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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

"Castrati"



Li uma notícia que me divertiu e que parece ter incomodado as mais altas individualidades do país. No decurso da abertura do Ano Judicial o bastonário da Ordem dos Advogados terminou a sua intervenção com o famoso poema de Ary dos Santos, "Poeta castrado, não!", trocando "poeta" por "advogado". Imagino o efeito produzido naquela sala onde nos é dado a contemplar o formalismo na sua pureza, pelo menos é essa a minha perceção. 
Estou convencido de que ficará nos anais da justiça portuguesa, pela forma e pelo conteúdo das suas afirmações. Não me pronuncio sobre as suas intervenções, que começam a ser previsíveis em termos de provocação e frontalidade. É o seu estilo, cultiva-o, é facilmente compreendido e consegue passar as mensagens com muita facilidade, uma verdadeira arte de comunicar. Podemos ou não concordar com ele, mas há algo que não se lhe pode negar, revela sinceridade e espontaneidade, e tem arcaboiço mais do que suficiente para suportar quaisquer críticas. Imagino o efeito produzido naquele cinzentismo solene.
O "advogado castrado, não!" levou-me aos "castrati", aqueles meninos que até ao século XIX sofreram castração cirúrgica para manterem a voz de sopranos que faziam as delícias dos coros religiosos. Atingiram o auge durante o período do Barroco. Por volta dos oito a doze anos eram-lhes retirados os testículos, invocando qualquer condição que os justificasse, nomeadamente hérnias inguinais, como se fosse necessário retirá-los por causa disso! O resultado final era espetacular, já que ficavam com uma voz mista de timbre masculino e feminino, em que à potência do primeiro se juntava  a capacidade de gerar agudos como se fossem mulheres. Dizem que era a forma de procurar vozes celestiais, que inebriavam o público de então, tanto ou mais do que as celebridades musicais dos tempos modernos. Graças às mudanças sociais, as mulheres começaram a fazer parte dos coros impedindo a continuação de uma prática inumana. Valha-nos as mulheres! 
A prática da castração nunca foi oficializada, porque era mais do que evidente um atentado à dignidade humana, mas a volúpia de alguns, casos dos eclesiásticos, que a meu ver agrava a falta de ética, originou um fenómeno que não devemos esquecer. 
No mesmo dia em que tive conhecimento da declamação do poema de Ary pelo bastonário, fui contemplado, por mera causalidade, com um uma canção, "Ave Maria", cantada pelo último "castrato", Alessandro Moreschi, gravada no início do século XX. É a única voz que se conhece de um "castrato". Estive a ouvi-la. Repeti a audição várias vezes, e, de facto, há algo de "angélico" naquela voz. Arrepiante, mesmo. Imagino o que deverão ter sentido os que ouviram as vozes emanadas a partir deste grupo de pessoas, aos quais foram praticados atos repugnantes em nome do simples prazer.
Voltando ao tema castração, importa dizer que se a extirpação dos testículos provocava aquele timbre de voz, nem sempre provocava impotência, ou seja, se fosse realizada depois dos dez anos, conseguiam desenvolver um pénis adulto conseguindo algo impensável, "serem os melhores amantes do mundo", uma curiosidade que merece ser realçada, para "limitar os estragos de algumas castrações". Não podiam ter filhos, como foi o caso de Alessandro Moreschi, o "Anjo de Roma", que foi pai adotivo, mas podiam ser os "melhores amantes do mundo". 
Não sei se Ary se referia à castração como a impossibilidade de ser pai ou de usar devidamente o "instrumento", mas, tal como referi, alguns até o utilizavam, e sem riscos de procriação indevida.
Vá lá, para terminar, tenho que admitir a castração, não a de humanos, não a psicológica, não a social, não a política, mas a dos capões. Isso sim, vale a pena, porque ficam mesmo mais saborosos...

Cruzou por mim..., de Álvaro de Campos



Ouvindo as declarações de um certo banqueiro por estes últimos tempos particularmente loquaz, veio-me à memória o poema de Pessoa sobre os pedintes que somos. Encontrei uma versão dita pelo génio que foi João Villaret. Partilhado e com dedicatória.

"Terrorismo empresarial" ou uma certa filosofia...

1. Achei particularmente curiosa a forma como um porta-voz da CT/RTP qualificou uma entrevista do Presidente do CA da dita empresa, na qual não afastou, embora não admitindo expressamente, a possibilidade de utilização do dispositivo legal do despedimento colectivo no âmbito da anunciada reestruturação da mesma empresa: “terrorismo empresarial”, foi a expressão utilizada.
2. Não se esperaria, como é óbvio, um aplauso da CT em relação a um projecto que pretende reduzir os encargos de funcionamento da empresa, uma heresia dessas seria indesculpável...mas o estilo da reacção define uma filosofia que há muito se instalou no sector público empresarial e que exclui a legitiidade de medidas de reestruturação que colidam com direitos económicos instalados, pois estes constituem conquistas irreversíveis...
3. ...e se a empresa não puder pagar os encargos correntes da exploração mais os investimentos necessários para manter a actividade/prestação do serviço, isso não nos diz respeito, estão aí os contribuintes, que pagarão sempre o que for preciso para que os direitos permaneçam intocáveis...
4. Mas notemos que na dialética que suporta essa filosofia isto até faz sentido: se considerarmos obrigação do Estado, enquanto titular da empresa, assegurar que esta cumpra as suas obrigações, então o Estado terá de mobilizar, independentemente do respectivo custo, os recursos necessários para esse fim quando os da empresa estiverem esgotados...por isso também a oposição visceral a qq ideia de privatização...
5. E é assim que esta boa gente considera absolutamente normal e legítimo que os nossos impostos continuem a pagar os défices de exploração da RTP e de outras empresas, sem se preocuparem em saber se o custo do serviço que prestam é justificado pela utilidade social do mesmo (já nem digo se é desejado pelo mercado, para não me "pegarem fogo")...
6. ...pois a utilidade social é também um dado axiomático: ninguém tem o direito de a questionar (só produzimos o que é socialmente útil, por definição) pelo que o pagamento forçado por terceiros desconhecidos, que "beneficiam", ainda que contra vontade, de tal serviço, também é inquestionável...
7. E não vai ser fácil erradicar este estado de coisas, que fazem parte deste magnífico e querido Estado que tanto nos conforta e com tanta devoção pagamos - qualquer tentativa de modificação séria será considerada “terrorismo empresarial” e justificará greves por tempo indeterminado e outras formas de luta...
8. É claro que nas empresas do sector privado a situação é inteiramente diferente, pois se trata de uma segunda divisão da economia portuguesa, que trabalha para o mercado e está sujeita à concorrência (há excepções, é certo)...se os seus produtos/serviços não tiverem procura, paciência...
9. Só mesmo a falta de dinheiro poderia alterar este "status quo" se os nossos impostos não fossem tão elásticos como infelizmente se comprova que são...

Dois pesos, duas medidas...

