Eanes fez a história, como poucos. Foi homem de Estado e não político tacticista, como outros mais celebrados junto da opinião pública e que continuam a aparecer, forçando continuamente a sua intervenção nos media.
Ramalho Eanes tem sido submetido ao silêncio. Reapareceu, para dar apoio a Cavaco Silva e agora com a apresentação da tese.
Ainda não ouvi que qualquer televisão o convidasse para uma entrevista. Pois não. Os fait-divers são bem mais importantes. E aposto que serão outros, os habituais intérpretes e explicadores de tudo e de nada, que mais uma vez serão chamados a substituir o sujeito principal.

Glamour...

A Margarida foi ao SPA e ao ténis eu fiquei a jardinar, tentando recuperar o meu jardim do abandono a que o votei nos últimos tempos. Ao fim de duas longas tardes de intenso labor, sentei-me a folhear uma revista “feminina” que prometia grandes novidades e ajudas para a quadra natalícia que já se aproxima.
À medida que avançava na leitura, o meu estado de espírito, tão recomposto depois do exercício ao ar livre no meio da natureza, foi-se adensando. A beleza é uma árdua conquista! Não só física mas sobretudo material! Página sim, página sim, é o anúncio de cremes, loções, perfumes, maquilhagem em sucessivas camadas e tonalidades. Roupas que disfarçam imperfeições que, por pequenas que sejam, ali parecem intoleráveis, e depois jóias, peles, sapatos e adereços. O resultando é fascinante mas a fasquia é impossível. Tudo para estar apresentável nas festas de Natal. Depois, há que tratar dos festejos propriamente ditos, comprando enfeites, toalhas e loiças, decorando a casa, confeccionando iguarias. E os presentes “mais”, em que as sugestões ocupam páginas e páginas que no fim nos provocam um longo suspiro de desânimo…
O culto do belo e do perfeito é cada vez mais exigente. Numa época em que as mulheres se assumem como profissionais e donas da sua personalidade, ali está em pleno a bonequinha articulada, em cima de sapatos impossíveis, espremida em licras e sedas, abafada em peles e tilintando jóias. Vá lá que, como diz a Margarida, os homens também já são público-alvo, também já lá não vão sem poções, relógios com brilhantes e linhas de jóias tão adequadas à sua masculinidade. Pelo menos, já não é só um a protestar que o orçamento familiar não resiste, há que partilhar as angústias e ver quem é que fica para trás na corrida ao glamour…
No meio daquilo tudo, uma entrevista a Ira de Furstenberg, grande guru do mundo da moda, que dizia que o verdadeiro luxo é uma pessoa gostar de si própria.
Fiquei a olhar para as minhas mãos de jardineira-domingueira, calcei as luvas de borracha e voltei para as minhas rosas.

domingo, 19 de novembro de 2006

Só espero que os homens não abusem destas técnicas...

