Eu explico.
A discussão do Orçamento
do Estado para 2019 lembrou-me um episódio insólito, mas verdadeiro, ocorrido
por volta dos idos de Maio de 1970. À época, um grupo de quatro ou cinco bons
malandros de Lisboa, vistos como gente de cultura, mas longe da clássica comunidade cultural, anunciaram por
vários meios e também num prestigiado vespertino a vinda a Portugal de um
brilhante filósofo francês, de seu nome A. Péradon, para uma Conferência sobre
a sua obra. A Conferência, apresentada sob o título A revolução teórica de A. Péradon, realizou-se numa sala com nobreza à imagem do ilustre orador.
Presentes, vultos da cultura, académicos, deputados, profissionais liberais.
Feita a apresentação por um dos promotores da iniciativa, jurista e
mais tarde administrador de um grande Banco português (tenho uma cópia da
apresentação), que considerou o pensamento de Péradon como uma poderosa e
coerente síntese de diversas escolas filosóficas, o convidado discorreu em
francês sobre a sua obra. No período de debate, convenientemente limitado
porque o Professor tinha que antecipar inesperadamente
o regresso, alguns dos presentes ainda puderam expressar o seu apreço pela
obra do filósofo, lamentando o relativo desconhecimento da mesma e atribuindo-o
às debilidades do ensino e a uma menor atenção das editoras nacionais. A Conferência terminou em beleza.
Eis senão quando, num rápido cocktail final, um amigo dos promotores
segreda a alguém que tudo não passara de uma pantomina, o Professor Péradon
nunca fora nem francês, nem filósofo, era um português radicado em França desde
pequeno, desconhecido em Portugal, e que se prontificou a participar na brincadeira.
Num fósforo a informação espalhou-se e os promotores só não passaram um mau
bocado, porque já tinham saído com o palestrante. E o vespertino, que tinha
caído na esparrela de divulgar a Conferência, não mais falou no assunto. Aliás,
não seria admissível divulgar que personalidades importantes da cultura tenham
caído no logro de conhecer e comentar um autor e uma obra inexistentes…
O episódio saltou-me à memória ao ouvir os comentários sobre o
Orçamento de Estado, uma ficção não menor que a obra de Péradon. É que, a avaliar
pelo passado, o Orçamento que tantos solenemente debatem não durará mais do que
o tempo da sua aprovação. Depois, será rapidamente golpeado, ferido, cortado,
cativado, transferido de rubrica para rubrica, aliviado de despesas de investimento
e incrementado por vistosa despesa corrente.