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quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Distribuir sem investir, o fado da perdição

Na parábola evangélica dos talentos, um rico senhor, antes de iniciar uma longa viagem, chamou três dos seus empregados e entregou 10 talentos ao primeiro, cinco ao segundo e um ao terceiro, prevenindo que no regresso lhe deveriam prestar contas. Quando voltou, o que tinha recebido os 10 talentos devolveu-os com um rendimento de outros dez, o que tinha recebido cinco apresentou um lucro de outros cinco e aquele que tinha recebido um restituíu-o a singelo, já que o enterrou para se livrar de trabalhos adicionais. Os dois primeiros foram recompensados, enquanto o último foi castigado.   

Também Portugal tem enterrado muito dos fundos europeus, não tirando deles a devida rentabilidade. O PIB só cresceu mais que os montantes recebidos nos primeiros 10 anos pós adesão, nos governos de Cavaco Silva, de 1986 a 1995. Ao contrário, de 1995 até hoje o crescimento do PIB apenas igualou os apoios europeus. E a paridade do PIB per capita foi regredindo em relação à média europeia, tendo Portugal sido ultrapassado por muitos países. A política prosseguida não só não rentabilizou esses fundos, como colocou Portugal na bancarrota em 2011, endividou o país como nunca e sujeitou os portugueses à maior carga fiscal de sempre.

Neste quadro, a União Europeia tem sido bem mais generosa para nós do que o proprietário da parábola. E é assim que Portugal irá receber da União Europeia mais 60 mil milhões de euros nos próximos 10 anos, uma média anual incomensuravelmente superior à de que Portugal beneficiou desde a adesão, faz 35 anos.

Apoiar e relançar a economia, tornar as empresas fortes e competitivas deveria ser o foco das políticas, mas a prioridade volta a ser mais e maior Estado.

Como anunciado, o grande beneficiário dos 13 mil milhões de euros do Plano de Recuperação serão o Estado e a Administração Pública, enquanto apenas cerca de 23% do total vão ser afectos ao potencial produtivo, forma vaga que abrangerá o apoio directo às empresas.     

E assim, não se alterando, e até se robustecendo as políticas que governaram Portugal durante 18 dos últimos 25 anos, o resultado só pode continuar a ser o da estagnação e retrocesso.    

Em detrimento de um suporte à modernização da estrutura produtiva, o governo optou por um acréscimo de gastos públicos, esquecendo que, terminado este excepcional apoio europeu, o seu financiamento não advirá da economia, mas de novos máximos do endividamento e da carga fiscal.

Distribuir antes de investir é o caminho da perdição. E é também o nosso fado. 

(Artigo publicado no Diário de Coimbra, Diário de Viseu, Diário de Aveiro e Diário de Leiria de 9 de Outubro de 2020) 

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Uma Visão sem Plano e um Plano sem Visão

Nos próximos 10 anos Portugal poderá dispor de cerca de 60 mil milhões de euros de apoios europeus, dos quais 13 mil milhões de subsídios do Fundo de Recuperação e o restante advindo de empréstimos ligados a este Fundo, do orçamento comunitário e do que ainda falta do PT2020.   
Trata-se de uma média mensal de 500 milhões de euros, bem superior aos 331 milhões de que Portugal beneficiou desde a adesão à UE. 
E se de 1986 a 1995 esses apoios fizeram multiplicar a riqueza mercê de uma boa utilização em programas estratégicos como o PEDIP, já de 1995 até ao momento o PIB não cresceu mais do que os apoios recebidos e o PIB per capita em termos de paridade de poder de compra regrediu relativamente à média europeia, sinais de gestão incapaz e má aplicação. Poderia assim perguntar-se para onde afundaria o PIB se não fossem tais apoios. 
Porventura ciente deste quadro, António Costa já referiu que é uma responsabilidade para todos, incluindo administração pública, “gerir bem estes novos recursos e não desperdiçar esta oportunidade", e para o efeito encomendou um Plano de Reestruturação da Economia ao Professor Costa Silva. 
O documento apresentado como um verdadeiro Plano, não o é, de facto, aliás como o próprio nome, “Visão estratégica para o plano de recuperação económica”, logo o indicia. 
Tarefa da governação seria passar da Visão Estratégica, que elenca um catálogo de princípios e projectos, ao Plano, e fixar objectivos específicos, definidos no tempo, coerentes e hierarquizáveis. E enunciar as acções necessárias para os atingir, o custo de cada qual, comprovar a sua coerência mútua, determinar qual a hierarquização face à sua valia interna e aos recursos sempre escassos. E obter um consenso sobre eles. 
Pelo que até agora se conhece, não o fez, tão vago que é o Plano de Resiliência agora apresentado na AR, ademais com o vício fatal de atribuir ao Estado o grosso das verbas, deixando para a área empresarial produtiva e exportadora, que cria riqueza, a parte residual.    
E assim se persiste em ministrar à economia a cicuta que a definha, em vez de remédio que a erga e fortaleça.  
Em manifesta ironia, este Plano de mais Estado em vez de mais e melhor economia é o caminho certo para desperdiçar não só a tal oportunidade de que o 1º Ministro falou, mas a ocasião de salvar o país. 
(meu artigo no DN/JN/Dinheiro Vivo de 26 de Setembro de 2020)  
 https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/uma-visao-sem-plano-e-um-plano-sem-visao-12896646.html