Foi recentemente aprovada legislação que permite aos titulares dos Planos de Poupança Reforma (PPR) solicitarem o seu resgate sem penalizações fiscais para amortização de empréstimos à habitação. Uma possibilidade que não estava contemplada na legislação que criou os PPR, estando apenas previstos os reembolsos antes da data de passagem à reforma em situações excepcionais como o desemprego ou a doença.
Hoje foi notícia que os Certificados de Reforma – uma espécie de “PPR” do Estado - não foram abrangidos pela nova legislação. Estes “PPR” do Estado consistem na possibilidade de qualquer trabalhador inscrito na Segurança Social fazer um desconto adicional do seu salário para um fundo público de pensões, com o objectivo de aumentar o valor da sua pensão futura, tal como acontece com os PPR.
Não se compreende esta diferenciação. Sendo ambos os PPR instrumentos de poupança para a reforma - os PPR geridos por entidades privadas e os Certificados de Reforma geridos pelo Estado - não se vê que razões podem explicar a dualidade de tratamento.
Por hipótese, pensemos num titular de um empréstimo à habitação em situação de incumprimento que tem um PPR e um Certificado de Reforma. Pretende solicitar o reembolso antecipado de ambos para liquidar as amortizações em dívida. Mas a legislação apenas lhe permite o reembolso antecipado do PPR. Este titular decidiu, no passado, diversificar e poupar para a reforma através de ambos os instrumentos. Agora é penalizado pela opção que fez. Porquê esta discriminação entre público e privado? Não faz sentido.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Parabéns a Cabo Verde

Escusam de insistir mais…Cabo Verde só fala português.
É a posição dos responsáveis pela Selecção de Futebol de Cabo Verde que brilhantemente, mas de forma algo surpreendente, se classificou para os Quartos-de-Final do Campeonato Africano de Futebol e, por isso,  é alvo do assédio da comunicação social. 
E acrescentam: Cabo Verde é um país lusófono, o português é a língua oficial e quem quiser que se sujeite às regras, tanto que até é disponibilizada tradução.
Parabéns a Cabo Verde: pelo êxito desportivo e pelo exemplo que dá de defesa da língua ao pessoal cá do burgo.

Austeridade: António Borges até tem razão, mas...

1. Foi notícia, há poucos dias, uma declaração de António Borges (AB), expressando o entendimento de que não existe necessidade de mais austeridade na economia portuguesa, uma vez que o objectivo fundamental das medidas de austeridade adoptadas ao abrigo do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro/PAEF (incluindo as de 2013, obviamente) está conseguido: a economia está reequilibrada, depois de anos sucessivos, mais de 15, de crónicos desequilíbrios que acabaram na asfixia financeira da Primavera de 2011.
2. Estou de acordo, no essencial, com esta opinião de AB; de resto, como alguns dos nossos comentadores de boa memória certamente recordam, tenho repetido, em sucessivos Posts aqui editados, a opinião de que o objectivo nº1 do PAEF consiste exactamente no reequilíbrio da economia, não sendo o objectivo orçamental – sem prejuízo da sua grande relevância face à enormidade dos recursos que o Estado (em senti amplo) consome – mais do que instrumental para a realização daquele nº1.
3. Mas AB acrescentou o seguinte: não é necessária mais austeridade mas...torna-se ainda necessário diminuir o défice público, uma vez que temos esse compromisso com os credores internacionais (certamente numa alusão indirecta a um programa de reforma da despesa pública que continua na ordem do dia)...
4. E aqui parece existir uma aparente contradição na posição assumida por AB: se não é necessária mais austeridade mas, ao mesmo tempo, torna-se necessário reduzir o défice público, o que implica, nas actuais condições da economia, mais austeridade...como entender?
5. Para superar esta aparente contradição, julgo necessário considerar que o rápido ajustamento da economia portuguesa, que se pode rotular de extraordinário, excedendo largamente as metas oficialmente estabelecidas – é agora certo que o saldo conjunto das balanças corrente e de capital será positivo em 2012, o que já não se verificava há mais de 15 anos – se ficou a dever ao formidável esforço do sector privado, que suportou, em grande parte, os custos deste ajustamento...
6. ...e, consequentemente, não é possível nem justo impor mais austeridade ao sector privado, que foi forçado a reduzir, na ordem das muitas centenas de milhares, a força de trabalho que ocupava antes deste processo se iniciar, e que contraiu as suas estruturas até ao limite do imaginável...ou seja, foi “esmifrado até ao tutano” para usar um termo bastante popular...
7. E que, por isso, qualquer esforço ADICIONAL de ajustamento que cumpre ainda realizar, nomeadamente para obter um excedente nos pagamentos com o exterior que permita à economia um efectivo desendividamento externo, terá de caber ao sector público (em sentido amplo)...
8. Só que, como já percebeu pelas numerosas iniciativas que por aí se vão desenrolando numa sucessão de sábias e solenes orações - tendo como denominador comum o lugar que os oradores ocupam à mesa do Orçamento e a vontade indómita de defender esse lugar - o tal esforço adicional do Estado muito dificilmente será realizado no ambiente reinante...
9. ...para já, o relatório do FMI com sugestões (não mais do que isso) para a reforma da despesa pública, encontra-se reduzido a cinzas, já quase não resta uma linha do que lá foi escrito...ontem e mais uma vez foi arrasado sem dó nem piedade...
10. ...e ainda nem se conhece o pronunciamento do TC sobre o OE/2013 e as 1.001 inconstitucionalidades de que supostamente enferma...

Boi para curiosos!

António Costa não é candidato a líder do PS
Seguro recandidata-se. Costa avança, se não houver união
António Costa vai candidatar-se à liderança do PS e à Presidência da autarquia
De facto, ler jornais não é boi para curiosos.
E entender de política também não!
O oráculo de Delfos era bem mais claro.

Quem se lembra dos anos 70?

"Mesmo antes da efervescência dos anos 60 ter acalmado, as circunstâncias únicas que a tinham tornado possível já tinham passado para sempre. (…) Os “trinta gloriosos anos” da Europa Ocidental deram lugar a uma época de inflação monetária e a taxas de crescimento em queda, acompanhadas por desemprego generalizado e descontentamento social. (…) A depressão dos anos 70 parecia pior do que foi devido ao contraste com o que se passara antes. (…)No entanto o sofrimento era real, piorado pela crescente concorrência nas exportações dos novos países industrializados na Ásia e cada vez maiores custos de importação quando as matérias primas (e não só o petróleo) aumentaram de preço. As taxas de desemprego começaram a subir, regular mas inexoravelmente (…).
A combinação do desemprego estrutural, facturas cada vez maiores de importação de petróleo, inflação e exportações a descerem, conduziu a defices orçamentais e a crises de pagamento por toda a Europa Ocidental. (…) as contas da Grã-Bretanha estavam na altura em defice crónico – de tal maneira que em Dezembro de 1976 houve um sério risco de falta de pagamento nacional e o FMI foi chamado a avalizar a Grã-Bretanha. Mas os outros estavam pouco melhor. (…) A recessão dos anos 70 permitiu uma aceleração na perda de empregos em praticamente todas as indústrias tradicionais (…) Em 1978, o chanceler Helmut Schmidt, da Alemanha Ocidental, propôs um Sistema Monetário Único (SME) (…) Como solution de riguer, o SME funcionaria mais como o Fundo Monetário Internacional (ou como a Comissão Europeia e o euro em anos posteriores): obrigaria os governos a tomar decisões impopulares que esperavam poder atribuir às regras e tratados concebidos no exterior. (…) Os benefícios tácticos de um tal passo eram óbvios: mas teriam o seu preço.
Tal como no passado, o impacto redistributivo da inflação, piorado pela endémica elevada tributação do Estado moderno prestador de serviços, foi mais severamente sentida pelos cidadãos da classe média. Foram as classes médias também que mais perturbadas ficaram com a questão da “ingovernabilidade” (…).
Na verdade, o simples facto de parecer que os dirigentes europeus tinham perdido o controlo era em si uma fonte de angústia pública – tanto mais que os políticos, como dissemos, viram alguma vantagem em insistir na sua própria incapacidade. Denis Haley, ministro das finanças no infeliz governo trabalhista de meados dos anos 70, lamentou os milhões de euro dólares que circulavam pelo continente, obra dos “homens sem rosto que geriam as crescentes nuvens atómicas de fundos livres que se tinham acumulado nos euro-mercados para fugirem ao controlo dos governos nacionais”. Ironicamente, o próprio partido tinha sido eleito em 74 devido à aparente incapacidade dos conservadores de mitigarem o descontentamento público – apenas para se ver acusado de comparável incompetência, e pior, ainda nos anos seguintes.
Na Grã-Bretanha falava-se mesmo da insuficiência das democracias perante as crises modernas e havia alguma especulação na imprensa sobre os benefícios de um governo de estranhos desinteressados, ou coligações “empresariais” de peritos não políticos”. (…)
Por detrás destas nebulosas agitações de dúvida e desilusão estava uma muito real e, segundo parecia na altura, presente ameaça. (…) Pelos padrões das décadas entre guerras, as ruas das cidades da Europa eram notavelmente seguras (…) Nos anos 70, as coisas ficaram mais sombrias. (…) a brusca e sustentada quebra económica, juntamente com a violência polítca generalizada, encorajaram o sentimento de que “os bons tempos” da Europa tinham passado, talvez por muitos anos ainda. (…) Num mundo mais ameaçador, garantir os interesses próprios tomava precedência sobre a promoção de causas comuns.”

