Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Eleições, celebrações e amiguismos

Ontem, não gostei do triunfalismo de Seguro perante a vitória retumbante, como também não gostei do conformismo de Passos Coelho, perante a derrota evidente. E as conclusões de Seguro, quanto à penalização do desgoverno ou a ausência de golpe de asa de Coelho para insuflar ânimo nos companheiros, transformaram os discursos em comentários de politólogo de terceira apanha, dizendo o óbvio, mas não falando no essencial.
De facto, o PS ganhou: ganhou em votos e no número da câmaras. Mas não de forma retumbante, pois quer a percentagem, quer o número de votantes foram inferiores aos valores de 2009. Mais relevante, não parece que o desgoverno tenha influenciado a transferência de votos para o PS. Nomeadamente, o eleitorado central do PSD decidiu-se maioritariamente ou pela abstenção ou pelo voto nas listas independentes próximas ou mesmo de militantes no partido, mas que foram preteridos pela liderança do PSD. Aliás, as coligações do PSD com o CDS ou com partidos minúsculos em termos de simpatizantes quase antigiram os 36% obtidos pelo PS. O voto de protesto em listas de independentes por parte do eleitorado social democrata em municípios  tão importantes como o Porto, Oeiras e Portalegre não foi um voto que se juntou ao do PS contra o Governo, mas, sim, um voto contra a nomenklatura do PSD. Exemplo claro de rejeição de candidatos mal escolhidos.   
Em Lisboa, por exemplo, a taxa de abstenção de 55,5% só é compreensível pelo “boicote” activo dos militantes social-democratas ao candidato que lhes foi imposto. O voto social-democrata ficou recolhido e não engrossou o resultado de António Costa. Já em Gaia e em Sintra, o voto social-democrata dividiu-se pelos maus candidatos do partido e pelos candidatos independentes da área social-democrata, com uma votação conjunta nos dois superior à votação no PS. De facto, o amiguismo descarado (com excepção do Porto onde não seria fácil vetar Luís Filipe Meneses) constituiu o pior critério de escolha dos candidatos
Ao contrário, em Braga e na Guarda, com candidatos bem aceites, a vitória do PSD ter-se-á devido a uma afluência significativa às urnas dos simpatizantes do PSD, já que a votação nestes distritos foi das mais elevadas do país.
Ganhando nos concelhos apontados, como podia ter ganho, com a escolha inteligente e óbvia para a liderança das suas listas dos nomes que vieram a formar as candidaturas independentes, e tendo conquistado capitais de distrito como Braga e Guarda, substancialmente diversa seria a imagem ontem dada pelo PSD. Os militantes e simpatizantes cumpriram. Os dirigentes, preferindo o amiguismo, deitaram tudo a perder.
O PSD foi assim penalizado por culpa própria. Mas, por isso mesmo,  apesar da vitória, o resultado não foi brilhante para o PS. Por isso, se eu fosse do PS, não embandeirava em arco. E, se fosse adepto do Seguro, segurava-me com toda a força.
Com a crise que atingiu os portugueses, o não ter o maior partido da oposição concitado uma viragem essencial no eleitorado e ficar até com uma percentagem inferior à que teve em 2009 constitui  motivo para alguma apreensão. E nunca para qualquer festejo. Apesar de ter ganho, como é óbvio. 

Banalizações problemáticas...

A expressão "segundo resgate" banalizou-se no espaço político e mediático. Um assunto tão sério merecia ser tratado de outra forma. Uma expressão que tem sido utilizada diariamente aos longos das últimas semanas, servindo estratagemas políticos que as pessoas comuns não entendem. Ficam, sim, assustadas. Uma banalização que serve e alimenta estratégias mediáticas à custa das quais jornais e televisões se dedicam a análises e comentários sem fim. Toda a gente opina sobre o assunto, fazem-se vaticínios, é uma fatalidade, vai acontecer, só não se sabe quando e como ou ainda é prematuro dizem outros numa versão light ou ainda outros que chamam a atenção para o nome, "segundo resgate" não é a expressão adequada. Uma técnica que não informa, geradora de confusões e dúvidas, tem tudo para não correr bem.
O que as pessoas normais entendem é que algo de errado se está a passar. Depois de tantas doses de austeridade - aumentos de impostos, cortes nos salário que afinal de provisórios nada tinham, aumento exponencial do desemprego, reduções nas prestações sociais, aprofundamento dos níveis de pobreza e privação que atingem uma parte significativa da população - como se explica, então, que as metas do défice não tenham sido atingidas e todos os anos tenham que de novo ser corrigidas, desta vez, aliás, com grande vigor na praça pública. E de repente, eis que surge um "segundo resgate".
Os portugueses andam com a esperança muito em baixo, a braços com tantas dificuldades, muitos a viverem na sobrevivência e muitos a lutarem com todas as forças que têm e que não têm pelas suas empresas e postos de trabalho, que falar de um "segundo resgate” - que aliás entrou no léxico da opinião pública com uma  simplificação absurda - só pode piorar a falta de confiança que tomou conta do país. Mas quando alguém toca as campainhas de que a Troika está a trabalhar num "segundo resgate", então surgem os comunicados, conjuntos e sem ser em conjunto, os directos e indirectos que desmentem linha por linha uma tal situação, não há nenhuma negociação, o assunto não está na agenda. E os portugueses o que podem pensar, que não passou tudo de um mal entendido, que ouviram mal?

Solidões



Os "escolhidos" e os escolhidos

Um abanão, foi o que foi, aos partidos políticos que se esqueceram de que os militantes não são acéfalos e sabem distinguir quando lhes pedem que votem para escolher ou quando apenas contam com a sua obediência para sufragar os que foram apresentados como "escolhidos". A democracia é sempre uma grande lição, não vale a pena tentar procurar razões longe disto, basta ver as diferentes "surpresas" por esse país fora, de cores variáveis.

domingo, 29 de setembro de 2013

Lucros de hoje: investimento e emprego de amanhã

Os lucros de hoje são os investimentos de amanhã e os empregos de depois de amanhã. 
Quem proferiu esta frase não foi um qualquer perigoso neoliberal dos nossos dias. Foi o social-democrata Helmut Schmit, antigo 1º Ministro da Alemanha, em 1974.  Quando, já na altura, definiu e prosseguiu o objectivo de redução do défice público. Porque sabia que mais défice significava mais impostos ou mais juros, logo menos investimento e menos emprego.   

Em dia de decisões locais...

... dois excelentes depoimentos sobre Portugal e sobre a Europa.
O primeiro de Felix Ribeiro no Jornal i sobre a forma de uma entrevista particularmente lúcida, a lembrar-nos que há afinal quem olha para a realidade e consegue vê-la nitidamente a cores, que não estamos condenados à escala de cinzentos com que muitos a pintam. 
O segundo, um artigo de Daniel Innerarity na edição de hoje do Público - "Quem assegura a democracia na União Europeia", no qual o filósofo basco  observa o posicionamento do Tribunal Constitucional Federal alemão e conclui que a Europa não pode reduzir-se às alternativas que têm sido apontadas para sair da encruzilhada em que hoje se encontra, ou Estados ou integração, ou o comum ou o próprio. O artigo é de antologia. Daqueles, poucos, que vale a pena guardar pelo retrato realista e pela claridade do pensamento. Mas também porque aos portugueses suscita uma interrogação imediata: e se o nosso Tribunal Constitucional se reclamasse da posição do seu congénere alemão e considerasse que as principais decisões europeias deverão passar pelo crivo da Lei Fundamental portuguesa, o que diriam os nossos parceiros, em especial a Alemanha que não prescinde do controlo das medidas comunitárias pelo Bundesverfassungsgericht?

O resto do que se ouve ou lê nos media é mais do mesmo, próprio da Era do Vazio a que se refere Lipovetsky, manifestações do "desenvolvimento generalizado do código humorístico".

O exemplo alemão

A Convenção do Partido Social-Democrata Alemão autorizou o início de conversações com a CDU e Ângela Merkel, tendo em vista a uma Grande Coligação para governar a Alemanha. A Alemanha, o país mais rico e próspero da Europa e que os grandes partidos querem que assim continue.
Porque os partidos políticos pensam no povo, a estabilidade política é para eles um imperativo e as coligações partidárias um hábito enraizado. Aliás, a estabilidade alemã deve-se muito à estabilidade governativa: desde a criação da República Federal, em 1949, a Alemanha teve apenas 8 Primeiros-Ministros.
Tendo como referência, em Portugal, o período posterior ao 25 de Abril, a Alemanha teve 4 Primeiros- Ministros: Helmut Schmit (1974 a 1982), Helmut Kohl (1982 a 1998), Gerhard Schroeder (1998 a 2005) Ângela Merkel ( 2005…) Em Portugal, só governos constitucionais, foram 16. E pouco menos Primeiros-Ministros.
Com Helmut Schmit, coexistiram Mário Soares, Nobre da Costa, Mota Pinto, Maria de Lurdes Pintasilgo, Sá Carneiro, Pinto Balsemão.
Com Helmut Kohl coexistiram Pinto Balsemão, Mário Soares, Cavaco Silva, António Guterres.
Com Gerhard Schroeder, coexistiram António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes.
Com Ângela Merkel, coexistiram Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho.
Enquanto os prósperos alemães procuram e encontam consensos e, por isso, são fortes, por cá os líderes políticos entretêm-se em criar divisões e confrontos. Uma perfeita imbecilidade, ainda maior quando, para a encobrir, alguns atribuem à Alemanha a culpa das nossas dificuldades.  

sábado, 28 de setembro de 2013


Cento e vinte gloriosos anos de uma grande instituição nacional.
Um clube ecléctico, campeão em todas as modalidades. 
O clube com mais títulos no futebol nacional
O clube português com mais títulos no futebol europeu e internacional, duas vezes campeão europeu, duas vezes campeão mundial. 
Uma significativa contribuição para a economia e para o equilíbrio da balança de pagamentos, através da exportação do valor acrescentado que confere aos seu capital humano.
Independentemente das cores clubísticas, merece os parabéns e a saudação de um país inteiro. 
Os meus parabéns também. E votos de muitos mais felizes anos para os seus dirigentes, sócios, adeptos, simpatizantes. E atletas, porque sem eles não há clube. 