Hoje, Domingo, lá fui, logo pela manhã, como habitualmente, bater umas bolas de ténis.
É ao Domingo, justamente, que tenho mais satisfação em praticar as “obrigações” desportivas. É já um vício, embora um vício saudável, que quando quebra me provoca uma nítida perda de convívio, de treino, de bem estar físico e mental.
O exercício físico funciona como um “bálsamo”, que quando ao Domingo não o recebo sobra para uma semana que já não arranca direita.
Depois de um banho quente e reconfortante, decidi ir espreitar o SPA do clube – uni sexo – que há muito andava com vontade de visitar, mas que as pressas sempre acabavam por deixar para outro dia, até porque não era importante.
O que verdadeiramente me espantou neste espaço algo mágico foi a ementa “Para Ele”, com uma vastíssima gama de programas e tratamentos da pele e medicinas chinesas e exóticas, tudo para fazer os homens que ali entram mais bonitos, prometendo à saída homens mais felizes.
Folheei pausadamente, tal era a curiosidade, a vasta e pormenorizada oferta de serviços para todos os gostos, necessidades, desejos, interesses, sensibilidades e sensualidades, para homens altos e baixos, gordos e magros, morenos e louros, de olhos castanhos e azuis.
De entre as várias propostas de como aumentar a beleza masculina chamou-me a atenção – a esfoliação seguida de hidratação, que liberta o corpo de toxinas e de células mortas, proporcionando uma pele cuidada e saudável, – o tratamento ideal para eliminar as gorduras localizadas, que proporciona uma sensação de relaxamento e bem estar completo, ajudando a voltar à boa forma desejada, – o tratamento adaptado especificamente às necessidades da pele masculina, composto por uma massagem nas costas seguida de uma aplicação de lamas térmicas, máscara facial, Serum, tónico e creme específico, ideal para quem procura relaxar e rejuvenescer a pele, – a massagem de corpo inteiro através o sistema linfático, – a massagem das costas e pernas, ideal para um rápido momento de relaxe nos dias de maior stress.
Devo dizer que relativamente a preços a variedade não era grande. Os preços não eram para todas as bolsas.
Realmente a beleza masculina já não é o que era. Está em grande transformação. Os homens já não se contentam com a sua beleza natural. Alguns, mesmo, não acreditam que mesmo sem SPA são bonitos, mas não vá o diabo torcê-las e aí estão eles a frequentar os modernos santuários, de bem estar e sensualidade em perfeita harmonia.
Só espero que os homens não abusem destas técnicas, sob pena de perderem a sua boa masculinidade!

Friedman e as tarifas da electricidade!...

A propósito da morte de Friedman, que ontem invoquei aqui no 4R, lembrei-me da polémica recente em torno das tarifas de electricidade. Como é sabido, na formação da tarifa está incluído, entre outros, o sobrecusto da produção de energias não poluentes. Este facto foi bastante escamoteado, tendo o geral das críticas respeitantes ao “exorbitante” aumento proposto sido dirigidas à ERSE e às empresas produtoras de electricidade.
De facto, todos nos preocupamos com a poluição, mas o remédio para o problema está sempre nos outros. Aliás, a questão é geralmente colocada como uma batalha entre o bem, representado pelos cidadãos e pelas associações ambientais e o mal, representado pelos poluidores.
Já em 1980, Friedman achava esta tese uma verdadeira mistificação. Eis como ele apresenta o assunto no livro Free to choice.
"...Outro obstáculo à análise racional do problema do meio ambiente é a tendência que temos de o colocar em termos de bem e de mal. Agimos como se pessoas más e de coração empedernido lançassem poluentes na atmosfera, como se tudo fosse uma questão de motivações e que, se as pessoas nobres e bem intencionadas fizessem ouvir a sua ira e subjugassem os homens maus, tudo estaria resolvido. É sempre muito mais fácil chamar nomes aos outros do que entregar-se a uma penosa análise intelectual.
No caso da poluição, o bode expiatório está, como seria de esperar, nas empresas que produzem mercadorias e serviços. Na realidade, os responsáveis pela poluição são os consumidores, não os produtores. Eles criam, por assim dizer, uma exigência de poluição…Se queremos electricidade com menos poluição, temos de pagar um preço suficientemente elevado para que a produção eléctrica possa cobrir os custos suplementares. Em última análise, compete ao consumidor suportar o custo do ar mais puro, da água mais limpa e de tudo o resto…"
No meio de tudo isto, o Secretário de Estado Castro Guerra, a única voz que, sob este ponto de vista, apresentou o problema com algum realismo, ao dizer que os aumentos eram culpa dos consumidores, foi objecto de riso e crucificado na praça pública, ao ponto de ter que se desmentir!...
Esse aumento não seria integralmente culpa dos consumidores, mas seria bom fazer a pedagogia de que a não poluição custa dinheiro e terá que ser paga pelos cidadãos consumidores.
Quer o Governo quer a oposição não aproveitaram a ocasião para o fazer. E para vincar que a luta contra a poluição é da responsabilidade dos cidadãos que pretendem uma atmosfera menos poluída, portanto mais cara, e não, no caso em apreço, dos produtores de electricidade.
O resto é pura demagogia. Antes de quase todos, Friedman colocou o problema nos seus reais contornos!...