Tony Judt, in Pós Guerra, História da Europa desde 1945, ed. 70 (cap. XIV, Expectativas Diminuídas)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Os pós, os res e os neos

“Os tempos medíocres, escreveu Albert Camus em A Queda, geram profetas vazios. Os anos 70 ofereceram uma rica colheita deles. (…) Era,  muito autoconscientemente, uma era de “pós-tudo”, em que as perspectivas futuras pareciam enovoadas. Como observou na altura o sociólogo americano Daniel Bell:”O uso do prefixo hifenizado “pós” indica (uma) sensação de se viver num tempo de intervalo”.

(Tony Judt, in Pós-Guerra, História da Europa desde 1945, p. 544)

Tenho uma certa embirração com os prefixos “re” ou “neo”, palavras como “revivalismo”, “refundação”, reestruturação”, “remake”, “repensar”, e a infinidade de “neos” que por aí se ouvem deixam-me logo desanimada, mesmo que possam ter um grande significado por parte de quem as invoca. É que re-qualquer-coisa faz-nos fixar no que está, amarra-nos ao que já conhecemos e de que não gostamos mas que afinal gostamos tanto que não queremos mudar mas apenas refazer, recuperar ou lá o que seja que daí resulte. É que o prefixo re, em si mesmo, não nos diz nada, o sentido do que procuramos fica encalhado no próprio objecto em que concentramos a atenção, sejam as fundações, a estrutura ou o pensamento, ou a moda, a música, os filmes, ou os tempos que se viveu. Em cada “re” ou em cada “neo” , há um paradoxo, pois invoca a mudança ao mesmo tempo que nos limita o olhar e a capacidade de imaginar diferente. Ficamos presos ao que conhecemos, leva-nos a “re”-visitá-lo, ou a imitá-lo vestindo-o de maneiras novas, mas o miolo é o mesmo, é parte integrante da equação e tantas vezes o neo não é mais do que uma mascarilha frágil do impostor à procura de uma identificação que não é a sua. Mas os “re”, tal como os “neo”, têm outros defeitos. É que o conhecimento e a ousadia de pensar ou executar algo de inteiramente novo é muito diferente do que se exige a quem quer conservar, melhorando ou alterando. Neste caso, é preciso conhecer bem, conhecer profundamente, apreender os alicerces, não confundir o que determina e o que inquina, só se refaz o que se quer guardar porque tem valor, só se refunda o que é indispensável sabendo o que o tornou indispensável, só se retira da poeira do passado e se traz de novo à modernidade o que nos deu gosto ou nos fez felizes. Ou seja, quando se “re” qualquer coisa, a essência não deve mudar, logo, é preciso conhecê-la e respeitá-la, sem o que surgirá outra coisa qualquer que, provavelmente, só nos trará desconsolo e nostalgia do que nos lembrávamos que tínhamos. Já quando se cria, se inventa, se rejeita, então é preciso correr o risco de imaginar melhor, de convencer a substituir e de preparar para a diferença que resultará da mudança. Os “re” e os “neo” são reafirmações, não são rejeições, por isso, quando divorciados do valor do que se pretende preservar, ou trazer de volta, são apenas prefixos vazios.

Cães

Lembro-me de algumas histórias ocorridas com cães, umas agradáveis e outras nem por isso. Em pequeno fugia como o diabo da cruz quando os via. Assustavam-me muito quando ladravam e quando me fitavam calados. No primeiro caso interpretava como um sinal de hostilidade e no segundo como uma ameaça iminente de ser atacado. Fugia. Sabe-se lá o que é que estariam a pensar de mim. Para comprovar as minhas preocupações, um cãozito rafeiro, Piloto de seu nome, lembrou-se um dia, à calada, de ferrar a sua bocarra no meu traseiro. Estava a acenar, no final de uma tarde de verão, ao comboio rápido das sete. Sacana. Doeu que se fartou e, depois, o mercurocromo fez o resto. Dois dias de rabo alçado. Se tinha medo com mais medo fiquei. Mais tarde, o Pinóquio, quem sabe se a reencarnação do anterior, nunca me chateou, nunca me ladrou, mas era um animal esquisito, sofria de satiríase à enésima potência. Chegava a desaparecer dias seguidos. Quando perguntava por ele ao dono, respondia-me, "foi às gajas". Passados uns tempos aparecia todo escanzelado, não se sabe se do trabalho ou das lutas com outros cães. Nunca tive problemas com ele. Outros chegaram a arreganhar os dentes, alguns ainda tiveram o desplante de me perseguir durante um bom bocado, enfim, peripécias com cães nunca me faltaram. Até que um dia fui "obrigado" a tratar de um cão. Verão, praia, estudante de medicina, um cão ao atravessar indevidamente a rua foi atropelado. O carro continuou na sua marcha e o pobre animal gania que nem um desalmado. Aproximei-me acompanhado de um puto de dez a onze anos, que me avisava constantemente para não lhe mexer, mas o sofrimento incomodava-me e fiz uma tentativa. O cão deixa de ladrar, vira-me os olhos como que a implorar ajuda, abre a boca e com a língua começa a lamber-me. Disse ao puto para ir arranjar pedaços de roupa velha e uns bocados de madeira. Regressou passado pouco tempo, e eu fiz, pela primeira vez, uma tala, sabendo que não iria servir muito ao animal. Deixou-me fazer tudo. Como tinha que ir apanhar a boleia para  Coimbra, solicitei ao miúdo que lhe desse de comer e de beber. Fiz-lhe uma última festa e ele agradeceu-me com uma generosa lambidela. Foi a primeira vez que me aproximei de um cão. Mais tarde, muito mais tarde, deixei-me cair na tentação de adquirir um animal, os filhos têm esse condão. A primeira cadelita nem quinze dias durou, estava doente. Tive que a substituir por uma Cocker Spaniel, louca até dizer basta, que, durante mais de dezoito anos, fez as nossas delícias apesar de muitos sustos por causa de doenças. Morreu de velhice, doente, alquebrada, mas com "dignidade" canina.

