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terça-feira, 28 de dezembro de 2004

Guizot e Sir Robert Peel



Não é muito comum um grande historiador francês escrever sobre um grande político inglês. A obra, assumida como um estudo de história contemporânea, foi escrita após a morte de Sir Robert Peel e publicada em 1856. Descreve a carreira de um dos mais destacados governantes ingleses, referência obrigatória da história do liberalismo e do espírito reformador que marcou o segundo quartel do século XIX. Aí se poderá compreender como se fazem e desfazem governos e como sobre o tumulto da mudança se adoptam medidas que ficam para a história: o primeiro reconhecimento da "emancipação" da maioria católica na Irlanda, a reforma do parlamento inglês de 1832, a reforma fiscal de 1842 e a abolição do proteccionismo cerealífero de 1846.
O estudo de Guizot é um testemunho eloquente da arte de governar a merecer uma leitura atenta e uma reflexão sempre actual sobre os desafios da política.
O exemplar de que reproduzo o frontispício tem uma particularidade a assinalar: deixa revelar o selo de Rodrigo da Fonseca Magalhães, um governante esquecido e denegrido por Herculano e Oliveira Martins, mas que a história, mais tarde ou mais cedo, reconhecerá como uma das mais destacadas figuras do liberalismo português.

domingo, 26 de dezembro de 2004

Exames e eleições

Não se conhecem ainda os programas eleitorais dos principais partidos, mas o tema dos exames parece animar o discurso político sobre educação. Não obstante o atraso na aprovação do regulamento de avaliação do ensino básico, o actual Governo esteve bem ao assumir a concretização de uma medida que reconhecidamente não é simpática. Colocou o regulamento a discussão pública – o que nada o obrigava – e mandou-o publicar com o respectivo despacho de aprovação.
As reacções não se fizeram esperar. CONFAP, FENPROF e dois ex-ministros da educação saltaram para o terreiro dos media e vociferaram com a indignação própria da época pré-eleitoral. Uns contestam a legitimidade do Governo em legislar sobre tal matéria, outros prometem banir tão insuportável medida, regressando aos bons velhos métodos do Guterrismo.
É tudo tão previsível e recorrente!
As duas organizações sempre se opuseram aos exames. Contestam a legitimidade da medida e fazem-se esquecidas do facto de os exames do 9.º ano terem sido aprovados por um Decreto-Lei de 2002, promulgado pelo Sr. Presidente da República. O que agora se aprova é a regulamentação prevista no referido Decreto.
Os dois ex-ministros prometem o regresso a um modelo de avaliação que estava há muito descredibilizado. Retomam a ideia das provas de aferição e do modelo de avaliação integrada das escolas cujo único resultado é gastar dinheiro sem qualquer efeito sobre a qualificação do ensino. Nada mais simpático e revelador de que dois anos e meio na oposição não lhes serviram de nada.
A cultura de facilitismo educativo aí está de novo, com a pujança discursiva alimentada pelo inebriante cheiro a poder. Eles não mudam. É algo que está inscrito no “código genético” das suas políticas.
Haverá alguém que ainda se ilude?

sábado, 25 de dezembro de 2004

No leaders, no jobs


(c) Chuck Asay
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Nenhuma Flor



Para quem gosta de poesia, um pequeno mas belo livro com origem nas fotografias captadas após o incêndio na Granja de Belgais em Julho de 2004. Os poemas são de Sandra Costa, as fotos de Paulo Gaspar Ferreira e a edição é da in-libris. O título, NENHUMA FLOR - oito imagens e o dizer dos lábios.

Com a vénia devida à Autora:

´Torso que irrompe da mortalidade
contorção de amor pelo mundo´

sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

Um relatório confidencial !?


Se existe um relatório da Inspecção Geral de Finanças sobre o problema que ocorreu com a colocação de professores, porque é que se anuncia o relatório e depois se diz que este é confidencial?
Eu sei que estamos no Natal, mas parece-me que chegámos ao deserto...

terça-feira, 21 de dezembro de 2004

Co-incineração, ainda

Sócrates quis passar a mensagem de que não será, como o Engº Guterres, um lider mole. E para o fazer não achou melhor maneira do que afirmar que para o problema dos residuos industriais perigosos não quer uma solução BANANA (explicando que banana quer dizer Build Absolutely Nothing Anywhere Near Anybody). Imporá assim com firmeza a solução da co-incineração contra os localismos e os egoismos. E por isso - ao que parece - rejeita qualquer outra hipótese de solução, designadamente as dos concursados CIRVER.
Tenho dúvidas que Guterres, o candidato presidencial de Sócrates, ache graça à imagem da banana e à subliminar mensagem...
Preocupante mesmo é, porém, que a invocação de uma postiça razão de Estado seja utilizada para construir a imagem de um lider e não para procurar a melhor satisfação ao interesse geral. Este, reconhecidamente reclama por outras soluções. Mais consensuais e por isso socialmente aceites. Mais seguras e por isso conformes ao princípio da precaução. Mais limpas e por isso ambientalmente recomendáveis. Mais sustentáveis e por isso mais convenientes às empresas portadoras de futuro.
Lamentável mesmo em campanha eleitoral.

Autoridade e interesse público

As ideias de "autoridade do estado" e de "interesse público" não são propriamente abstracções que o discursos político tenda a banalizar. São pilares fundamentais do Estado e do regime democrático que pretendemos valorizar e que a não serem respeitados pelos governantes e pela administração pública, poderão rapidamente ruir e fazer ruir todo o edifício que sustentam. A leitura do Publico de hoje dá mais um exemplo que vale a pena descrever. A Direcção Regional de Educação de Lisboa acaba de assinar um protocolo com a Câmara de Palmela visando a edificação de uma Escola Básica de 2.º e 3.º ciclos no Poceirão.
A história desta reivindicação local é bem longa: desde finais da década de 80 que as populações exigem esta escola de forma a evitar as muitas horas perdidas diariamente em transportes pelos jovens que frequentam aqueles ciclos do ensino básico, mas também os que prosseguem para o ensino secundário. Tão longa demora em atender tão justa aspiração só se ficou a dever a um facto: não havia, nem haverá tão cedo, alunos em número suficiente para justificar a abertura do 3.º ciclo.
As manifestações sucederam-se - lembram-se do "Burro Justino Leite" levado à porta da Assembleia da República? - e a cobertura mediática encarregou-se de lhe dar a projecção que o inusitado caso merecia, para gaudio das audiências.
Rapidamente o Ministério da Educação, a Direcção Regional e a Câmara de Palmela chegaram a um acordo: avançava-se para a construção de uma escola com 1.º e 2.º ciclos e salvaguardava-se o terreno necessário para, quando se justifique, se construam as instalações para o 3.º ciclo.
Esta solução acautelava os interesses da população e os limitados recursos do Estado. Porém, a satisfação não era plena. Vejo agora que a DREL satisfez por completo as pretensões do Poceirão. Não sei se fez as contas que deve fazer. Não sei se inscreveu a dotação necessária ao arranque da obra. Nem sei quais são as prioridades que vão ser sacrificadas para satisfazer o compromisso assumido. Saber, para quê? Assina-se o protocolo e depois logo se verá!
Com este acto a DREL desautorizou a anterior administração (politicamente afecta à maioria) e deu a entender que o mesmo não foi feito pelos seus antecessores só por capricho, teimosia ou má vontade.
Pergunto agora como é que o Ministério vai convencer os autarcas a encerrar milhares de escolas com poucos alunos? Como vai poder dizer "não" aos muitos concelhos deste país que, pelas mesmas razões, não dispõem de ensino secundário? Como é que vai responder aos pais e professores de escolas que estão há muitos anos a precisar de obras e em condições de segurança lamentáveis? Será que estes alunos não justificam esses investimentos? Também eles não têm de andar dezenas de quilómetros para frequentar a escola mais próxima?
Para estes a iniciativa da DREL é um incentivo a que, um pouco por todo o lado, se façam mais manifestações, se injuriem os ministros, se maltrate a administração.
Eis um caso concreto de falta de autoridade e de desprezo pelo interesse público.
Depois, não se queixem da ingovernabilidade.

