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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Reutilização dos manuais escolares?

Todos os anos a compra dos manuais escolares constitui para a maioria das famílias portuguesas um verdadeiro pesadelo.
Apesar do aumento do número de famílias abrangido pela acção social escolar, a verdade é que a maioria das famílias com filhos a estudarem enfrenta no início do ano lectivo grandes dificuldades para fazer face ao custo do material ditado pelas escolas. A semana passada a imprensa divulgou vários orçamentos, dos quais retive que o custo dos manuais escolares no 10º ano ronda os 250 euros. Ora convenhamos que se trata de um montante que não está alinhado com a remuneração média da família portuguesa e ao qual haverá que juntar um vasto conjunto de outros gastos obrigatórios a que é necessário fazer face.
Não bastando esta dor de cabeça, também se constata que tem sido normal nos últimos anos os preços dos manuais escolares sofrerem aumentos bem acima da inflação, o que só agrava as dificuldades. Este ano, por exemplo, num cenário de taxa de inflação nula ou mesmo negativa, o agravamento dos preços pode ir até aos 5,6%.
Reparei, aliás, na publicidade de vários bancos sobre o lançamento de linhas de crédito especiais para a aquisição de material escolar.
Mas o que mais me intriga é que as escolas não promovam a reutilização e até a reciclagem dos manuais escolares, contribuindo para ajudar as famílias a resolverem problemas concretos e fazendo a pedagogia nos alunos da necessidade de pouparem e combaterem o desperdício.
Lembro-me que no meu tempo de estudante do liceu, os meus pais tinham a preocupação de os meus irmãos herdarem os livros da irmã mais velha. Havia da minha parte e dos meus irmãos a preocupação de preservar e poupar os livros porque a sua utilidade atravessava pelo menos três anos lectivos. Esta preocupação de pais e filhos em relação à reutilização dos livros era incentivada pela comunidade escolar e partilhada de um modo geral por todos.
Hoje não é assim que as coisas se passam. Não há aparentemente incentivos para o fazer, o que não deixa de ser estranho já que o principal incentivo seria justamente a poupança de despesas, permitindo uma melhoria da gestão do rendimento familiar.
Como não somos um país de abundantes recursos, damo-nos ao luxo de gastar como se fossemos ricos…

A coutada do chico-esperto

Nesta coisa do aproveitamento da máquina do Estado ou das empresas controladas ou dependentes do Estado para acções de propaganda em período eleitoral, não está tanto em causa o efeito que têm essas acções sobre o eleitor comum, mas sobretudo o nível maturidade da democracia. Se as instituições da democracia fossem maduras, os seus responsáveis seriam os primeiros a acautelar que os meios que gerem e os dinheiros que administram jamais seriam utilizados em apoio das teses de algumas candidaturas, sobretudo quando passou a estar claro que o sentido e a necessidade da actividade que prosseguem são politicamente controversos e serão objecto do julgamento pelo eleitorado em breve.
Atrevo-me até a dizer que numa democracia madura os responsáveis se deveriam precaver contra a simples suspeita de quebra de neutralidade.
Não é, infelizmente, assim. Continua a prevalecer a atávica atitude de chico-espertismo de alguns, que ainda não perceberam que o Povo não é parvo. Resta ao Povo dizer-lhes que não é.

Quinze dias por terras da China VII: A China Town de Shangai


Tenho descrito Shangai como uma cidade de aspecto perfeitamente ocidentalizado. Porventura incrédula com a prosa, a Suzana Toscano, num comentário a um post anterior, perguntou, com o seu quê de ar irónico, se Shangai não teria também a sua China Town.
Pois acertou na "mouche"!...De facto, dá-se a circunstância perfeitamente insólita de, no meio dos seus imensos e altos arranha-céus e da cidade colonial que acolhia as “concessões” inglesa, francesa, americana e japonesa, que reproduziam praticamente na íntegra o estilo de vida dos respectivos países, Shangai possuir a sua China Town. A China Town é uma zona recuperada da cidade velha, onde é possível ver edifícios e contactar com hábitos e estilos de vida autenticamente chineses. E onde os visitantes se aglomeram para ver a China que não vislumbram na Shangai moderna.
Como em Nova York, ou em Toronto, ou em Londres, uma China Town em Shangai, quem diria?

Quinze dias por terras da China VI: o 4R

Por várias vezes, em locais diferentes, procurei o acesso ao “blogspot”, para entrar no 4R. Sempre inacessível. Pensei ser um azar tremendo, até porque conseguia entrar com toda a facilidade nos blogs do Sapo.
Depois explicaram-me que não seria coisa de mero azar.
É que economia é economia e política é política, nada de confusões.
Se a primeira é cada vez mais livre, a segunda é bem de direcção central. A abertura económica ao mundo e aos americanos não se se estende às plataformas de comunicação global.
Nada de potenciais interferências nocivas na ortodoxia de pensamento.
Lamento, pelos chineses, que têm que se ficar pela República Popular, sem qualquer acesso à Quarta!...

As novidades da longa vida


Os japoneses acusam o Partido agora vencido nas eleições de não ter sabido combater o envelhecimento da população durante as largas décadas que esteve no poder.
No Japão, o número de centenários duplicou nos últimos cinco anos e hoje há cerca de 37 mil com mais de 100 anos, 85% dos quais mulheres, e um em cada cinco cidadãos tem mais de 65 anos. Por outro lado, o número de jovens com menos de 14 anos é o mais baixo desde 1950, o que é atribuído à entrada das mulheres no mercado de trabalho, ao adiamento do casamento e à estagnação económica. Nas últimas três décadas, o número de japonesas solteiras entre 30 e 34 anos subiu de 7% para 32% e o de homens solteiros, de 14% para 47%.
Li algures num jornal o testemunho amargo de alguns desses centenários, lembrando como é difícil o dia-a-dia de quem perdeu capacidades e muitas vezes autonomia, de como são longas as horas sem nada para fazer, de como é dura a solidão. E esses foram ainda os que tiveram filhos e netos, pelos vistos e geração mais nova nem vai ter a quem se queixar ou com quem contar a não ser aos serviços de apoio e aos programas de ocupação que sejam previstos para todos.
O novo mundo tecnológico, cientificamente avançado, cheio de altas velocidades e receitas para a longa vida e máximo proveito, enfrenta um problema estranho: a velhice dos muitos que não morreram e a prolongada juventude dos poucos que nasceram.

domingo, 30 de agosto de 2009

Quinze dias por terras da China V: Shangai(Pudong)


Frente ao Bund, descrito no post anterior, a cidade de Shangai explodiu na área denominada Pudong, estabelecida em 1990 como Zona Económica Especial, e onde, num ápice, nasceram muitos dos edifícios mais altos do mundo: Shangai Financial Center, 460 metros, Pérola do Oriente, 457 metos, que alberga a Torre da Televisão, Jimnao Dasha, 421 metros, como exemplo de dezenas e dezenas de outros.
Shangai é das cidades mais prósperas da China e onde o nível de vida é mais elevado, apenas superado por Pequim. Sede de grandes empresas dos mais variados sectores, da Banca, aos Seguros, aos metais e à indústria, tem uma Bolsa onde se transacciona toda a espécie de títulos. À vista desarmada pouco distingue Shangai de uma cidade ocidental: o mesmo tipo de edifícios, só que muitíssimo mais altos, os mesmos Centros Comerciais, as mesmas casas da alta moda, as grandes cadeias de hotéis internacionais, trânsito automóvel intenso. Ao contrário do que pensava, um número já diminuto de bicicletas, substituídas pela popular Vespa. Muitos ocidentais nas ruas, em turismo ou em negócios. Por vezes, pensava não estar na China, mas logo era alertado pelos muitos, muitos, muitos, muitíssimos e incontáveis chineses de olhos em bico, mas de olhar pacífico. E por uma atmosfera quente e húmida, muito quente e muito húmida, que nos fazia sentir pegajosos e sujos. Aí, estava, de facto, longe da Europa.

Quinze dias por terras da China IV: Shangai



Shangai, 14 milhões de habitantes, a cidade chinesa desde sempre mais aberta ao mundo.
A Zona nobre continua a ser o Bund, centro da cidade colonial, onde convergiam as feitorias francesa, inglesa e americana. A Avenida do Bund, paralela ao Rio Huangpu, manteve o carácter que lhe é dado pelas sumptuosas construções símbolo do poder comercial do Ocidente, bancos, hotéis, companhias de navegação, escritórios, clubes, numa impressionante sucessão de edifícios que retratam uma época de prosperidade que vai da 2ª metade do século XIX até 1949, início da revolução comunista. A Avenida abre-se ao rio através de um passeio pedonal. Trata-se de um conjunto de grande beleza e estética, que não foi possível usufruir totalmente, dadas as obras em curso com vista à Expo 2010 que aí se vai realizar.

A dignidade do poder

O poder exerce um efeito fascinante em muitas pessoas. Acontece que, uma vez alcançado, muitas personalidades não se apercebem de que perderam a sua liberdade. Curioso. Conseguem ter poder sobre os outros mas perdem o poder sobre si próprios. Mas as coisas não ficam por aqui. Além do efeito inebriante, ao ponto de provocar dependência, o poder é transitório, e alguns acabam por dar quedas valentes, enquanto muitos são obrigados a escorregar na rampa política, umas vezes lentamente, outras de forma mais abrupta, eclipsando-se. É então que a melancolia se apodera das suas almas, não conseguindo resignar-se à vida própria, nem olhar para a sua sombra pública. Não é só na política que se verifica este fenómeno. Qualquer posição pública, seja ela qual for, desde que elevada, prima por estes fenómenos. Veja-se o caso de um apresentador de uma televisão israelita que, ao verificar que já não era tão popular como dantes, começou a cometer crimes por raiva. Acabou por cair na prisão onde se suicidou.
Na política, os intelectuais, de um modo geral, não têm grande sucesso, o que não quer dizer que não devam intervir, antes pelo contrário, já que constitui um dever de todos os homens. Nesta matéria, não devemos esquecer que somos todos cúmplices por ação ou por omissão.
Face a certos exemplos, como catalogar ou definir comportamentos políticos do género adular e insultar a mesma pessoa segundo as circunstâncias? Não é que seja nada de novo, porque Séneca já o fazia. Séneca, que era um intelectual, poderoso, riquíssimo, mestre da bondade e mestre de Nero, andava sempre em contradição com o que dizia e fazia. Às tantas limitou-se a cumprir o pensamento de um grego que afirmou que “os sábios tinham duas línguas! Uma com que diziam a verdade, a outra de acordo com as circunstâncias do momento”.
Alcançar o poder para fugir à pobreza, ou poder enriquecer facilmente constitui uma prática comum que não enobrece quem a pratica. Ir para a política e atuar com firmeza, retidão e sensibilidade, respeitando as pessoas e as coisas tais como elas são e não como os outros pretendem que sejam, é a forma mais rápida e fácil de colecionar inimigos. Resta saber se ainda há pessoas dispostas a colecioná-los. Eu penso que sim, apesar de as virtudes terem como contrapartida a inveja, e a generosidade a ingratidão. Não importa. É sempre preciso que haja alguém capaz de decidir, ser pragmático e que respeite os antagonistas. Decidir e contestar parecem-me bem, desde que sejam acatadas as normas de civilidade.
Um político tem que respeitar a verdade e lutar pela liberdade que são dois fabulosos tesouros que nada nem ninguém consegue comprar. Não há nada que compre a liberdade e evite a morte.
De acordo com César António Molina, “Há que recear a atividade pública e não perder a autonomia de ação, a liberdade da palavra e a capacidade de retirar-se a qualquer momento para cuidar da alma e de si mesmo”. Para isso é preciso escolher os melhores políticos. E onde estão eles? O mesmo autor afirma que “Não há melhores políticos do que aqueles que saem das outras profissões e que temporal e generosamente se entreguem ao serviço público!” E que sejam capazes de, a qualquer momento, “se retirarem para cuidar da alma e de si mesmos”, evitando quedas, trambolhões e outras desgraças públicas próprias de homens que ao atingirem elevadas posições se comportam como uns estranhos para si mesmos. Se ao menos os que caem em desgraça, devido às suas atividades, tivessem o condão e a hombridade de se justiçarem por auto iniciativa, então sim, revelariam um sinal de superioridade. Não é preciso que façam o que Séneca fez quando Nero mandou que se suicidasse pelas próprias mãos. Séneca soube morrer com dignidade, “a arte mais difícil de levar a cabo”. Não sei se é ou não, mas para mim, a arte mais difícil de levar a cabo é viver e servir com honradez e honestidade. Arte difícil, pelos vistos, para muitos que nos cercam.

