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sábado, 31 de março de 2012

Pecado ou oásis?

Fiquei admirada. Sempre pensei, parece que mal, que o chocolate engorda, que embora tenha qualidades anti-stressantes, pode fazer mal à saúde.
Leio (Revista do Expresso) agora o contrário, que “comer chocolate emagrece…”! É que um estudo feito pela Universidade da Califórnia “conclui que comer chocolate pode ajudar a manter as pessoas magras. A experiência demonstrou que quem comia chocolate várias vezes por semana era, em regra, mais magro do que quem comia este alimento ocasionalmente. A frequência e o tipo de calorias – e não a quantidade – são a questão chave.
Com muita frequência estamos a ser bombardeados com estudos e investigações que nos baralham o conhecimento ou a percepção que temos sobre o que faz bem e o que faz mal à saúde. De repente, o que seria um “pecado” transforma-se num “oásis” ou ao contrário. É que ficamos sem saber em que acreditar ou, então, a informação para processar de novo é tão revolucionária que mantemos tudo como está e não aproveitamos as boas novas…

Resistir

Resistir. Um verbo interessante, mas difícil de compreender, porque exige muito esforço e dor, mas sem garantia de qualquer sucesso. Resistir é uma aventura perigosa e ingrata a relembrar viagens no desconhecido, quando os aventureiros desesperançados estavam convictos de que ao passarem um cabo ou ao descobrirem uma ilha todos os seus sonhos se concretizavam e todos os seus medos se desvaneciam. Nada mais falso, a promessa de que vale a pena ter esperança é um logro que não serve para grande coisa, a não ser para acalmar os ânimos e enganar o próximo. São os homens das certezas que cultivam até à exaustão este discurso enganador tão antigo como o próprio homem. Fazem-no porque sabem que é a forma mais simples de usufruírem das regalias da vida com fraco investimento e retornos consideráveis.
Olho em redor e vislumbro figuras públicas que são verdadeiros especialistas a viverem à custa do cidadão comum, crente, não crente, normalmente honesto, crédulo e cheio de fome de esperança como se esta fosse o alimento preferencial da alma. Que raios de almas são estas que dão vida a gente tão sofredora e carenciada? Quem lhes disse que têm de se alimentar de esperança? Só as almas demenciadas é que pensam desta maneira acabando por a consumir como se fosse a mais eficiente das terapêuticas. Mas não. A esperança é um poderoso tóxico que envenena os sentidos e a razão. Mais saudável seria uma pratada de cogumelos venenosos.
Sociedade civilizada com os mesmos tiques e desejos de tantas outras apontadas como desrespeitadoras da dignidade humana. Conquistas civilizacionais? Não creio que tenham existido. E mesmo que apontem algumas como sendo inequívocas do tal progresso, é fácil de contrapor outras tantas em sentido contrário e até mesmo vislumbrar comportamentos esclavagistas e desrespeitadores da dignidade humana naquelas que hoje são consideradas como exemplos. Tanta desigualdade social. Faz parte da natureza humana. Não somos todos iguais, dizem, uns são muito melhores do que outros, logo, têm direito a mais, muito mais. São as regras de jogo da vida. Mas os detentores do poder, todo o tipo de poder, sabem como se devem alimentar para manterem os seus lucros e bem-estar. É tão fácil, fácil demais, basta fornecer gratuitamente esperança, o único alimento capaz de manter viva muitas das almas demenciadas, que são cada vez mais numerosas. Demenciar as almas é o desporto favorito de muitos poderosos que andam por aí. Sabem como fazer, a nível político, económico e até religioso. Em troca oferecem-lhes a esperança. Eu não sinto vontade nenhuma de me alimentar de esperança, talvez por não ter alma? É o mais certo. Não me apetece resistir, tenho fome de lutar. Vou lutar. Posso perder? Posso. E depois? Depois, nada, o lugar de onde nunca deveria ter saído.

quinta-feira, 29 de março de 2012

“Estar sentado” é perigoso para a saúde!