Chegou...


(c) freefoto.com

... o Inverno Posted by Hello

segunda-feira, 20 de dezembro de 2004

Visões de peixes solares

Ofereceram-me hoje o livro de Mia Couto, A chuva pasmada, da Caminho com ilustrações de Danuta Wojciechowska. A necessidade de ocupar o tempo entre duas tarefas fez com que desembrulhasse o que era para abrir só depois da consoada...

Irresistível leitura.

Silêncio. Minha mãe se retirou com passo decidido como se fosse passar um pano pelo céu.

Suprema ironia

George W. Bush foi eleito personalidade do ano 2004 pela revista Time.
Depois do que disseram do homem...

Sócrates, o PS e a co-incineração


Acabámos de saber que caso o PS ganhe as eleições, Sócrates retomará o processo da co-incineração.
Por outras palavras, deita para o lixo o trabalho dos últimos dois anos – o inventário de resíduos industriais perigosos (RIP), a criação dos Centros Integrados de Valorização de Resíduos (CIRVER) e os concursos que estão a decorrer para a atribuição das respectivas licenças de construção e exploração.
Para quem há poucos dias afirmava que não passará a vida a desfazer o que o anterior Governo deixa feito, José Sócrates não podia ter exibido maior contradição.
Em 1996 anulou a decisão de construir a incineradora de Estarreja e ao fim de 6 anos não deixou uma alternativa. Agora acha que dois anos era tempo suficiente para resolver o problema.
Por um lado recusa a incineração de resíduos sólidos urbanos, mas por outro aceita a co-incineração dos resíduos industriais perigosos. Ora, é sabido que a incineração de resíduos está sujeita a limites de emissões muito mais apertados do que a co-incineração.
Quando esteve no Governo gastou mais de um terço do Fundo de Coesão no financiamento das incineradoras do Porto e Lisboa (Lipor e Valorsul). Depois, na oposição, recusa a incineradora do Centro (Ersuc).
Quando estava no Governo, ao mesmo tempo que aprovava a co-incineração, ratificava a Convenção de Estocolmo sobre poluentes orgânicos persistentes (POP) que é o maior manifesto alguma vez elaborado contra as várias formas de queima de resíduos.
Mas quando lhe foi proposto um sistema para reciclar e reutilizar os óleos usados, recusou.
Quando esteve no Governo, ignorou os problemas relacionado com os maiores passivos ambientais do País – Estarreja, Sines, Seixal e Alcanena.
Meteu o Programa Nacional de Prevenção e Redução de Resíduos (PNAPRI) na gaveta.
Não deu solução ao problema das minas abandonadas.
Ao mesmo tempo que aprovava a co-incineração na Cimenteira do Outão em Setúbal, o PS assinava manifestos para que esta fábrica fosse encerrada.
As posições do PS em matéria de resíduos merecem um lugar no anedotário nacional.
Como diz o povo “burro velho não perde a mania”.

A co-incineração, de novo


O Engº José Sócrates anunciou que se o PS vencer as eleições em condições de formar governo, insistirá na co-incineração como método para resolver o problema da resíduos industriais perigosos (RIP). Ao desmentir a notícia de primeira página de um dos diários que anunciava o abandono daquela que foi a sua principal bandeira (e dor de cabeça) como Ministro do Ambiente, tenho de reconhecer que Sócrates é corajoso insistindo numa medida que desagrada a muita gente do seu partido (a começar por Manuel Alegre) e não é aceite pelas populações.
Mas se lhe gabo a coragem da atitude pelo seu significado político (ser-lhe-ia mais fácil e mais cómodo render-se e explicar que existem hoje outras soluções para o problema), não posso deixar de pensar que, do ponto de vista do mérito, a insistência de Sócrates tem muito de incompreensível teimosia. Desde logo porque não é uma boa medida. Para além dos riscos para a saúde pública apontados por muitas autorizadas vozes, se viesse a ser implementada a queima dos RIP poderia ser um bom negócio para as cimenteiras, mas iria inexoravelmente significar um recuo na pedagogia do reaproveitamento e valorização de alguns desses resíduos, na qual se empenhou o XV Governo. Mas pior do que isso. Sócrates anuncia que fará exactamente o que não se cansou de criticar ao seu sucessor no cargo, Isaltino Morais: revogará a alternativa encontrada de criação dos centros integrados (CIRVER) cujo concurso se encontra em fase de apreciação de propostas, adiando mais uma vez a solução de um problema que ele próprio tanto encareceu.
Entretanto a produção de resíduos industriais perigosos continua, aumentando o passivo ambiental e elevando o risco.
Por aqui também se vêem os elevadíssimos custos dos ciclos políticos de dois anos em que estamos a viver... Posted by Hello

sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

O candidato fantoche


O Sr. Jorge Nuno Pinto da Costa afirmou hoje que o Dr. Rui Rio "como presidente da Câmara da minha cidade do Porto terá de me enfrentar nas próximas eleições autárquicas".
E acrescentou "não estou a dizer que serei candidato, estou apenas a dizer que terei uma voz activa no que se vier a passar".
O PS, pelas vozes de Francisco Assis, Fernando Gomes e Nuno Cardoso, já aceitou o apoio!
Podemos concluir que qualquer que seja o candidato do PS, o Sr. Pinto da Costa já anunciou um seu pau mandado.
Grande amigo...

Um Rio de esperança

Leio alguns dos excertos do discurso de Rui Rio, ontem no Porto, e esqueço o desalento dos últimos dias. Lúcido, corajoso e combativo, como sempre. As declarações de Pinto da Costa são um elogio ao Presidente da Câmara do Porto.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2004