Não há muito, depois dos muitos casos de ataques, alguns mortais, provocados por certas raças, nomeadamente "pitbull", estava deitado a desfrutar uma bela tarde de verão na albufeira da Aguieira, deserta, senti um estranho bafo no lado esquerdo do meu pescoço. Abro os olhos e vejo o focinho maciço de um pitbull a tirar as medidas às minhas jugulares. Senti um baque, tentei manter o sangue frio, não me mexi, não o olhei, tentei ver pelos cantos dos olhos, e através dos dedos dos pés, onde estariam os donos, pois àquela hora não havia ninguém. O acelerar do coração era mais do que evidente, o tipo não saía daquela estranha posição, até que vislumbrei duas mulheres e um homem à beira da água. Não se viravam, estavam longe e caso fosse atacado não deveriam chegar a tempo. Estou tramado. Até que, de repente, o dono, talvez sentindo, telepaticamente, a minha angústia, começou a chamar o "chien". O animal era francês. O gajo ainda hesitou, até que, perante a insistência do dono, se foi embora, não sem antes lançar mais do que uma vez um olhar muito esquisito. Ainda estive disposto a barafustar com aqueles turistas, mas como já tinha tido a minha dose, deixei-me relaxar novamente na toalha, agora com o respeitável e sempre útil canivete suíço, de razoáveis dimensões, totalmente desembainhado na minha mão direita.

Continuo a ter medo dos cães, sobretudo de alguns, mas também tenho medo da forma como certos seres humanos os tratam, uns muito mal e outros "bem" de mais, humanizando-os de uma forma que nunca consegui entender. Ultimamente chego a ler a este propósito coisas que pensava que só se podiam aplicar a nós, como, "ainda não foram julgados", "ainda não foram condenados", "não está provada a sua culpabilidade", mas ainda não li coisas como "trânsito em julgado" ou "recurso para qualquer instância judicial superior". Não tarda e ainda vão criar algum tribunal constitucional canino.

Tenho medo de cães, gosto deles e defendo-os se for preciso, mas cão é cão e homem é homem, nada de humanizá-los porque podemos correr o risco de ainda começarmos a "ladrar" e, até, a "morder"...

"Some Common Mistakes"

Assisti ontem a algumas das intervenções realizadas na Conferência “Para uma reforma abrangente da organização e gestão do sector público”. Muito do que foi apresentado e dito, incluindo sobre experiências bem sucedidas sobre reformas do Estado implementadas em países com os quais podemos aprender, não constituiu, por assim dizer, uma novidade. Foi antes uma excelente oportunidade para contactarmos com um conjunto de princípios e valores - apresentado de forma arrumada, coerente, bem sistematizada e decorrente da observação de casos mais ou menos bem sucedidos - que os decisores políticos devem ter presente na condução de reformas e transformações na organização e gestão do sector público. Muitas coisas interessantes foram ditas e muitas chamadas de atenção foram feitas para os cuidados que devem rodear os processos e as decisões sobre as reformas do Estado.
Da intervenção de Christopher Pollitt - Universidade de Lovaina - “What do we know about public management reform? Concepts, models and some approximate guidelines” escolhi este slide. Li-o, simultaneamente, como um cuidado e uma recomendação a ter presente em Portugal:

SOME COMMON MISTAKES
1. Prescription before diagnosis
2. Failure to build a sufficient coalition for reform
3. Insufficient implementation capacity
4. Haste, and lack of sustained application over time
5. Over-reliance on external experts rather than experienced locals
6. Ignoring local cultural factors
Christopher Pollitt lembrou que estes erros são muitas vezes conhecidos e identificados pelos decisores políticos, mas são, no entanto, desvalorizados. Uma desvalorização motivada pelo excesso de confiança ou pelos argumentos da necessidade e da urgência que conduzem tantas vezes à insustentabilidade das reformas, ainda que no curto prazo alguns objectivos sejam conseguidos.  O resultado é a acumulação dos problemas...

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

"Vómitos"?


Para quem sofra de vómitos recomendo "Primpéran". Atua com alguma eficácia, mas não se pode abusar, porque por vezes origina efeitos graves extrapiramidais. Em situações minor o melhor é tomar Clebutec.  Dose? 3 i.d.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Indicador avançado

A actual situação do Partido Socialista constitui o melhor indicador avançado para confirmar as perspectivas da OCDE de recuperação económica em Portugal para o fim do ano que corre.
O PS foi suportando o líder no pior da crise, o poder estava longe, só traria espinhos e desconforto, a palavra de ordem era aguentar a travessia do deserto. Mas, de repente, tudo se moveu. Bastou a pequena luz ao fundo do túnel do cumprimento do défice (embora, para já, em termos de contabilidade pública) e o regresso ao mercado da dívida de médio prazo para tudo se alterar.
Agitam-se, pois, as diversas hostes socialistas, cada qual com os seus estandartes e o seu condestável. Cada hoste vai contando o armamento e os líderes vão-se mostrando perante as tropas. E os corneteiros vão tocando a reunir.Começou a marcha para o campo da batalha.
Os combatentes profissionais saíram da sombra. Sinal avançado de que o poder recomeça a tornar-se apetecível.

Contra corrente

Não conheço pessoalmente o Engenheiro Paulo Júlio que ontem anunciou o abandono do governo, após a aceitação da demissão que apresentou ao senhor PM. Ao vivo, só o vi e ouvi uma vez, agarrado a um powerpoint com a ajuda do qual procurava explicar as virtudes da reforma autárquica que animou, que na realidade consubstancia, no meu modesto entender, um reordenamento do mapa administrativo das freguesias que não adianta nem atrasa relativamente ao que é essencial no plano da reforma administrativa de que o País necessita. 
Estou, pois, muito à vontade para, em contra corrente, louvar a atitude tomada pelo senhor Engenheiro Paulo Júlio ao pedir a demissão do cargo governamental que ocupava, após a acusação pelo Ministério Público, em processo crime, de ter favorecido ilegitimamente um seu familiar (creio que distante) num concurso para cargo de chefia na câmara municipal a que presidia. É a atitude que se espera de um político que tem plena consciência das suas especiais responsabilidades, e que, ao contrário de muitos outros, entende que perante uma acusação, mesmo que injusta, os governantes não podem deixar de extrair consequências. 
Consequências pessoais, mas também no plano institucional. E neste último plano o senhor Engenheiro Paulo Júlio fez o que é devido fazer-se nestas situações também para proteção do órgão que integra, ainda que esteja seguro da sua inocência.

Uma nota adicional. Como se vê, em Portugal é muito fácil a alguns poderes derrubar um político, desde que o alvo seja um homem sério e consciente das suas responsabilidades e sem compromissos com outras coisas que não a honra e a dignidade. Uma fragilidade da democracia? Não sei se é. O que eu sei, procurando não ser ingénuo, é que a democracia se tem de proteger contra os pelourinhos erguidos por um certo justicialismo que, para além da constância no discurso mediático, impera também no discurso político (vejam-se algumas das intervenções da atual ministra da justiça...), responsável pelo afastamento da vida pública de gente reconhecidamente válida.

"Fugir à justiça"...