Madeixa

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Os "has been" e os proscritos


Uma vez ouvi alguém definir uma prestigiada instituição como a dos "has been", porque só lá se chegava depois de um percurso profissional digno de referência.
É muito comum só nos interessarmos por alguém depois de saber "o que é que faz", a nossa identidade é definida socialmente pela vida profissional, pelo que somos, pelo que fomos ou, quando jovens, pela ambição quanto ao que queremos "ser".  A menos que nos conheçam de pequeninos...
Por muito que nos custe, a apreciação das qualidades pessoais tem que passar essa barreira para finalmente se chegar ao valor de cada pessoa. Por isso é particularmente cruel o sentimento de que essa identidade é apagada ou que se vai desvanecendo, fazendo sumir o mundo das referências que permitem a integração, levando a uma sensação de "proscritos". Um proscrito é destituîdo da sua identidade, podendo até ser considerado um pária da sociedade, alguém cuja utilidade social se desconhece e que os outros estão dispensados de respeitar e proteger em funçâo do que seria aquele "eu". Em regra, esse processo é gradual na velhice, atenuado quando há laços familiares ou de vizinhança antiga, mas pode ser brusco com mudanças radicais de vida que obrigam a conquistar de novo a identidade perdida ou a contruir uma outra, quando há tempo e oportunidade para isso. Mas também há muitos exemplos históricos em que esse apagamento de identidade abrange grupos sociais inteiros, como nas revoluções ou quando é preciso mudar rapidamente a ordem social anterior e dar lugar aos novos ou simplesmente a outros. Nesses casos, há um "julgamento", explícito ou implícito, destinado a encontrar a "culpa" que conduz à marginalização pois, sem esse processo, os proscritos passariam de condenados a vítimas, o que faz toda a diferença para a paz de espírito de quem ditou a sentença e a aceitou.
Um proscrito vê-se privado do seu "has been" e tanto basta para se sentir totalmente fragilizado, levando-o a isolar-se e a ser ele próprio o agente da sua segregação social.

Pode resultar bem, se bem feito...

Parece-me positiva a medida do Ministério da Segurança Social de reforçar o papel das instituições de solidariedade social (IPSS) no acompanhamento das pessoas e famílias com carências económicas que recorrem a apoios junto da Segurança Social.
Com o aumento do desemprego e a redução do rendimento disponível, aumentou o número de famílias que perderam autonomia económica, muitas delas em situação de pobreza. Os serviços da Segurança Social têm vindo a demonstrar dificuldades em, por um lado, responder prontamente aos pedidos e, por outro lado, acompanhar as famílias apoiadas. Não têm técnicos suficientes, por exemplo, na área da assistência social. As necessidades cresceram, e  muito, mas a capacidade de gestão da acção social não acompanhou a nova realidade.
As IPSS estão preparadas, pela sua vocação e pela sua proximidade às pessoas, para ajudarem com humanidade e qualidade quem precisa. Esta medida poderá permitir resolver as dificuldades de capacidade de resposta da Segurança Social transferindo para as IPSS competências que estão comprovadamente preparadas para receber. A medida poderá, se for bem desenhada, aumentar o rigor na atribuição de prestações sociais e no acompanhamento dos deveres a que as famílias que delas beneficiam ficam obrigadas a cumprir, como deve acontecer, por exemplo, com o rendimento social de inserção.
É uma medida reformadora, no sentido em que o Estado, neste caso a Segurança Social, contrata terceiros, neste caso o sector social, mediante um preço e condições de meios e resultados. Uma medida que se espera responda melhor às necessidades das pessoas - não perpetuando situações de dependência, mas antes contribuindo para a sua inclusão social - e contribua para uma melhor utilização e poupança dos recursos públicos, designadamente despesas de funcionamento e despesas com subsídios e apoios sociais. Mas para que assim seja, é necessário que o Estado saiba contratar, medir e controlar. O que se exige é que os recursos públicos sejam responsável e rigorosamente geridos e utilizados pelas pessoas que efectivamente necessitam.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Consolidação e Crescimento: ainda o Discurso do PR

O discurso do PR sobre uma consolidação orçamental amiga do crescimento suscitou aqui, no 4R, um lúcido e oportuno post do Tavares Moreira, com o qual não deixo de concordar. No entanto, dada a importância do tema, junto algumas notas.
1. O Presidente escolheu como oportunidade para falar do tema não uma qualquer iniciativa no âmbito dos serviços públicos, mas um encontro com representantes de empresas start-ups de diversos países. Com isso, naturalmente, o Presidente quis significar que concebe o crescimento como efeito da iniciativa empresarial, e não como consequência de mais despesa pública ou de intervenção do Estado.Tanto é assim que, frisou, a comunicação social deveria dedicar mais espaço à divulgação das iniciativas empresariais, nomeadamente dos jovens empresários de "talento", abertos à inovação e que são "o motor da mudança" do tecido empresarial e "os verdadeiros alicerces da criação de uma economia portuguesa sustentável".
2. É óbvio que, na actual conjuntura, o crescimento só poderá fazer-se através da iniciativa privada, competindo ao Estado criar as condições para tornar o investimento atractivo, com menos custos de contexto, menos burocracia, menor carga fiscal, logo menos despesa pública. Pois é o nível absolutamente desproporcionado que esta atingiu, pelos seus efeitos directos na carga fiscal e nas dificuldades de financiamento da economia, que constitui um dos grandes entraves ao normal desenvolvimento da actividade económica, impedindo assim investimento, emprego e o bem-estar dos cidadãos portugueses.
3. Ao mesmo tempo, é certo que despesa pública em excesso origina empolamento dos serviços, criando mais burocracia, mais custos de contexto, levando a um verdadeiro condicionamento industrial, de diferente tipo do de Salazar, mas nem por isso menos violento e esmagador. E que leva inevitavelmente à corrupção.
4. Um reparo se pode fazer ao discurso do Presidente, quando, ao invés de aconselhar os políticos a reservarem "mais espaço para falar dos factores de crescimento económico e de criação de emprego", os deveria instar a acordarem nas medidas atinentes ao crescimento e ao emprego e a concretizá-las.
5. Interpretações das palavras do Presidente de associação de crescimento económico a mais despesa pública parecem-me assim absolutamente descabidas. Porque o Presidente sabe melhor que ninguém que crescimento por via de mais despesa pública é uma ilusão, já que não há quem a pague. E que uma consolidação orçamental por via do aumento dos impostos também é rematada tontice, porque prejudica o crescimento.
6. Consolidação orçamental e crescimento económico só por via do investimento. Urgente é torná-lo atractivo. Uma medida que não custa dinheiro, mas implica acabar com os lóbis das burocracias. O que é tanto mais difícil quanto cada vez mais os governos são constituídos por burocratas, que desconhecem que há sempre um modo de bem fazer as coisas. Burocratas, mesmo que se digam políticos.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Consolidação Orçamental amiga do Crescimento? Mas porque não?!

1. O PR terá afirmado hoje que precisamos de uma Consolidação Orçamental que seja amiga do Crescimento/Emprego...

2. Ao mesmo tempo terá exortado os “agentes políticos” a falarem mais em Crescimento...sendo certo que, quanto a esta exortação, ela parece de reduzida utilidade pois se há coisa que os ditos “agentes políticos” gostam de fazer é falar de Crescimento, a torto e a direito, quando podem e devem faze-lo e, com a mesma convicção, quando não podem ou não devem...

3. Relativamente à primeira questão, de apelar a uma Consolidação amiga do Crescimento, já tem algo mais que se lhe diga...

4. ...em 1º lugar, porque recomendar essa relação de amizade supõe que possa existir uma Consolidação que é inimiga ou pouco amiga do Crescimento, o que até é verdade e temos no corrente ano um exemplo vivo disso, com um forte aumento da carga fiscal a compensar um aumento muito pouco decente da despesa pública (vide a execução orçamental até Agosto, ontem divulgada)...

5. ...mas ainda estamos recordados das razões que ditaram esse aumento da despesa pública, não é verdade?

6. Em 2º lugar, neste tipo de declarações, há sempre vantagem em ser um pouco mais explícito, procurando caracterizar o fundamento das relações de amizade entre a Consolidação e o Crescimento: será importante, por exemplo, não esquecer o papel da Consolidação Orçamental como adjuvante do processo de correcção dos desequilíbrios da economia que, como em Post ontem editado, entre nós evidencia elevado sucesso...

7. Seria ainda útil deixar claro que uma Consolidação amiga do Crescimento, atentando na nossa realidade, deverá ser feita pelo controlo/redução da despesa e não pelo aumento da receita, uma vez que são reconhecidamente excessivos os níveis de fiscalidade, de despesa e de dívida pública...

8. Mas já não foi mau o PR ter admitido a amizade entre Crescimento e Consolidação Orçamental, numa altura em que não faltam “agentes políticos” que a cada passo papagueiam a inimizade entre os dois conceitos, insistindo na ideia de que a Consolidação (que apelidam depreciativamente de Austeridade) é responsável pela quebra da actividade e pelo elevado desemprego, esquecendo que essa responsabilidade é atribuível, em primeira linha, às políticas que tornaram a Consolidação inevitável...

Cartoon


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Nós não somos alemães!...

Estes alemães são mesmo uns "chatos" e não têm ponta de imaginação. 
Então não é que, na noite eleitoral, todos os líderes políticos, à excepção dos vencedores, declararam, sem hesitação, que perderam as eleições e não alcançaram os seus objectivos?
Viessem eles no domingo a Lisboa e logo aprenderiam como é que ninguém perde eleições em Portugal. E como logo todos conseguem falar como se as ganhassem!... 


Follow up: Do you understand?

O ministro da educação afirmou ontem perante o Conselho Nacional de Educação: "Temos de introduzir o Inglês no currículo do ensino básico".
Fez bem o ministro em ter arrepiado caminho da decisão de terminar com o inglês obrigatório no 1º Ciclo. Fez ainda melhor em ter dado o sinal de que é necessário incluir o inglês no currículo escolar do ensino primário, deixando de o tratar como uma actividade de ocupação dos tempos livres. Só não disse quando.