A forma como os jornalistas transmitem as notícias merece muitas reservas. No fundo, são uns senhores todos poderosos que escolhem as que no seu entender são suscetíveis de captar a atenção dos ouvintes; quantos mais ouvirem melhor para a sua imagem e bolsa, presumo eu, mas também para incentivar o consumo de alguns produtos. Para o efeito, nada melhor do que enveredar pela área da saúde.

Começo a ficar farto das notícias sobre o valor em termos de saúde de certos produtos alimentares. Agora corre por aí uma "maratona" de combate ao colesterol feita à custa de um iogurte. O maratonista, que eu sempre respeitei, foi um dos meus ídolos, dá a cara ao consumo do dito. Antes, noutras campanhas sobre o mesmo produto, figuras da música e do desporto também deram o seu contributo. Ganharam dinheiro? Obviamente, porque não creio que fizessem a publicidade por puro filantropismo. Gostava, sinceramente, de saber se os tais "artistas" acreditam nas virtudes terapêuticas do que estão a publicitar, nos euros não duvido!

Voltando à seleção das notícias, o critério editorialista é muito estranho. Como exemplo temos o chocolate. Quem fizer uma compilação dos estudos sobre tão interessante alimento ficará deveras surpreendido. Nunca vi tantos estudos a apontarem para os benefícios do dito, do tinto, desculpem, do negro. É demais. Seria conveniente analisar se por detrás de tão criteriosos estudos não estarão interesses económicos. Às tantas! A ciência e a comunicação social põem-se com uma facilidade do caraças ao serviço de certos “produtores”. Na minha opinião se alguém gostar de chocolate, então, coma-o por mero prazer e nada mais, desde que não haja contraindicações em termos de saúde, se é que as há para o chocolate!

É preciso ter muito cuidado com o que lemos e, sobretudo, porque é que lemos tão "interessantes" notícias. Este fenómeno chocolateiro não é de hoje. Rio-me à brava. Mas melhor do que "não engordar", como agora foi demonstrado cientificamente, fiquem a saber que, entre muitos estudos, o chocolate faz bem à tosse e à frigidez sexual, para não falar das tentativas de ensaio no decurso do enfarte agudo do miocárdio!

Montezuma deve rir-se que nem um louco no seu céu de chocolate, a fazer inveja a Óbidos, ladeado pelos seus guerreiros, os únicos que podiam beneficiar de tão maravilhoso alimento, o mais energético de todos!

Entretanto estou à espera de ouvir uma notícia sobre "estar sentado", um fator de risco independente capaz de aumentar a mortalidade por todas as causas, mesmo naqueles que praticam exercício físico. Mas nada! O melhor é dar ao Carlos Lopes um quadradinho de chocolate todos os dias quando estiver a beber o biberão do iogurte e aconselhá-lo a que não passe o dia sentado. O "chocolate emagrece", o "iogurte baixa o colesterol", o exercício diminui o risco de mortalidade, mas passar o dia sentado pode estragar tudo.

Estou tramado, não posso comer chocolate, não bebo o iogurte milagroso, passo o dia sentado, o exercício físico que faço não deve servir para grande coisa, logo o risco cardiovascular aumenta. Poderão perguntar como se mede a gravidade do "estar sentado"? Verificando se já tem calos no dito...

Millor Fernandes: a filosofia e o humor

-Toda uma biblioteca de direito para melhorar quase nada os Dez Mandamentos...
-Há duas coisas que ninguém nos perdoa: as nossas vitórias e os nossos fracassos...
-Toda a regra tem excepção. E se toda a regra tem excepção, então esta regra também tem excepção e deve haver, perdida por aí, uma regra absolutamente sem excepção...
-O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde...
-Um famoso é qualquer imbecil que aparece na televisão...

Millor Fernandes, intelectual e humorista brasileiro
A homenagem do 4R ao " homem que nos fazia rir a pensar"

Economia: Boletim da Primavera bem pouco primaveril?