Ideias para um programa eleitoral da educação

Elaborar listas e programas em plena época natalícia não é prática aconselhável. A tentação de dar prendas e abrir garrafas de espumante pode levar os seus responsáveis a esquecer o que tem de ser feito. Por isso deixo algumas ideias e propostas para reflexão:
  • Objectivos gerais:
    - Combate ao abandono escolar.
    - Promoção da literacia e da cultura científica.
    - Promoção do sucesso escolar, em especial nas aprendizagens estruturantes, Português, Matemática e Ciências.
    - Promoção do ensino profissionalizante (tecnológico, profissional e educação/formação).
    - Racionalização da afectação e gestão dos recursos educativos.
  • Principais medidas:
    - Reorganização dos ciclos de ensino de forma a eliminar os principais pontos de tensão do actual sistema (3+6+6).
    - Escolaridade obrigatória de 12 anos.
    - Verticalização dos projectos educativos através da gestão pedagógica dos agrupamentos de escolas.
    - Definição ano a ano, disciplina a disciplina, dos patamares de conhecimento e de competências que cada aluno deverá atingir.
    - Reforço das cargas horárias para as aprendizagens estruturantes e generalização das práticas laboratoriais (TIC e Ciências), em especial nos primeiros seis anos de escolaridade obrigatória. Introdução progressiva da educação física a partir do 1.º ano de escolaridade e da Língua Inglesa, a partir do 3.º ano.
    - Redução do excessivo número de disciplinas e áreas disciplinares, em especial no actual 3.º ciclo, revertendo os respectivos ganhos para créditos horários a atribuir às escolas.
    Exames ou testes nacionais a Português e Matemática no 6.º e 9.º anos de escolaridade com incidência na avaliação dos alunos.
    - Lançamento da experiência do ensino obrigatório de uma área de formação e desenvolvimento pessoal e social, do 3.º ao 9.º ano de escolaridade, abarcando domínios como a educação para a saúde, educação sexual e educação cívica.
    - Apoio ao crescimento do ensino profissional (público e privado), estruturação de uma rede de escolas tecnológicas de referência em cooperação com os centros de formação e associações empresariais.
    - Reordenamento da rede de oferta escolar com a criação de centros escolares que concentrem e integrem a oferta dispersa, nomeadamente do 1.º ciclo. Desenvolvimento de sistemas municipais de transportes escolares.
    - Implementação dos Centros de Apoio Social Escolar sustentados em equipas multidisciplinares e criação da figura do tutor escolar.
    - Criação de um sistema de incentivos financeiros para as escolas que obtenham melhores resultados na redução do abandono e promoção do sucesso escolares.
    - Alteração do actual modelo de gestão das escolas visando a sua profissionalização, o aumento de competências e a sua autonomia.
    - Alteração do actual Estatuto da Carreira Docente, em especial o regime de recrutamento e vinculação, os critérios de progressão na carreira e a criação de uma nova categoria (Professor Coordenador) a que se acede mediante concurso e provas públicas. Criação de incentivos à fixação de docentes nas regiões mais carenciadas.

Uma questão de conveniência


Nas últimas semanas surgiu uma nova questão em Portugal.
O Estado e as Autarquias, segundo certas opiniões, podem dispensar os orçamentos.
Pode-se viver com duodécimos, afirmam.
No Parlamento, sugeriu-se que o Orçamento de Estado podia esperar pelo próximo Governo.
Na Assembleia Municipal de Lisboa, a maioria de esquerda chumbou o orçamento municipal.
Afinal, nuns dias reclama-se pela pontualidade na apresentação dos orçamentos, noutros considera-se que eles podem ser postergados.
Já dizia Jorge Sampaio que "há mais vida para além do orçamento".
Mas será que há boa governança sem orçamento?
Esta questão é confrangedora, pois é um sinal de retrocesso nas nossas práticas democráticas.
Agora, a existência de orçamento passou a ser do domínio da controvérsia política.
Como é possível semelhante oportunismo?
Até onde irá esta instabilidade?

Grandeza das Nações

Encontrei-o. Ao fim de mais de vinte anos de busca por tudo o que é alfarrabista consegui adquirir a edição original da obra de Joaquim José Rodrigues de Brito. A oportunidade era única: o último leilão promovido por Luís Burnay no Hotel Roma. Após alguns minutos de alguma ansiedade provocada por uma oferta concorrente, saí com a satisfação incontida de quem atingiu um objectivo, de quem concretizou um desejo sublime. As Memorias Políticas Sobre As Verdadeiras Bases da Grandeza das Nações e Principalmente Portugal é uma obra injustamente esquecida na história do pensamento económico português. Publicada em 1803, poucos a citaram e poucos mais a leram. A primeira referência encontrei-a no trabalho de Vitorino Magalhães Godinho, Prix et Monnaies au Portugal (1955). Fiz a primeira leitura do exemplar existente na Biblioteca do ISE em 1978. Reli a excelente edição dirigida pelo José Esteves Pereira, publicada pelo Banco de Portugal em 1992. Mas não há nada como sentir e fruir o original. Afinal, trata-se da primeira obra publicada em Portugal e de autor português a discutir as teses de Adam Smith. É obra!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

Eleições no Iraque


Por muito que não se goste da invasão americana...
Por muito que se fale nos atentados e na resistência islamista...
Por muito que se refiram os interesses do petróleo...
Por muito que se queira o fracasso do processo de democratização iraquiano...
O número espanta!
Haverá oitenta e três listas candidatas às eleições de Janeiro no Iraque.
Ou seja, 47 partidos, 27 personalidades e 9 coligações.
A comunicação social só fala dos atentados, das bombas, dos mortos, dos sequestros...
Mas que dizer perante tanta vitalidade democrática?
Ainda por cima num país que teve uma ditadura que durou mais tempo que o nazismo.
Será que a comunicação social vai agora acolher esta nova realidade?
Ou vamos continuar a assistir à notícia fácil, com imagens cruéis e discurso condizente?

International Photo Competition on the Environment
Gold Prize (junior division) - Miriam Koehler - Artificial Nature Posted by Hello

terça-feira, 14 de dezembro de 2004

Magnólias


Lembraram-me hoje que há flores no inverno. As magnólias do canteiro pertinho do museu devem estar quase a florir... Posted by Hello

Antes de ser já o é

Apresentação formal e solene: não há coligação pré-eleitoral PSD-CDS/PP. Uma declaração simples, sucinta, nos limites do lacónico. Os semblantes dos signatários, para quem os conhece minimamente, revelam tudo. A não existência de um período de perguntas por parte dos jornalistas, confirma as piores expectativas.
Ao contrário da reacção congressista de Barcelos, sou dos que defendiam a coligação. Não o fazia por aritmética política ou por defesa de interesses que não tenho. Pura e simplesmente porque era a única realidade política que poderia ser portadora de um projecto para a sociedade portuguesa. Um projecto que foi forjado na árdua existência do XV Governo e no empenho solidário dos seus membros na concretização de uma política reformista. Com erros, limitações, incompreensões, mas com o ímpeto de quem quer mesmo enfrentar os problemas.
Este facto poderá ter várias leituras:
  1. Para além da boa ou má aritmética eleitoral, faltava confiança numa vitória da coligação.
  2. Que essa falta de confiança era mais manifesta no líder do CDS/PP relativamente ao do PSD que o inverso.
  3. O CDS/PP espera capitalizar o seu desempenho governativo e o facto de ter saído reforçado de cada uma das sucessivas crises, a começar no Governo de Durão Barroso.
  4. Que o ónus da governação vai cair inteirinho no PSD e em Santana Lopes.
  5. Que Santana Lopes, para contrariar essa tendência, só tem como alternativas rejeitar a herança de Barroso ou apresentar um novo programa e um novo projecto político.
  6. Todos nós sabemos que as duas alternativas são de difícil concretização no calendário previsível dos próximos dois meses. Nem Santana Lopes consegue libertar-se da herança nem os projectos políticos se constroem de um dia para o outro. A própria ideia da plataforma - que palavra infeliz, faz lembrar as organizações do BE - eleitoral cai por terra.
  7. Conclusão: o PSD está sem estratégia eleitoral, restando-lhe o único capital susceptível de ser mobilizado - os seus militantes e a capacidade de reacção do seu líder.