Contas externas: (bastante) boas notícias em Julho...

1. Divulgada a 19 do corrente, a edição mensal do Boletim Estatístico do BdeP (um excelente documento, este Boletim) mostra uma evolução bastante favorável das contas com o exterior para os primeiros 7 meses do ano, começando pelo saldo positivo da Balança Corrente, de € 561 milhões (até Junho registava-se um défice de € 142 milhões).

2. Quanto à Balança de Bens e Serviços, apura-se um saldo francamente positivo, de € 1.692 milhões (já supera 1% do famoso PIB), graças ao crescente saldo positivo nos Serviços, de € 5.186 milhões, que excede em 15% o registado em igual período de 2012 e que mais do que compensa o défice dos Bens (de € 3.494 milhões, menos 25,5% do que o défice do mesmo período de 2012).

3. Importante ainda é o comportamento do saldo conjunto das Balanças Corrente e de Capital, registando um superavit de € 2.402 milhões (€ 561 + € 1.841), ou seja 1,5% do PIB – é este saldo que nos indica se a economia se está endividando ou desendividando em relação ao exterior, sendo óbvio, em função do valor apontado, que o processo de desendividamento está mesmo em curso...

4. Como já aqui afirmei, por mais de uma vez, este é o aspecto mais importante do ajustamento da economia, aquele que serve melhor que qualquer outro para aferir da eficácia do PAEF: daí certamente o quase total silêncio a que estes dados foram votados pelos “media”...

5. Os números agora apontados traduzem-se numa autêntica revolução no desempenho da economia, bastando recordar que os défices da Balança Corrente nos 3 anos anteriores foram de € 18.269 milhões em 2010 (ano de ouro do período socrático), de € 11.983 milhões em 2011 e de € 2.557 milhões em 2012.

6. Esta mudança radical é devida, em primeiro lugar, a um extraordinário esforço das empresas privadas em geral – empresários e trabalhadores - que em condições excepcionalmente adversas e suportando imensos sacrifícios se mostraram capazes de fazer o necessário para corrigir os enormes desequilíbrios da economia, conquistando novos mercados e expandindo as suas vendas de bens e de serviços para o exterior...

7. ...Contrastando com um comportamento bastante pouco responsável de um sector publico administrativo e empresarial que, apesar de alguns progressos, mostra uma enorme resistência em compreender a necessidade do País travar o seu endividamento, aceitando reduzir a fatia dos recursos que absorve...

8. Espero bem que este extraordinário esforço do sector empresarial não venha a ser traído por um comportamento irresponsável de uma fatia considerável da classe política, com a inestimável ajuda de uma determinada jurisprudência obstinadamente agarrada à ideia do Escudo, lançando o País numa nova crise financeira...

9. Fiquei muito mal impressionado com o artigo de ontem no Wall Street Journal, pensei quanto seria imperdoável lançar o País numa nova crise depois deste extraordinário progresso conseguido...

Seguro de irresponsabilidade

Enquanto os principais líderes europeus, entre os quais o Presidente socialista Hollande, saudaram a vitória de Merkel, o Partido Socialista português logo apareceu a garantir que a vitória de Merkel "é uma má notícia para a Europa".
Atitude de seguríssima inteligência política de quem diz estar seguro de ser 1º Ministro nas próximas legislativas. Com Merkel do lado de lá!...
Enfim, tenhamos dó. De nós, que não de gente tão segura!...

domingo, 22 de setembro de 2013

Mais um "sine die"...


Leio no Expresso (não encontrei a notícia em formato electrónico, razão pela qual não incluo o link) a justificação dada pelo SE da Cultura para o facto de o edifício do futuro Museu dos Coches estar parado. Julgo que há um ano ou mais. Está localizado junto ao Palácio de Belém, numa zona histórica e turística da Cidade. Passo lá muitas vezes. Tenho-me interrogado sobre o que se passa. Muita gente fará o mesmo. O edifício não está concluído. Museu nem vê-lo. Confesso que não me consigo habituar à ideia, não gosto daquele bloco de cimento de volumetria gigantesca, desfeia a paisagem. Pode ser uma grande obra arquitectónica, mas gostos e sensibilidades não se discutem. Fazia parte, segundo a notícia, das contrapartidas iniciais do Casino de Lisboa.
Mas quanto a custos não há gostos, há factos. Já foram enterrados na obra 35 milhões de euros. No entanto, a abertura do Museu dos Coches não está nos planos do SE: “O Governo não ignora a circunstância do Museu dos Coches, mas, para mim, neste momento, apesar de ser uma situação que queremos resolver, há outras prioridades, como seja garantir que as estruturas existentes possam desenvolver o seu trabalho apesar das condições de restrição em que vivemos, e que possamos dar aos agentes culturais e à população em geral uma oferta e fruição cultural desejáveis para um país europeu. O problema que se coloca ao Estado é um problema de mecanismos de fecho da obra e de gestão do equipamento. O montante estimado (…) é de 3,5 milhões de euros por ano. Ora, hoje, o actual Museu dos Coches não gera um terço disso. Multiplicar por três esta situação numa altura de contracção económica é um passo muito difícil. Para mim, neste momento, o que é uma prioridade é estabilizar o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado, garantir o funcionamento dos nossos museus, reabilitar o património em risco e promover a abertura de espaços patrimoniais à população.
Deixar a obra inacabada à mercê do tempo não parece ser uma boa decisão. Não que não fosse necessário um novo espaço para dar a conhecer a importante colecção de coches, a que está exposta e a que por falta de espaço não pode ser exibida. Com tantos espaços na zona da Ajuda para reabilitar, incluindo o Palácio da Ajuda, a opção poderia ter sido outra, mas não. O actual Museu dos Coches é, se não me engano, o museu mais visitado em Portugal. 
Enfim, um esbanjamento de recursos e uma ausência de planeamento é o que este caso demonstra. Mais um, a juntar a muitas outras “catedrais” que o país colecciona. Pelos vistos o novo Museu dos Coches está votado a um estado de sine die, não está incluído na prioridade de promover a abertura de espaços patrimoniais à população. Por quanto tempo?

sábado, 21 de setembro de 2013

Do you understand?

Ninguém hoje tem dúvidas sobre a importância das qualificações para o nosso futuro. Somos uma pequena economia aberta que precisa de competir no mercado global cada vez mais competitivo. Dominar a língua inglesa é, simultâneamente, uma questão de sobrevivência e uma mais-valia. É um ponto que não deveria merecer discussão. Veja-se o que a este propósito pensa a nossa Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal: valoriza o “ inglês como segunda língua desde a primária” como argumento para captação de investimento estrangeiro.
Todos sabemos como é difícil desenvolver a fluência de qualquer língua se a sua aprendizagem não se iniciar desde tenra idade. É, portanto, difícil de compreender a decisão do ministério da educação de terminar com a oferta obrigatória do inglês no ensino básico da escola pública. Uma decisão economiscista que a economia não agradece. Qual a justificação para arrepiar caminho em relação à política que vinha sendo seguida? Uma má decisão que tem tudo para dar mau resultado. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

"Ditado"...


Entrou revelando alguma dificuldade na visão, mas, mesmo assim, o olhar embaciado pelo tempo não conseguia esconder que ainda mantinha alguma vitalidade física e uma sabedoria interessante. A pele, encarquilhada pela idade e curtida pelo sol, dava-lhe um ar típico de uma figura retirada de um quadro a óleo de cenas agrícolas. Queixava-se de dores nas costas. Tudo aconteceu depois de andar a carregar baldes. - Mas andava a transportar baldes de água? - De água? Não! De milho, milho seco da eira para as arcas. Milho para o inverno. Não me foi difícil saber o que poderia estar por detrás. Mais algumas perguntas, e outras tantas respostas, às quais juntou esclarecimentos sobre o seu pequeno calvário, levou a que o rural, de olho baço mas vivo de sabedoria, começasse a mudar de entoação. Baixou de tom, começou a querer engasgar-se de propósito, denunciando que pretendia dizer algo que não devia. Apercebi-me da sua vontade, logo, utilizei uma estratégia de desinibição, permaneci calado e coloquei um ar de responsabilidade e de respeito pelo que iria dizer. - Sabe, senhor doutor, "quando o mal é prolongado até o diabo é culpado". - Como?! Perguntei. E o senhor repetiu mais uma vez face à minha admiração. - Curioso. Nunca tinha ouvido semelhante ditado. Sorri. Em seguida disse-lhe que era muito interessante o que tinha dito. - Se me permite, vou registar neste papel, porque adoro ditados populares. A satisfação do doente estava a ficar ao rubro. Vi perfeitamente que tinha causado um efeito muito forte. Não sabia o que é que tencionava dizer. Apesar desta interrupção, o que eu estava a fazer era reforçar a confiança para poder ouvir o que ele tinha em mente. Assim foi. Colocou, novamente, a sua entoação inicial, abriu o sorriso com que tinha entrado e, calmamente, explicou o sentido do ditado. - Como as dores não passavam, nem mesmo com os medicamentos, o motorista que nos levou ao hospital disse-nos que, em tal parte, havia uma espécie de massagista que é muito bom nestas coisas e que valeria a pena tentar. Ele, o massagista, levava quinze euros, enquanto o motorista "cobrava" dez. - Fora o frete? - Sim, fora o frete. - E depois? - Lá fui. Foi ontem. - Ai sim? Pelos vistos...- Sim, não resultou! - Parei a conversa por aqui, não valia a pena estar a malhar em ferro frio. Depois de mais algumas conversas, que me agradaram sobremaneira, fiz o que devia fazer, tratar das dores e corrigir outros problemas mais do que visíveis e que já deveriam ter sido tratados há muito.
A afabilidade e a satisfação do senhor e da mulher eram mais do que evidentes e, no que toca a ditados, os dois acabaram por me dizer: - Oh senhor doutor, nós sabemos mais ditados. - Acredito que sim. - Então prepare-se, porque quando regressarmos vamos contar-lhes mais alguns. Ri com satisfação, até parecia que já estava melhor das dores. 
Vou esperar! Uma coisa é certa, todos os dias, e a toda a hora, aprendo com quem me procura. É tão bom ouvir coisas que desconhecia. Um perfeito analgésico para muitas dores da existência.