1.Foi hoje divulgado o Boletim Económico do BdeP, denominado Boletim da Primavera, que actualiza as previsões do comportamento da economia portuguesa em 2012 e 2013 que tinham sido avançadas no Boletim do Inverno, divulgado no início de Janeiro.
2.Em função das novas previsões, bem se pode dizer que esta Primavera, do ponto de vista económico, de mostra algo invernosa, ao contrário do Boletim do Inverno, que paradoxalmente se mostrava bem mais primaveril...
3.Na previsão agora apresentada, a economia deverá contrair em 2012 um pouco mais do que na anterior previsão (-3,4% agora, -3,1% antes) e, mais desagradável ainda, para 2013 já não é esperado qualquer crescimento (embora pouco expressivo, de 0,3%, sempre era algum) mas simplesmente a estagnação, ou seja crescimento zero...
4.Para estas piores perspectivas concorre sobretudo, em 2012, um menor dinamismo das exportações do que era previsto no início do ano – a procura externa líquida contribuirá com 3,1% para a variação do PIB em lugar dos 3,9% antes esperados.
5.Num outro registo, também menos favorável, o equilíbrio da balança de bens e serviços com o exterior que o BdeP achava possível acontecer em 2012 – e que aqui classificamos como mudança radical no comportamento da economia, a verificar-se – fica agora adiado para 2013, esperando-se em 2012 um défice, embora não muito expressivo (de 1% do PIB)...
6.Estas previsões do BdeP são um chuveiro de água fria num optimismo que por aí já ia despontando, alimentada por alguma bonança que se tem registado nos mercados financeiros, parecendo que estávamos quase a entrar numa era de recuperação, como se os problemas estruturais se encontrassem ultrapassados...quando não cumprimos tampouco 50% do percurso...
7. É importante que os nossos políticos, de todos os quadrantes, os pró e os anti-governamentais, se capacitem de que os problemas estruturais da economia portuguesa não se resolvem no curto prazo e muito menos se resolvem com simples proclamações de oratória...menos ainda com greves de inspiração puramente ideológica como a que vimos recentemente...
8.Para a economia portuguesa entrar num percurso de recuperação consistente, corrigindo os desequilíbrios que se acumularam nos últimos 15 anos, vai ser necessário mais tempo do que vulgarmente se imagina e extraordinária persistência na adopção das medidas de natureza estrutural que nos comprometemos a adoptar no âmbito do PAEF.
9.Um Boletim da Primavera que se mostra pouco primaveril em notícias para a economia, temos de reconhecer...

Premiar a excelência...

A Fundação Champalimaud ficou em primeiro lugar na lista dos melhores sítios para trabalhar fora dos Estados Unidos, seleccionada pela revista norte-americana The Scientist. A excelência foi premiada.
Parabéns à Fundação Champalimaud e a todos os que nela trabalham. Assim se dá a conhecer ao mundo o que de melhor Portugal tem.

Os exames da discórdia...

A esquerda, como seria de esperar, atacou a reforma curricular do ministro Nuno Crato. Não lhe encontram qualquer virtude, para o PS, inclusive,é voltar a uma escola da qual nós nos libertámos: elitista. E não estaremos disponíveis. O que estão a fazer é implodir o sistema educativo que nós conseguimos construir e a escola pública que temos vindo a defender". Não fazem a coisa por menos. Insistem em carregar de ideologia o debate educativo.
O ponto central da discórdia é a introdução dos exames no quarto ano do ensino básico, uma medida apelidada de fascista, discriminatória, segregadora e elitista. 
A necessidade de incutir hábitos de trabalho e disciplina nos primeiros anos da escola e de avaliar os conhecimentos dos alunos é importante para ir semeando uma cultura de mérito e de excelência e para melhorar a função da escola ajudando os alunos com dificuldades. Uma das deficiências do sistema educativo está no enorme e persistente insucesso escolar. Estes maus resultados são geradores de desigualdade de oportunidades e constituem uma barreira à mobilidade social.
Há muitas outras deficiências no sistema educativo para resolver, mas não é nivelando por baixo que se consegue ter uma escola de excelência e inclusiva. Prestar provas é o que de  mais certo nos espera ao longo da vida, começar  a fazê-lo cedo é bom, não vem daí mal algum ao mundo!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Entrevista tóxica