sábado, 29 de agosto de 2009

A crítica grosseira de Santos Silva

Mal tinha saído o Programa do PSD, logo Santos Silva se apressou a qualificá-lo segundo o léxico político há muito habitual em políticos com argumentação de quarta ordem. Assim, chamou-lhe decepcionante, adjectivo que em política produz sempre aplausos junto dos convertidos, contraditório, que também produz bons efeitos, e ainda pouco rigoroso, classificação que não sai dos habituais padrões de quem não tem nada que dizer. E se se limitou à afirmação nos dois primeiros adjectivos, Santos Silva procurou superar-se na afirmação de que o Programa é pouco rigoroso, procurando comprovar a afirmação: “o PSD apresenta propostas que significam ao mesmo tempo aumento de despesa para o Estado e diminuição de recursos do Estado”.
Então, mas as prioridades estabelecidas por qualquer partido ou governo não levam necessariamente a aumentar alguma categoria de despesas e diminuir outras, ou a aumentar algumas receitas e a diminuir outras? Então o orçamento, que quantifica financeiramente as políticas, tem que ser sempre o mesmo? Estabelecer opções e prioridades não é a política?
Claro que essas opções devem ser feitas no contexto de uma diminuição global da despesa pública e dos impostos.
Ou Santos Silva não entende esta simplicidade ou quer tomar-nos por parvos. Num caso ou noutro, não sai bem do retrato que pomposamente mostrou.

Quinze dias por terras da China III: Os transportes aéreos

Num país tão grande, onde é considerada muito pequena uma cidade como Lisboa, e onde há muitas aglomerações com população superior a 5 milhões de habitantes (Chongking, a maior cidade, mais de 18 milhões, Pequim, 18 milhões, Shangai, a mesma ordem de grandeza, por vezes até é dito que é mais, mas aqui um, dois ou três milhões pouco contam nas estatísticas), com vários pólos industriais e agrícolas, com Zonas Exclusivas diversas, o transporte aéreo revela-se primordial.
Com várias deslocações de cidade para cidade no interior da China, confesso que os aviões chineses me assustavam um pouco. Mas sosseguei quando um meu amigo que faz várias deslocações à China por ano me perguntou quais eram as cidades a visitar e as companhias em que viajaria. De facto, as capitais e as maiores cidades das províncias estão ligadas por grandes companhias aéreas, com uma frota aparentemente com uma vida média baixa, em que avultam os Airbus e os Boeings. O mesmo não se passará nas dezenas, ou mesmo centenas de companhias aéreas que estendem agora a malha entre cidades mais pequenas, e onde a frota poderá deixar algo a desejar. Do arranque de uma delas, uma joint venture entre uma companhia provincial e uma entidade privada vi eu a notícia num jornal local, em que, aliás, a segurança era enfatizada como preocupação máxima.
Ao olhar para os nomes das grandes companhias, até me parecia estar nos Estados Unidos: era a Eastern, ou a China ou a Southern, com uma presença e uma força de imagem impressionantes.
Aviões completamente cheios nas deslocações que fiz. Visível o profissionalismo da tripulação. Pontualidade ao minuto. Numa dessas deslocações, de Guilin para Xian, o avião, estando já cheio, até partiu com 15 minutos de avanço sobre o horário estabelecido.
E comparei com o que nos aconteceu na viagem de Lisboa para Pequim num avião da Air France: impossibilidade de fazer o check-in via internet, e mesmo no aeroporto de Lisboa, por não reconhecimento do nº dos bilhetes electrónicos emitidos, o que levou a que tivesse que ser feito nos balcões do aeroporto, em Paris. Resultado: os sete membros da “comitiva” ficaram espalhados por vários lugares e filas do avião, numa viagem de doze horas. Felizmente que a compreensão de vários viajantes veio a permitir um agrupamento mínimo.
Ou tive sorte ou, também neste campo, os chineses já nos dão lições.

O preço da democracia

É complexa a organização de uma campanha eleitoral, porque é preciso garantir a igualdade de acesso aos meios de comunicação e a máxima informação aos eleitores. Acabo de ouvir, por lado, um comentário escandalizado sobre o que se vai gastar ao todo – cerca de 90 milhões de euros – e, por outro, que foi preciso negociar a mudança da hora de um jogo de futebol importante para viabilizar o frente a frente entre os lideres dos dois maiores partidos no próximo dia 12 de Setembro. Dir-se-ia que vivemos um tempo que ainda não transitou completamente das velhas campanhas de cartazes e comícios, a única forma que havia há décadas para fazer chegar as mensagens e as caras dos candidatos a todas as pessoas, para o tempo das tecnologias e dos meios de comunicação de massas. A acumulação de tudo dá de facto uma sensação de excesso, se há blogues, twitters, second lifes e face books, além de jornais diários e semanários em papel e on line, mais rádios e múltiplos canais de televisão, para que será preciso cartazes espalhados por todo o lado? O problema estará no facto de uma parte significativa dos eleitores não se dar ao trabalho de procurar conhecer via informática o que lhes propõem, e que uma parte significativa dos candidatos não tenha acesso aos meios de comunicação, pelo menos o tempo suficiente para ao menos se lhes conhecer as caras, quanto mais os programas que têm para apresentar. No caso das eleições autárquicas, a imprensa regional também cumpre o seu papel, mas talvez não seja suficiente, pelo menos os cartazes ficam à vista de todos, com mensagens seleccionadas pelos próprios e não por terceiros, e com fotografias que acabam por se tornar familiares, à força de se passar por elas. Se pensarmos que estas eleições legislativas e autárquicas envolvem uma pequena multidão, a maior parte sem outro meio para se publicitar sem ser os cartazes e os encontros no concelho ou na freguesia, talvez seja mais fácil entender os gastos previstos, e o seu anúncio assim a seco já não pareça tão falho de sentido. A democracia tem um preço e não me parece que se ganhe alguma coisa em alimentar o descrédito para além do que tenha razão de existir. A abstenção, sobre a qual todos se vão lamentar com acusações mútuas, não se combate com notícias destas, atiradas à opinião pública como uma seta envenenada.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A um mês de eleições, o "fatal" prognóstico do 4R...

1. A um mês de eleições legislativas (tal como na Alemanha), o 4R não vai deixar de cumprir a “tradição”, editando um prognóstico dos resultados desta votação.
2. Trata-se de exercício bastante ousado, de alto risco mesmo, atentos os factores de incerteza que caracterizam este veredicto popular, pouco tempo após a “surpresa” das eleições para o Parlamento Europeu e diante de campanha gigantesca (pelo imenso volume de recursos empregues) que os incumbentes têm em curso na tentativa de alterar a tendência do voto popular…
3. A ousadia e o risco também fazem parte da vida pelo que não serão esses factores que nos impedirão de avançar uma previsão…
4. Começando pela abstenção, prevemos que venha a ser bastante elevada, da ordem dos 45%, explicável por desinteresse e descrença na utilidade do voto.
5. Se a abstenção for muito mais elevada, o que não é de excluir, este exercício transforma-se quase num “bruxedo”, requerendo métodos de alquimia que não dominamos…
6. Admitindo o nível de abstenção referido em 4, as nossas previsões, após consulta aos astros competentes, apontam os seguintes resultados:
- PSD – 30 a 34%
- PS - 27 a 31%
- CDS/PP, BLOCO e PCP/Verdes – 8 a 11% cada um
- Brancos e Nulos – 4 a 6%
7. Na apresentação deste prognóstico, além da consulta aos astros competentes tivemos em conta, como não podia deixar de ser, os resultados das eleições europeias, que forneceram um sentido de voto claro– pelo menos no que se refere à rejeição dos incumbentes e do seu
estilo desajeitado/autista, excessivamente propagandístico e pouco credível de
fazer política.
7. Não nos parece lógico que esse sentido de voto, num espaço de tempo tão curto seja significativamente alterado, lembrando que os factores determinantes do voto nas europeias radicaram na política interna e terão tido pouco a ver com os projectos europeus das diferentes forças políticas…
8. Questão diferente é a de saber se o principal Partido da oposição terá “ganas” para mobilizar a seu favor, decididamente, o factor de descontentamento…nas eleições europeias a forte punição dos incumbentes foi por esse Partido aproveitada, certamente, mas em escala limitada. Temos dúvidas de que agora as coisas sejam muito diferentes por razões que não cabe aqui desenvolver.
9. Aqui fica pois o arrojadíssimo prognóstico do 4R, sujeito desta vez, bem mais do que em situações anteriores, a uma elevada margem de erro…faltando apenas dizer que é um prognóstico em que cumpre ressalvar qualquer cataclismo político, improvável mas possível, que ocorra até 27 de Setembro.
10. E no dia 27 de Setembro veremos o que valeram estas previsões. Seria certamente mais seguro avança-las apenas no final desse dia mas convenhamos que perderiam toda a (pouca) graça que agora têm…

A Revolução de António e Oriana

Amanhã, dia 29, estarei em Lamego, em plenas Festas de Nossa Senhora dos Remédios, no magnífico Centro Social e Paroquial de Santa Maria Maior de Almacave, para a apresentação do livro de Joaquim Sarmento "A Revolução de António e Oriana", um enredo de amores e desencontros no clima da revolução de 1974, desenvolvido no cenário único do Douro.