MAUS SINAIS...

1. Confesso não ter achado graça nenhuma às críticas endereçadas por um destacado porta-voz do principal partido do Governo ao FMI, acusando-o de “hipocrisia institucional”...para além da dificuldade em interpretar tal conceito e da total ineficácia da iniciativa, estas críticas, bem como a sua sonante divulgação pública, sinalizam um estado de nervosismo ou de insegurança que não augura nada de bom...

2. Também não achei graça ao anúncio da Standard & Poor’s de colocar sob alerta amarelo o rating atribuído à dívida pública portuguesa, o que pode vir a traduzir-se num “down-grade” como próximo episódio...se já é muito difícil (e caro) o acesso ao mercado financeiro com o rating actual (lixo), muito mais difícil e caro ficará após um “downgrade (para lixo de 2ª escolha)...

3. Já quase nem vale a pena falar do completo desvario das hostes Crescimentistas, que agora disparam em todas as direcções – nomeadamente contra si próprios, neste caso com pontaria assaz afinada – divulgando propostas que em cada dia se revelam mais irrealistas e tontas do que as da véspera (numa espiral de insanidade que admito possa arrefecer após o próximo dia 29, mas ainda faltam 10 dias...).

4. E nem é preciso referir o precioso contributo do TC, com a sua “artilharia” jurisprudencial sempre disponível para agravar o cenário, caso os demais factores não sejam suficientes...

5. Em suma, tudo isto são maus sinais...receio bem que a renovada Troika possa chegar rapidamente à conclusão de que esta gente não tem mesmo emenda, que nem com um segundo resgate haverá solução para tanta falta de responsabilidade ou desvario...por este andar, qualquer dia até a Grécia ficará uma miragem...

O recado...

Fiquei a pensar no "recado" que o motorista do táxi que me transportou no Porto me pediu para trazer para Lisboa. Gosto sempre - quando é possível - de meter um dedo de conversa com os motoristas de táxi. São normalmente bons pontos de observação do pulsar da sociedade. Ouvem-se muitos e variados comentários à mistura com sabedoria popular.
Já a conversa ia andando e o motorista pergunta-me com um ar meio afirmativo: a senhora, desculpe a intromissão, é economista, não é? Sou, sim. Porquê? É que tenho um recado para a senhora levar para baixo, lá em Lisboa onde está quem nos governa:
Diga-lhes para anunciarem de uma vez por todas as más notícias, em vez de nos andarem a matar aos poucos. Tenham coragem, expliquem as coisas, mas acabem com esta tortura. Cortem na despesa pública, nos deputados e acabem com os negócios, de que estão à espera? O povo já percebeu que é mais fácil ir ao bolso das pensões e dos salários. Estão lá para fazer as coisas difíceis. Para as coisas fáceis estamos cá nós.
Fique descansado, disse-lhe eu, pensando, para com os meus botões, quem é que pode andar descansado. Mas pronto, quanto ao recado fica já aqui, não me fosse eu esquecer...

Haverá por aí?

Não sei, posso estar completamente enganada, mas pensava que "negociação" era uma coisa muito diferente de falar a torto e a direito sobre o que se quer, o que se duvida, os pontos fracos dos que se vão sentar à mesa das negociações, expondo publicamente as mazelas e as fortalezas dos que vão defender os nossos interesses. Também tem a sua originalidade adiantar desde logo à contraparte tudo  o que queremos e tudo o que não temos para fazer valer os nossos argumentos. Dantes havia umas acções de formação sobre "regras básicas da negociação" será que já não há por aí uns manuais perdidos? Davam jeito.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Brilhante, Dias!

Já aqui confessei as minhas muitas (e graves) limitações para perceber análises e prognósticos sobre a economia e as finanças nacionais. Irrita-me esta falta de conhecimento que é responsável, por exemplo, por não entender a solução do PS para o problema da falta de crescimento e de emprego, para a consolidação das contas públicas ou para o endividamento crescente numa situação em que a riqueza nacional continua a ser insuficiente para alimentar o Estado que temos e ao mesmo tempo impulsionar a economia que não aproveita de recursos que, pela via fiscal, continuam a ir direitinhos para os cofres públicos.
Hoje, porém, o porta-voz do PS para estes assuntos, na sequência do encontro com os senhores da troica, abriu-me os olhos. Se bem percebo, o PS sendo contra a austeridade não é contra o ajustamento. E não sendo contra a necessidade do ajustamento, logo, pela austeridade, o que distancia afinal o PS das políticas impostas pelos credores? A velocidade. A velocidade do ajustamento, cujos limites, diz Brilhante, foram ultrapassados pelo governo.
E então, pergunto eu, ignorante, a Brilhante: se abrandarmos a velocidade do ajustamento que pelos vistos é necessário, designadamente se não diminuirmos a despesa pública enquanto ela for bem superior à receita (não sendo mais possível aumentar o volume desta), não teremos de nos continuar a endividar para financiar o deficite? E essa dívida é mais virtuosa do que aquela que nos obriga a todo esse esforço? Ou a preocupação do PS pelo endividamento e pelos ónus que impõe tem, afinal, dias?
 

Portugal não cumpriu uma única meta orçamental...

1. Por extraordinário que possa parecer, a declaração em título foi hoje emitida por destacado (e simpático, note-se) porta-voz de bem conhecida agremiação Crescimentista (adiante apenas Agremiação)...

2. Tal declaração, feita poucas horas antes (?) de uma amplamente noticiada reunião entre essa Agremiação e a Troika, adquire especial relevo nomeadamente quando cotejada com o que tem sido o discurso insistentemente repetido – até à exaustão – pelos mais destacados representantes da mesma Agremiação.

3. Com efeito, esse repetido discurso tem assumido sistemática oposição a medidas de controlo ou de redução da despesa, propostas ou anunciadas pelo Governo, classificando tais medidas de espasmos neo-liberais, totalmente opostos à necessidade prioritária de criar condições para o Crescimento da economia (que condições é mistério, mas adiante)...

4. ...e esse discurso não se limita a declarar guerra a medidas de controlo/redução da despesa, pois avança também, afoitamente, propostas de redução da carga fiscal, nomeadamente em sede de IVA.

5. Assim sendo, a declaração que sentencia o incumprimento das metas orçamentais e a retórica fundamental e persistente em matéria orçamental da Agremiação são posturas claramente antitéticas, não se entendendo de todo qual delas reúne a preferência final dos ilustres Crescimentistas – se a mágoa pelo incumprimento das metas se o desejo de aplicação de medidas (e a não aplicação de outras), comprometendo ou agravando, inexoravelmente, esse mesmo incumprimento...

6. É neste ambiente de intenso mistério em relação às posições finais dos Crescimentistas em sede de política orçamental, que deverá decorrer a sua ansiada reunião com a Troika...a coisa promete ser bastante emocionante, o ambiente em redor da mesma ajuda imenso, a posição da Agremiação não podia ser mais clara, à partida...

Português técnico

Português técnico, e mal tirado, não sei se na Independente, ao domingo, ou nas Novas Oportunidades, é o nível de conhecimento da língua que Zorrinho e os seus camaradas profusamente exibem quando interpretam as declarações da Ministra das Finanças, nomeadamente sobre os swaps. Interpretam...é uma maneira de falar, porque o que eles denotam é não entender coisa nenhuma.
Ainda cheguei a pensar que eles queriam mentir e enganar. Mas não. Na aprendizagem, ficaram-se pelo português técnico. Compreensão limitada, mas língua bem comprida e proporcional à ignorância que mostram. 

Faz, desfaz, e volta a fazer


 Há uns quatro ou cinco anos encontrei no elevador um novo vizinho, um rapaz que teria a idade das minhas filhas, muito simpático, que fazia então a mudança para o prédio. Como tinha ouvido, durante vários meses, a barulheira e o movimento de obras no andar dele, perguntei-lhe se tinha demolido a casa. Riu-se e gabou a profunda alteração que tinha feito, deitou abaixo umas paredes inúteis, juntou a sala e um quarto, tirou portas, fez uma suite. Bem, disse eu, deve ter ficado muito gira, mas pelo que percebo só dá para uma pessoa ou para um casal que se dê tão bem que não precise de um espaçozito de refúgio para ler ou trabalhar. Ele disse que não, que a casa estava muito moderna e o desenho original já não se usava, agora era tudo espaços abertos, se eu quisesse fazer obras teria muito gosto em mostrar como tinha ficado diferente.Entretanto casou-se e a criança já tem um ano, voltei a encontrá-lo com a família e ele disse-me que ia fazer obras na casa. Outra vez? Perguntei-lhe, então as outras não ficaram bem? Sim, ficaram, mas vou ter que voltar a pôr as paredes e as portas como estavam, com o miúdo em casa não há sossego, tenho que ter um escritório e ele um quarto só para ele, a sala é tão grande mas ele sozinho toma conta de tudo. Importa-se que o arquitecto vá ver a sua, para ver como era a planta original? É que tenho ideia de que era muito bem dividida...

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Como era óbvio, um bom investimento!

Afinal, como qualquer pessoa sem preconceitos e minimamente informada poderia prever (e eu próprio o escrevi aqui no 4R), o apoio estatal aos bancos americanos, na sequência da crise da falência do Lheman Brothers, revelou-se um excelente investimento, contrariando as vozes que diariamente clamavam contra o desperdício do dinheiro do contribuinte a favor do capital especulativo financeiro e da grande banca internacional. Investimento que, em pouco tempo, deu um lucro de 21 mil milhões de euros, conforme divulgado pela Administração Obama
Também o Governo Inglês começou a recuperar, com ganhos, o investimento feito no LLoyds, o maior banco de retalho inglês, e de que é Presidente o português Horta Osório.
O mesmo acontecerá, estou certo, em Portugal, com o reembolso do apoio obrigacionista prestado a alguns dos maiores bancos portugueses, por uma questão de melhoria de rácios de solvabilidade, que não de risco de insolvência.  Apoio, diga-se, altamente compensador para o Estado, dadas as taxas de juro exigidas.
Curiosa é a argumentação de que se tratava de dinheiro perdido, porquanto vinha de quem se insurgia contra os lucros do sector bancário que, de repente, e como resultado da intervenção, deixava de saber ganhar dinheiro, sendo por isso incapaz de proceder aos reembolsos exigidos.
Claro que este quadro nada tem a ver com situações de gestão imprudente ou fraudulenta, onde a intervenção pública mais agravou a inobservância das leis de mercado e de uma sã concorrência e, no fim, se materializou em prejuízos enormes para o contribuinte. No entanto, ainda hoje ouvi quem confunda tudo, num exercício também fraudulento de intoxicação da opinião pública. É que produtos tóxicos temo-los diariamente nos comentários dos jornais, das rádios e das televisões. Gente que é a primeira a criticar a falta de regulação nos outros sectores. Mas é assim que, por cá, parece que estamos condenadods a viver... 