“Provincianismo”...

Ao fim de algum tempo acabamos por conhecer (e dar a conhecer) alguns pensamentos meio estereotipados de quem tem o hábito de escrevinhar. O caso dos cronistas é paradigmático. São criativos, bons pensadores, analistas inventivos e despertam reacções, contribuindo para a nossa formação. No entanto, acabam por se repetirem, denunciando alguns princípios em que baseiam muito das suas análises.
Dois dos nossos cronistas traduzem bem este fenómeno. Um deles, Eduardo Prado Coelho arremata, normalmente, com assinalável e arrogante desprezo qualquer crítico às suas opiniões com "Mas quem é? Quem o conhece?". Só "admite" opiniões de pessoas ilustres e cotadas na sua exigente bolsa cultural. Um ser, intelectualmente superior, representante máximo da "nobreza das letras e do pensamento filosófico nacional e internacional”.
O outro é Vasco Pulido Valente, responsável por esta reflexão, com a sua crónica de hoje, em que afirma que Sócrates e Cavaco saíram de obscuros cantos da província e que nunca se adaptaram à cultura urbana. A partir deste pressuposto, que lhe é muito comum, provincianismo, tenta explicar as razões das suas condutas como governantes.
Esta coisa do provincianismo tem muito que se lhe diga. Provavelmente, para VPV, o ideal seria ter governantes urbanos, de boa “linhagem”, criados e educados na única cidade, Lisboa, com capacidade para evitar que se transmita ou desperte nos cidadãos quaisquer comportamentos que inviabilizem o progresso e desenvolvimento do país! Delicioso. Volta e não volta vem à baila com este conceito que, diga-se de passagem, ouço desde garoto. De facto, cada vez que ia a Lisboa com os meus pais, à chegada a Santa Apolónia, tomávamos invariavelmente um táxi. O motorista fazia a pergunta sacramental: - " Então vêm da província?" E a seguir queria pormenores sobre o local. Recordo-me da minha estupefacção perante a palavra província. Perguntava ao meu pai, porque razão o motorista falava daquele modo – detectava qualquer coisa que eu não sentia nos “chauffeurs de praça da província" – e que era uma forma de superioridade. O modo de falar e a palavra província estavam associados. Apercebi-me deste comportamento e, sempre que ia a Lisboa, punha-me à coca para ver se o motorista se comportava da mesma maneira. E, para o meu espanto lá vinha a mesma frase e pergunta.
Mais tarde estudei a origem da palavra província. Fiquei a saber que os romanos, após a conquista, designavam as possessões estrangeiras, fora da península itálica, como províncias. Província, terra para os vencedores. Acabei por chegar à conclusão: mas Lisboa nunca conquistou o resto do país! Foi também conquistada e, por esse motivo, faz parte da província. Esperei que um dia, um qualquer motorista, à chegada a Santa Apolónia, me viesse com essa conversa da “província” que eu lhe dizia! O tempo passou e os motoristas mudaram, hoje já não perguntam: - "Então vem da província?". No entanto, o tique dos motoristas de táxi da década de cinquenta e boa parte de sessenta ainda perdura na cabeça de alguns cronistas-taxistas dos nossos dias. - “Então senhor Primeiro-ministro (ou Senhor Presidente da República) vem da Província?...

Estabilidade e governabilidade - II

Na sequência da nota anterior, não estava o PR a pensar na estabilidade do regime político quando manifestou o seu apoio ao Governo. Nem faria sentido que esse seu gesto fosse assim interpretado pois ninguém pôs ou põe em causa o regime, se descontarmos os excessos habituais das campanhas eleitorais e os dos políticos menos ajuizados.
Creio que o Professor Cavaco Silva pretendeu transmitir a mensagem de que para ele, no quadro relacional para que aponta o semi-presidencialismo, o PR deve ser o garante da estabilidade governativa.