Morreu a freira espanhola acusada de ter roubado filhos a mulheres à nascença distribuindo-os, ou "vendendo-os", a famílias desejosas de satisfazer as suas libidos maternais. Um escândalo, uma verdadeira iniquidade, que pôs muitas mulheres na loucura quando souberam ou se aperceberam da maldade que lhes tinham feito. No caso vertente o problema é agravado pela circunstância de estar em causa uma religiosa, alguém que pela natureza e particularidade da condição abraçada consegue exponenciar ao infinito a maldade humana encapotada pela sombra da capa de serva de deus e do amor ao próximo. A denúncia ou qualquer comentário a propósito deste caso, tratando-se de uma irmã da caridade, é capaz de ser entendida por alguns proselitistas como um ataque à religião católica. Uma atitude que considero uma obscenidade, já que o que está em causa não é a religião, ou os seus princípios, mas quem os adultera e abusa da sua sombra. Aqui é que está o cerne do problema, um atentado aos direitos humanos e uma ofensa à dignidade sob a capa de entidades que, pelas suas características e finalidades, deveriam ser um muro de proteção contra qualquer ofensa. Uma cobardia que merece repúdio e indignação. Não me admiraria que fosse objeto de particular atenção pela "denúncia" de um caso desta natureza. 
Não sei se existe vida do "outro lado", o mais certo é que não, embora, em certos casos, gostaria que houvesse, de forma que um "juiz digno", imparcial, e insensível a qualquer influência humana, fosse capaz de chamar à barra da razão e da consciência prevaricadores e desrespeitadores da condição humana. Como qualquer crime deve ser punido, ponho-me a imaginar qual a pena que a irmã deveria cumprir. Recuso liminarmente que o tal "juiz digno" fosse capaz de perdoar crimes desta natureza, porque ao fazê-lo estaria a comungar do mesmo princípio que o acusado. Às tantas, a morte foi mesmo libertadora, impediu que a freira fosse julgada pelos homens e, ainda por cima, vai conseguir "fugir" à ação de um juiz que deveria ser digno. A morte serve para muitas coisas, para alcançar a liberdade, fugir ao castigo, além de conseguir afogar qualquer um no sono do esquecimento. 
É bom não esquecer este e outros casos.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Eis como o FED tem ajudado os mercados de dívida na Europa...

1. Nos dois últimos Posts referi que a imensa melhoria verificada no mercado da dívida pública dos países periféricos do Euro – Portugal incluído, obviamente – se ficava a dever, entre os factores externos, não apenas à disponibilidade, anunciada pelo BCE, em Setembro do ano passado, de intervir, se necessário e em determinadas condições, nesses mercados, mas também à política monetária ultra-expansionista do Banco de Reserva Federal Americano (vulgo FED).
2. Se, quanto ao BCE, tem sido sistematicamente referida a importância daquele anúncio para a melhoria nas condições do mercado – não faltando quem, inapropriadamente, tenha atribuído a esse factor influência exclusiva no regresso da República Portuguesa aos mercados (Fr. do Amaral, por exemplo), com isso desvalorizando outros factores, nomeadamente internos, que foram também muito úteis - já quanto ao FED, salvo este modesto 4R, não encontrei qq nota pública.
3. Não obstante, a influência do FED foi mesmomuito importante, como disse, e resulta de, em consequência da sua política de fortíssima expansão da oferta de moeda, bem conhecida, o FED ter impulsionado uma procura “desenfrada” de títulos de dívida negociáveis como já há muitos anos não se via nos EUA, e que tem sido denominada por “hunt for yield”...
4. ...”hunt for yield”, que levou a que os juros da dívida emitida no mercado americano por empresas classificadas de “investmente grade” tenham caído a pique, proporcionando rendimentos muito baixos e empurrando os investidores para zonas de risco cada vez maiores em busca de um retorno (yield) minimamente satisfatório...
5. ...ao ponto de o bem conhecido mercado dos “junk bonds” (dívida de emitentes de risco mais elevado) ter conhecido uma procura tão intensa que em 2012 a yield média baixou qq coisa como 200 pontos base (bp) e já no corrente mês teve nova queda de cerca de 50 bp, atingindo mínimos históricos de 5,7%...
6. ..e também de ( para preocupação das autoridades), terem reaparecido novas formas de dívida como por exemplo as “paid-in-kind” notes (títulos de dívida de médio/longo prazo que não oferecem quaisquer “cash-flows, de capital ou de juros, ao longo da respectiva vida, ficando o pagamento de tudo para o fim da vida do título) e os “covenant-light bonds” (títulos desprovidos dos habituais covenants, que colocam o titular na situação de poder ser surpreendido, a todo o momento, pela notícia de dificuldades do emitente, sem qq aviso prévio)...formas de dívida que fizeram voga no período anterior à crise do “sub-prime”.
7. Com esta situação e a redução dos receios quanto ao risco sistémico do Euro, os fundos de investimento americanos começaram a voltar-se para a Europa, em busca de “yields” mais decentes, tendo investido pesadamente, no corrente mês por exemplo, em dívida emitida, tanto em USD como em Euros, por bancos e por soberanos europeus (a Espanha tem aproveitado imenso)...
8. ...não surpreendendo assim a notícia segundo a qual, na emissão de dívida a 5 anos que marcou o regresso da República ao mercado, cerca de 1/3 ter sido adquirida por investidores americanos.
9. Eis pois, resumidamente (muito mais se poderia dizer, mas não neste limitado espaço), como é que o FED, admito que não propositadamente, tem sido um aliado objectivo da retoma dos mercados da dívida na Europa – para soberanos, bancos e outras empresas – contribuindo para a renovada confiança que por aqui se vai sentindo...



quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Um bom exemplo!

O Conselho das Finanças Públicas criado em 2011 foi a última batalha que travei, sem sucesso, como Deputada na Assembleia da República. 
Discordei da necessidade de um órgão que tem como missão avaliar a política orçamental. 
Sempre entendi que essa avaliação ou era técnica ou política. 
No primeiro caso, não faltam entidades que cumprem esse objectivo por serem fontes ou terem acesso às estatísticas relevantes. 
É o caso do INE, do Ministério das Finanças ou do Banco de Portugal. 
No caso de a avaliação ser política, esta pertence à Assembleia da República, em que para apoio técnico aos Deputados existe uma entidade - a UTAO - composta por técnicos independentes. 
Por isso, nunca percebi em que conceito, estratégia ou motivação se inseria este novo órgão que surgia como uma duplicação de outros.
No mínimo, desvia recursos que poderiam reforçar os meios das entidades já existentes, se o problema era melhorar a sua capacidade ou eficiência.
Agora, numa entrevista dada pela Presidente deste Conselho confirma-se o que se perspectivava.
Criado em 2011, o exercício de funções ocorreu a partir de Fevereiro de 2012 e ficámos a saber que 2013 ainda é um ano de transição. 
Entretanto, houve que tratar das instalações, da informática e actualmente está em curso o processo de recrutamento do pessoal. 
Como sempre pareceu óbvio, esclarece-se que não vão fazer previsões próprias para a evolução da economia porque essas continuarão a ser feitas pelo Ministério das Finanças. 
E assim se criou mais um órgão, com um orçamento que ronda os 5 milhões de euros (entre 2012 e 2013) e que, quando emitir opiniões, tem tanta eficácia quanto um artigo de opinião publicado gratuitamente num jornal credível. 
No contexto da anunciada Reforma do Estado é um bom exemplo!