Juros da dívida acima de 7% fazem temer novo resgate...

1. O titilo deste Post, tal como o do que ontem editei, é retirado de um conhecido jornal on-line, na edição de hoje, mas a sua leitura suscitou-me justificadas dúvidas.

2. Essas dúvidas resultam de me parecer que não temos grandes razões para recear um segundo resgate financeiro, atendendo a que (1º) na opinião dos mais bem informados comentadores, o que a Troika tem a fazer é “meter a viola no saco e flexibilizar as metas do défice” e (2º) as propostas avançadas ou as posições sustentadas pela generalidade dos actores políticos e dos opinion-makers são elaboradas no pressuposto de que um segundo resgate será uma questão inteiramente trivial, a que seremos, de resto, alheios.

3. Em relação ao primeiro caso, a poderosa combinação das componentes “viola no saco” e flexibilização das metas do défice mata o problema à nascença, afastando definitivamente qualquer hipótese de segundo resgate: a Troika não terá outra solução que não seja registar as nossas condições, subscreve-las sem discussão, avançando os fundos necessários sem mais considerações nem condicionalismos.

4. Em relação ao segundo caso, as propostas (nomeadamente das esclarecidas oposições) que recusam liminarmente os cortes de despesa corrente avançados pelo Governo e que ao mesmo tempo sustentam a necessidade de aumentar a despesa pública e reduzir impostos, conduziriam inevitavelmente e em linha recta a um segundo resgate se isso fosse problema nosso...

5. ...mas, se bem se entende dessas propostas, um segundo resgate será sempre um problema dos nossos credores e não nosso, competirá a eles e não a nós encontrar os meios para nos resgatar - desde que o façam de modo a não nos causar incómodo significativo, não interferindo na nossa vida de Nação soberana (valente e imortal)...

6. Eis porque aquele título me causou justificadas dúvidas...



segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Convergência e retroactividade: iguais ou diferentes?

A propósito da decisão do governo sobre os cortes nas pensões da Caixa Geral de Aposentações tenho lido e ouvido informações que confundem e misturam convergência com retroactividade.
A convergência de ambos os sistemas públicos de pensões – público e privado – há muito que se iniciou, no sentido de igualar as fórmulas de cálculo e as condições de acesso à reforma dos trabalhadores da função pública e do sector privado. O próprio processo de convergência foi avançando em paralelo com um outro processo igualmente importante, o de alteração de regras de formação das pensões em cada um dos sistemas, em paralelo, aliás, com a alteração dos regimes de trabalho, também no sentido da convergência. Evidentemente que as regras são discutíveis, não temos que concordar, podemos delas discordar. Assim como nos podemos questionar sobre o âmbito e o alcance da convergência e ter dúvidas sobre a sua relação com a sustentabilidade dos sistemas de pensões. Mas não é esse, agora, o ponto.
Sendo processos, o seu desenvolvimento foi-se fazendo ao longo do tempo, integrando sucessivamente novas regras para aplicação aos futuros pensionistas, tanto no sistema público como no sistema privado, incluindo normalmente regras transitórias para acautelar alterações abruptas e reduzir frustrações de expectativas em relação, em particular, a trabalhadores mais próximos da data de reforma.
Coisa muito diferente é a retroactividade. O que está em causa é reduzir pensões já atribuídas pela aplicação de novas regras, pensões que foram atribuídas com base em regimes legais que em cada momento vigoraram no passado, mais ou menos distante, os quais sofreram, por sua vez, alterações ao longo dos anos.
A retroactividade coloca problemas de diversa natureza, entre os quais dúvidas constitucionais porque estão em causa princípios tão fundamentais como o da confiança. Não são as medidas da convergência que suscitam esses problemas, é sim a sua aplicação às pensões que os actuais pensionistas recebem.
O que é novo desta vez é a retroactividade, uma medida fracturante que quebra um conjunto de princípios e valores que têm orientado o nosso modelo social, com profundas implicações na vida das pessoas, agora e no futuro, e na sua construção, no plano individual e colectivo.
São preocupações bem mais profundas que estão a montante da constitucionalidade, deveriam ser objecto de uma ponderada e justificada reflexão, deveríamos todos discutir – os que decidem e os que são receptores directa ou indirectamente das decisões e que têm obrigação de as enquadrar e influenciar - e estar conscientes sobre a sociedade que queremos ter, sobre que princípios e valores queremos preservar e os que realmente queremos renunciar e qual a nova ordem resultante. Se não o fizermos estaremos a avançar às ”cegas”, sem medirmos as transformações e as suas consequências.

Troika aterra em Lisboa com juros a 10 anos nos 7,4%...

1. O título deste Post é cópia de notícia em conhecido jornal diário on-line, sugerindo que a 8ª e 9ª avaliações do PAEF vão decorrer em clima de elevada temperatura financeira, o que vale por dizer que os mercados não estão muito optimistas em relação a este exercício...

2. Não deixo de notar, em contraponto a esta desconfiança dos mercados, que o ambiente entre os comentadores é de algum optimismo ou mesmo de “porreirismo”, destacando-se, neste alinhamento, um famoso comentador que terá dito ontem que a Troika não teria outra solução que não seja “meter a viola no saco” e aceitar a flexibilização do défice em 2014...

3. Veremos no que isto vai dar, tanto mais que esta avaliação decorre em ambiente de festa eleitoral o que certamente ajudará bastante as negociações: a troca de piropos (enquanto o BE os não conseguir ilegalizar) entre as forças políticas que concorrem a este digno acto poderá ser um factor positivo na avaliação do grau de cumprimento do PAEF...

4. Na minha perspectiva, este “porreirismo” dos comentadores não augura nada de bom, sendo um reflexo (e factor, ao mesmo tempo) da generalizada inconsciência nacional face aos problemas que o País enfrenta, inconsciência reforçada ou encorajada por uma avançada jurisprudência a que aqui me tenho referido...

5. Assim, tenho a noção de que o problema não estará tanto em saber qual o nível de juros da dívida pública à chegada da Troika; estará bem mais em saber qual será esse nível à saída da Troika...suspeito e receio que não será inferior...

Eles são loucos...mesmo loucos!...

O partido aliado da Srª Merkel lá ganhou, mais uma vez, e com maioria absoluta, as eleições na Baviera. 
Que pensar destes alemães que não alinham nas teorias crescimentistas à custa dos défices públicos e dos impostos, mas fazem pela vida através da produtividade, da competitividade, da investigação aplicada com vista à criação de produtos aceites pelo mercado? Ah, e são capazes de gerir com eficácia as conflitualidades, sem lutas ou greves significativas? E em que, nas ocasiões de maiores dificuldades, sabem fazer coligações partidárias entre os dois maiores partidos, só porque o povo está primeiro?  
Loucos, sem dúvida!...    

domingo, 15 de setembro de 2013

Cena vulgar de campanha

Por entre buzinadelas de automobilistas impacientes, atravessou lento e barulhento um grupo empunhando bandeiras, gritando o que se tornou impercetível, avolumando os gritos cada vez que se aproximavam de um grupo mais compacto de transeuntes. À frente o candidato em versão popular, sem a habitual gravata, t-shirt sem o seu nome, ladeado por uma ou outra figura que me pareceu pública, daquelas que aparecem amiúde na TV não sei bem em que papéis. Mantive-me ali algum tempo vendo o candidato e o seu grupo em ação de campanha. Não tiveram muita sorte apesar da multidão que aquela hora deambulava pela rua. Das centenas de pessoas com que se cruzaram somente duas ou três aceitaram receber a propaganda (pareceram-me, aliás, turistas...). A maioria desviou-se ostensivamente da comitiva, evitou o candidato, atitude cerrada, sem outra reação áquela agitação. E o grupo lá foi, rua abaixo, indiferente à indiferença. Logo à noite será melhor. Grande jantar comício onde não comparecerá uma única alma que já não se tenha declarado fiel. Mas que importa? A campanha é dos alegres, é de festa...

Bendita a freguesia que pode eleger estes candidatos...


Perante tamanha generosidade e desprendimento material dos camaradas, por mim aceitava-se de preceito o prólogo e declarava-se já o epílogo. Para além dos vencimentos poupava-se a despesa da campanha...