Resta saber se pensa assim face à conjuntura que o País atravessa, considerando que a falta de apoio presidencial pode agravar o fosso entre o Governo e a sociedade e com isso se comprometer a saída da crise. Ou se assim pensa porque, em situação social e económica mais favorável, em que o País não passava as dificuldades por que hoje passa, Cavaco Silva sentiu na pele de Primeiro-Ministro os efeitos da falta de solidariedade do Chefe do Estado, quando activamente Mário Soares, então PR, se atravessou no curso de um Executivo - tal como hoje apoiado por uma maioria absoluta no Parlamento -, condicionando-lhe a acção e contribuindo para corroer a aceitabilidade pública das políticas.
Há marcas nos percursos políticos longos como o do Professor Cavaco Silva, que não podem deixar de ter reflexos em comportamentos futuros.
Pela minha parte estou em crer que a marca deixada pela actuação de Mário Soares como Chefe do Estado na última governação pela qual Cavaco Silva foi responsável, não é alheia à afirmação do seu apoio a este Governo. Como estou em crer que não o será no futuro, apesar de esse ser um cenário improvável, se José Sócrates dele necessitar para terminar a legislatura.

Estabilidade e governabilidade - I

A entrevista do senhor Presidente da República de há dias, veio mais uma vez tornar evidente que é por norma o PR, e não o Parlamento, quem lança as principais interrogações sobre o sistema político.
Foi assim com os episódios da nomeação e da demissão do Dr. Santana Lopes como primeiro-ministro. Foi assim também na última campanha eleitoral para as presidenciais em que com particular intensidade se discutiu o papel do Chefe do Estado, em especial no que respeita aos poderes de vigilância do sistema e das relações com os demais órgãos de soberania. E foi-o em flagrante contraste com a ausência ou quase ausência destas ou de outras temáticas a propósito do actual modelo constitucional, nos debates das campanhas eleitorais para a Assembleia da República.
Para lá dos momentos em que a necessidade de desviar atenções de questões mais complicadas para a governação obriga a que as maiorias agendem o debate sobre a reforma dos sistemas eleitoral e de governo (debate que rapidamente se apaga), a negociação das revisões constitucionais fora do parlamento é outra das provas do diminuto papel que desempenha a AR na ponderação do que fazer para aperfeiçoar o modelo consitucional.

Foi mais uma vez o PR quem lançou o tema da estabilidade política e da governabilidade quando na badalada entrevista defendeu (enfaticamente) a necessidade de apoiar o governo actual nas reformas que no entender do Prof. Cavaco Silva estão a ser levadas a cabo.
Sou pouco sensível às reacções epidérmicas dos dirigentes, militantes ou simpatizantes dos partidos da Oposição (pelo menos do PSD) que manifestam uma esperada desilusão na mesmíssima medida em que rejubilariam se o PR dissesse o inverso do que afirmou. Mas essa é a percepção da política imediatista que consome o fundamental do espaço noticioso e entretém a multidão de omnicientes comentadores e analistas.
Não sou sensível em primeiro lugar porque entendo que o PR, uma vez eleito, não tem que satisfazer clientelas, quaisquer que sejam. E era só o que faltava que houvesse quem defendesse com seriedade que ao PR cabe o papel de levantar o moral da família política de que procede e que mais o apoiou. Depois, porque continuo a pensar que o conteúdo da entrevista do Professor Cavaco Silva, no que à Oposição implicitamente diz respeito, traz para ela de positivo (se a Oposição assim o quiser entender) um estímulo para melhorar a qualidade das suas intervenções. Com particular responsabilidade, claro está, para o PSD.
Interessa-me mais outro plano. O da interpretação que há que fazer do que diz Cavaco Silva no quadro institucional em que se movem e relacionam PR e Governo.
Nem de propósito chegou-me às mãos o excelente Neo-republicanismo, Democracia e Constituição, de um velho Amigo e respeitado constitucionalista, Ricardo Leite Pinto (ed. Universidade Lusíada de Lisboa, 2006), no qual se vem defender, regressando à génese constituinte do semi-presidencialismo, que o propósito da consagração deste sistema de equilíbrios foi a de assegurar "a estabilidade da «respublica» nascente". Concluindo que "na escala de valores dos constituintes [se pressupôs] uma óbvia desvalorização de uma outra politológica ideia de estabilidade, a dos "governos de legislatura" ou dos "governos mono-partidários" (pp. 70-71).