Quem quiser deleitar-se com um bom romance, sirva-se deste.

Quinze dias por terras da China II: A ideologia

Mao não está esquecido, mas está perfeitamente ignorado. Quando muito, e segundo as palavras de alguém com quem falei, Mao ainda é por muitos respeitado, mas não é amado.
Acabaram-se os cartazes que antes inundavam todos os espaços, no exercício de um dos mais grosseiros cultos de personalidade. Cartaz com Mao, apenas vi um, na Praça Tien-Amen, à entrada da Cidade Proíbida, em Pequim. E da actual “nomenklatura” política não vi nenhum.
A China vem construindo o seu modelo que apelidou de “socialismo de mercado”, que sintetiza os dois pilares fundamentais do regime: comunismo e mercado. Ideologicamente, os princípios são os do comunismo e a China só admite um partido, o Partido Comunista. Mas, perante o fracasso do velho comunismo, a China reinventou o modelo, e a “a exploração do homem pelo homem” passou a ser condição da implantação do novo comunismo.
Pareceu-me que poucos sectores estão vedados à iniciativa privada. A Bolsa de Shangai transacciona uma enorme variedade de títulos, para além de novos produtos financeiros, derivativos e produtos estruturados, multiplicando-se as joint ventures entre o Estado e empresas privadas.
Pela leitura dos jornais chineses de língua inglesa, particularmente do China Daily, julgaríamos estar em qualquer país capitalista ocidental.
Com uma enorme diferença. É que me pareceu muito vincada a indiferença perante os trabalhadores atingidos pelas vicissitudes do mercado. Segundo li, as indemnizações aos trabalhadores em curso de despedimento numa grande empresa industrial andavam à volta de 100 euros por ano trabalho, valor exíguo, mesmo para padrões chineses, o que levou à greve. O Partido Comunista, já não sei se local ou provincial, limitou-se a referir, em comunicado, que, para o futuro, as reestruturações empresariais deveriam merecer o consenso dos trabalhadores...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Quinze dias por terras da China I: Prólogo

Depois da minha última ida à China, já lá vão mais de quinze anos, as mudanças que agora vi, nas duas semanas dias que acabo de lá passar, e apesar de toda a informação sobre o país, deixaram-me estupefacto. Eu sei que estive predominantemente nas cidades, embora também tivesse ido ao campo. Mas, há quinze anos, também as cidades constituíram a parte predominante da visita.
Não reconheci a China, no ambiente global, nas casas, nas ruas, no comércio e nos serviços, na hotelaria, nos transportes aéreos e citadinos, no modo de vestir e de pensar.
A China abriu-se ao mundo, no turismo, na banca, no imobiliário, na moda e nas demais actividades económicas.
As cidades estão pejadas de arranha-céus e, aí, Shangai e Pequim, sobretudo Shangai, vão-se aproximando de Nova York ou Chicago. Os Centros Comerciais proliferam e todas as grandes marcas de luxo em todos estão representadas.
As bicicletas deram lugar às motas e as motas aos automóveis e engarrafamentos monstruosos, apesar das larguíssimas avenidas de quatro faixas, moem diariamente a paciência, mesmo a refinada paciência de chinês.
Nas maiores cidades, as grandes cadeias hoteleiras europeias, americanas e asiáticas, a par das chinesas, ocupam prédios de dezenas de andares.
Os transportes aéreos têm já um desenvolvimento notável, estando as grandes companhias dotadas de aviões dos mais recentes modelos da Airbus ou da Boeing.
Para minha memória futura, irei deixando, aqui, no 4R, alguns apontamentos da minha estadia de 15 dias na China, em que passei, entre outros locais, pelas grandes cidades de Shangai, Guilin, Xian, Pequim, para além de Hong Kong e Macau. Oxalá as crónicas não macem os leitores do Quarta República.

Pericles e as Universidades de Verão

Tive a grata oportunidade de ir à Universidade de Verão falar a uma centena de jovens que quer melhorar a sua formação para poder participar activamente na vida política do País. Há hoje essa preocupação de formação por parte da generalidade dos partidos políticos e esse é um sinal muito positivo porque, seja qual for a ideologia que defendam, a ignorância e a presunção são sempre más conselheiras e só podem ser combatidas com conhecimento, curiosidade intelectual e humildade para ouvir e trocar ideias. E, nem de propósito, o Prof. Adriano Moreira, em entrevista à SIC, lembrou na véspera uma frase de Péricles: - “Os que não se interessam pela coisa pública não merecem ser atenienses.” Acredito que é assim, que ninguém ganha consciência da sua cidadania, com tudo o que isso implica, se não conhecer e se interessar, ao menos pela rama, pelos grandes temas da vida política, que se reflectem, por natureza, na vida de todos. Mas Adriano Moreira também lembrou que não são só os atenienses que têm que merecer Atenas, é preciso que Atenas também mereça os atenienses, dando-lhes condições para viver e participar plenamente na sua “cidade”, em vez de os obrigar, pelo desprezo a que vota as suas capacidades, a procurar fazer a sua vida noutros territórios. A democracia, com toda a sua complexidade e amplitude, precisa de pequenos passos, esses mesmos que demonstram que é um caminho que se reafirma e se projecta sempre mais além, no horizonte do futuro. Como o passo da formação dos jovens, por exemplo, para criar o hábito de ouvir e discutir abertamente o que se diz, sem receio de errar, sem medo de ouvir, sem vergonha de ser contrariado, sem preguiça de estudar. Os jovens que pude conhecer ontem tinham preparado inúmeras perguntas todas muito interessantes, que mostravam pesquisa e reflexão, que mostraram honestidade e vontade de saber. Há certamente muitos outros, de todos os quadrantes políticos, a fazer o mesmo esforço e a preparar-se para a vida política activa. Excelente sinal.

Acho mal, acho muito mal...

... que a Dr.a Manuela Ferreira Leite não tenha tido uma palavrinha de agradecimento para o PS e para o Engº Sócrates pela publicidade que durante semanas fizeram ao programa eleitoral do PSD hoje apresentado, e pela expectativa, verdadeiramente invulgar em 34 anos de eleições gerais, que à volta dele se gerou.

Uma figura marcante da vida da democracia...

Não é fácil falar sobre o senador Edward Kennedy, ainda por cima depois do que os órgãos de comunicação, a começar pelos norte-americanos, já disseram. Foi, sem esquecer os factos da sua longevidade política e dos seus irmãos John e Robert, um senador incontornável.
E ganhou, como muitos parlamentares da terceira idade nos países desenvolvidos, grande respeitabilidade. Não sem muitas contradições, com certeza, e, até, factos que ensombraram a sua imagem.
Assistiu a numerosos acontecimentos, nos Estados Unidos e no mundo, tendo co-decidido incontáveis questões, certamente que umas vezes bem e outras não tão bem. Era do Partido Democrático, que obteve muitas maiorias no Senado, através dos anos, e era Católico, de ascendência irlandesa, confissão que sempre esteve em minoria no mesmo órgão parlamentar.
Penso que é preciso ser-se um americano bem informado para, nos meandros da política em Washington, poder-se dizer muito mais.
Ficamos com a ideia de ser o último de três irmãos que, independentemente dos seus costumes privados, se dedicaram afincadamente à política e ao serviço público.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A "excessiva prudência" dos bancos e o Mediador do Crédito...

1. Numa declaração algo heterodoxa para banqueiro central, o membro do Conselho Executivo do BCE, González-Paramo, dirigiu ontem um apelo aos bancos da zona Euro para que não sejam demasiadamente prudentes nos critérios que utilizam na concessão de crédito, destacando que eles também desempenham uma “função social”...
2. Segundo este responsável do BCE, “é muito importante que os bancos evitem cair num estado de excessiva prudência”, sustentando que “não é necessariamente melhor ser excessivamente conservador do que ser imprudente na concessão de crédito”...
3. Numa aparente tentativa de equilibrar a sua declaração – talvez para evitar que fosse interpretada como convite ao laxismo de crédito - González-Paramo acrescentou que “existe ainda muita incerteza em relação à solidez dos bancos e à sua capacidade de resistir a novas perturbações negativas na actividade económica” pelo que se tornam necessárias “medidas de reestruturação para reforçar a capacidade de resistência dos bancos...”.
4. Estas declarações, apesar da mistura de sinais algo contraditórios, mostram que o BCE tem uma percepção aguda de que em matéria de política de crédito os bancos passaram do 8 ao 80: até há 18 meses, mais ou menos, numa altura em que empresas e particulares viviam com razoável folga financeira, concediam crédito com toda facilidade, quase sem critério...agora que a crise veio impor grandes dificuldades aos agentes económicos, contribuindo para um rápido crescimento do crédito mal-parado, resolvem meter trancas à porta...
5. Este comportamento dos bancos evidencia clara natureza pró-cíclica: (i) em fases de expansão económica os bancos facilitam, facilitam, alimentando o “boom” até à “buble” e ajudando ao “buble-burst”; (ii) em fases de contracção da actividade económica apertam os critérios de análise do risco e de concessão de crédito, agravando as dificuldades da economia e levando muitas empresas ao colapso...
6. Onde está então a função social que Paramo menciona - a não ser em versão claramente invertida?
8. Um dos aspectos que mais impressionará neste comportamento cíclico dos bancos é o tratamento de autêntico “castigo” que alguns aplicam a clientes de crédito que são bom risco em tempos normais e que não deixam de o ser em tempos de crise...só que a sua actividade é também afectada durante a crise...os seus resultados líquidos e o seu “ebitda” sofrem naturalmente, mas sem que a qualidade da sua gestão tenha sido afectada...
9. Esse tipo de comportamento afigura-se mais problemático, até porque em tempos de crise a possibilidade de mudar de banco para qualquer empresa (que não seja muito grande) está seriamente diminuída...
10. Será que o recém-criado Mediador do Crédito terá condições para apreciar estes fenómenos e desempenhar uma função socialmente útil na correcção dos aspectos mais críticos do referido comportamento cíclico? Não parece muito provável...sem entrar agora na questão de saber se este novo cargo tem sólida justificação.