Portanto


Portanto...
Quando uma aluna da minha professora de português do então 5° ano do liceu começava a resposta com "portanto", como na altura era moda na linguagem juvenil, era certo que desencadeava uma tempestade. Ainda me dá vontade de rir quando me lembro do teatro que ela fazia, arregalava os olhos como se tivesse visto um fantasma, levava as mãos ao cabelo e arrepelava-os de pavor, puxava do lenço branco que trazia no bolso e assoava-se ruidosamente como se lhe tivesse entrado um cheiro tóxico pelas narinas. Isto durava um bom bocado e o silêncio na aula era terrível, a temer a borrasca a cair sobre a desgraçada do portanto. Seguia-se o sermão. Portanto??? Ó parvoinha, ó tolinha, então ainda não raciocinaste e já estás a usar uma conjunção coordenativa conclusiva? Estás a coordenar o quê, disparates ou sabedoria? Queres fingir que sabes do que estás a falar, julgas que me enganas? Em vez de estudar e de aprender a usar os miolos decoraste as coisas e vens para aqui fingir que sabes do que falas? Explicava depois, já mais calma, que primeiro é preciso explicar os elementos em que se baseia o raciocínio, o que mostra que as pessoas estudaram o assunto e perceberam-no em vez de andar "à pesca", como ela dizia. Se essas premissas estivessem erradas, bem podíamos usar os portantos todos que não havia anjo protector para nos defender da asneira final. E ela considerava ofensivo que se começasse pelo "portanto", não era só um erro de construção da frase -o que já seria gravíssimo - ela ensinava que era uma questão de respeito pela inteligência e boa fé dos outros, porque se não pudessem avaliar o ponto de partida tinham que seguir a conclusão sem saberem se estava certa ou errada. Um dos exemplos que dava para ilustrar as consequências nefastas desta organização do discurso era poder esconder preconceitos, ideias feitas que levavam a conclusões sem permitir escrutinar os seus fundamentos. Apontava uma aluna com uma elaborada trança no cabelo e dizia, à queima roupa, "portanto, tu só te preocupas com os penteados", e todos sabiam que essa era uma boa aluna e que era injusto ela concluir pela avaliação superficial; ou mostrava à turma uma lancheira debaixo do tampo de uma carteira e acusava " portanto acordaste tarde e não tiveste tempo de tomar o pequeno almoço"  e todos sabiam que a menina vinha de longe e se levantava de madrugada, claro que teria fome antes da hora da saída das aulas. E por aí fora. Ela ensinou-nos a ser exigente na avaliação dos argumentos, a desconfiar de quem apresenta ou adere a conclusões sem se preocupar em saber se as razões resultam da ignorância disfarçada ou da má fé, para chegar ao "portanto".
Hoje, se olharmos à nossa volta, há um recurso sistemático aos "portanto" para início de conversa, começa-se sempre pela afirmação peremptória e, quando se vai ver o raciocíonio e as suas premissas, por mais duvidosas ou incertas que sejam, já todos assumiram a conclusão. A minha professora de português, se fosse viva, teria um colapso nervoso. Arrepelaria os cabelos, invectivando este mundo de enganos. E não haveria lenços capazes de a proteger da corrosão ácida das conclusões mal pensadas.

"Gente do Passado"


Li estas férias um livro notável "Gente do Passado - os Últimos dias da Aristocracia Russa", do historiador Douglas Smith que, baseado em cartas, registos e testemunhos, conta a história esquecida da destruição da aristocracia russa, e não só, nas sucessivas ondas de terror desde a revolução bolchevique até à morte de Estaline em 1953. 
Nunca, em momento nenhum da História, faltaram razões, fundamentos e teorias para justificar as decisões e os actos ou para arregimentar apoios, seguidores e executantes. As maiores monstruosidades da História foram precedidas de elaboradas teses inovadoras recheadas de amanhãs que cantam que, pintando o futuro de todas as cores do arco íris, consideravam necessário ou justificado, para esse efeito, o sacrifício de quantos fossem precisos para eliminar os obstáculos. É certo que o progresso e a mudança das sociedades se fez muito por revoluções, guerras e ações brutais que selecionaram sucessivamente os “capazes” dos que “resistiam” ou, simplesmente, os que não resistiram. Mas muitos desses custaram milhões de mortos, destruição maciça, décadas de miséria, de recomposição de valores e, quantas vezes, sentimentos de culpa que constituíram verdadeiros anátemas para alguns povos durante gerações. Basta ler alguns livros de História, ou de filosofia,  para nos assombrarmos com a dinâmica esmagadora dos argumentos, da limpeza de conceitos, da deturpação mental coletiva que anestesiou consciências e legitimou atitudes que muitos pensariam inconcebíveis. Não será talvez possível deter ondas demagógicas que varrem tudo, uma e outra vez,como métodos seguros de abrir espaço à ação política, ondas que se formam primeiro pela acusação ou pela mentira insidiosa, construída e alimentada, ondas que crescem em hostilidade, vagas que clamam por “justiça” e, por fim, a tempestade que varre tudo à frente, obscurecendo inteligências, empedernindo consciências, cegando as evidências. Mil e uma vezes, olhando a História, tentando compreender a História, nos perguntaremos, como foi possível?, e outras mil e uma vez embarcaremos nos mesmos movimentos brutais ditos transformadores, guiados por luzes que só uns vêem mas que encadeiam todos os outros, atordoados por razões e argumentos que nos escandalizam primeiro, nos paralisam depois e que, finalmente, talvez, pode ser que não, nos vencem a resistência até encolhermos os ombros ou mesmo as tomarmos como boas. É nesse momento que se move, uma vez mais, a roda da História, e o sentido dela será sempre determinado pela qualidade e força da consciência e das razões invocadas e dos métodos seguidos. Não faltam exemplos do que foi bom, mau, criminoso ou simplesmente inominável, e são esses sulcos profundos que marcam a fisionomia dos países, da sua gente e culturas, das civilizações, em suma, depois de passada a revoada.

sábado, 14 de setembro de 2013

"Trancoso"...


Tive que ir a Trancoso. O meu amigo não sabia que naquela vila histórica tinha vivido o famoso Bandarra, sapateiro e autor de profecias que fazem ainda hoje as delícias de qualquer um. Um notável que merece ser emparelhado ao lado dos melhores. Depois de termos chegado, fui à vida, cumprindo o que estava destinado. Ficou à espera, acabando por esperar mais do que o previsto. Quando entrei no automóvel vi que estava a ler. Disse-me que tinha dado uma volta. Não imaginava ver uma preciosidade que desconhecia. 
Portugal tem muitos e maravilhosos tesouros que me enchem de alegria, de satisfação e de orgulho. Tomara ter tempo para viver e andar por todas essas terras, embrenhando-me nas suas ruas e convivendo com as gentes. Foi então que apontou, com muita satisfação, o livro, "As profecias do Bandarra". Tinha acabado de o comprar. - Comprei-o por causa da nossa conversa de há pouco. - Fez muito bem. - Mas espere, também acabei por comprar este, era o último. Mostrou-me a obra de Santos Costa, "O Padre Costa de Trancoso". Dei uma tremenda gargalhada. - O padre Costa, o homem que, segundo a lenda, deve ter feito mais filhos em Portugal, filhos feitos nos ventres de dezenas de mulheres. Um feito que lhe ia custando a vida mas que, devido ao contributo para o povoamento da região, acabou por ter clemência real. - Já o tem? - Não, por acaso não tenho, embora tivesse tido conhecimento da sua publicação. - Era o último que havia na livraria, mas eu ofereço-lhe. - Muito obrigado. Aceito com imenso prazer. Depois sugeri que fôssemos tomar uma bebida naquele belíssimo e histórico lugar. Passeámos um pouco e vislumbrámos belos edifícios, e espaços cuidados, embora a decadência do Palácio Ducal cortasse o coração de qualquer pessoa. 
Não disse, mas pensei, quantas histórias devem andar por ali mortas de desejo de renascer nas almas dos visitantes. Quantas, meu Deus! Não me importava nada de as ouvir, de as ver, de as imaginar e de as guardar.
Soube-me bem a cerveja. Soube-me bem respirar aquele ar. Soube-me bem sentir o calor das muralhas.
Hoje, li, ou melhor, reli as "Profecias do Bandarra". Adorei. Tenho de regressar a Trancoso o mais breve possível, mas com tempo. 
Ontem, comecei a ler o livro "O Padre Costa de Trancoso", padre a quem foi atribuído 299 filhos paridos de 53 mulheres. Hoje retomei a leitura. Gosto da narrativa, cuidada, rica e ilustrativa dos hábitos e costumes da história de Portugal desse período.
Uma das passagens diz respeito à conversa entre o padre Francisco da Costa e o seu amigo, o culto e respeitado judeu Mendo Pires, que, conhecedor das façanhas do clérigo, ia trocando impressões sobre o tema da dissolução dos costumes. Para o padre todas as mulheres serviam para satisfazer os seus instintos, justificando-se como lhe convinha. A páginas tantas, Mendo Pires afirmou que no que toca às solteiras o "meretrício parecia ser exclusivo dos padres". Surpreendido, o Costa pediu-lhe explicações. Foi então que o escrivão comentou uma passagem do Talmude. Uma descrição tão bela que não posso deixar de transcrever. "Cuida-te quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as lágrimas dela. A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual; foi feita da parte debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada". O padre Costa, insensível, "encolheu os ombros", mas eu não. Uma imagem destas, cheia de amor, rica de poesia e verdadeira fonte de pureza, não pode ficar escondida. Vou retê-la. 
Afinal, como costumo dizer, adoro tropeçar em coisas belas e depois saboreá-las com prazer. Tenho que as partilhar. Porquê? Porque sim, porque merecemos desfrutar o belo, que é um dos alimentos das almas famintas.
Santa Comba Dão, sábado, 14.09.2013

Soluções à portuguesa



O que a empregada disse foi: a máquina da roupa não lava bem, a senhora queixa-se de que a roupa fica áspera e antes não ficava. Um dos filhos, de visita a casa da mãe, resmungou, que maçada, é preciso tratar disso.Dias depois a senhora contou a outro dos filhos a avaria da máquina, gasta água e luz e lava mal, ele foi experimentar o botão dos programas, a máquina arrancou, concluiu que era incompetência da  empregada e esqueceu o assunto. Semanas passadas, corriam na família os protestos da empregada por ter tido que passar a lavar a roupa à mão, alguém decretou que a máquina não prestava e que mais valia mandar a roupa à lavandaria. Outro alguém comentou que era com certeza fácil o conserto, as máquinas são todas iguais e já tinha resolvido um problema idêntico numa máquina parecida. Mexeu aqui e ali, abanou, ajustou, depois disso a máquina só lavou meio programa e a roupa ficou a boiar na água. Torça-a à mão, disse o habilidoso à empregada, a máquina não vale o arranjo e uma nova custa mais do que levar os lençóis a lavar fora, assim gasta-se menos água e electricidade. O assunto foi esquecido até se começar a somar a conta da lavandaria, mais os protestos da senhora porque a empregada perdia imenso tempo na rua, roupa para cá, roupa para lá, deixava-a sozinha em casa, vejam lá se isto se admite. A empregada passou a espaçar as idas à lavandaria até que alguém a censurou pela roupa suja acumulada no cesto, a patroa aproveitou para se queixar que na véspera não tinham encontrado a sua blusa preferida, ralharam com a empregada por ir à rua tantas vezes, por não ter a roupa pronta, por ter estragado a máquina, por gastar tanta electricidade, por não ser responsável,ela respondeu que sem máquina nada feito e que a culpa foi de se meterem a mexer sem saber, a conversa azedou, disse que então ia embora, então vá, afinal a máquina tem arranjo ou não, o melhor é comprar uma nova, não, telefona-se primeiro à assistência da marca, gastaram dinheiro na lavandaria, no arranjo da máquina, pediram desculpa à empregada que falou logo em aumento de ordenado e a patroa comentou que afinal aquilo da roupa áspera mal se notava, depois de arranjada a máquina até parece que ficou pior, se era para tanto barulho, tanta despesa e ficar pior, mais valia nunca se ter queixado da máquina.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

"À varanda"...