Não vale a pena voltar a falar de acordos, declarações conjuntas ou quaisquer outras profissões de fé visando o pós-eleições, porque antes de ser já o é.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

Normalidades democráticas

Há quatro meses apenas, o Senhor Presidente da República, com muitas ou poucas mas com dúvidas, no exercício da ampla faculdade discricionária que constitucionalmente detém, achou que a personagem que a maioria parlamentar lhe estava a propor para substituir aquele que, virtualmente à frente do Governo, se encontrava (há muito?) em trânsito para Bruxelas, era sim senhor competente para o exercício do cargo de chefe do Executivo. E nomeou-o. O próprio, então ocupado com a Câmara de Lisboa, também achou que tinha propensão para o ser. E aceitou o encargo jurando cumprir com lealdade as funções em que foi inopinadamente investido. Acharam também que sim os pelos vistos essenciais e omnicientes empresários, designadamente os do sector financeiro que sentenciaram que era fundamental para o Pais garantir a continuidade dessa coisa considerada de comum essencial para o desenvolvimento de qualquer nação e que dá pelo estafado nome de estabilidade. Apesar de acharem que não a maioria dos conselheiros de Estado e os muitos e muito sábios, omnipresentes, isentos e oraculares analistas e comentadores da nossa praça. E achou também que não, naturalmente, todo o arco formado pelos partidos da oposição. Até o Dr. Manuel Monteiro, esse líder tão representantivo e proporcionadamente procurado pela comunicação social, achou que não. A decisão do Senhor Presidente, fez partir, amargurado, o líder do principal partido da oposição que assim se terá visto desqualificado como putativo candidato a chefe do Governo.
Quatro mesitos volvidos - quatro! - o Senhor Presidente passou a achar que não. E com ele todos os que antes acharam que sim. Com excepção, claro está, dos partidos da maioria. Acham agora que o primeiro-ministro e os ministros que o Presidente nomeou e que à sua frente juraram a pés juntos que cumpririam com lealdade as funções que lhes eram ali confiadas - apesar de ser visivel que alguns não sabiam bem que funções lhes estavam a ser confiadas, logo, sobre o que estavam a jurar... - , mostraram em plena acção que ele, Presidente, estava redondamente enganado quando achou que sim. E vai de antecipar o fim da legislatura e convocar o Povo, suspeitando que o Povo, como ele, também se enganou quando fez nascer esta maioria. E que o primeiro-ministro e os ministros só fizeram mer, perdão, disparates. Por isso devem ser rapidamente alternados. Não inspiram confiança e atentam contra a estabilidade.
Agora, mesmo sendo assim, nada obsta a que o parlamento moribundo aprove o orçamento onde repousa o essencial das políticas governamentais. E é conveniente que, apesar de incompetente e dado ao disparate, o Governo conduza o País até eleições. Em plenitude de funções, como convém à estabilidade.
Mas o primeiro-ministro acha que não. Que o juramento que fez há quatro meses não o obriga a tanto. E demite-se com o governo. Fica em gestão dois meses, governando incompetente mas limitadamente.
Quem é o maluco que diz que não funcionam as instituições e que se recomenda mais uma revisão da Constituição? Quem tem o topete de dizer que não se assegurou em dez escassos dias a normalidade democrática? É preciso ter lata...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

Dois pesos ... e duas medidas!

“ (…) desde a posse do XVI Governo Constitucional, (…), o País assistiu a uma série de episódios que ensombraram decisivamente a credibilidade do Governo e a sua capacidade para enfrentar a crise que o País vive. Refiro-me a sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do Governo, dos seus membros e das instituições, em geral. (…) “
“ (…) Neste quadro, (…), entendi que a manutenção em funções do Governo significaria a manutenção da instabilidade e da inconsistência. Entendi ainda que se tinha esgotado a capacidade da maioria parlamentar para gerar novos governos. (…) “
“ (…) Que fique claro: o Presidente da República não prescinde nem compromete nunca, (…), o exercício dos poderes que a Constituição lhe atribui. (…) “

Jorge Sampaio, Comunicação ao País a dissolver o Parlamento em 2004-12-10

Por onde andava o Sr. Presidente quando o PS estava no Governo?

Ecumenismo


Reza a história que Akbar, um imperador mongol, teve a pretensão de discutir os fundamentos de todas as religiões. Resta a coluna que simboliza os encontros ecuménicos. Era o suporte do seu trono. Consta que morreu em paz. A cidade que mandou edificar, essa, ficou rapidamente deserta...Posted by Hello

quinta-feira, 9 de dezembro de 2004

Curiosa reacção

"Parece difícil sustentar a ideia do bastonário como porta-voz e expressão consensual de uma advocacia unida numa idiossincrasia comum". Esta é a muito curiosa reacção do Dr. Cluny - em tom de recado dos magistrados do Ministério Público aos outros agentes judiciários feita sob a forma de entrevista ao Publico de hoje - sobre a eleição de Rogério Alves para bastonário da Ordem dos Advogados. Embora se perceba que para alguns só agrade a ideia de uma idiossincrasia comum e não a saudável manifestação eleitoral da pluralidade, é motivo de reflexão esta nota de incomodidade de Cluny. Será uma simples expressão da anima ou traduz-se antes na verdadeira voz do corpus?

Mais vale tarde que nunca!

Ficámos a saber ontem que a Liga para a Protecção da Natureza defende que um novo regime jurídico da reserva ecológica nacional deve ser “dinâmico” compatibilizando a conservação da natureza com as actividades dinâmicas.
DINÂMICO!!? O que é que isso quer dizer? Que se modifica? Que se adapta? Que se movimenta?
Se pensarmos que se trata de um regime jurídico que se traduz num conjunto de condicionamentos que têm expressão cartográfica e que é determinante para a transformação e o uso dos solos, a palavra dinâmica só pode ser um eufemismo.
Ainda por cima, estes mesmos ecologistas acham que não devem ser os Planos Directores Municipais a definirem exclusivamente a afectação dos usos de solo.
Ora, não se percebe se para eles o problema está no instrumento que deve conter esses condicionamentos ou nos órgãos a quem cabe definir esses mesmos condicionamentos.
Durante anos, assistimos à sistemática oposição por parte dos ecologistas a qualquer alteração à REN e à RAN.
Agora, podemos registar o facto desses ecologistas aceitarem que se toque nestas "vacas sagradas".
Também devemos registar que os ditos ecologistas consideram que o actual regime da REN não é dinâmico.
É uma evidência, e só podemos estranhar que tenham demorado tanto tempo a reconhecer tal facto.