Novíssimas e estivais concepções universitárias sobre a Justiça


Políticos experimentados sabem bem quanto representa para o seu futuro o politicamente correcto.
Por estes dias descobriu-se, ao fim de mais de oito séculos e meio de História, que em Portugal existe uma justiça para os ricos e outra para os pobres. E que não pode ser. A tese foi discutida e a descoberta feita numa intermitente universidade reunida em férias.
Na minha universidade, que não funcionava no Verão por causa do efeito que o clima exerce sobre o intelecto, aprendi que a justiça, para ser justiça, tem de ser igual para os ricos e para os pobres. Tal como a lei, que na maioria das vezes constitui o padrão do que é justo, tem de ser igual para todos.
A ideia, adiantada pelo político feito professor por um dia, não sendo original - pois o mesmo dizem os trotskistas e os conservadores - tem o seu quê de subversivo. Todo o apelo à ruptura é subversivo. E o subversivo, quando não é fatal, pode demorar a render, mas a renda é quase sempre certa.
Como deve ser então? Uma justiça para os ricos e poderosos e outra, mais branda, para os que não foram bafejados pela fortuna (sabendo-se o pouco exigente que se é no conceito de fortuna), ainda que a gravidade das infracções seja a mesma? Deve haver uma pena para o homicida pobre e outra, mais severa, para o rico que cometeu o mesmo crime, agravada perante a prova do saldo bancário? Não foi seguramente isso que se quis ensinar nesta estival instituição. Até porque, a escorar a ideia da tal justiça desigual em razão do pecúlio, veio o argumento clássico: os ricos e poderosos podem contratar bons advogados e safam-se; já os pobres, coitados, não o podem fazer, e diga a lei o que disser, desamparados por não terem bons advogados, estão à partida desgraçados. Pouca importância tem a prudência e sabedoria do juiz, menos ainda a consciência do julgador ou a realidade patenteada pelas provas. O que importa mesmo é um bom advogado.
Se o problema da injustiça da nossa justiça é não existirem bons advogados capazes de safar os pobres, então a solução é simples. À semelhança do que acontece noutros domínios, alargue-se a assistência social a um apoio judiciário a quem não tem meios para custear bons advogados, pondo o Estado a contratá-los e a pagá-los como condição de equilíbrio do sistema.
Deixo a ideia. Não lhe auguro bom destino, ante a demissão de todos os governos em encarar o problema da assistência judiciária como ela deve ser encarada, preferindo alimentar uma advocacia da indigência para os indigentes.
Mas quem sabe se não haverá algures, numa qualquer universidade de estação, alguém necessitado capaz de a comprar?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Um cargo da treta

Ontem foi divulgado em tom de polémica o montante do vencimento do denominado Mediador do Crédito. Uns 6 mil e tal euros por mês. Um bruá de escândalo perpassou pela comunicação social, motivando centenas de comentários inflamados quando se percebeu que quem exerce o cargo o faz recolhendo no fim do mês uma remuneração paga pelo povoléu. Porventura pensavam que a função era exercida pro bono, por alguém que precisava de se entreter depois de deixar um cansativo cargo público?
Pois a mim não me faz impressão alguma o dinheiro que o Mediador ganhará. E já agora, nem o dinheiro que ganharão os membros do Conselho que, como é próprio e comum, foi criado para acompanhar a actividade do Mediador, pois então, que não é crível que possa mediar tudo sozinho. Já me faz impressão, e muita, que se tenha criado mais um cargo da treta, cuja inutilidade pode ser avaliada, sem grande esforço, com a leitura, aqui, do diploma que o pariu.
Corrijo. Vislumbro não uma utilidade mas uma provável justificação. A de desresponsabilizar as instituições, em particular o Banco de Portugal, do cumprimento desse dever incómodo e trabalhoso de zelar pela regularidade do funcionamento do mercado de crédito, controlando e agindo sobre os abusos.

De facto...

Foram muitas as reacções ao veto do Presidente da República às alterações à lei sobre as uniões de facto. As razões apresentadas que justificam o veto são, a meu ver, muitíssimo pertinentes.
Uma questão essencial a responder é a de saber o que pretende a sociedade portuguesa com o regime da união de facto que até agora se apresenta como a alternativa ao casamento. Uma equiparação, uma aproximação e em que medida ou a manutenção da distinção de regimes?
A opção pela união de facto é um fenómeno que tem vindo a ganhar peso na sociedade portuguesa em detrimento da realidade do casamento, presumindo-se que muitos portugueses preferem um regime mais flexível e agilizado que lhes assegure um maior grau de liberdade que perderiam com a opção do casamento.
Tem havido, portanto, até agora, uma distância entre os dois regimes suficientemente ampla que tem permitido a existência de um espaço de liberdade de escolha que possibilita que as pessoas optem pelo regime que, do seu ponto de vista, mais se adequa aos compromissos que pretendem assumir.
É, portanto, questionável que os dois regimes se aproximem de tal forma que a união de facto se transforme numa espécie de “casamento”, reduzindo-se ou desaparecendo a distância de direitos e deveres de ambos os regimes e, consequentemente, o espaço de liberdade de escolha hoje existente. Uma tal aproximação, se for esse o caminho, não deveria salvaguardar a opção de escolha pela união de facto não equiparável (ou aproximada) ao casamento?
Sem esta salvaguarda, que liberdade de escolha seria então assegurada em alternativa ao casamento? As pessoas seriam obrigadas a viver sozinhas?
Concordo que esta matéria tão fundamental para a vida das pessoas e para a organização da sociedade seja objecto de uma discussão aprofundada. Não me lembro, realmente, que tenha sido feita…

domingo, 23 de agosto de 2009

“Por que ris, Demócrito?”

Os Abderitas, desesperados com o estranho comportamento de Demócrito, que começou a rir de forma permanente e sem motivos aparentes, apelaram aos bons ofícios de Hipócrates que se disponibilizou a tratar o mais ilustre de todos os sábios, tido como possesso da loucura.
Depois das trocas iniciais de cumprimentos e das preocupações do físico, Hipócrates fez-lhe a seguinte pergunta: “Por que ris, Demócrito? É das coisas boas e das coisas más que falei?” Foi então que ainda se riu mais. Preocupado, Hipócrates interpela-o de modo a poder ajudá-lo a entender que a razão não lhe assistia. Respondeu-lhe: “Se puderes convencer-me disso, ó Hipócrates, operarás uma cura como jamais se fez”. Com a sua imensa sabedoria, Demócrito explicou-lhe a causa do seu riso, ao perorar um dos mais facundos e interessantes ensaios sobre a natureza humana e a infinidade de comportamentos capaz de arvorar. Demócrito ria-se do homem insensato, do seu rancor, dos seus ardis, da sua inveja, das suas conspirações, da sua maldade, da sua avareza, da sua insaciabilidade, dos que rivalizam entre si a perfídia, dos que se alimentam das coisas mais perniciosas como se fossem virtudes.
Foi tão convincente a sua exposição que Hipócrates se rendeu à sua imensa sabedoria. Ao dirigir-se aos Abderitas disse-lhes: “Dou-vos graças por me terem convocado, pois vi Demócrito, o sábio dos sábios, o único capaz de tornar o homem sensato”.
Fui impelido a comentar este episódio da vida de Hipócrates, tão bem descrito no livro “Do Riso e da Loucura”.
Razões? Duas, entre milhares que traspassam os nossos corações ao longo da vida. Vi a figura de um doente, combalido, a sair de um avião e ser recebido como um herói por Kadhafi. Tratava-se de Megrahi, o bombista de Lockerbie. Condenado, acaba por ser libertado por razões de saúde. Tem um cancro em fase terminal. Invocaram razões humanitárias para que pudesse morrer na sua pátria. Estou a ver Demócrito, caso fosse vivo, a rir-se deste dúbio e estranho comportamento de todos os envolvidos, incluindo o criminoso que não teve qualquer pejo em liquidar centenas de inocentes. A outra notícia diz respeito ao massacre de My Lai. O oficial, que fez o que fez, obedecendo aos superiores hierárquicos, os quais por sua vez obedecem aos superiores políticos, pede perdão, quarenta anos depois. Afirma que não há um só dia em que não sinta remorsos. A carnificina não tem qualificação possível e diz muito sobre a natureza humana. O que diria Demócrito sobre este caso? Provavelmente uma gargalhada sonora.
My Lai, Lockerbie, a libertação do assassino e a receção com que foi mimoseado provocariam intensa hilaridade a Demócrito, não porque fosse louco, mas por que era sábio. O sábio que ri não é louco, louco é aquele que faz chorar, ontem, hoje e amanhã.
Já sei porque ris, Demócrito. E tu, por que choras? Não respondas, deixa-me imaginar...

Recordando a parábola do homem insensato que edifica sobre areia

Apesar da impressão que me causou o nefasto acontecimento, tinha prometido a mim mesmo não escrever sobre a tragédia da praia Maria Luísa em Albufeira, porque em casos destes tornou-se hábito nada salutar a condenação célere sem se saber tudo o que se passou. Mudei de ideias há pouco, ouvindo as declarações do senhor ministro do Ambiente, nas TV, em directo, logo que se iniciou a demolição de parte da falésia que colapsou. Não me contradigo, não venho pronunciar-me sobre culpas eventuais. Venho tão só lamentar que o senhor ministro se tenha afastado do recato que julgava que guardaria após as declarações que por estes dias foi fazendo sobre o assunto, comparecendo, com aviso prévio à comunicação social sobre a sua presença, a uma operação em que um ministro não faz qualquer falta. Para não correr o risco de ser excessivo, porque não quero sê-lo, direi apenas que fica a ideia de que o senhor Professor Nunes Correia aproveitou o pior dos momentos para se colocar, e ao governo, sob os holofotes e em frente às câmaras das televisões. As suas declarações não trouxeram a justificação minimamente plausível para aquela pré-anunciada aparição. Que seria, por exemplo, estar ali para avançar com um dado novo, por pequeno que fosse, para compreender o que se passou ou para dizer aos portugueses algo sobre o futuro da segurança na costa portuguesa. Assim, fica-nos a impressão de que se aproveitou o momento para a mediatização. Mas uma tragédia nunca é um bom pretexto para se fazer notado.
Mediatizar o quê? Nada de relevante, por sinal. Ou talvez deste aparecimento, num cenário de máquinas a desenvolverem trabalhos no cair da noite, espera-se o efeito de reconhecimento pela opinião pública da atenção, preocupação e proximidade destas matérias por parte do governo. Esperando também que ninguém se recordasse que 2006 foi declarado, pela boca do mesmo membro deste governo, o ano do litoral. Em 2 de Janeiro desse ano - 2006 - publicámos no 4R, esta nota sobre essa consagração, feita com grande pompa e circunstância e muitas promessas de novas actuações. Lamentámos então o que continuamos a lastimar hoje: que o governo não tivesse aproveitado para aperfeiçoar o programa Finisterra, um programa estruturado para intervir no litoral, sobretudo nas zonas críticas já perfeitamente identificadas, preferindo baralhar e dar de novo em matéria que reclamava atenção urgente do Estado e das mais de 60 entidades que superentendiam no litoral português. Um hábito antigo dos governos que não toleram o que os que os precederam fizeram ou procuraram fazer.
A maior parte das vezes nunca se fica a saber qual o preço a pagar pelo recorrente faz-e-desfaz...