Subscrevo esta intepretação do sistema (que aliás nem é nova nem é única, mas que deve ver reafirmada a sua actualidade). E subscrevo-a sobretudo na perspectiva de que ao PR não cabe nenhum papel constitucional de assegurar a estabilidade governativa se não estiver em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. Porque defender o contrário seria considerar que no actual regime o Chefe do Estado tudo teria de sacrificar à garantia da subsistência dos governos. Ou, o que seria ainda pior, equivaleria a pensar que a governabilidade tem como condição a existência de governos de legislatura, pensamento que igualmente não é de subscrever.
Mas tenho dúvidas se era na primeva ideia de estabilidade (do regime) que o Professor Cavaco Silva estava a pensar quando enfaticamente falou da sua necessidade e com ela justificou a sua sintonia e o seu apoio ao Governo.

A morte de Milton Friedman, Economista e Prémio Nobel

Torna-se obrigatória no 4R uma Nota de homenagem à memória de Milton Friedman, Economista, Professor de Economia e Prémio Nobel em 1976, falecido há três dias. Curiosamente, foi através de um comentário de Nuno Nasoni a um texto no 4R sobre a morte de Jean-Jacques Serban-Schreiber que soube da notícia.
Não sendo “persona grata” no ensino da Economia, nos meus tempos de estudante, em que o Keynes dominava, foi sem dúvida o economista que mais influenciou a minha maneira de pensar as questões económicas, o papel do mercado e as funções do Estado, a relação entre a liberdade económica e a liberdade política.
Para além do livro Capitalismo e Liberdade, onde sustenta que liberdade política surgiu com o livre mercado e o desenvolvimento das instituições capitalistas, permito-me destacar Free to Choose, editado em Portugal com o título Liberdade para Escolher, obra fundamental e muito acessível e em que o primeiro capítulo, intitulado O Poder do Mercado, dá imediatamente o tom do seu conteúdo.O livro deu origem a uma notável série de televisão com o mesmo nome ironicamente produzida pela PBS, uma união dos “public broadcasting service” americanos, que viu interesse público na difusão da obra.
Esta série passou na RTP aí por volta de 1981, com enormes protestos por parte de muita gente "bem-pensante" que ainda agora está, e já nessa altura estava, devidamente instalada nos media, fortemente defensora do intervencionismo do Estado e das virtudes da despesa pública, com os resultados que estão bem à vista. Tenho orgulho em ter sido um dos que directamente favoreceram a exibição da mesma na RTP, e tenho pena que nunca mais tivesse sido reposta, pois continua bem actual.
Milton Friedman foi sem dúvida o economista que mais marcou e influenciou as políticas económicas dos anos 80 e 90, nomeadamente na Inglaterra, com Margaret Tatcher e nos Estados Unidos, com Reagan e até com Clinton, políticas essas que, concorde-se ou não, trouxeram crescimento económico e um mais generalizado bem-estar para as populações desses paíse e, por arrasto, de outras nações.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

A coincidência das contra-programações!...