Museu Pitoresco

"Pensar pouco; fallar de tudo; não duvidar de cousa alguma; exorbitar sempre da esfera da sua alma; cultivar, apenas superficialmente o seu espirito; exprimir-se felizmente; ter rasgos d´uma imaginação agradavel; usar d´uma conversação ligeira, e delicada; e saber agradar, sem se fazer estimar; ser dotado d´um talento equivoco, com uma concepção prompta, e julgar-se por isso superior á reflexão; voar d´um para outro objecto sem profundar algum; colher com rapidez todas as flores, e não dar jámais aos fruetos o tempo preciso para chegar á sua madureza; mostrar um espirito mais brilhante, que solido (luz muitas vezes enganadora, e infiel) que uma simples attenção o fatiga, que a razão o contraría, que a autoridade o revolta, e que finalmente se torna incapaz de perseverança na indagação da verdade; eis uma ligeira pintura d´aquelle, que é honrado no nosso seculo com o nome de homem de espirito" - MUSEU PITORESCO - Jornal D´instrucção e recreio que á ilustre e inclita Nação Portugueza dedicão, e offerecem A.J. da Fonseca e C.ia - Lisboa - 1841

Carnaval

As próximas eleições podem ter lugar em pleno período de carnaval.
(Vocês não vêem, mas ao escrever isto, sorrio...)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2004

Estabilidade

Ao contrário do que tenho lido e ouvido, a actual situação de instabilidade governativa não é um fenómeno conjuntural, eventualmente ampliado pela situação de crise económica, financeira e social dos últimos três anos. Nos 28 anos de regime constitucional português as situações de estabilidade governativa revelam-se como excepção e a instabilidade como regra.
Houve alguma estabilidade na governação durante o período compreendido entre 1987 e 1992: entre a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva e a autêntica “declaração de guerra” que Mário Soares assinou com a Presidência Aberta na Área Metropolitana de Lisboa. Para essa estabilidade muito contribuiu um conjunto de factores excepcionais: crescimento económico, abundância de fundos estruturais, uma liderança confirmada e afirmada pela vitória eleitoral de 1987, um projecto mobilizador para o país, uma maioria política sólida.
Fora deste período, não se pode falar de estabilidade. Não obstante as condições favoráveis do primeiro mandato de António Guterres, a aparente estabilidade só existiu porque se abdicou de adoptar qualquer medida que pusesse em causa o “status quo”. O Governo de António Guterres auto-limitou-se na sua acção.
A questão que vale a pena colocar é a seguinte: há qualquer garantia, ou pelo menos a perspectiva, que a anunciada decisão de dissolver a Assembleia da República contribua para superar a reconhecida instabilidade governativa? Não creio! Pelo contrário, é bem possível que a solução eleitoral se expresse pela inexistência de uma maioria absoluta, o mesmo é dizer, por mais alguns anos de instabilidade dissuasora de qualquer política reformista.
Não estamos “condenados à morte”, apenas à “prisão perpétua”, o que deixa a esperança de a qualquer momento podermos ser indultados.

Governabilidade

Há um problema de governabilidade em Portugal. Não vale a pena disfarçar ou negar a evidência e a experiência dos últimos dez anos. Na sua raiz estão algumas causas que convém recensear:

  1. A desvalorização prática da ideia e da consciência do interesse público e do bem comum que é o reverso da afirmação sustentada dos interesses corporativos e dos poderes fáticos.
  2. A ineficiência autofágica do Estado – ainda existe? -, atolado no centralismo esmagador da sua administração e manietado por uma cultura de laxismo e de impunidade.
  3. O esgotamento do modelo de organização política, incapaz de promover a estabilidade indispensável à concretização das reformas estruturais.
  4. A cultura de irresponsabilidade que grassa na maior parte dos órgãos de comunicação social que acabam por funcionar como catalizadores e amplificadores dos interesses e dos poderes não democráticos.
  5. A perversão da noção de responsabilidade política que tende a exercer a função de “cortina de fumo” para o não apuramento das reais responsabilidades de outros actores da cena pública.

Qualquer um que tenha passado pela experiência da governação poderá testemunhar como tudo parece estar organizado para que não se governe.

Sensatez

Não se pede ao PSD e aos seus dirigentes e militantes mais inconformados e indignados que silenciem a sua revolta. Não se pede a Jorge Sampaio que limpe a inabilidade processual de um anúncio e de uma decisão esperadas. Pede-se urgente contenção discursiva a bem da já muito abalada credibilidade do sistema político. A continuar a incontinência das críticas e ataques, veremos Sócrates a fazer papel de estadista responsável, disfarçando a sua verdadeira natureza: uma versão “pimba” de António Guterres.
A dissolução da AR, tal como se está a processar, recolocou na agenda o problema da reforma do sistema político. Porém, não creio que os poderes do Presidente sejam o único segmento do quadro institucional a rever e, muito menos, a restringir. Se ainda há uma referência de estabilidade e de credibilidade no sistema político português, ela é a Presidência da República. Ignorar ou desvalorizar esta evidência poderá significar um autêntico terramoto político.
O actual modelo institucional, que muitos tipificam como semi-presidencialista, está esgotado. É cada vez mais um factor de instabilidade e de bloqueio em tudo contrário às exigências de uma sociedade que precisa de estabilidade política e de maior governabilidade para concretizar as reformas que todos reconhecem serem urgentes e indispensáveis.
Se o PSD quiser colocar na agenda a reforma do sistema político, não o poderá fazer como reacção à decisão de Sampaio, mas como estratégia para a concretização de um projecto que passa pelas eleições legislativas e pelas presidenciais. Haja sensatez e alguma visão de futuro.

terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Big(Mário)Brother


O País está em festa.
Esperam-no à porta de casa.
Recebe cumprimentos.
Dão-lhe os parabéns.
Fazem-lhe um jantar com mais de 1500 pessoas.
Recebe todo o tipo de elogios.
Dão-lhe prendas.
É o maior!!!!
Não! Você não está na Coreia do Norte onde o grande líder fez anos.
Também não! Ninguém acabou de ganhar eleições.
E também não é uma transmissão da Quinta das Celebridades!
Você está em Portugal e o Dr. Mário Soares faz 80 anos.
Caramba! Afinal o homem até merece...
Mas convenhamos … tudo tem um limite.

Despudor e Amnésia, Acto II

“Esta coligação de direita levou o país para um desastre”

Mário Soares, 2004-12-07, entrevista à SIC

segunda-feira, 6 de dezembro de 2004

Despudor e Amnésia, Acto I

“Este Governo teve todo o tempo que precisava”.
“Este Governo teve toda a cooperação e apoio do Sr. Presidente da República”.
“Este Governo herdou uma situação económica estável”.

José Sócrates em 2004-12-06 às 18:45 horas
No debate de encerramento do orçamento de estado para 2005

Dissolvo, logo existo

O Sr. Presidente da República anunciou que irá dissolver o Parlamento.
Mas não explica nem fundamenta tal intenção.
Escuda-se na audição dos Partidos e do Conselho de Estado para adiar as explicações.
Mas já decidiu sem os ouvir e anunciou a decisão sem a explicar.
A situação é tão caricata que nem mesmo os partidos da oposição, que tanto desejaram esta dissolução, encontram uma explicação constitucionalmente plausível.
Para eles Sua Excelência dissolveu porque o Governo não tem legitimidade e a actual maioria já não é representativa.
A decisão é tão brusca quanto inesperada. Tão surpreendente, quanto insólita.
À falta de explicações de Sua Excelência, resta-nos esperar pelo próximo dia 10.
Até lá, será fácil imaginar o rodopio dos assessores de Belém.
Entre recortes de imprensa e transcrições de declarações e debates nas rádios e nas televisões preparam o cardápio de argumentos para Sua Excelência.
Dia 10 veremos a ementa que Sua Excelência tem para nos oferecer.
Mas para quem durante seis anos consentiu todo o tipo de desmandos aos Governos do Partido Socialista já podemos concluir:
Se dissolve... é porque existe!