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Um apontamento final. Quero acreditar que a escolha da inabitual hora para início dos trabalhos de demolição (20 horas) teve que ver com as condições das marés ou outros factores condicionantes da operação. E que a coincidência com o momento de abertura dos telejornais não passou disso mesmo, uma mera e irrelevante coincidência. Se o horário fosse ditado por outras razões, então seria absolutamente intolerável.

Sempre o tema da educação...

Na vizinha Espanha o tema da educação tem estado na ordem do dia, pelas boas e más razões.
Vários artigos de opinião têm sido publicados sobre o estado da educação em Espanha, os erros cometidos, as dificuldades políticas e a necessidade de investir na qualidade da educação.
Ao ler o artigo de opinião publicado no jornal ABC “UN PACTO DE ESTADO PARA CAMBIAR NUESTRO MODELO EDUCATIVO”, encontrei muitas analogias com o caso português e pensei que poderia igualmente aplicar-se, de um modo geral, a Portugal, com a grande diferença de que no nosso caso a situação de partida é bem mais grave. Mas os problemas são da mesma natureza e as preocupações não andam longe das nossas.
Em Espanha o tema da educação tem sido nos últimos anos objecto de confrontação política e tem estado no centro do debate ideológico, impedindo, como é referido no artigo, que se abordem os principais problemas, designadamente, o insucesso e o abandono escolar, os baixos resultados obtidos nos surveys internacionais, o desfasamento dos níveis educativos entre as várias comunidades autónomas, os conflitos de convivência nas escolas e a escassa consideração social do trabalho dos professores.
O anúncio pelo ministro da educação de um Pacto Nacional da Educación é uma iniciativa que parece ter acolhimento favorável nos meios do ensino e na sociedade civil em geral, na perspectiva de se constituir como um compromisso nacional que coloque a educação no centro das prioridades, conferindo-lhe estabilidade e sustentabilidade.
A Espanha sabe que precisa de trabalhar mais e melhor na educação para se poder equiparar aos países mais avançados e sabe, também, que só com uma escola de excelência, na qual se exiga e se obtenha o máximo de rendimento de cada aluno, é possível ultrapassar as desigualdades. Só com um ensino público de qualidade se pode garantir a igualdade de oportunidades para todos. A Espanha sabe que a educação é a chave do seu futuro social e económico.
Temas como a necessidade de as escolas competirem entre si para atraírem os melhores alunos, os melhores professores e as melhores metodologias deveriam ser, segundo alguns especialistas, princípios orientadores do Pacto. A ideia de competitividade surge como um incentivo à elevação da qualidade.
Por cá, não sei se estamos todos totalmente convencidos de que o capital humano surge à cabeça dos problemas do nosso atraso económico, e, simultaneamente, como a solução para os resolver.
O nível formativo irá continuar a ser o calcanhar de Aquiles do nosso progresso. Investir na educação, não apenas no acesso mas na qualidade da formação e do conhecimento é, como há décadas está dito e redito, a única saída. A questão está em saber como vamos ser capazes de discutir seriamente este assunto de modo a elevar a qualidade da educação e conferir-lhe estabilidade e sustentabilidade.
O Autor do artigo citado tem muita razão quando diz que “La education es un assunto de Estado y debe disenarse pensando siempre en las próximas generations y no en las próximas elecciones”.

sábado, 22 de agosto de 2009

Smile today & always

Imaginem abrir o computador e ler a seguinte mensagem: “Smile today & always”, numa rede social da internet. Quem o escreveu fê-lo com carinho. Não conheço a sua voz, mas sei que é uma mulher de armas que lutou e continua a lutar pelo direito à “fertilidade”, a suprema essência da existência que a Natureza, na sua soberana indiferença, acaba por negar a muitos casais. Não conheço a sua voz. A voz é algo ímpar que ninguém ignora, a qual está associada musicalidade. Há quem afirme que a capacidade de produzir e apreciar música precedeu, e em muito, o aparecimento da linguagem. Quem diria que esta análise foi atribuída a Darwin pelo mais célebre ser virtual que continua a viver no imaginário de muitos: Sherlock Holmes. No regresso de um concerto, o detetive tece considerações sobre a música e o facto de ela “exercer em nós uma influência tão subtil”. – “Deve haver nas nossas almas vagas memórias desses séculos nevoentos em que o mundo estava na sua infância. – É uma ideia um tanto vasta. Observou Watson. – As nossas ideias devem ser tão vastas quanto a Natureza, se quisermos interpretá-la. Setenciou Sherlock” (in Um Estudo em Vermelho – Sir Conan Doyle).
Eu quero interpretar a “ideia” do gentil voto.
Falei da voz, porque tenho o hábito de, ao ler o que quer que seja, atribuir “musicalidade” ao narrador ou ao protagonista. Se o conheço, se já o ouvi, então, é certo e sabido que “ouço” as suas palavras ao lê-las. Se não o conheço ou nunca o ouvi, sou obrigado a inventar uma voz, dura ou suave, aguda ou grave, timbrada ou não, rouca ou cristalina, alta ou baixa, enfim, “divirto-me” com estas construções. Quando acabo por conhecer a verdadeira voz, nem que seja uma única vez, trato logo de substituir a artificial. Às vezes são parecidas, outras não, umas vezes fico contente, outras um pouco dececionado, mas nunca ao ponto de deixar de ler. Não sei se este método é útil ou não, talvez até seja ao permitir fixar melhor alguns conceitos ou ideias. De facto, “ler” com a voz autêntica é delicioso. As ideias, as reflexões e os comentários percorrem o corpo como ondas sonoras refletindo a tal musicalidade, que não só enriquece como chega a revelar o verdadeiro sentido dos mesmos.
Smile today & always” revela uma atitude doce de alguém que, ao ler o que escrevo, ou o que faço, se identifica ou reconhece algum mérito no meu trabalho. Mas não deixo de antever algum estímulo contra quaisquer merencórios devaneios que vou largando por onde passo. É certo que todos nos influenciamos uns aos outros, usando para o efeito muitos meios que nos circundam, mas sabe bem um voto ao sorriso, já que somos a única espécie capaz de o fazer. Um bom indicador da alma, nem sempre sinónimo de alegria, muitas vezes traduzindo tristeza, mas lucilando esperança. Para avivar esse tremeluzir nada melhor do que ler através da musicalidade da voz de quem nos quer bem.
Como será a sua voz? Eu já inventei uma...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Extrema desumanidade

Acordei com o horror de uma breve notícia, passada por uns segundos na rádio antes de um minucioso e longo comentário sobre a épica jornada de futebol ontem ocorrida. Anunciava que foram regastados com um fio de vida, num bote de borracha, oito pessoas oriundas da Eritreia - algumas adolescentes - de um grupo de trinta e muitas que tentaram a travessia da costa africana para a ilha italiana de Lampedusa.
Os restantes foram morrendo de fome e de desidratação e, um a um, sepultados no mar.
Mas o cúmulo do horror é revelado no relato dos sobreviventes. Nos longos dias em que derivavam no mar, terão passado por eles dezenas de navios a quem pediram ajuda mas que os deixaram abandonados à sua sorte, no alto mar, sem socorro. Ao que parece, só um pescador lhes terá oferecido água e comida, não os tendo recolhido e, tanto quanto se percebe, não tendo sequer comunicado a quem poderia providenciar por socorro.
É crível que quem recusou ajuda tenha pensado na responsabilidade que assumiria se recolhesse aqueles seres humanos. Sujeito a ser considerado cúmplice da demanda clandestina da Europa, ou pelo menos incomodado pelas autoridades num processo policial ou judicial que, também noutros Estados que não só em Portugal, é demorado e seguramente muito perturbador. Por isso, que fossem outros, ou as autoridades que têm a obrigação de tratar destas ocorrências, a tratar delas. Apesar de, certamente, todos terem realizado o risco da perda de todas aquelas vidas!
Estes episódios de desumanidade extrema, põem a nú o quanto longínqua está a meta do nível aceitável de defesa dos direitos humanos. Aqui, no Velho Mundo onde os políticos obtêm os réditos do discurso político da protecção dos valores essenciais da existência humana. Mesmo quando se trata do mais precioso direito fundamental, a vida humana.
O horror deste episódio mostra também a facilidade com que, em pleno século XXI, o valor da vida cede perante preocupações securitárias ou mesmo perante meros cómodos pessoais dos civilizados europeus.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Até 30 Junho, défice dos Rendimentos tudo "devora"...

1. Recordo-me de Medina Carreira ter salientado numa das suas últimas intervenções em conhecido programa TV de economia que o nosso endividamento é tão grave que os juros que tínhamos de pagar ao exterior consumiam a totalidade das receitas (superavit, entenda-se) com o Turismo...
2. Foram hoje divulgados os dados das contas com o exterior para o corrente ano referentes a 30 de Junho último, por eles se verificando que a declaração de Medina Carreira é sem dúvida verdadeira – o défice dos Rendimentos soma já € 3.408 milhões...enquanto que o superavit do Turismo se queda por € 1.418 milhões.
3. Para quem gosta de percentagens, o défice dos rendimentos equivale a 240% do superavit do Turismo...
4. A situação é pois bem mais grave do que a declaração de M. Carreira deixava entender, verificando-se que o défice dos Rendimentos “devora” não apenas o superavit do Turismo mas também dos restantes Serviços, que é de € 838 milhões...e ainda o superavit das Transferências (a maior parte de Emigrantes), que é de € 859 milhões.
5. Comparando valores globais, temos até Junho para o défice dos Rendimentos € 3.408 milhões e € 3.115 milhões para a soma dos superavits (Serviços Turismo e Outros+Transferências)...o que quer dizer que o défice dos Rendimentos "devorou" esses dois superavits e ainda ficaram € 293 milhões para cobrir...
6. Em % o défice dos Rendimentos equivale a quase 110% daquela soma de superavits.
7. Esta situação não tem precedente...ainda no ano anterior em que o défice externo apresentou um valor muito elevado, 10,5% do PIB...à mesma data de 30 de Junho o défice dos Rendimentos ainda não atingia 100% daqueles dois saldos positivos (era 97,4%)...
8. Estamos pois a seguir, com toda a segurança e convicção, um percurso de veloz agravamento da dependência financeira, hipotecando todas as receitas de que dispomos só para o serviço dos juros ao exterior - e mesmo assim não chegam...
9. O que quer dizer que nos temos de endividar para pagar juros, uma vez que da outra componente da balança com o exterior, a Comercial, só podemos esperar défices muitíssimo elevados...no período em análise esse défice foi de € 7.511 milhões, que tem de ser financiado na totalidade por mais endividamento...
10. E não esquecer que o salvífico Programão ainda não arrancou em todo o seu esplendor... estamos a beneficiar apenas em parte do "sucesso" da política económica...
11. A esta luz, a querela sobre o vasculhamento pelo Governo ou seus agentes da vida privada de assessores da Presidência faz-me recordar a queda do Império Romano do Oriente...com a invasão dos ("credores") Otomanos à porta, os políticos de Constantinopla discutiam o sexo dos anjos...