É tarde, estou cansado, o sono coça-me a alma, quero dormir, mas ainda preciso de pensar, lembrar, sentir, ver, ouvir, tudo debaixo da noite, sentado na minha varanda. O céu está diferente, não se veem as estrelas de outrora, mas o fresco da noite é o mesmo. O silêncio perturba, antes não havia silêncios, apenas rebuliços, conversas em alta voz debitadas através de janelas escancaradas, muitas delas sob o efeito do álcool. As crianças, com os seus gritos, choros e risos, competiam com os latidos dos cães nervosos com tanta algazarra. Não há crianças, apenas vazios, ouço apenas um cão a ladrar ao longe, e um outro ao perto, um ladrar diferente, não estão nervosos, apenas sequiosos de brincadeiras. Algumas conversas não inteligíveis surgem de uma esquina, nada que se compare com os gritos e a vozearia misturados sem tom mas com muito som. Já se calaram, é pena, porque gosto de ouvir o cantar de conversas mergulhadas na brisa da noite. Tudo mudou, até as paredes e varandas das casas vizinhas, velhas, sujas, negras, a caírem, uma decadência que acompanhou o tempo do nascer do silêncio noturno, me convida a adormecer na varanda, sonhando com outros tempos. Na altura em que as paredes eram brancas, e as varandas de madeira compostas e bem ornamentadas, com vasos de plantas, podia-se ouvir o cantar feliz, quando o vinho era bom, e o choro, a lamúria e a tristeza numa cadente ladainha, que se prolongava pela noite dentro, até a última gota do mau vinho anestesiar o espírito da vizinha. Ouço, imagino ouvir, mas consigo sentir o timbre da sua voz, as palavras arrastadas, o discurso inflamado quando dava para a política, tudo misturado com os toques dos sinos da terra, e até outros, sinos longínquos que se conseguem apenas ouvir à noite quando o ar se enche de lágrimas de tristeza de almas sofredoras. Não a ouço, mas os toques dos sinos, sim. Para quê é que estão a tocar? Estão a tocar num silêncio frio, desnudado e sem almas. Estou a ouvir o sino. Pobre sino que estás a tocar mas ninguém te ouve. Eu ouço-te. Agora, o outro, que está longe, replica no seu tom, diferente, mas audível. Contam as horas, cada um à sua maneira. Estão longe um do outro e falam, falam de quê? Do tempo em que havia pessoas a ouvi-los, sentadas nas varandas, debruçadas nas janelas ou a brincar na rua. Todos falavam, uns com os outros, sozinhos, com vinho ou sem vinho, mas falavam, ouviam-se, gritavam, cantavam, até que o sono e a fadiga aparecessem e as longas badaladas da noite desaparecessem.
Agora impera o silêncio, mas o fresco da noite é o mesmo e os latidos dos cães também, não estão nervosos, estão apenas tristes.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Mais impostos?! Porque não criar um imposto sobre as rotundas?

1. O Ministro-Adjunto do PM terá declarado ontem (em exercício de auto-flagelação?) que “sem reforma do Estado, haverá risco de mais impostos”. Fiquei atónito, confesso.

2. E fiquei atónito porque não consigo entender este tipo de sugestões ou de avisos depois de termos atingido um grau de sufoco fiscal, reconhecido por (quase) todos como excessivo, nomeadamente em sede de impostos sobre o Rendimento.

3. E ainda menos entendo tal mensagem quando é certo que o próprio Governo tem apostado fortemente, até no plano mediático, num projecto de alívio da carga fiscal em sede de IRC, a colocar em prática já em 2014. E tb quando, no mesmo dia em que esta declaração foi feita, o Ministro da Economia ter tido um desabafo público, dizendo que “este ciclo virtuoso não é sustentável com os impostos actuais”...

4. ...se não é sustentável com os impostos actuais, como será com mais impostos? Nada disto bate certo!

5. Mas ocorreu-me entretanto, uma vez que dei umas voltas pelo País nos últimos dias, que já seria possível e mesmo desejável criar um novo imposto cuja base de incidência seriam as famosas rotundas, que parecem resistir a toda e qq crise financeira e que continuam a florescer por toda a parte, em exuberante e dramático exercício de desperdício de fundos públicos...

6. Bem sei que tratando-se de bens do domínio público, teríamos neste caso a originalidade do Estado/Administração figurar dos dois lados, activo e passivo (Municípios, neste caso), da relação tributária.

7. Mas talvez fosse um bom princípio, desincentivador do desperdício de fundos públicos, aplicar aos Municípios um imposto incidente sobre o valor “investido” em rotundas, com taxa significativamente agravada para as rotundas construídas ou melhoradas (conheço casos caricatos) depois da assinatura do Memo de Entendimento com a Troika em Maio de 2011...

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Assustador

Troca de mimos no Parlamento entre Basílio Horta e Paulo Portas sobre a coerência de cada um, matéria em que ambos são doutores. 
Dois exemplos vivos (entre muitos) de que o valor mais alto na política é afinal a lata. Grande lata faz grande o político. 
Tenham medo. Um é Vice-PM. O outro é um dos gurus do PS a quem muitos um dia reconheceram condições para ser chefe do Estado...

"Testículos"...


A notícia de um estudo recentemente publicado em que é "revelado" que os homens com testículos mais pequenos aparentam ter mais cuidados e atenção face aos que apresentam os ditos cujos com maiores dimensões levou-me a escrevinhar uma curta opinião. 
É recorrente a publicação na comunidade científica de certos trabalhos ditos "sensacionalistas" que são de uma apetência extraordinária para a comunicação social e para o público em geral. É certo que divulgar conceitos científicos é de uma importância inquestionável e que ajuda o progresso, a cultura e o desenvolvimento do ser humano. O pior é que o conhecimento não deve ser feito nesta base, porque pode levar a interiorizar na comunidade conceitos banais, simplistas, enviesados e até, porque não, disparatados, comprometendo a tríade que já foquei, progresso, cultura e desenvolvimento do ser humano. Uma contradição em crescendo, ou seja, cada vez há mais informação que, não sendo devidamente tratada, pode constituir um fator de enviesamento. Certos estudos são apenas formas de prospeção e estão muito longe de poderem explicar o que quer que seja. Mas são simples e as "conclusões" muito fáceis de assimilar e de divulgar. Em seguida são interiorizadas e conseguem a proeza de se transmitirem por tudo quanto é sítio. E se as mesmas vierem a "legitimar" conceitos já existentes ou a justificar certos comportamentos, que sejam fonte de satisfação ou de prazer, por exemplo, então, é certo e sabido, que são abraçadas com muito agrado. 
A divulgação do estudo segundo o qual o "volume testicular está relacionado com a atenção e cuidados aos mais pequenos" leva-me a concluir que estamos perante mais um caso de vulgarização científica em que se confunde o essencial com o acessório. De "estudo em estudo" a ciência começa a perder credibilidade. Associação em ciência significa um "ponto de partida" e nunca um ponto de chegada. A atenção que é dada a estes "estudos" pode constituir uma forte machadada para o crédito da ciência. É pena que os responsáveis não entendam e a comunicação social também não. O que interessa é "descobrir" nem que seja a forma mais rápida para a toleima e ronceirice. Assim não vamos a lado nenhum, ou talvez vamos, sobretudo para os que têm "medo" da ciência, que, assim, regozijam, porque estas formas de abordagem poderão pô-la em causa. A melhor forma de descredibilizar a ciência é deixar que o disparate e a falta de sensatez andem à solta de mãos dadas. Os fenómenos e os comportamentos têm na sua génese inúmeros fatores e é do seu estudo e da interação entre eles que podemos compreender o que se passa. Chegar a uma "conclusão" desta maneira é um disparate, que está salvaguardado nas expressões dos autores, mas quem liga importância a este aspeto? O que interessa é o acessório, porque o essencial vai ficar na gaveta. E assim, de disparate em disparate, vamos entretendo as pessoas, conseguimos alimentar o ego dos "cientistas", damos pano para mangas para que os profissionais da comunicação social possam exercer a sua nobre tarefa de informar o público e a ciência vai ficando com algumas cicatrizes, umas vezes fáceis de curar e outras nem por isso. 

O facto que mudou o mundo

Há 12 anos almoçava no ´Pombalino´. De quando em vez olhava para a TV que passava o que me pareciam ser cenas de um filme vulgar. Lembro-me perfeitamente do segundo impacto e de ter despertado para a gravidade do que acontecia aos olhos de todos. Pensei que o mundo, a partir desse momento, jamais voltaria a ser o mesmo. Não me enganei. Infelizmente.

Medina Carreira: apenas um detalhe a corrigir...

1. O lúcido comentador televisivo (ainda há algumas excepções à regra) Dr. Medina Carreira (MC) afirmou, esta semana, que “Para satisfazer o TC teríamos de sair do Euro”...

2. Compreendo bem a afirmação de MC, uma vez que, se fosse levada às suas últimas consequências (acredito que isso não vai acontecer), a jurisprudência do TC que tem impedido a aplicação das mais significativas medidas de redução da despesa das Administrações Públicas tornaria mesmo inevitável, via “default” no pagamento da dívida pública e subsequente situação de bancarrota, a suspensão da participação no Euro.