Em comentário a um texto de Margarida Corrêa de Aquiar, Cultura da mediocridade, não tem que ser assim…o excelente comentador Rui Vasco verbera o facto de o Presidente da República se ter predisposto para uma entrevista na SIC, aceitando assim ser usado num espaço normalmente não existente, precisamente no mesmo dia em que a televisão pública, no programa Grande Entrevista, tinha agendado uma conversa com Pedro Santana Lopes.
Desde logo, não acredito, pelo que se conhece do Presidente da República, que o mesmo tenha caído nesse registo.
Mas também sou levado a não acreditar pelo seguinte raciocínio dedutivo.
De facto, ainda há cerca de oito dias nem sequer se sabia a data da saída do livro de Santana. Ora a entrevista só poderia ser marcada depois desse evento, que aconteceu creio que na 2ª feira passada.
Por outro lado, uma entrevista à televisão, e logo a primeira desde que Cavaco é Presidente, não é assim preparada nem programada à pressa. Normalmente essas coisas demoram algum tempo, até porque a Agenda do PR não deve estar assim tão desocupada. Além do mais, o Presidente nem sequer é um fervoroso adepto de aparecer nas televisões.
Por isso, a entrevista de Cavaco não podia deixar de estar preparada e marcada há algum tempo.
Assim, o que mais se poderia admitir é que a entrevista de Santana Lopes, por mera questão de oportunidade, já que a RTP a planeara para a Grande Entrevista, teve que coincidir com a de Cavaco, em horário coincidente com o espaço que, antes, a SIC destinara ao Presidente da República.
Tanto seria assim que li no Diário Digital que a RTP, ao saber da entrevista de Cavaco, terá marcado e mesmo divulgado a entrevista com Santana para o dia seguinte, 6ª feira, opção que, pelos vistos, abandonou.
Se assim foi, quem poderia ser acusado de contra-programação seria o Canal Público e não a SIC.
E nestas coisas de contra-programação activa ou passiva, nenhuma estação sai limpa de culpas. Se bem me lembro, aqui há uns tempos, no dia em que o Primeiro-Ministro foi entrevistado na SIC por Maria João Avillez, curiosamente a RTP terá feito descansar o programa de Judite de Sousa…
Mas talvez o Rui Vasco, agora que já terá mais e melhor informação, possa elucidar da justeza deste meu despretencioso, mas creio que fundamentado, raciocínio.
Nota:
No meio de tudo isto, caberá perguntar se, num tempo de liberdade de programação, tem algum sentido falar de contra-programação. Contra-programação fazem a toda a hora as estações privadas, por razões de mercado, e fá-la, mas não o devendo fazer, a RTP, por razões de serviço público...

Liderança...ou não!...

Como se não se soubesse já, Santana Lopes anunciou ontem a possibilidade de voltar a lutar pela liderança.
Ora, não é possível uma boa liderança, se o líder não souber o que quer liderar. E é logo nesta identidade que começa a grande confusão de PSL. A verdadeira identidade do partido que toma como seu, que define a sua natureza, é PSD/PPD e não PPD/PSD, como lhe chama, o que faz toda a diferença. Por isso, o partido que Santana Lopes pretendeu e pretende liderar é um partido que não existe, um conjunto vazio. O líder criou uma realidade virtual, afeiçoada à sua maneira de ser, e tomou-a como verdadeira. Assim, o PSD nem sequer esteve nas últimas eleições.
Mas também não é possível uma liderança sem líder forte e convicto.
Na anterior campanha do PPD, apareceu um líder vitimizado: os irmãos mais velhos davam-lhe bofetadas, alguns enjeitavam-no e não queriam aparecer na fotografia, nem atendiam os seus telefonemas, o Banco de Portugal não gostava dele, o Presidente da República demitiu-o, etc, etc. Ora esta forma de aparecer constantemente como um perseguido e um derrotado, sem força para se opor e vencer os seus adversários, é a maneira mais eficaz de negar qualquer liderança, mesmo que ela pudesse existir.
Essa ideia da vitimização continua viva em PSL, como se conclui do seu livro e da entrevista à RTP.
Assim sendo, que motivação se cria ao eleitor, ou mesmo ao militante, mesmo que de um hipotético PPD, para escolher um líder com este perfil de fraqueza, que nega logo qualquer liderança?
Os cidadãos querem líderes confiantes, convictos e vencedores. Como é que é possível captar votos para um líder que explicita de forma tão exuberante as fraquezas que os outros lhe apontam?
Nota:
O Partido nasceu como PPD, porque o nome PSD ficou prejudicado pelo registo anterior, em 1974, de um PSDC (Partido Cristão Social Democrata). Logo que este desapareceu, o PPD alterou a designação para PSD, juntando-lhe a anterior designação PPD, a qual iria caindo à medida que o Partido se tornasse mais identificado com a nova sigla.