A Justiça não deixa de nos surpreender...

Afinal foi crime! (merece ponto de exclamação).
Em Julho de 2007, uma sentença do Tribunal de S. João Novo, no Porto, absolveu um homem que encomendara a morte da sua mulher, mas que acabaria por ser denunciado à Polícia Judiciária pelos supostos executantes. O crime não foi consumado e a vítima não foi assassinada.
Este caso deixou-me arrepiada e perplexa porque foi, então, noticiado que o homem não foi condenado por não haver moldura penal para fazer face a encomendas de homicídios.
Agora, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que planear um homicídio que não se concretiza é crime. O homem foi, afinal, condenado a quatro anos e meio de cadeia.
Uma decisão que vem tarde, pois o homem saiu do País quando foi absolvido.
Valha-nos, enfim, o facto de um tribunal superior ter feito alguma justiça e produzido jurisprudência nesta matéria.
Ainda assim fica a sensação de que quatro anos e meio é pouco para tão grave comportamento, que não quis o “anjo da guarda” daquela mulher que acabasse com a sua vida.
A Justiça não deixa de nos surpreender....

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Não, não pode valer tudo - II

A nota anterior exige este complemento que não olha a conveniências (a que não me considero submetido), porque sinto que tenho o dever de aqui registar o que segue.
Vejo que o instrumento eleito para a manobra do PS de descredibilização do PR, é a Dr.a Suzana Toscano, nossa companheira neste espaço. Não tenho qualquer mandato para a defender, nem pretendo sequer que o que escrevo seja havido como defesa. Mas não posso calar que o ataque que lhe fazem é indigno, tanto mais que se trata de alguém que sei, e sabem todos quantos a conhecem, incapaz de violar os deveres de isenção e de neutralidade em qualquer circunstância, muito mais na actual.
Quem a ataca sabe que, pelas mesmas razões que inibem a participação na vida partidária que lhe é atribuída (e isto apesar de não ser legítimo esperar que alienou ou suspendeu as suas ideias e convicções no dia em que aceitou assessorar o PR), Suzana Toscano não pode sequer defender-se do que lhe imputam.
Estas circunstâncias rebaixam ainda mais o nível da manobra.
Aqui o tinha de dizer.

Não, não pode valer tudo - I

Para não dar lastro a mal entendidos, afirmo desde já que sempre reprovei e reprovarei quaisquer interferências do Presidente da República, claras ou sibilinas, directamente ou por interpostas pessoas, nas disputas eleitorais. O papel do PR como garante da regularidade democrática só será efectivo quando aos olhos dos portugueses estiver acima das barganhas partidárias, sobretudo em períodos eleitorais. E é importante, numa democracia com tantas debilidades como a nossa, que exista uma instituição que desempenhe esse essencial papel.
Isto dito, o que leio hoje nos jornais confirma o que ao longo dos dias se ia tornando claro: está montada uma campanha para por em causa a neutralidade do Presidente da República. Para denegrir o PR? Não. Para beneficiar quem, habilidosamente, se apresenta como vítima, o PS.
Pelo que se passou no período de preparação para as europeias, confesso que não tinha, nem tenho, grandes expectativas quanto ao nível da campanha para as legislativas e, por contágio, para as autárquicas. Mas se a expectativa era baixa e essa impressão se acentuou com o inconformismo de alguns perante a eventualidade de uma derrota, entendo, porém, que não é lícito admitir que vale tudo. Não vale – pelo menos sem um desabafo de indignação – o golpe baixo do condicionamento da actuação legítima, ou a utilização de pessoas que conheço e que prezo, deliberadamente envolvidas, sem condições para se defenderem, neste jogo político pouco limpo.
Já em comentário a post anterior do Dr. Tavares Moreira exprimi a minha opinião sobre o significado que a meus olhos tinha a pretensa desvalorização pelo PM da patética “notícia” sobre a vigilância de assessores presidenciais, considerando mais grave, bem mais grave, que o secretário-geral do PS não desautorizasse as afirmações de Vitalino Canas e José Junqueiro sobre a participação de assessores presidenciais na elaboração do programa eleitoral do PSD, eivadas da nítida intenção de envolver o Presidente da República.
Acabo de ler uma declaração de Vitalino Canas ao Expresso on line, tida como tentativa de “deitar água na fervura”. Diz o próprio: “não vejo nenhum problema em que pessoas que trabalham na Presidência da República tenham um nível de participação partidária razoável, como é o caso da elaboração de um programa eleitoral”.
Ora, esta declaração é um golpe ainda mais baixo, e como tal deveria ser denunciado. O que Vitalino quis significar, depois da expressa acusação de envolvimento por parte de Suzana Toscano, é que se confirma essa participação. Obtido o impacto púbico da “denúncia” sobre a interferência do PR, o aparecimento das vestais do PS a degradarem em venial o mortal pecado, só tem como propósito ampliar esse efeito.
Se não é aceitável este manobrismo, também não o é a falta de jeito com o que o PSD está a lidar com este assunto. Extenso na negação da participação de assessores do PR na elaboração do programa eleitoral, ignora o objectivo da atoarda. Incompreensível.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O cúmulo da distracção

O Banco de Portugal entendeu dever tornar público o seu entendimento sobre a falta de independência dos assim chamados "provedores do cliente" da banca. Descobriu agora que os senhores que desempenham essas funções não têm autonomia e, não tendo autonomia funcional, falta-lhes a independência necessária para analisar queixas e reclamações dos clientes.
Mais uma atempada actuação do regulador.
Tamanha destreza e sentido de oportunidade vai levar o BdP um dia destes a descobrir as práticas abusivas de algumas instituições financeiras, sistematica e publicamente denunciadas, algumas de resto já apreciadas nos tribunais.

Disparates de Verão...

1. Foi hoje amplamente divulgada uma notícia, que me pareceu algo estranha confesso, segundo a qual fonte da Presidência da República teria manifestado preocupação pelo facto da vida privada dos assessores do Presidente poder estar em processo de “vasculhamento” pelo Governo ou agentes deste dependentes.
2. Como digo acima esta notícia pareceu-me algo estranha pois não percebo muito bem como é que um assunto desta natureza e gravidade, a ter algum sopro de fundamento, possa ser tratado em esquema de praça pública...
3. Não sei quem deu a notícia, como é que foi obtida, se tem fundamento ou não, pouco me interessa neste momento – não me pareceu uma ideia brilhante, independentemente de quem tenha partido, mesmo que tenha sido de produção maquiavélica como com não rara frequência sucede...
4. Mas mais curiosa e bizarra, na minha análise pelo menos, foi a reacção de S. Exa. o PM ao dizer que “não comentava disparates de Verão”...
5. É claro que ao dizer o que disse o PM não apenas se contradiz, comentando o que diz não comentar, como comenta de uma forma que se afigura particularmente agressiva para a Presidência...
6. Estamos em presença do que se poderá apelidar de “falsa habilidade” de linguagem: não resistindo a um comentário e comentário particularmente ácido, o PM começa por dizer que não comenta...
7. Faço votos para que este episódio não vá mais longe, pois os portugueses já têm a sua conta de sacrifícios devidos a erros graves na condução das políticas, deviam ser poupados a estes espectáculos quase deprimentes...
8. Poupem-nos por favor...

Não é a "silly season"...

Já são cultivados no Equador. São os cravos azuis. A Holanda, grande produtor e exportador mundial de flores, quer plantar cravos azuis.
A natureza é abundantemente generosa, mas cravos azuis é coisa que não tem para nos oferecer. Nunca estamos satisfeitos. A natureza humana, esta sim, é realmente insaciável!
O homem insatisfeito com esta aparente “falha” da natureza, descobriu que poderia "construir" um cravo azul. Investiu e trabalhou, esforçou-se para resolver a falha. Uma falha sem qualquer importância, mas que o homem superou. A tecnologia faz maravilhas!
Trata-se de um produto geneticamente modificado, que poderá vir a ser o primeiro produto não alimentar transgénico a ser produzido na Europa.
Será que o capricho humano deve ir tão longe? Será que têm razão aqueles que criticam o lucro comercial como motor de transformação transgénica de flores? Será que a satisfação do puro e simples prazer de receber ou oferecer cravos azuis justifica a sua preferência?
À partida não encontro no cultivo do cravo azul qualquer justificação de índole humanitária, como por vezes acontece com o cultivo de produtos agrícolas geneticamente modificados.
O cravo azul é capaz de ser muito vistoso, mas prefiro uma hortense naturalmente azul!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

“Ponto de exclamação”

Estou um pouco surpreendido com o movimento contra o “ponto de exclamação”(!). Enfim, lá têm as suas razões. Há blogues que já afirmam o seguinte: “Este é um Blog livre de pontos de exclamação”. Afirmam que o seu uso traduz uma qualquer forma de histeria ou de gritaria. Também afirmam que o uso de reticências é uma forma de preguiça.
Será que um dia destes terei de abandonar os meus pontos de exclamação e as minhas reticências?
Já li livros quase sem vírgulas. Já li livros com centenas de páginas, um deles apenas com dois pontos finais. Fiquei na dúvida se eram apenas dois, pois que, um dia, tendo deixado aberto numa página, acabei por verificar dois pontitos negros. Passei com a unha e verifiquei que era merda de mosca. Curiosamente as frases ficaram com outro sentido (muito melhor), mas foi por mero acaso. Já consegui chegar aqui sem colocar um único ponto de exclamação, tirando o que está entre parêntesis, mas parece que em condições especiais pode ser utilizado. Não sei se cumpro as condições. Confesso que é um enorme sacrifício. Ai se é. E ele que está mesmo ao alcance do meu dedo médio da mão esquerda. Às tantas já me chamou nomes, e que nomes, por não o ter utilizado. Eu bem tento dizer-lhe que me incomoda muito ser conotado com a histeria ou com a preguiça. Mas parece que não me ouve. Caramba (estão a ver?, não coloquei um ponto de exclamação), eu sei que sou um pouco temperamental e faço uso do ponto de exclamação com alguma parcimónia. Penso eu. Às tantas não. Mas estou a ficar chateado. Como é que vou ler Céline? Tenho à minha frente “Castelos Perigosos”. Meu Deus, se soubessem quantos pontos de exclamação e quantos três pontinhos contém esta obra. Ponho-me a imaginar lê-lo sem pontos de exclamação e sem reticências. Não tinha graça nenhuma. Será que Céline é um histérico e um preguiçoso?
Já agora, veio-me à ideia os pobres dos espanhóis, que têm a “mania” de usar os pontos de exclamação e de interrogação ao contrário no início das frases em que terminam com os mesmos. Coitados estão mesmo tramados. No fundo são muito mais histéricos do que nós. Pelo menos são mais temperamentais. Será que isso tem a ver com o seu curioso uso? Esta onda também anda por aquelas bandas? E pelo resto da Europa? Ou será uma originalidade portuguesa? Desculpem os inúmeros pontos de interrogação, mas pelo menos ainda não estão a ser contestados.
Para terminar quero fazer uma declaração de interesses. Não tenho qualquer autoridade nestas áreas linguísticas. Sou um simples cidadão que aprendeu a escrever, que gosta de ler e adora escrevinhar. Se cometi alguma heresia desde já peço as minhas mais sinceras desculpas. Além do mais, prezo em ser um bom aluno e estou sempre recetivo a que me ensinem e esclareçam do mesmo modo que faço, com muito prazer, aos meus alunos no que respeita à minha atividade profissional e académica.
Falei “baixinho”.