Eur 2.5 bn OT 16/10/17, uma emissão global

Constituiu um êxito o regresso de Portugal ao mercado da dívida pública, com a emissão de 2,5 mil milhões de euros de Obrigações do Tesouro a 5 anos. A operação teve uma ampla adesão dos investidores, com reflexos na taxa de juro, cujo valor ampliou a forte baixa dos yields que os títulos de similar maturidade estão a ter no mercado secundário.
A procura foi muito diversificada, quer por tipo de investidores, quer por áreas geográficas. E, neste aspecto, constitui também um bom sinal que 60% da emissão tenha ficado nas mãos de Gestoras de Activos e 4% tenham sido tomados por Seguradoras e Fundos de Pensões, normalmente com perspectivas de médio prazo. Os Bancos tomaram 10%, enquanto os hedge fundsficaram com 24% e outros investidores não discriminados com 2%.
Por áreas geográficas, os Estados Unidos, com 33% e o Reino Unido, com 29%, foram os maiores investidores, enquanto a Europa ficou com 27% da emissão ( dos quais 7% em Portugal e 9% no conjunto Alemanha, Áustria e Suíça). A Ásia ficou com 9% e outras áreas geográficas com 2%.
Ficou também assim comprovado que a emissão não foi sustentada nem por Bancos portugueses, nem pelo Banco Central Europeu, como alguns se apressaram a insinuar. 
Esta e outras críticas à operação apenas comprovam a mesquinhez de pensamento que grassa por aí, vindas de pensadores vesgos ou a soldo e da oposição política. Creio que só perdem com isso. Quando forem capazes de reconhecer o que inegavelmente corre bem, ganharão em credibilidade nas críticas que justamente fazem. Mas numa política de terra queimada tudo vale, até dar tiros no próprio pé.
Nota: Os valores referentes à colocação foram retirados do gráfico a cores constante da informação oficial do IGCP. Creio que da minha parte não houve engano na identificação da correspondência entre a cor e o investidor. Mas fica o link para comprovar.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Gaspar faz KO técnico a Roubini: e agora?

1. Questionei aqui, ontem, quem é que acabaria por ter razão quanto à capacidade da República Portuguesa voltar aos mercados a muito curto prazo: se o Ministro Vítor Gaspar, que na 2ª Feira tinha antecipado essa possibilidade, ou se o conhecidíssimo economista Nouriel Roubini que ontem mesmo exprimia grandes reservas quanto a esse evento...
2. Menos de 24 horas depois, está consumado o regresso da República aos mercados, com uma emissão de dívida ao prazo de 5 anos, por um montante de € 2,5 mil milhões, taxa média (aparentemente) inferior a 5%. Segundo rezam as notícias, a procura nesta emissão (indicador nem sempre fiável quanto à real intenção de investimento dos “apostadores”) teria ultrapassado € 10 mil milhões.
3. É caso para dizer que Roubini perdeu uma excelente oportunidade para guardar um prudente silêncio e que Vítor Gaspar, quando fez o anúncio na 2ª Feira estava já mais que certo de que a operação ia ter sucesso mas, mesmo assim, adoptou um discurso cauteloso. Ou seja, Gaspar fez KO técnico a Roubini em poucas horas...
4. É inquestionável a importância deste evento, por muito que as mesmas pitonisas que durante meses a fio insistiram na impossibilidade do regresso da República aos mercados em 2013 (e no Outono...), venham agora desvalorizar o facto, dizendo que as condições do mercado melhoraram extraordinariamente, graças em especial ao BCE, e que foi por isso que a República pode avançar com sucesso para esta operação...
5. Sendo objectivamente verdade que as condições de mercado melhoraram notavelmente, e não apenas graças ao BCE - é preciso não desvalorizar o contributo do FED - eu pergunto quem é que os mandou falar antes do tempo?
6. Por diversas vezes fui interrogado sobre esse tema, ao longo do ano transacto, num programa TV quase confidencial em que uso participar, e a minha resposta foi, invariavelmente: não é possível dizer se a República vai ou não ter condições para regressar em condições normais aos mercados em 2013, até porque existem diversos factores condicionantes desse evento que estão fora do controlo das autoridades portuguesas...só em 2013 se poderá saber.
7. E assim foi - em 2013, bem mais cedo do que se pensava, ficou a saber-se. E agora?
8. Agora, cabe-me alertar para o facto deste episódio, assumindo inegavelmente um grande significado como já disse, poder vir a ser pretexto para alguns sectores, mais ou menos afectos ao Governo, considerarem que tudo está resolvido, que está ganha não apenas uma batalha mas toda a guerra...
9. Estou certo de que não é essa a visão do Ministro V. Gaspar pelo que conheço dele, mas é evidente que nem tudo acaba ou começa nele...
10. Entramos numa nova etapa do programa de ajustamento em que os riscos de “moral hazard”, de complacência em relação ao muito que ainda há a fazer, terão de merecer especial atenção...

O regresso aos mercados

Há mais gente a regressar a atividades tradicionais. Uma delas é o aproveitamento da terra mais fértil como sucedâneo do emprego perdido ou para garantir uma produção compensatória da redução do rendimento disponível. Nas zonas do País onde este movimento se nota mais, a produção é feita em pequena escala, muitas vezes por meios tradicionais, resultando em produtos de excelente qualidade, desde logo porque obtidos com recurso a práticas naturais de enriquecimento da terra ou com baixa utilização de agrotóxicos. Para além de contribuir para a subsistência de algumas famílias, podemos todos nós, consumidores, ficar a ganhar. Mas para isso é necessário criar as condições para o regresso aos mercados e às feiras. Pelo que conheço do País, tal regresso não implica grandes estudos, negociações ou complexas operações. Ao longo das últimas décadas verificou-se a paradoxal situação de as autarquias investirem fortemente na recuperação e reequipamento dos espaços à custa dos fundos comunitários, ao mesmo ritmo que se construíam grandes e médias superfícies comerciais e as pessoas deslocavam para aí as suas preferências de consumo. Por isso, se a atitude das pessoas mudar preferindo a compra nos mercados dos legumes, da fruta, do pão, das flores, do peixe, da carne, tornar-se-á mais sustentável a produção e consumo locais, para além de beneficiarem com a melhor qualidade da generalidade destes produtos. As infraestruturas existem, modernas e funcionais.
E não se pense que isto significa a recriação da velha distinção entre um país cosmopolita e um país rural. Em Lisboa e nos concelhos limitrofes a revitalização dos mercados tradicionais, em acentuado processo de morte lenta asfixiados pela concorrência das grandes superfícies, pode e deve ser uma realidade desde que, do mesmo modo, as famílias mudem os seus hábitos de consumo e as autarquias favoreçam a fixação dos pequenos comerciantes (baixando taxas, reordenando o trânsito e permitindo o estacionamento gratuito e rotativo na adjacência). Há dias, por altura do Natal, fomos ao mercado de Algés, animado, pleno de cor, de vida, de gente e de bons produtos. Confesso que fiquei surpreendido. Agradavelmente surpreendido por assistir mais cedo do que esperado a este regresso aos mercados.
 
 Mercado de Lamego. Excelentes produtos da terra.