Acha que vão ser precisas mais medidas de austeridade?
Mas não há necessidade de novas medidas de austeridade?
Pode garantir que não vão ser precisas mais medidas de austeridade?
Em que base é que pode garantir que não haverá novas medidas de austeridade?
Se neste momento não pode garantir que não haja mais medidas de austeridade, em que momento pode garantir?
Mas não pensa que poderá ter que anunciar novas medidas de austeridade?


Desisti de ouvir mais da entrevista da Senhora Drª Judite de Sousa ao 1º Ministro. Se Madame não é capaz de entender o que diz o 1º Ministro, não massacre os telespectadores com tão pobre capacidade. Se Madame procura simplesmente um título bombástico, não nos massacre também. Faça o título e acabou. Produtos espúrios é o que abunda na informação. Tóxicos, até dizer chega. Como as perguntas da entrevista de hoje.

Parabéns ao Porto, "the best destiny 2012"



A cidade do Porto foi considerada pela European Consumers Choice o “Melhor Destino Europeu” 2012, numa competição on-line que envolveu 20 grandes cidades europeias . Nos lugares seguintes como a melhor escolha para férias ficaram, por ordem, Dubrovnik, Viena, Praga, Bruxelas, Berlim, Budapeste, Lisboa, Florença e Edimburgo, sendo que Lisboa tinha obtido o 1º lugar no ano passado.
Parabéns ao Porto, com o seu centro histórico que é Património Mundial, mas também com a modernidade de muitas das suas lojas e arquitetura, gastronomia, oferta cultural e grande dinamismo das suas gentes.
Estou certa de que muitos dos que vierem a Portugal, seguindo o conselho da ECC, vão querer voltar, o Porto está realmente uma cidade lindíssima – com, claro, Lisboa a emparceirar!

terça-feira, 27 de março de 2012

A Pressão dos mercados (Poema de Nuno Júdice)

A Pressão dos mercados


Emprestem-me palavras para o poema; ou deem-me

sílabas a crédito, para que as ponha a render

no mercado. Mas sobem-me a cotação da metáfora,

para que me limite a imagens simples, as mais

baratas, as que ninguém quer: uma flor? Um perfume

do campo? Aquelas ondas que rebentam, umas

atrás das outras, sem pedir juros a quem as vê?

É que as palavras estão caras. Folheio dicionários

em busca de palavras pequenas, as que custem

menos a pagar, para que não exijam reembolsos

se as meter, ao desbarato, no fim do verso. O

problema é que as rimas me irão custar o dobro,

e por muito que corra os mercados o que me

propõem está acima das minhas posses, sem recobro.

E quando me vierem pedir o que tenho de pagar,

a quantos por cento o terei de dar? Abro a carteira,

esvazio os bolsos, vou às contas, e tudo vazio: símbolos,

a zero; alegorias, esgotadas; metáforas, nem uma.

A quem recorrer? Que fundo de emergência poética

me irá salvar? Então, no fim, resta-me uma sílaba - o ar -

ao menos com ela ninguém me impedirá de respirar.


Nuno Júdice

"Frase verdadeira"