domingo, 5 de dezembro de 2004

Ilhas Barreira

O jornal Público noticia hoje que os autarcas de Olhão e Faro não se conformam com as demolições de casas nas ilhas barreira. Protestam e, como no passado o fizeram com reconhecido êxito, querem que o Ministro do Ambiente volte atrás na intenção de levar a aprovação do Conselho de Ministros o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) que as abrange. As demolições estão previstas no projecto deste último POOC (entre Vila Moura e Vila Real de Santo António) que tem como objectivo disciplinar as ocupações e as actividades no troço da costa algarvia de maior valia e sensibilidade ambiental. Integram-no ecossistemas de enorme fragilidade e duas das mais significativas áreas protegidas do País (o Parque Natural da Ria Formosa e a Reserva Natural dos Sapais de Castro Marim e Vila Real de S.to António). Convém que se saiba que diferentemente daquilo que a posição dos autarcas pode dar a entender, a maioria destas casas não foram autorizadas por qualquer autoridade administrativa. São clandestinas. E o solo onde se implantam não é, na larga maioria dos casos, de quem ali construiu. É do Estado, da comunidade, do País, de todos nós. Para além de clandestinas, boa parte destas construções nasceram assim de um escandalosamente tolerado esbulho do que é de todos! Por tudo isto custa a entender a posição destes autarcas. Porque deveriam ser eles os primeiros a defender o que é do domínio público. Porque não podem ignorar que a existência das ilhas barreira é garantia de sobrevivência de recursos biológicos de relevância inquestionável e da estabilidade do território que lhes cabe administrar. Porque na Ilha de Faro, na Fuzeta, na Armona, no Farol ou na Culatra faltam e faltarão sempre condições infra-estuturais de qualidade mínima, mesmo que fosse suportável a pressão humana sobre aqueles sítios. Porque sabem que assim é. São conhecidos os riscos de ruptura do frágil cordão de areia que constitui as ilhas das ocupações ilegais, toleradas ao longo de anos e anos. Se prevalecer - no que não se crê - a posição destes autarcas, é a lucidez e a razão que saem vencidas em nome, calcula-se, do um eleitoralismo irresponsável. É a autoridade do Estado que cede perante a mesquinhez dos localismos atávicos. Se assim vier a ser (oxalá me engane!), o mar acabará por resolver o problema. Pergunto-me se nessa altura os mesmos autarcas estarão aí, dispostos a arcar com os custos e a responsabilizar-se pelas consequências...

Obscenidades 4

Foto: Miguel Mealha

Confirma-se: há uma luz ao fundo do túnel.
Porém, caminhamos no sentido inverso.

Obscenidades 3

"Santana Lopes embrulhou-se com aquela gente do barrosismo, que é gente sem qualidade nenhuma"
Ângelo Correia, entrevista à Rádio Renascença, Público, RTP2

Finalmente, percebemos! Rui Gomes da Silva, Henrique Chaves ou Carmo Seabra são agentes infiltrados do barrosismo no Governo de Santana. A sua missão seria concretizar a vingança de Barroso para com o seu velho amigo/inimigo. Missão cumprida.
Também dá para perceber que Ângelo Correia nunca perdoou a Durão Barroso a saída de Amílcar Theias. Simplesmente obsceno!

Obscenidades 2

"Quem nos dera a nós o Portugal deixado pelo governo do engenheiro António Guterres"
Almeida Santos, Presidente do Partido Socialista.

A declaração é, no mínimo, obscena!
Não vale a pena ficarmos chocados. Há que reconhecer friamente:
1. O Partido Socialista mudou de líder, mas não mudou de política nem mudaram os principais dirigentes.
2. Ao longo dos últimos três anos o PS nunca reconheceu os seus erros na governação. Pelo contrário, reafirmou todos os princípios políticos que marcaram o guterrismo.
3. Sócrates é menos consistente que Guterres.
Mantendo-se o resto, que havemos a esperar?

Obscenidades 1

Há ideias e declarações feitas na Assembleia da República que são ostensivamente ignoradas por quem tem a obrigação de informar ou de estar informado. A mais recente proferiu-a Miguel Frasquilho e é de tal forma marcante que não resisto a transcrevê-la:
"Entre 1996 e 2001 foram admitidos, em média, em termos líquidos em cada ano, mais de 22 mil funcionários públicos - quando entre 1986 e 1995, esse número pouco ultrapassou os 5 mil em média por ano! E então nos anos de 1998 a 2001, em que se avizinhavam eleições legislativas, e autárquicas, foram quase 30 mil novos funcionários públicos por ano em termos líquidos!
Dei-me ao trabalho de analisar como teriam evoluído as contas públicas a partir de 1998, supondo que nesses anos, a admissão de funcionários públicos tivesse sido de 10 mil por ano - ainda assim o dobro do valor anual registado entre 1986 e 1995 - e mantendo-se tudo o resto constante, mesmo os aumentos salariais então decididos. O resultado não poderia ser mais esclarecedor: o défice de 2001, que ficou em 4.4% do PIB, teria sido de 2.9%; em 2002 ter-se-ia obtido um défice de 1,2% e, pasme-se!, em 2003 já teria sido obtido um excedente de 0,3% do PIB!
Pelo apreço que tenho por este jovem economista e deputado, não encontro razões para desconfiar dos cálculos apresentados. Se assim é, não me resta outra palavra para qualificar o facto: obsceno!

sábado, 4 de dezembro de 2004

Advogados em ordem

Rogério Alves é o novo bastonário da Ordem dos Advogados. Com a sua eleição ficou sobretudo a ganhar a Classe. Dos candidatos que se apresentaram a sufrágio Rogério Alves constituía, sem qualquer dúvida, a voz e a imagem de uma maneira diferente de estar na advocacia, de falar das coisas do Direito e da Justiça como efectivamente Rogério Alves sabe falar para dentro e para fora da Ordem. Conheço o novo bastonário. É um bastonário novo mas atento às questões actuais do Estado de Direito. Alguém muito consciente das grandezas e misérias da profissão. Que conhece a advocacia como poucos. A Ordem precisava de um dirigente assim. E o nosso sistema de Justiça bem anda necessitado de novos protagonistas e de protagonistas novos.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2004

SCUT's 2

Qualquer que venha a ser o Governo saído das próximas eleições vai confrontar-se com a necessidade de rever o modelo de financiamento das auto-estradas. O problema é que o País realizou infra-estruturas rodoviárias em anos quando os recursos públicos (próprios e comunitários) só consentiriam fazê-lo em décadas.
Qualquer que venha a ser a solução, espera-se que o “economicismo” imediatista não esqueça as superiores directivas do nosso ordenamento. A Constituição obriga os decisores a pensar na coesão de um País muito desigual nos seus níveis de desenvolvimento. A Lei de Bases do Ordenamento do Território determina ao Estado, como teleologia das suas políticas, a obrigação de salvaguardar e valorizar as potencialidades do interior, contendo o despovoamento e incentivando a criação de oportunidades de emprego. Onerar as regiões mais desfavorecidas, recentemente servidas com rodovias que permitem, finalmente, dispor de infra-estruturas de há muito conhecidas nas regiões interiores da Europa será, seguramente, um retrocesso nas políticas de coesão interna. Não se esqueçam os decisores – mas também os teóricos a quem foram encomendados os estudos que fundamentarão uma decisão já tomada – que neste exercício de equilibrar níveis de desenvolvimento regional não está só em causa o mundo rural. Está também em questão a qualidade de vida das nossas cidades e a sua sustentabilidade. A falta de oportunidades e de condições para o desenvolvimento das regiões menos favorecidas é estímulo aos fluxos migratórios do campo para a cidade. E os ritmos da acomodação desta aos problemas urbanos trazidos pela maior pressão demográfica são sempre inferiores ao tempo necessário para encontrar soluções. Não sou eu que o digo. É a História. Desde o século XIX que é assim…