Juros: aposta de alto risco

Recordam-se por certo os nossos ilustres Comentadores do desafio/aposta que aqui lancei, em POST do dia 6 de Outubro, quanto ao nível a que estaria a principal taxa de juro directora do BCE em 31 de Dezembro próximo.
Embora não tivessem sido muitos, os Comentadores que aderiram a esse desafio mostraram o seu gosto pelo risco: Tonibler, Rui Vasco, CMonteiro e um dos grandes animadores deste BLOG, JMFAlmeida.
Fiquei surpreendido, confesso, pela abstenção de Pinho Cardão, reputado especialista nestas matérias (ou talvez por isso?).
Também fiz a minha aposta, tendo colocado sobre a mesa um jantar na Adega do Saraiva, em Nafarros, a pagar pelos perdedores.
Apostei que o BCE, depois da última subida das taxas para 3,25%, mantê-las-ia inalteradas até final do ano.
Fui acompanhado nessa arriscada previsão por JMFAlmeida e por Rui Vasco.
Diferente foi a aposta de Tonibler e de CMonteiro, que previram uma subida para 3,5%.
Não teremos de esperar por 31 de Dezembro para saber o resultado, pois na semana que começa a 4 de Dezembro se ficará a saber a decisão do BCE.
Entretanto, o que já sabemos hoje é que a inflação, medida pelo índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC), foi de 1,7% em Setembro e de 1,6% em Outubro.
A inflação está assim bem abaixo do nível de vigilância que o BCE estabeleceu, que é de 2% como também se sabe.
Posso agora confessar que a minha aposta se baseou na expectativa de que viesse a suceder com os preços no consumidor aquilo de que temos agora confirmação.
A baixa acentuada dos preços do petróleo desde meados de Agosto muito contribuiu para esta desaceleração dos preços no consumidor.
Acresce que foram divulgados muito recentemente alguns indicadores que sugerem um próximo abrandamento da actividade económica na Alemanha e na França.
Apesar da evolução dos preços e dos sinais transmitidos por estes indicadores, que em condições normais deveriam conduzir o BCE a uma atitude de esperar para ver, mantendo as taxas inalteradas na sua próxima reunião, devo confessar que tenho muitas dúvidas e que corro elevado risco de perder a aposta.
Na verdade, parece que no BCE ainda vigora um certo “fascínio” pela evolução das grandezas monetárias, que toma como indicadores antecipados da tendência dos preços.
E as variáveis monetárias, M3 & Cª, continuavam a evidenciar um crescimento pujante pelo menos até Setembro.
Se perder, posso afirmar que terei o maior gosto em oferecer (só ou acompanhado) aos ganhadores o jantar em Nafarros, com a promessa de continuar a respeitar o anonimato dos Comentadores que nos derem o gosto de aparecer.
Só espero que Rui Vasco e CMonteiro não transformem o repasto em palco de “duríssima” confrontação de opiniões...sobre a qualidade do bacalhau assado.
Não acontecerá, com certeza, pediremos a P. Cardão, árbitro por excelência, para também comparecer, sendo o seu jantar pago 50/50 por ganhadores e perdedores.
E também espero alguma compensação, pois tenho por quase certo que Tonibler não deixará de zurzir o BCE, em especial se ganhar a aposta...