Hemingway tinha muitas estratégias para escrever. Uma delas é muito curiosa. Como tinha necessidade de satisfazer o impulso da criatividade utilizava uma "frase verdadeira" como ponto de partida. A partir desse momento as palavras deslizavam com suavidade preenchendo o seu vazio até sentir a satisfação final, evitando as formas rebuscadas de preencher as folhas em branco. Uma boa estratégia, basta ler a sua obra, até que um dia deixou de sentir, de ouvir ou de ler "frases verdadeiras". Mas isso é outra história!
Escrevi o texto "Sabor da própria morte" por causa de Hemingway. Li uma frase que esteve na base do pequeno texto "Apostasia", uma "frase verdadeira". A frase propriamente dita foi a condição necessária e um comentário que li, interrogando-me se queria pertencer à seita em questão, a condição suficiente. Estive vai não vai para responder ao comentador na altura, que não, que não queria, mas desisti, o que não é muito habitual em mim. Mas fiquei satisfeito com o meu silêncio, silêncio esse que fez despolatar outros silêncios guardados nas profundezas da memória e recordar frases e palavras, também elas verdadeiras. Depois deixei que os dedos encontrassem as letras e lhes dessem alguma vida ou significado, não com o brilhantismo de Hemingway, obviamente, mas graças à sua forma de dizer as coisas, coisas escritas há muitos anos e que continuam a ensinar-nos, ajudou-me a libertar uma história que continua agrilhoada ao meu pensamento.
- Não, não quero pertencer!

segunda-feira, 26 de março de 2012

"Sabor da própria morte"

Certas frases e palavras têm a capacidade de nos agredir, de aliviar, de fazer sofrer, de sentir o que é o amor, o desejo, o ódio e, até, o sabor da própria morte. São poucas as que se podem considerar amorfas ou insípidas, mas há outras que são mais destruidoras do que o Vesúvio quando se lembra de incomodar os humanos.

A conflitualidade religiosa ou as decisões tomadas em seu nome são, por vezes, iníquas ao esconderem a malignidade humana sob a pretensa magnanimidade do amor a um deus qualquer.

O jovem médico no serviço de urgências do velho hospital, que nunca conseguiu adaptar-se às suas funções, descansava, feito porteiro, na noite fria do inverno. Muitas horas já se tinham passado desde que iniciou o seu turno, quase uma dúzia e meia, e ainda faltava meia dúzia, a mais dolorosa, em que o tempo demora a passar. Aquela hora é, habitualmente, uma hora meia-morta, permitindo um breve relaxar. Eis que a noite é interrompida com a entrada de uma mulher, pequena, arranjada à pressa, muito simples, com ar rural salpicado de ansiedade. Pediu uma maca. Naquele tempo chegava-se a esse ponto, entravam na urgência à noite, porque o porteiro recolhia-se no interior para fugir às agruras do frio noturno. Dois curtos minutos depois entrou o corpo de um menino. Deveria ir para o Hospital Pediátrico, disse ao porteiro. Já tem onze anos, ripostou. Na altura, com esta idade atingia-se a maioridade para entrar no hospital de adultos. Branco, quase inanimado, com sobrancelhas juntas e inserção de cabelo muito mais baixo do que é normal, denunciando anormalidade evidente, levou-me a desviar o interrogatório para a mãe perguntando-lhe qual o sofrimento do menino. Seria muito mais fácil fazer o diagnóstico. Ao levantar o braço de cera, aguardava pela resposta da mãe, viu muitas cicatrizes na mão e no antebraço. As formas como estavam desenhadas eram perfeitamente compatíveis com fenómenos de automutilação. Nasceu assim e morde-se com frequência, sobretudo quando se agita. Não foi difícil chegar a uma conclusão. Doença congénita grave, automutilação, hemorragias. O hemograma revelou que o menino estava mesmo anémico. Tomou as medidas necessárias, internando-o numa das “suas” camas, que estava vaga, com as necessárias instruções para ser repetido novo hemograma. Havia um processo crónico de anemia, provavelmente agravado por uma hemorragia mais violenta. Suspeitou da necessidade de realizar uma transfusão sanguínea. O tipo de sangue era pouco comum e as reservas do mesmo não abundavam. Teria de reavaliar a situação com o colega da hemoterapia. Um pouco antes de dar por concluído a transferência de turno foi até à enfermaria. A situação não tinha melhorado. Falou com o enfermeiro chefe. Antes de ir para casa descansar um pouco, disse-lhe que ia arranjar duas unidades para o menino cuja alma desconhecia o mal que fazia ao seu corpo ou quem sabe se não saberia, desejando libertar-se. O jovem interno não sabia dar a resposta, competia-lhe apenas cumprir o seu dever, salvar uma vida, mesmo que fosse a de um deficiente profundo. Conseguiu as tais duas unidades, para começar. Sentiu um alívio e foi para casa. No dia seguinte ao entrar na enfermaria a primeira coisa que fez foi dirigir-se à cama do menino para ver como estava. Entrou no seu setor. A cama estava vazia. Vazia? Onde estará o rapaz. Dirigiu-se ao enfermeiro chefe, homem de uma cordialidade e simpatia inimagináveis, questionando-o, o que aconteceu? Onde está? Com um sorriso suave pôs-lhe a mão sobre o ombro e levou-o para um local mais recatado, como se houvesse lugares dignos desse nome. Secamente explicou-lhe, a mãe levou-o. Como? Não pode ter levado, não senhor, é impossível, o menino está gravemente doente. Mas levou o sangue que lhe arranjei, não levou? Não! Não? Mas prometeram duas unidades para começar. Sim, pelas onze horas vieram com o sangue. Então o que é que aconteceu? Não estou a perceber nada. Ansioso, sentia algo a emergir da boca do estômago a subir e a comprimir o coração, algo muito pesado a querer sair pelas goelas, mas esbarrando numa barreira intransponível, provocando-lhe uma angústia que nunca tinha sentido. Mas, ó chefe, o que é que aconteceu. A mãe recusou que fosse ministrado o sangue e exigiu alta a pedido. Alta a pedido? Rejeitou o sangue que lhe podia salvar o filho? Sim. A religião da senhora não permite essa prática. Abraçou-o de uma forma paternal. Como era um homem que já tinha visto muita coisa compreendeu muito bem o sofrimento do jovem médico. Durante longos instantes travaram um diálogo surdo, um diálogo que nunca mais esqueceu.