Um confuso Seguro

Se há um ano [o Governo] tivesse pedido mais tempo [para pagar a dívida], havia menos dor, menos sacrifícios e menos desemprego” em Portugal, afirmou ontem Seguro.
Em comunicação solene, Seguro engana os portugueses. Mais tempo para pagar a dívida não significa que “havia menos dor, menos sacrifícios e menos desemprego”. 
Mais tempo para pagar a dívida não tem a ver com o passado ou com o presente, mas com o futuro.
Mas na demagogia tudo vale e Seguro tudo confunde.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Uma segura renegociação

Discretamente, em privado, com as entidades certas, e não na praça pública, o Governo tem vindo a renegociar os termos do Memorando de Entendimento assinado com a Troyca. Depois de ter obtido um primeiro prolongamento do prazo de reembolso dos financiamentos obtidos ao abrigo do Memorando, acabou de obter agora uma posição de Bruxelas, em princípio favorável a uma nova extensão dos prazos de maturidade daqueles empréstimos. Não se trata de alargar o prazo de cumprimento do défice que, aliás, já levou alguns ajustamentos, mas apenas da possibilidade de alargamento do prazo dos reembolsos. O que é bom, já que dá maior flexibilidade na gestão da tesouraria do Estado, situação que favorecerá os diversos governos que estiverem em funções durante o período em questão.
Perante o facto, António José Seguro veio de imediato a terreiro clamar que tal se deveu a um fracasso do governo. E que o PS já há muito vinha reivindicando tal medida. Ora, quem, neste caso, afere o cumprimento dos objectivos calendarizados e estabelecidos para o período transcorrido é a Troyca, e foi por os considerar razoavelmente cumpridos é que acordou em ajustar outros objectivos a atingir no médio prazo. Foi um prémio por ter cumprido, e não, como Seguro tortuosamente diz, um efeito do fracasso. Claro que o Memorando, como qualquer Acordo ou Contrato para vigorar no médio prazo, pode, e deve, ser objecto de rectificações, quando tal se justifique e que, a fazerem-se, virão em benefício de todas as partes. Mas nenhum contrato, particular ou, sobretudo, de qualquer Estado, é renegociado na praça pública, mas discretamente, por aproximações sucessivas, sensibilizando gradualmente todos os escalões de decisão. Tendo sido o Governo socialista o promotor do acordo vertido no Memorando, seria desejável que o actual Governo associasse de alguma forma o Partido Socialista à sua renegociação, com a natural reserva que se impõe nestes casos. A teoria dos jogos de poder do governo, dos partidos da coligação e do PS levou a que tal não tivesse acontecido. Contudo, o país ganharia se essa coordenação de esforços e de vontades se tivesse dado.
Os partidos existem para os portugueses, não para os jogozinhos poder dos seus dirigentes. 
Nota: Uma coisa é cumprir o Memorando e os seus objectivos; outra coisa, o modo como estes se cumprem. Mas discordar do modo e até do tempo, e eu discordo de muita coisa, não pode impedir que se reconheça o resultado alcançado. Não o que cada um desejaria, mas o do Memorando assinado pelo governo socialista e co-assinado pelo PSD.

No final, quem terá razão: Nouriel Roubini ou Vítor Gaspar?

1. Duas notícias divulgadas hoje, uma de manhã e a outra de tarde, quase totalmente incompatíveis, suscitam a questão se saber quem, em última análise, terá razão: se Roubini se o Ministro Vítor Gaspar.
2. A primeira notícia, divulgada de manhã, citava uma declaração de Nouriel Roubini, conhecido economista norte-americano que se tornou famoso, e a sua opinião muito respeitada, depois de ter acertado em cheio na profecia da crise financeira do “sub-prime” em 2008: "Não estou seguro de que Portugal regresse aos mercados em breve”. Roubini punha assim em causa uma declaração de ontem à noite, do Ministro V. Gaspar, que anunciava para muito breve o regresso da Repúbica Portuguesa aos mercados da dívida.
3. Já da parte da tarde é divulgada a notícia segundo a qual Portugal vai emitir dívida no mercado dentro de dias ou mesmo horas, confirmando a indicação ontem dada pelo Ministro das Finanças, tendo o IGCP mandatado um conjunto de instituições financeiras (incluindo o Morgan Stanley, o Deutsche Bank e o Barclays) para organizarem uma emissão de dívida, no mercado, ao prazo de 5 anos, supostamente por um montante de € 2,5 mil milhões.
4. Esta segunda notícia é divulgada ao mesmo tempo que se anuncia a queda da yield (taxa de juro implícita na cotação de mercado) da dívida pública portuguesa a 5 anos abaixo de 5% e a da yield da dívida a 10 anos abaixo de 6%, situação que já não se verificava há mais de 2 anos (pelo menos 6 meses antes do pedido de resgate à Troika).
5. Sendo assim, e considerando que a emissão da dívida ainda não é facto consumado, caberá perguntar quem terá razão em última análise: será o céptico Roubini ou o Ministro V. Gaspar e aqueles (raríssimos) que sempre admitiram a eventualidade de um regresso da República Portuguesa aos mercados de dívida em 2013?
6. O mais curioso - e que é um dado relativamente recente na evolução das condições do mercado - consiste no facto de tanto Portugal como a Espanha (em maior escala), a Irlanda, a Itália (em maior escala) e até a Grécia, terem vindo a beneficiar nos últimos meses, muito significativamente, da política monetária ultra-expansionista adoptada pelo Banco de Reserva Federal Americano (FED)...parece estranho, mas é um facto...
7. Este último tema, por diversas razões de espaço/tempo, fica para desenvolver noutro Post...

Inasanidades...

Qualificar isto de palhaçada é um insulto aos profissionais que no circo honradamente se esforçam por combater a tristeza ou fazer sorrir os inocentes. Democracia que não encontra remédio para esta (e outras) demências, está ela própria a precisar de cura profunda.
 

Recriação



A evolução da espécie humana é muito aliciante, em todos os aspetos, cativando mesmo os não especialistas ao quererem saber mais sobre o seu passado. 
Quando se esbarra em enigmas somos de imediato confrontados com a elaboração de teorias e vários tipos de especulações. Criam-se deste modo explicações deliciosas, que, apesar de nem sempre corresponderem à verdade, enchem os sonhos míticos de uma espécie que até hoje ainda não provou a razão da sua existência. Somos um artefacto, uma singularidade sem pés nem cabeça, uma espécie que deixa muito a desejar e que, pelo andar da carruagem, nunca irá a lugar nenhum. Nem mesmo certas iniciativas, algumas conquistas e interessantes manifestações artísticas e culturais são capazes de manter viva a esperança num futuro melhor, porque somos submergidos nas ondas da tortura, do sofrimento, da iniquidade e da intolerância. 
Observo com algum cuidado a emergência de explosões provocadoras por parte de alguns pensadores. Foi o caso de um cientista que afirma ser possível recriar uma espécie já desaparecida graças às novas tecnologias. Não se trata de nenhum mamute, dinossauro ou de um dodó, apenas do Homem de Neandertal, desaparecido há 28.000, tendo como última residência conhecida a península ibérica. São conhecidas algumas das suas características morfológicas, às quais não é estranho um ar tremendamente façanhudo, feio mesmo, grosseiro, parece que pouco ágil e que não conseguiu sobreviver face à nossa espécie. Se desapareceu por inadaptação, por perda de capacidade de competição ou por aniquilação provocada pela bela obra de deus é coisa que não se sabe. 
O que surpreende são as razões que o cientista arvora para o recriar, sendo diferente, tendo um cérebro maior, talvez tivesse um modo peculiar de pensar e de ver as coisas. 
Sendo assim, a produção em série, através de clonagem apropriada, permitiria dar vida a uma espécie que sendo também humana poderia transformar o mundo. Para isso é preciso usar as novas tecnologias e arranjar uma hospedeira que carregue durante nove ou talvez doze meses um velho ser. 
Considero muito interessante repescar da noite dos tempos seres que poderão ter uma atitude e forma de pensar mais humana do que a nossa espécie. Renasceriam, teriam acesso à nossa cultura, e, talvez, com mais sabedoria, dar outro significado à existência. Talvez não adotassem livros sagrados que provocaram e continuam a provocar descalabros, talvez criassem novas formas de estar em sociedade, talvez fossem mais tolerantes, mais humanos, menos agressivos, talvez fossem isso tudo ou até mesmo nada. De qualquer modo, seria uma experiência muito interessante, um verdadeiro ato de criação, em que o homem substituiria deus, como é seu paradigma, corrigindo uma qualquer falta decorrente de alguma sesta mais prolongada do criador que permitiu que vingasse a nossa espécie em vez da outra. É uma hipótese que nunca será estudada e muito menos comprovada, mas que ajuda a situar-nos na tristeza de um mundo sem soluções. E como o homem de Neandertal até se pode cruzar connosco, a fazer fé de algumas descobertas científicas, talvez conseguíssemos disseminar os seus bons genes substituindo muitos dos nossos, mesmo que isso provocasse alguma fealdade. 