JMFAlmeida

SCUT's 1



Os órgãos de comunicação social já vaticinam o adiamento, entre muitas outras, da decisão sobre o fim do actual modelo de financiamento das auto-estradas concessionadas em regime de SCUT (sem custos para o utilizador). Razão: só em Março de 2005 se prevê que estejam concluídos os estudos sobre os diversos impactos da alteração do modelo (leia-se, passagem para o sistema de portagem paga pelo utente). Estranho que se anuncie como firme uma decisão e após esse anúncio se encomendem os estudos que a haverão de fundamentar!
Em Março suposto é existir novo Governo. Veremos então se os responsáveis subscrevem a visão do actual ministro e do actual Executivo sobre o assunto.
Se as portagens ainda são virtuais, o problema não o é, de facto. A questão resultou de uma decisão de um ministro de um Governo que quis mostrar mais obra que a feita pelo ministro do Executivo que o antecedeu. Pela soberba do ministro que convenceu os seus pares pagará afinal o País uma pesada factura. De uma maneira ou de outra.
Que pelo menos se aproveite para o futuro a lição: a gestão da res publica não é uma competição para apurar quem faz mais. A boa governação assenta na vontade de fazer o possível, e dentro do possível o melhor, com os meios que se têm ao dispor. Sem comprometer o futuro. Realizar sem meios é ilusão. Dizer que se faz sem recursos e sem condenar o futuro é exercício da mais pura e condenável demagogia.

JMFAlmeida

Insensatez

“Às vezes quero crer mas não consigo
É tudo uma total insensatez
Aí pergunto a Deus: escute, amigo
Se foi pra desfazer, por que é que fez?”

São demais os perigos desta vida - Toquinho – Vinicius
JMFAlmeida

quinta-feira, 2 de dezembro de 2004

Triste agonia

Santana Lopes só pode queixar-se de si próprio. Sentindo-se vítima das circunstâncias, só poderá olhar para os seus actos para tentar compreender o que lhe aconteceu. A começar, pela forma como constituiu o seu Governo. Aí estavam os primeiros sinais de irresponsabilidade, do amiguismo, da cedência aos pequenos interesses, da falta de liderança e de sentido de estado. Todos os episódios que se seguiram confirmaram esses sinais. Não vi um único caso, uma única polémica, que resultassem de opções fundamentais para o futuro da sociedade portuguesa. Porque deixou de haver uma ideia para o futuro, um desígnio e uma estratégia para fazer sair o País do atoleiro em que há muito se encontra. No Congresso de Barcelos uma só ideia esteve presente: como ganhar as próximas eleições para que se conserve o poder. Este é o sustento dos falsos unanimismos. Esta é a triste agonia de quem se iludiu com o poder que lhe caíu no regaço.

terça-feira, 30 de novembro de 2004

Connaught Place



A fotografia foi tirada há dias em Connaught Place no centro de Nova Deli. Mas poderia ter muitos outros cenários. Poderia ter sido tirada em outras paragens da Ásia. Ou na África devastada pela guerra ou depauperada pela corrupção. Na América do Sul...
Ao longe distinguiam-se as silhuetas e o movimento de crianças e de animais. Julguei tratar-se de um parque infantil naquela que é uma das áreas mais cosmopolitas da grande cidade. Mas a foto documenta uma realidade bem diferente. Retratam a execução de aterros para a construção de um centro comercial. A mão-de-obra é infantil e feminina. A dureza do trabalho dificilmente imaginável mas pacientemente suportada por quem precisa de garantir pelo menos uma refeição por dia. Os miúdos que carregam os burros não devem ter mais do que 8 anos. As mulheres, mesmo grávidas, partilham do esforço das crianças sobre um calor sufocante. Uma das faces da realidade de um mundo que o ocidente faz por ignorar.
No momento em que registava esta imagem, precisamente em Deli, próximo daquele local, reuniam-se especialistas de muitas nacionalidades numa conferência planetária destinada a debater nada mais nada menos do que a importância do capital humano e a relevância da formação e da educação na economia global e no desenvolvimento. A escolha do local da conferência internacional pode não revelar cinismo, mas a concreta circunstância não deixou de me parecer um paradoxo.
De volta ao hotel dediquei-me a ler alguma da documentação distribuída. Atentei nas informações sobre o Estado anfitrião. Mais de 70% do quase bilião de seres humanos que ali fazem pela vida tem menos de 35 anos. 29 milhões nascem em cada ano. Daquele bilião, só 6% atinge um nível escolar acima dos patamares mínimos da literacia. 73% dos que obtêm grau de licenciatura ou superior estudaram artes…
A outra Índia, é a do encantamento. A Índia das grandezas passadas. Dos locais de sonho. Dos Fortes Vermelhos de Deli e de Agra. Do Palácio do Vento de Jaipur. Do Taj Mahal ao cair do dia. Dos mercados da Old Delhi e do cheiro intenso a especiarias. A India das majestosas heranças dos diferentes Impérios.
Dessa não escrevo.
Pelo menos enquanto não desaparecerem as imagens que registei em Connaught Place naquele fim de manhã de um fim de Novembro de 2004. Tal como não me apeteceu falar das belezas do sul de Angola depois de visitar um centro de crianças órfãs de guerra, sem nome, algures na região de Benguela, num centro de acolhimento de uma ONG. Nunca desapareceu a impressão dessas imagens. A sensação do mais absoluto desprezo pela vida e condição humanas. Que a tudo se sobrepôs.

JMFAlmeida

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

O Estado dos Orçamentos

Chocante, mas não surpreendente, o artigo de Medina Carreira no Diário Económico , oportunamente reproduzido pela Grande Loja. Um retrato a preto e branco, mas justificadamente sombrio, da evolução das contas públicas portuguesas nos últimos vinte e cinco anos, o mesmo é dizer, um indicador da estrutura do Estado português e da sua evolução. Lições a tirar:

  1. A tese do "Monstro" mantem-se actual em toda a expressão por que foi formulada. Diria mesmo que essa expressão foi muito modesta relativamente à dimensão do fenómeno que queria traduzir.
  2. O problema não é do partido A ou B, entre os três ou quatro que por lá passaram, é um problema, no mínimo, de regime.
  3. A realidade confirma a intenção: Portugal é uma democracia a caminho do socialismo, afirma-o o preâmbulo da Constituição, ainda que a ideia tivesse sido depurada no articulado.
  4. Quando a despesa pública passa de 30,9% do PIB em 1980 para 50,6% em 2004 só poderemos concluir que há uma parte da sociedade portuguesa que beneficiou desta expansão e houve outra que sustentou e sustenta a primeira. Resta ainda uma terceira parte: a dívida, a pagar pelas próximas gerações. Eleger os "políticos" como os principais responsáveis é fácil. A responsabilidade política serve para tudo, principalmente para esconder as responsabilidades que todos temos em alimentar ao "Monstro".
  5. Considerando a hipótese da irreversibilidade da tendência, poderemos contar com uma despesa pública perto dos 97% do PIB, em 2030.
  6. Se houver um Partido apostado em fazer parar o crescimento do "Monstro" não pode contar com o actual sistema político para o ajudar. A experiência do Governo Barroso é sintomática. Há um problema de governabilidade do Estado e da sociedade portuguesa que inibe qualquer esforço de reforma. Não há nenhum partido que esteja disposto a governar para perder as eleições a seguir. Mesmo que a tal estivesse disposto, a sua acção seria facilmente travada pela arquitectura constitucional e institucional.
  7. Por isso, parecem-me perfeitamente inúteis e ridículas algumas das polémicas em torno do OE 2005. Deixo duas perguntas, decorrentes de duas hipóteses meramente académicas, para reflexão do leitor: 1) Barroso ainda seria Primeiro-ministro: apresentaria um orçamento muito diferente do que foi apresentado por Santana Lopes? 2) Sócrates já seria Primeiro-ministro: apresentaria um orçamento muito diferente do que apresentaria Guterres? E entre todos, seriam substancialmente diferentes?

Convido o leitor para o excerto da obra de Anselmo de Andrade que titulei em post de Anarquia Mansa. Diz tudo, com a vantagem de o ter dito em 1911. Quanto ao título do artigo de Medina Carreira - O Titanic afunda-se e a orquestra toca! - permitam-me discordar: a orquestra já não toca (Cf. post A Banda ) e o Titanic deu à costa:

Foto: Miguel Mealha, Broken Santa Maria


domingo, 21 de novembro de 2004

Desenvolvimento sustentável

Preocupante descobrir que de tão utilizada a expressão começa a dissolver-se na sua própria banalização. E é tão simples quanto o traduz o velhíssimo e sábio provérbio queniano:
´Trata bem a Terra. Ela não te foi dada pelos teus pais. Foi-te emprestada pelos teus filhos´.


"The Haunted Tree"by David Julian

Lembrança de JMFerreira de Almeida

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

Oceanos

Um desígnio nacional para o século XXI. Cinco objectivos estratégicos propostos pela Comissão Estratégica dos Oceanos:
  1. Valorizar a associação de Portugal ao oceano como factor de identidade.
  2. Assegurar o conhecimento e a protecção do oceano.
  3. Promover o desenvolvimento sustentável da economia.
  4. Assumir posição de destaque e especialização em assuntos do oceano.
  5. Construir estrutura institucional moderna de gestão do oceano.
A riqueza das ideias e das propostas justifica o título do Público: Portugal à procura da sua identidade nos oceanos. Atribuir a Portugal uma nova identidade, tornando-o protagonista mundial no que diz respeito aos oceanos, pode ser a nova missão do país.

Muito bem! O relatório está feito e agora?

Pedro Câmara, "... do Restelo"

"Oh gloria de mandar! Oh vãa cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos fama!
Oh fraudulento gosto, que se atiça
C'huma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho, e que justiça
Fazes no peito vão, que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades nelles exp'rimentas!

Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto IV, Est. XCV
Edição (desenterrada da estante) do Visconde de Juromenha (1870).


Talvez a propósito, a expressão do mito republicano da identidade perdida:

"No presente, a mais completa e dolorosa carencia d'um sentimento nacional, e portanto d'uma ideia directriz governativa; a pulverisação literal da sociedade; o isolamento e a indisciplina dos espiritos, o antagonismo e a dispersão das vontades, a secura e o retrahimento das almas, com tanta eloquencia revelados na pobreza e contradicção das ideias, na fraqueza e incoherencia dos actos e na ausencia de larga sympathia reciproca, effusiva, moralisadora e humana; e - consequencia inevitavel - em todos nós, sem excepção, um fermento de iiritabilidade e de amargura, um como sentimento constante de que estamos a falhar deploravelmente na vida, como homens e como povo.
(...)
Recordar de passagem que a ideia de Patria se abysmou nas profundezas do mar, ao fazermos a travessia de Lisboa a Calecut (...).

Bazilio Telles, O Problema Agricola, Porto, 1899, pp. 257-8.

Tudo é tão recorrente.

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

Uma ideia para o País

Francisco Assis lamentava-se em Barcelos: do Congresso do PSD "não saiu uma única ideia para o país". Sócrates mandou Assis a Barcelos para ver se encontrava uma ideia para o País: regressou de mãos vazias, fazendo mergulhar o PS numa profunda depressão. O PS também não tem uma ideia para o país. Sócrates já percebeu que o "choque tecnológico" só serviu para consumo interno. O País não lhe deu ouvidos porque todos percebem que a tecnologia de pouco serve sem educação, sem formação, sem cultura. Guterres já o havia tentado, sem sucesso. Resta-lhe esperar pelo próximo Congresso, o do PCP. Sócrates manda o Raposo a Almada e fica ansiosamente a aguardar que lhe tragam o arremedo de uma ideia. No mínimo, um poster de Jerónimo de Sousa e a oportunidade de crescer um pouco mais à esquerda.

domingo, 14 de novembro de 2004

A Banda



Foto: Miguel Mealha, "Band, religious holiday"

A Banda espera, enquanto a procissão ainda vai no adro. Todos tocam de ouvido, falta a pauta e não se enxerga o maestro.

domingo, 7 de novembro de 2004

Anarquia mansa

É de uma grande monotonia a nossa história financeira. Nas suas linhas gerais cifra-se em gastar mais do que se tem, fazer deficit e pagar mais tarde com empréstimos. Tal é o seu lacónico sumário.
(...)
Causas de ordem económica, e causas de ordem política, explicam esta desagradável situação. As guerras, as aventuras marítimas, o estímulo das grandezas alheias, a paixão do fomento, o progressivo alargamento da acção do Estado, a diminuição do poder comprador da moeda, foram causas económicas de aumento das despesas, e da consequente acumulação de dívida. Acrescentem-se as causas de ordem política, como são as tendências a considerar cousa alheia o dinheiro do Estado - como se o Estado não fôssemos nós todos - e a geral ambição de melhorar as condições de vida, tão própria do nosso país como de outros, sem distinção de território, de clima, de população ou de forma de governo, e está explicada a persistência do deficit orçamental, e a grandeza da nossa dívida pública.
(...)
Não é Portugal, na estreiteza do seu território europeu, menos difícil de governar do que outras nações de maior quinhão na carta do mundo, sendo deveras complicado o seu organismo nacional. Na sua composição entraram tão variados e opostos elementos, sem nenhum preponderante a dominá-los e a dirigi-los, que logo desde o seu princípio lhe faltaram a coesão e a unidade, que o absolutismo lhe emprestava, mas que nunca veio propriamente a adquirir, e portanto o espírito de associação e solidariedade, que são as suas consequências. Da falta destas qualidades, indispensáveis para que uma nação seja um todo bem composto, resultou uma anarquia mansa, que neste meio de impulsivos meridionais se manifesta muitas vezes pela indisciplina em baixo, e pela desunião em cima.

Anselmo de Andrade, Relatório e Propostas de Fazenda, 1911.