Polícias, jornalistas...e uma vez...economistas

Sempre que há uma manifestação em que a polícia actua de forma mais musculada, é certo e sabido que jornalista ou repórter também apanham pela medida grossa, como ainda agora aconteceu no dia dito da greve geral. A polícia já não respeita os jornalistas, tal como os árbitros, segundo ultimamente leio e ouço, não respeitam alguns clubes quando os adversários lhes ganham. O episódio fez-me lembrar uma história dos meus tempos de Económicas. Nesse tempo, havia uma casa de fados na Rua das Trinas, o Solar da Madragoa, em que pontificava o fadista César Morgado, serralheiro de profissão, que tinha no Desejo Canalha (de cada vez que te vejo, sinto um desejo canalha, beijar-te e marcar-te o beijo, na ponta d`uma navalha…) a sua criação suprema. Próxima do Instituto, no Quelhas, o Solar era frequentada por muitos fadisteiros, também aspirantes a economistas. Certa noite, e por razões que não vêm ao caso, os “senhores doutores”, como a gerência nos chamava, armaram uma enorme zaragata, com mesas e cadeiras e copos pelo ar, tal como agora no Chiado, e que levou à intervenção da polícia. Chegou rapidinha ainda durava o banzé, andavam aos pares pela rua, e sem mais conversa toca a usar o casse-tête em tudo o que aparentava ser “doutor”. Quando o instrumento já se erguia por cima da cabeça de certo “doutor”, este gritou numa voz que se sobrepôs à chinfrineira geral: "respeito, que eu tenente miliciano..."
Numa variação de direcção verdadeiramente notável, o bastão policial desviou-se repentinamente da cabeça do “tenente” e foi atingir com redobrado vigor o parceiro do lado.
De imediato, tenentes, capitães e até generais nasceram rápida e expontaneamente nessa casa de fados, deixando os polícias perfeitamente hesitantes na sua bastonal tarefa. Mas o que conta é que os "militares" permaneceram incólumes...
O prestígio de oficial do exército era mais do que suficiente para evitar umas bastonadas no lombo. Por comparação, concluir-se-ia ser a classe jornalística pouco prestigiada junto das forças policiais. Não creio que seja só isso. A questão é que a classe tanto malha na polícia que, quando a ocasião é propícia, também por esta é malhada sem respeito. Ao fim e ao cabo, uma questão de mútuo desrespeito.
PS: Depois contarei o fim da história...