“Deem-lhe café, deem-lhe muito café”!

Um aparatoso grupo militar de falangistas invadiu uma quinta onde se encontrava Lorca a convite de um amigo seu. Foi detido na tarde de 16 de agosto de 1936. Os amigos fizeram tudo para o libertar. Comunicaram que o poeta já não se encontrava na cidade. Mentira. Anos mais tarde chegaram à conclusão de que o general Queipo de Llano tinha proferido uma sentença nos seguintes termos: “Deem-lhe café, deem-lhe muito café”, palavras que no seu código significava ordem para o fuzilar. E assim foi. Ofereceram-lhe gratuitamente a morte do dia 19. Sei que tentou rezar mas não conseguiu recordar-se da oração. Não sei se lhe deram a beber café no seu último dia de vida, e desconheço, também, as razões que levaram o seu executor a pronunciar “deem-lhe café”, em vez de proferir “fuzilem-no”!
Não sei se Queipo gostava de café, mas para fazer o que fez e dizer o que disse, só posso apreender que nunca chegou a aprender a saborear tão agradável bebida que começou a impor-se no decurso do século XVII. Viena foi o palco principal, quando o grão-vizir, Kara Mustapha, ao levantar o cerco, abandonou quinhentos sacos daqueles preciosos grãos que ninguém sabia o que era. Ninguém, é como quem diz! Um espião polaco, nada parvo, conseguiu que lhe fosse cedido parte daquele espólio e logo abriu uma pousada, “A Garrafa Azul”. Mas a bebida negra era amarga e para a adoçar juntou-lhe creme de leite. Et voilá! Nasceu o café vianense. Entretanto os italianos aproveitaram a moda de Viana e o café que vinha por mar. Foram os venezianos que ensinaram os europeus a tomar café.
De acordo com Álvaro Cunqueiro, “A Cozinha Cristã do Ocidente”, são quatro as condições estabelecidas pelos “venetos” para o café: “Doce como o amor, puro como um anjo, negro como o Demónio e quente como o Inferno”.
Deem-lhe café, deem-lhe muito café”, mas não lhe deram amor, amor que ele deu e continua a dar. A sua poesia é pura, demasiado pura, mesmo para os anjos, sobretudo os da morte, os que pactuavam com o Demónio naquele dia a lembrar o Inferno.
Não conseguiu rezar no momento do fuzilamento. Esqueceu-se da oração. Não importa. Talvez tenha recordado o seu “Memento”, em que canta:

Quando eu morrer
enterrai-me com a guitarra
debaixo da areia.

Quando eu morrer
entre as laranjeiras
e a hortelã.

Quando eu morrer
enterrai-me, se quereis,
num cata-vento.

Quando eu morrer!

E morreu.
No dia do aniversário da sua morte, ao olhar para o cata-vento da torre da igreja, vou beber um café negro e quente a lembrar os demónios e o Inferno dos seus últimos dias, e, ao mesmo tempo, irei saborear a doçura do seu amor e a pureza da sua alma.
Eu quero que ele esteja enterrado num cata-vento.
Bebam um café e que cada golo simbolize uma bala.
“Deem-lhe café”, café da memória. Um simples memento.

"Se o medo pode dar votos, tenham medo"

A ler, de Francisco José Viegas, no seu A Origem das Espécies.

A inutilidade dos programas eleitorais de governo...

1. Andou por aí algum alarido, agora mais calmo ao que parece, alimentado por prestimosos, acerca da necessidade de os partidos candidatos às próximas eleições legislativas avançarem sem demora os seus programas de governo, pois isso seria essencial para que os eleitores pudessem votar em consciência - o conhecimento de tais programas seria vital para o esclarecimento das suas opções de voto...
2. Essa teoria, apoiada por alguns “opinion-makers” habitualmente de serviço, não era nada inocente...pois foi divulgada praticamente em paralelo com a divulgação das “grandes linhas” do brilhantíssimo programa eleitoral do incumbente – que bem poderia merecer o título “Auto-Estrada para a Felicidade” - e com o anuncio de outros partidos de que só bastante mais tarde divulgariam seus programas...
3. Esta ideia de só mais tarde divulgar os programas foi zurzida por esse pessoal de serviço, acusando os retardatários de não contribuírem para o esclarecimento do eleitorado...não seguiram o exemplo do incumbente que tudo preparou a tempo e horas...
4. A suposta crença na utilidade dos programas de governo – e digo suposta porque não creio, sinceramente que nem os seus autores (ou sobretudo os seus autores...) neles acreditem – radica numa hipotética capacidade dos governos para influenciar as condições de bem-estar dos cidadãos de forma decisiva, com medidas muito bem pensadas, melhor apresentadas e depois...nunca ou mal executadas como todos sabemos...
6. A capacidade dos governos nacionais para influenciar decisivamente as condições de bem-estar dos cidadãos, sobretudo nos pequenos países como o nosso, é menos do que limitadíssima nas condições actuais...
7. Veja-se o que se está a passar entre nós e compare-se, por exemplo, com as miríficas propostas do último programa eleitoral de governo do incumbente...alguém se recorda das fantásticas promessas de criação de emprego – 150.000 novos empregos líquidos?
8. Tenho a percepção de que essa incapacidade se vai acentuar ainda mais à medida que o aperto financeiro se agravar – o imparável processo de endividamento ao exterior torna essa consequência uma necessidade lógica.
9. Serão cada vez menos os recursos disponíveis para tentar fazer frente a dificuldades conjunturais...atente-se no crescimento exponencial dos desempregados que já não têm direito ao subsídio de desemprego ou ao subsídio social respectivo...em Espanha o Estado ainda foi descobrir nos seus cofres € 420 para cada um daqueles que perderam o direito, cá nem € 4,2...
9. Nesta perspectiva, os programas eleitorais de governo constituem actualmente um instrumento para criar ilusões, quase só ilusões, nos cidadãos...se é que estes ainda dão algum crédito a esses programas, também tenho as minhas dúvidas.
10. Assim sendo, esses programas eleitorais de governo são hoje fundamentalmente inúteis - podendo até ser prejudiciais, pois alguma influência que produzam será em princípio no sentido de enganar o cidadão nas suas escolhas...criando-lhes expectativas com todas as condições para saírem frustradas...

domingo, 16 de agosto de 2009

São uns desmancha-prazeres, estes alemães!

Coesão social: o que fazer?

A boa notícia de que a economia portuguesa registou um crescimento no segundo trimestre – 0,3% - foi acompanhada da péssima notícia do aumento da taxa de desemprego, situando-se no final do segundo trimestre num nível historicamente elevado – 9,1%.
Relativamente ao crescimento do PIB há que aguardar pelos próximos trimestres para se poder concluir se há ou não retoma económica. O agravamento da taxa de desemprego é demonstrativa da debilidade da economia e da sua incapacidade para gerar emprego e absorver o desemprego.
As reacções políticas não tardaram em chegar e as entrevistas e mesas redondas encheram as televisões na busca de encontrar a “verdade” dos números.
No meio de tanta azáfama política e mediática, a dureza dos números do desemprego foi mais uma vez tratada como uma realidade estatística com a discussão centrada em décimas de hipotéticas subidas ou descidas, mais depressa ou mais devagar.
Desta vez não ouvi responsáveis políticos e analistas económicos apresentarem medidas e alertarem para a gravíssima situação económica e social em que se encontram 131 mil desempregados que não têm direito a subsídio de desemprego – cerca de 25% do total de 507 mil desempregados. Segundo o INE, o número de pessoas que não recebem qualquer subsídio de desemprego está a crescer mais depressa que a taxa de desemprego.
O aumento deste grupo de desempregados tem duas explicações, seja porque esgotaram o prazo de concessão do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego, seja porque não completaram o período mínimo de contribuições para a segurança social que confere o direito à prestação. A primeira aponta para um aumento do desemprego de longa duração e a segunda para a precariedade do emprego.
O ponto é que temos 131 mil pessoas que estão em situação de grande vulnerabilidade económica, não tendo muitas delas qualquer outro rendimento substitutivo do rendimento do trabalho, não tendo como fazer face às despesas necessárias à sua subsistência e das suas famílias.
A juntar a esta preocupante realidade, há que ter presente a existência de cerca de 30 mil recém-licenciados à procura do primeiro emprego, que não se encontram registados nos centros de emprego.
Não é uma questão estatística, que se compadeça, como ouvi, com a justificação de que a lei não permite a atribuição do subsídio de desemprego fora das situações previstas. É verdade que a lei limita, e bem, a concessão do subsídio de desemprego à verificação de um conjunto de requisitos. Esta é a explicação, mas nunca poderá servir para justificar a decisão de não auxiliar aqueles que por razões alheias à sua vontade perderam o emprego, não encontram trabalho e não têm como obter um rendimento substitutivo.
Admito que muitas dessas pessoas recorram ao rendimento social de inserção, prestação que visa essencialmente o combate à pobreza, não estando, por isso, vocacionada para cobrir as situações em apreço. O número de beneficiários desta prestação social também tem vindo a crescer de forma preocupante.
Numa conjuntura económica como a que estamos a atravessar, com consequências graves ainda não totalmente previstas, a coesão social é um valor fundamental.
O governo não pode nem deve ficar alheio à situação difícil em que se encontram as pessoas desempregadas sem direito a subsídio de desemprego. Justifica-se que sejam aprovadas medidas excepcionais e transitórias que apoiem os desempregados que esgotaram o subsídio de desemprego, ficando a sua manutenção dependente da evolução do desemprego e das condições da economia. Estas medidas devem contemplar uma contrapartida pelo recebimento do apoio, como por exemplo, a participação obrigatória em formação ou trabalho para a comunidade. Não fazer nada é uma decisão política incompreensível porque não se vislumbra qual a razão para ficar tudo como está.
Lembrarão alguns que mais apoios sociais representa mais despesa pública. É verdade, o que impõe, naturalmente, uma reordenação de prioridades e que dela se dê conta ao País.