3. Parece-me todavia, que a avaliação a fazer da dita jurisprudência do TC se deve situar num momento anterior: o TC raciocina, delibera e emite jurisprudência, nestes casos, como se ainda dispuséssemos de plena soberania monetária – ou seja, como se o Euro (para nós) não existisse...

4. O TC leva à letra a definição constitucional de Portugal como País soberano: o que não é verdade, em vários aspectos (por exemplo em sede de política agrícola e de pescas), mas é sobretudo falso em sede de política monetária...

5. Há pois um pequeno “detalhe” a corrigir na afirmação de MC: não teremos de sair do Euro para satisfazer o TC; pela razão simples de que, no entendimento do TC, ainda nem aderimos ao Euro...

Leis e pãezinhos quentes

Algumas leis parecem pãezinhos quentes, quando acabadinhas de fazer parecem muito perfeitinhas e fáceis de digerir mas passado pouco tempo, quando arrefecem, não há quem lhes meta o dente...

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Pensões: a redução de 10% e a sua reversão...

O governo vai aprovar a proposta de lei que visa alterar as regras de cálculo das pensões dos trabalhadores da função pública abrangidos pela CGA, de forma a fazer a convergência com o regime de pensões da Segurança Social. A convergência entre ambos os sistemas já vem sendo feita desde 1993, com melhorias introduzidas de lá para cá. A sua aceleração para o futuro é, a meu ver, desejável e deve por isso ser acautelada. Algumas medidas propostas têm esse objectivo.
Mas estas alterações têm, também, efeitos retroactivos, isto é, abrangem as pensões que estão em pagamento aos actuais pensionistas, através de uma redução de 10% do valor da pensão que estão a auferir.
Não está ainda esclarecido se esta redução vai somar à Contribuição Extraordinária de Solidariedade em vigor (3,5% a 10% para pensões acima de 1.350 euros).
O governo prevê a reversibilidade dos cortes, isto é, a reversão no futuro do recálculo das pensões para os valores auferidos em 2013. Esta reversão fica dependente da verificação de contexto de crescimento económico do país e de equilíbrio orçamental das contas públicas aferido pela verificação cumulativa das seguintes condições em dois anos consecutivos:
- O PIB tenha um crescimento nominal anual igual ou superior a 3%.
- O saldo orçamental esteja próximo do equilíbrio, não inferior a -0,5% do PIB.
A verificação destas condições em conjunto não é previsível no curto/médio prazo. Para quando este contexto é uma resposta difícil de dar. A incerteza é grande. A aplicação do recálculo é, portanto, incerta.
Mas a reversibilidade deixará muitos dos actuais pensionistas de fora, basta verificarmos que a esperança média de vida aos 65 anos se situa em 83,8 anos e que há 133 mil aposentados e reformados com mais de 75 anos – dos quais 7,9 mil com mais de 90 anos – e 69 mil pensionistas de sobrevivência com mais de 75 anos – dos quais 9,3 mil com mais de 90 anos. 
Uma parte significativa destes pensionistas não terá qualquer hipótese de ver revertida a redução de 10%. Viveram demasiado tempo para poderem esperar pelo país a crescer com contas públicas saudáveis...

Juízes políticos ou juizes sem visão política?

O Tribunal Constitucional não tem tido uma visão política”, dizia há pouco Medina Carreira.
Parece-me uma verdade insofismável, apesar de a maioria dos analistas e comentadores considerarem exatamente o contrário, isto é, que o Tribunal se tem pautado por critérios essencialmente políticos.
Em que ficamos então? Preferimos um Tribunal com visão política que decida em função das convicções dos senhores conselheiros acerca do alinhamento das medidas com as traves do regime? Ou um Tribunal que se ordene por critérios jurídico-políticos, isto é, que decida confrontando as leis novas com as normas e princípios da Constituição que vigora?
Verdade, verdadinha, não quereremos, antes, a Constituição de uma IV República, melhor adaptada aos tempos e às circunstâncias bem sabendo que não é ao Tribunal Constitucional que compete fazê-la?

Ai, Margarida


Ai, Margarida,
Se eu te désse a minha vida,
Que farias tu com ella?
-Tirava os brincos do prego,
casava c’um homem cego
E ia morar para a Estrella.

Mas, Margarida,
Se eu te désse a minha vida,
Que diria tua mãe?
-(Ella conhece-me a fundo.)
Que ha muito parvo no mundo,
E que eras parvo tambem.

E, Margarida,
Se eu te désse a minha vida
No sentido de morrer?
- Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.

Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fôsse senão poesia?
- Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem effeito.
Nesta casa não se fia.

Comunicado pelo Engenheiro Naval
Sr. Alvaro de Campos
(em estado de inconsciencia alcoolica)


( Tirado de http://viciodapoesia.wordpress.com)

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Malhadiços

"Malhadiço" é uma expressão portuguesa que exprime a habituação às agressões e ameaças, não no sentido de passar a aceitá-las como boas, mas no sentido de provocarem movimentos instintivos de defesa que as previnam ou as desvalorizem sistematicamente. Uma criança habituada à violência tem gestos automáticos que denunciam de imediato essa condição, leva a mão à cara, a proteger-se, perante qualquer gesto de braço alheio, ainda que a intenção seja amistosa, ou desata a chorar quando ouve falar alto, mesmo que a conversa não lhe seja dirigida. Se for um adulto malhadiço, não serve de nada repetir vezes sem conta que lhe vai acontecer isto e aquilo se não fizer o que lhe mandam, torna-se quase indiferente à pancada ou às infelicidades porque aprendeu que uma e outra lhe chegarão com razão ou sem ela, cumpra ou não cumpra. É diferente do “gato escaldado de água fria tem medo”, ao menos em grau e reação, porque não é uma aprendizagem com a experiência que torne as pessoas prudentes, não é isso, um malhadiço torna-se resistente da pior maneira, passa a ter medo de tudo e a fazer-se vítima desse medo ou então insubordina-se em silêncio, assume manhas, trapaceia, denuncia o vizinho para agradar, amedronta os mais fracos que ele copiando os tiques de violência ou prepotência que o ensinaram a fugir ou lhe tolheram os impulsos. O malhadiço tem como certo que a pancada virá, já não procura nem avalia as razões, e o mais que deseja é esquivar-se para que não lhe caia em cima. Um malhadiço é, ao mesmo tempo, uma presa fácil e alguém impossível de controlar, de tal modo se torna imprevisível a sua interpretação das acções de que é alvo ou de que espera vir a ser a todo o momento. Não é preciso a violência física para criar malhadiços, embora seja a forma mais imediata. Também a injustiça sistemática, a arbitrariedade, as humilhações gratuitas ou as promessas substituídas por castigos, levam ao mesmo resultado. Um malhadiço duvida de todas as boas intenções, rejeita todos os argumentos e concentra-se em escapar às consequências ou em iludir as decisões que o possam afectar.Às vezes parece que amedrontar ou decidir sem grandes explicações elimina resistências e prepara o terreno para se avançar mais depressa, mas o risco de se criarem malhadiços é tão grande e tão perigoso como o de se suscitar revoltas.

Reforma do Estado: só mesmo quando houver receio de implosão?...

1. Um observador medianamente atento ao conturbado processo desencadeado pelas medidas governamentais direccionadas à realização da dita "Reforma do Estado", já terá percebido que o sistema político vigente rejeita a aplicação de qualquer medida desse tipo que tenha um impacto financeiro relevante.
2. A partir daqui não é difícil concluir que o Governo não dispõe de instrumentos político-administrativos com aptidão para realizar tal "Reforma" - por uma razão ou por outra, utilizando a "arma de destruição maciça" que é a interpretação de princípios constitucionais muito genéricos ao sabor de certas e determinadas "motivações políticas" (a que aludia, há dias, o Dr. Proença de Carvalho), o TC acabará sempre por invalidar qualquer medida governativa com tal desígnio,apondo-lhe o selo letal da inconstitucionalidade.
3. Também não é difícil perceber que a impossibilidade de reduzir a despesa pública de forma expressiva vai colocar em causa o cumprimento dos objectivos do PAEF e, muito provavelmente, arrastar-nos para uma nova crise financeira à qual, ainda há bem pouco tempo, parecíamos capazes de escapar.
4. Desconheço qual será a intensidade dessa crise financeira cujos sinais começam a perceber-se na forte subida das yields da dívida pública ao longo dos últimos dias, mas não devemos excluir que venhamos a cair numa situação bastante crítica, na inteira dependência dos nossos credores oficiais...
5. ...Sendo certo que esses credores estarão dispostos a ajudar-nos, eventualmente mediante um reforço da ajuda já contratada, mas apenas se nos mostrarmos capazes de, em contrapartida, realizar o tipo de medidas a que o TC obstinadamente se tem oposto...
6. Ainda não é claro, para mim pelo menos, o grau de turbulência financeira que que este processo irá desencadear a partir do início da 8ª/9ª avaliação do PAEF, mas é bem possível que venha a atingir um grau bastante elevado (7 a 8 na escala de Richter), voltando a registar-se as habituais cenas de dramatismo político a que já assistimos num período ainda recente (reuniões do C. Estado, reuniões de urgência entre o PR e os partidos com assento parlamentar, reuniões extraordinárias do C. Ministros, declarações solenes dos mais altos responsáveis da República, "corridas" para e de Bruxelas, etc, etc).
7. Na ponta final desse processo, para evitar um iminente "default" e a subsequente ameaça de bancarrota, a decantada "Reforma do Estado" acabará mesmo por acontecer, com a aprovação de "outras" medidas, de efeito perfeitamente equivalente às que agora forma vetadas, apenas sujeitas a algum trabalho prévio de decapagem e de pintura Robiallac ou CIN (de preferência com alguma pigmentação ROSA, que ajuda sempre...) para salvar a face do TC...
8. O Estado acabará assim por ser reformado, mas só quando toda a suprema inteligência nacional, neste momento ainda fortemente barricada por detrás da Mesa do Orçamento, perceber que a dita Mesa ameaça desabar, fazendo implodir o Estado, e não deixando nada para ninguém...
9. Vamos lá ver quanto desta antevisão vai mesmo acontecer e quanto não passa de especulação...