sábado, 24 de março de 2012

Apostasia

Li esta notícia e fiquei incomodado. Uma prova evidente de ofensa ao direito a abandonar uma religião. Caso esporádico? Não creio. Manipulação, domínio, descriminação. Atentado à liberdade. O porta-voz da organização das Testemunhas de Jeová, uma verdadeira pérola, mas sem qualquer valor, nem ornamental, fez vários comentários, entre os quais o seguinte:

"a respetiva orientação para o corte de relações com quem sai da religião é "um conselho sábio" e não uma "privação de liberdade".

É esta a escola publica que queremos ter?

A auditoria do Tribunal de Contas arrasa a gestão da Parque Escolar - entre 2007 e 2010. Confirma as conclusões da inspecção realizada pela Inspecção Geral de Finanças. Encontrou pagamentos e despesas ilegais de montante superior a 500 milhões de euros, endividamento excessivo, adjudicações directas, derrapagens injustificáveis de custos, falta de transparência nas adjudicações e contratações, incumprimentos de prazos de concretização das obras, falta de controlo interno.
Estes são os números da derrapagem:
Em 2007
1. O Programa abrangia a requalificação de 332 escolas.
2. O investimento da requalificação foi estimado em 940 milhões de euros.
3. Resulta um investimento médio por escola de cerca de 2,8 milhões de euros.
Em 2010
1. Foram requalificadas 205 escolas, ou seja, 64% do total das escolas inicialmente abrangidas.
2. O montante do investimento ascendeu a 3.168 milhões de euros, ou seja, mais 218,5% do  que o montante inicialmente previsto.
3. Resulta um investimento médio por escola de cerca 15 milhões de euros, ou seja, 15 vezes mais do que o inicialmente previsto.
4. O montante do endividamento ascendia a 1.150 milhões de euros.
Estas contas mostram à evidência o descalabro da Parque Escolar e a situação financeira ruinosa a que chegou. Uma situação muito grave. Não precisamos de escolas luxuosas, o que precisamos é de escolas funcionais, com conforto e simplicidade. Ficaram por requalificar 127 escolas e no entanto foram gastos mais de 3.000 milhões de euros, contra os 940 milhões inicialmente previstos. Muito provavelmente não será possível intervencionar as escolas que ficaram em falta, sabendo-se que muitas delas têm dificuldades que necessitam de ser resolvidas.
É esta a escola pública que queremos ter?

Bons momentos

Não que um congresso visto por dentro não possa proporcionar bons momentos. Lembro-me das extraordinárias séries de relatos dos congressos social democratas de 2006 e 2007 feitos aqui, no 4R, pelo Pinho Cardão. Vale a pena recordar esses textos para o que basta servirem-se do campo de pesquisa do blogue. Mas vistos pela TV os congressos proporcionam igualmente o que se pretende que um fim de semana (ainda por cima cinzento) proporcione - relaxe e a melhor disposição. As partes que eu mais gosto de ver na TV - se excetuar as opiniões dos delegados das bases e dos "Tinos de Rans, que também os temos", parafraseando Morais Sarmento referindo-se ao congresso do PSD em curso - são os momentos em que os jornalistas se começam a entrevistar uns aos outros. Imperdíveis!