Governo de Ferro


Primeiro-Ministro e os dois vices do governo pretendido por Ferro Rodrigues.
Com elevada probabilidade, atenta a situação de emergência nacional:
Ministro da Defesa - Bernardino Soares
Ministra dos Negócios Estrangeiros - Ana Gomes
Ministra da Juventude e do Combate à Toxicodependência - Joana Amaral Dias
Ministro das Obras Públicas - Mário Lino
Ministro da Educação - Manuel Pinho

sábado, 15 de agosto de 2009

Os cinco sentidos num dia de verão


Um dia de calor intenso é sempre uma descoberta, deixa-nos os sentidos à flor da pele e obriga-nos a sentir sem movimento, a captar em vez de correr à procura.
No Verão desvenda-se sem pudor o espectáculo de cor e luz, longamente preparado nas metamorfoses da natureza, surpreendendo sempre pela sua intensidade, pela harmonia e pelo contraste, que os olhos percorrem, preguiçosos, protegidos do excesso pelas lentes escuras, como se já não estivessem preparados para admirar tanto esplendor.
Os mínimos sons ecoam na quietude das tardes sufocantes, o zumbido monótono das abelhas, o voo rápido e breve dos pássaros, os gritos das gaivotas e, nas noites estreladas e mornas, nasce devagarinho e afirma-se o concerto afinado dos insectos que abandonam as covas húmidas.
As pétalas das flores oferecem-se, macias, ao tacto suave do simples roçar, a relva áspera risca os pés descalços, a areia morna afaga-os, a areia quente escalda-os, enquanto as ondas frias e salgadas atingem os corpos sôfregos e soltam a energia contida, numa volúpia súbita que só os raios do sol apaziguam depois, num bálsamo dormente.
O verão conhece-se logo pelo cheiro, ora uma amálgama que sobe da terra seca, poeirenta, já esquecida do suor que a abriu e fecundou, ora o grato aroma do vapor da rega, uma nostalgia da chuva que se adivinha nas primeiras folhas secas e nas nuvens que surpreendem a carregar o horizonte, para logo desaparecer empurradas pela brisa marítima, que os pulmões inspiram como quem sorve uma prova de vida.
E os sabores estivais, o reavivar dos paladares múltiplos que enchem a boca devagar, deliciosamente, sem pressa, ao ritmo da conversa que celebra as horas de descanso, o peixe fresco, os mariscos, as frutas maduras e intensas, ora verdes e logo maduras, tudo parece fugaz na sua vida breve, como as borboletas, os sorvetes, os refrescos, os legumes, os vinhos gelados.
Os dias de muito calor tiram a energia dos movimentos para que cheguem até nós, um a um, os estímulos de cada sentido e nos apanhem assim, indefesos, sem pretexto para adiar e sem forças para fugir do seu intenso e irrecusável convite para apreciar as coisas boas que a vida nos oferece.

Grandes lemas, grandes vidas

Há muitas maneiras de dizer a mesma coisa. Contaram-me que Eunice Shriver, essa extraordinária mulher do clã Kennedy que morreu há poucos dias, defensora dos direitos e da dignidade dos deficientes e fundadora dos Jogos Paralímpicos, tinha adoptado o lema dos gladiadores romanos "Que eu possa ganhar. Mas se não o conseguir, que eu possa ser corajoso na tentativa".
A coragem é um dos traços de carácter que mais afecta os outros, sobretudo os que nunca se atrevem e preferem contar com a condescedência perante a sua fraqueza. Os corajosos são os que têm medo mas tentam e se dispõem a viver as consequências, mantendo a sua coerência, aceitando que a sua escolha implica renúncia e risco, mas que tudo vale a pena em troca do prazer da concretização. Os fracos são os que querem estar em todo o lado, aproveitar das circunstâncias que outros criaram e tirar delas o proveito sem pagar o tributo do que se perdeu pelo caminho. Os corajosos são quem abre caminho, conseguem superar-se e surpreender, mesmo com os seus erros, os outros só fazem parte da mole que sempre engrossa a fileira dos vitoriosos depois de passado o perigo da derrota ou dos que choram o que podiam ter sido, culpando as circunstâncias.
Outra maneira de dizer a mesma coisa é o que Leonor Xavier (na revista Visão desta semana) conta do modo como Raul Solnado se lhe apresentou: “Sou um homem de palavra”.
São valores que têm a força do que persiste ao longo dos tempos, resistem ás falsas modas que parecem dispensá-los porque são apreendidos pelo sentimento e não pela dialéctica, por muito elaborada que seja. Deve ser por isso que, tão orgulhosamente, são invocados como traço distintivo de quem morreu e faz falta, deixou saudades, como se diz em português e em mais nenhuma língua. Ser um homem de palavra merece o respeito que se deve aos corajosos, aqueles em quem podemos e devemos confiar, que não precisam de papel passado, contrato ou prova que os prenda ao momento, que cumprem porque isso lhes é ditado pelo seu juízo pessoal e não pela ameaça de retaliação prevista na lei ou no julgamento dos outros. Um homem de palavra assume a coragem de tentar, compromete-se na acção e define o seu critério quando se atravessa no compromisso, dispondo-se a perder ou a ganhar, sem repudiar o lugar que lhe couber no resultado. O valor destes princípios, a imensa importância que eles têm na relação com os outros, é patente no facto de ninguém querer ser visto como uma pessoa que não honra a sua palavra, seja na sua vida pessoal seja na sua vida em sociedade, e a coragem manifesta-se de novo no modo como se escolhe os argumentos que hão-de ou não preservar a honradez, caso não tenha sido possível cumprir.
A coragem na tentativa, que norteou a vida de Eunice Shriver, é igual à afirmação de Solnado “sou um homem de palavra” porque ambos permitem que se confie na limpidez dos seus propósitos e na honestidade dos argumentos que lhes determinou a vida e as atitudes. E que isso mesmo se confirme na sua acção. Assim se explica que, num caso e noutro, sejam lembrados e respeitados pelo muito que fizeram, que suscitem gratidão e sejam símbolos de vida para quem os conheceu ou apenas soube da sua existência, apagando-se o registo das vezes que fracassaram ou do tempo em que se deixaram ignorar quando a luz dos holofotes vangloriou outros valores que não os seus. Aos corajosos, aos homens de palavra, venera-se os actos e a sua coerência, não as derrotas ou as vitórias, porque isso é apenas o episódio.
Que honra, que grande honra, poder viver uma vida longa e célebre, preservando na sua lápide o brilho dos lemas que os guiaram em vida!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um passo em frente nas boas políticas de urbanismo e ordenamento

Já no fim da legislatura o Parlamento aprovou uma proposta de lei de autorização para que o Governo possa legislar em matéria de reabilitação urbana. O decreto, que causou alguma polémica mas pouca ou nenhuma discussão pública como vai sendo regra, levantou ao Senhor Presidente da República algumas dúvidas de constitucionalidade. Uma, tinha que ver com a protecção devida à propriedade privada posta alegadamente em causa pelo novo instrumento da venda forçada que o Governo ficou habilitado a instituir; outra, pela desprotecção – também ela alegadamente inconstitucional - do direito ao arrendamento em situações em que o locado venha a ter de ser demolido como condição para se prosseguirem os objectivos de reabilitação urbana.
Estas dúvidas fundamentaram o pedido de fiscalização preventiva da inconstitucionalidade do decreto da Assembleia da República ao Tribunal Constitucional, sendo conhecido agora o acórdão que negou provimento à pretensão presidencial de ver declaradas inconstitucionais as normas sobre os mecanismos acima sinteticamente referidos.
Independentemente da utilidade imediata quer do acto parlamentar quer da decisão do Tribunal Constitucional (pois esta autorização legislativa caduca com o fim da legislatura, pelo que só uma rápida promulgação e sucessiva aprovação pelo Governo do diploma autorizado, permitiria o aproveitamento da habilitação parlamentar), a verdade é que quer um quer outra são clarificadores quanto aos limites dos instrumentos de política urbanística e de ordenamento do território das cidades.
Com efeito, urge por termo a uma situação em que a degradação das nossas cidades deriva da ruína de edifícios muitas vezes desejada e até provocada, porquanto, por força de vários e complexos factores (entre os quais, as disfunções induzidas pelos sucessivos regimes do arrendamento urbano), é mais valioso o prédio sem salvação possível, do que o prédio reabilitado. Quando não acontece ter mais valor o terreno livre no centro da cidade, do que o edifício nele implantado!
Esta situação explica o estado ruinoso dos nossos centros históricos, em parte resultante da inexistência de instrumentos eficazes de apoio financeiro à reabilitação, mas também de instrumentos jurídicos que permitam a actuação em razão do interesse público da reabilitação urbana, que não encontrem na propriedade privada um obstáculo intransponível.
Já em 2002, no XV Governo, se ensaiou uma tentativa de actuação a este nível, traduzida na criação de um regime especial de expropriações de prédios urbanos degradados, que salvo erro constava do programa de governo de então, infelizmente votado ao esquecimento como muitas outras iniciativas neste domínio. Tratava-se de fazer repercutir no valor da indemnização devida pela expropriação de prédios que os proprietários não quisessem ou não pudessem reabilitar, por dedução do montante (ponderado) das despesas que, nos termos da lei, deveriam ter realizado para conservação corrente dos seus imóveis. Entendendo-se que só assim se cumpriam quer as directivas constitucionais no domínio do urbanismo e ordenamento territorial, quer as da indemnização justa como sucedâneo da desapropriação por razões de interesse geral. Afinal, creio, os mesmos fundamentos essenciais desta habilitação parlamentar solicitada por este governo que o Tribunal Constitucional considerou legítima face à Lei Fundamental.
Continuo a entender preferível ao modelo que este Governo propôs - por explicações que aqui não cabem -, aquela proposta que se reconduzia aos princípios e regras gerais das expropriações por utilidade pública.
Mas, independentemente desta preferência, há que salientar que é muito positiva esta luz agora lançada sobre a ideia de uma utilidade pública urbanística que permite olhar para a dimensão social da propriedade urbana e para o urbanismo, com outros olhos e com campo de manobra seguramente mais vasto para os decisores públicos.