Sono do tempo

Tarde cinzenta a querer chorar mas sem vontade. Olha-me com um ar lacrimejante, derramando pequeninas gotas que lentamente acariciam as águas adormecidas acordando-as do seu espelhar de vida. O ar, suave e cálido, tranquiliza o espírito. Um dos raros momentos em que a alma se imobiliza. Sons dispersos, numa cantadeira feliz, inundam o espaço, sem se incomodarem com a presença do ser humano, não lhes interessa. Fazem bem. Folhas secas e enrugadas agarram-se teimosamente aos ramos dos carvalhos. Não caiem, não sabem que já morreram, mesmo que a seu lado brotem novas vidas. O tempo dorme, às tantas sonha, com quê, nem ele sabe, nem irá recordar-se, mas eu estou nele. E se ele não acordasse mais?
Sonhar dentro do sono do tempo é o que eu mais queria. Há de chegar esse dia.
Na mais bela calma e sem vida.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A idade da inocência

Não sou dos que acha que tudo o que acontece de mal no mundo é resultado de um plano malévolo da Goldman Sachs, nem tão pouco que exista uma conspiração anglo-saxónica orquestrada pelo Tesouro norte-americano contra o euro; mas que há coincidências estranhamente convenientes para os interesses norte-americanos, disso tenho cada vez menos dúvidas.

Refiro-me, em particular, à coincidência da deterioração dos indicadores económicos dos EUA com a repentina profusão de notícias, relatórios e depoimentos que dão como certo - e para breve - o colapso financeiro de Espanha. Será mesmo coincidência?

A tese da coincidência murcha perante a ausência de novidades macroeconómicas ou financeiras que sustentem tão histriónico vaticínio. Que Espanha tenha graves problemas, nomeadamente no setor imobiliário, ninguém põe em causa. Que esses problemas possam in extremis minar a solvência da banca espanhola, é um risco difícil de negar. Contudo, Espanha apresenta níveis de dívida pública comensurados e muito inferiores à média da área do euro e mesmo aos da “imaculada” Alemanha. O défice orçamental tem rondado os 10%, mas o novo executivo tem como uma das principais prioridades o retorno à probidade orçamental que notabilizou os governos Aznar. A elevadíssima taxa de desemprego (23,3%) constitui é o principal calcanhar de Aquiles de Espanha, mas simultaneamente o principal fonte de esperança de melhoria da situação, pois é pouco provável que uma economia com a dimensão e diversificação da espanhola possam conhecer níveis de desemprego muito superiores aos atuais. Assim, as reformas do mercado laboral em curso poderão surtir efeitos positivos num horizonte não muito longínquo.

Em suma, os problemas de Espanha são reais, preocupantes, mas não são novos, nem tão pouco os mais graves no seio da Europa. Fazê-los ressurgir no momento presente parece fazer pouco sentido, a não ser...

A tese da manipulação tem a seu favor o facto das eleições americanas estarem a seis meses de distância, o que torna o desempenho da economia dos EUA num factor crítico. Mas onde é que a Espanha entra nesta equação?

Desde o início do quarto trimestre que a economia dos EUA mostra sinais de recuperação, apesar das dificuldades dos países do euro, do abrandamento da China e do queda do PIB do Brasil. Tão exclusivo desempenho deveu-se, em grande parte, à fuga de fundos de uma Europa titubeante para uns EUA tidos como refúgio. O correspondente afluxo de capital constituiu um choque monetário expansionista que gerou um mini-ciclo, o qual, no entanto, começa a dar sinais de enfraquecimento, precisamente na altura em que a condição financeira da área do euro dá mostras de algum apaziguamento. Perante este cenário, as autoridades norte-americanas poderiam optar por reativar a política de quantitative easing (compra de títulos de dívida com moeda especificamente criada pela Reserva Federal para o efeito) como forma de estimular a atividade. Mas esse é um trunfo que urge preservar para conjunturas mais agudas. Neste contexto, um novo surto de incerteza quanto à viabilidade do euro teria como consequência reinstaurar os movimentos de capital da Europa para os EUA, com os concomitantes efeitos expansionista sobre os últimos. Daí que questionar a solvência de Espanha tenha como possível resultado a injeção de um novo choque de adrenalina na economia norte-americana à custa do euro. Se propositado, o expediente oferece grande potencial, mas não deixa de ser extremamente rude.

As guerras cambiais não são de hoje; elas remontam, pelo menos, à Grande Depressão. Desconsiderar a possibilidade da sua reedição evidencia um grau de inocência pouco adequada à era em que vivemos.