O que uns e outros dizem...

A volatilidade da opinião das instituições europeias e internacionais, em especial aquelas que nos “governam” passou a ser há muito uma constante, mas nos últimos tempos tem-se vindo a acentuar. Os discursos, os estudos, as opiniões e as recomendações vão-se alterando como do dia para a noite., num ziguezague espantoso. Não há coerência de discurso entre as instituições e elas próprias têm dado provas da sua incoerência intertemporal. De manhã ouvimos uma opinião para a tarde ouvirmos o seu contrário. Agora que estamos habituados, não temos mais que nos admirar com o experimentalismo que em certa medida tem varrido a Europa na prescrição dos remédios para combater a crise. De vez em quando tocam umas sirenes como se a casa só agora tivesse começado a arder.
O relatório da Comissão Europeia “Emprego e desenvolvimentos sociais na Europa em 2012” foi o pretexto para aqui deixar esta nota sobre contradições e inconsistências dos discursos nacionais e internacionais que populam a Europa e que, em particular, afectam o nosso país.
Pois o referido relatório vem dizer que países com sistemas de Segurança Social fortes, como é o caso da Dinamarca, Finlândia ou Suécia – têm superavits orçamentais, que afinal não é uma verdade absoluta que as sociedades de bem-estar não são aquelas que necessariamente têm níveis de dívida acima da média. E acrescentam que os países melhoraram ou pioraram as suas finanças sem que se possa atribuir responsabilidades ao Estado Social e os Estados Sociais robustos também não são inimigos do emprego, pelo contrário. “Na Europa, Estados de bem-estar maiores tendem a estar a associados a maiores níveis de emprego” afirmam os economistas da Comissão Europeia. Enfim, um conjunto de novidades, que embora não sendo, serão certamente aproveitadas para introduzir ainda mais perplexidade no mundo do que uns e outros dizem e desdizem.
Afinal o Estado Social não é o “papão” que muitos querem fazer crer. A ideia que por cá se instalou de que o Estado Social é o culpado da crise, faz-nos esquecer que é na falta de economia e nas disfuncionalidades do Estado que residem grande parte dos nossos problemas. Precisamos de economia. Reformar o Estado e pensar que Estado de bem-estar queremos ter também é necessário. Mas não vejo como se possa fazer este exercício de uma forma desintegrada, tipo em “silos”, todos os planos estão interligados. Claro que discutir com a arma da urgência apontada à cabeça é muito complexo. Deixámos acumular muitos consensos necessários e decisões. Mas a urgência não pode ser uma desculpa…

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Extraordinário seguro


Na entrevista de 20 de Janeiro do DN a António José Seguro

Jornalista: “…Pode prometer aos portugueses, com as críticas que fez ao enorme aumento da carga fiscal…que se for 1º Ministro diminuirá os impostos sobre o rendimento e o trabalho?
António José Seguro: “Não estou em condições de prometer isso aos portugueses”.
Extraordinário Seguro! Critica, mas não altera. E até diz que o aumento é inconstitucional, mas deixa ficar tudo na mesma.
Aviso seguro para quem lhe quer pagar o prémio: já sabe que fica de mãos a abanar. Mas que Seguro extraordinário!... 

FMI está (quase) isolado na preocupação com o excesso fiscal? Como foi possível?

1. No relatório “Article IV Consultation and Sith Review...”, divulgado na última 6ª Feira, o FMI alerta, muito justamente na minha opinião, para o nível excessivo que a carga fiscal passou a apresentar em Portugal com o OE para 2013.
2. No parágrafo 22 desse relatório, o Fundo lembra que o desproporcionado recurso ao aumento da receita fiscal no esforço de ajustamento em 2013 (cerca de 80%), torna imperativo procurar uma melhor combinação de medidas do lado da receita e da despesa na continuação do programa.
3. E, no parágrafo 23, salienta que representando as despesas com salários e com prestações sociais (pensões + outras prestações) cerca de 2/3 da despesa total, será incontornável, caso se pretenda reduzir a despesa pública de forma permanente, contemplar esses capítulos.
4. No mesmo parágrafo 23 e referindo-se mais especificamente à matéria da fiscalidade, é salientado que o rácio entre a receita fiscal e o PIB podia considerar-se até 2012 mais ou menos adequado ao nível de desenvolvimento económico do País mas que, com o agravamento que se vai verificar em 2013, esse rácio passa a ser excessivo, pelo que quaisquer medidas que impliquem novo agravamento não serão recomendáveis...
5. Esta posição e preocupação do FMI, com as quais concordo plenamente, contrastam com a rápida mudança que entre nós se verificou ao nível dos “opinion-makers”, em geral, que há cerca de 2 meses, ou menos, se mostravam muito indignados e se ergueram num imenso coro de protestos contra o agravamento dos impostos, clamando que o Governo se tinha esquecido da redução da despesa...
6. ...mas que, subitamente, após a divulgação do mais que famoso relatório técnico do FMI contendo recomendações (menu de opções) para a redução permanente da despesa pública, esqueceram os impostos e passaram a ter como exclusivo alvo das suas ferozes críticas as ditas recomendações para a redução da despesa que, segundo alguns, até atentam contra a soberania nacional...
7. E assim encontramo-nos na caricata situação de o FMI aparecer hoje quase isolado quando expressa a sua mais do que justificada preocupação com a excessiva da carga fiscal em Portugal...
8. Como foi possível o escol dos nossos “opinion-makers” ter mudado a sua posição em 180 graus, esquecendo a indignação contra os impostos e a insuficiente redução da despesa...para passar agora a manifestar-se ferozmente contra a redução da despesa, é não só um bom tema para reflexão, mas também motivo de grande cepticismo quanto ao futuro desempenho da economia...
9. Como é que o “País” virou assim do avesso em tão pouco tempo?

domingo, 20 de janeiro de 2013

Quando morre um amigo...


Foi um fim de semana devastador, chuva, vento, tempestade, destruição, falta de luz, alteração dos hábitos, regresso a um passado não lembrado, uma sensação diferente, um esboço de anormalidade que nos faz despertar para a realidade da fragilidade humana, dependente de tudo e de todos. Uma lição de humildade que em breve será esquecida. Nem os resquícios de árvores tombadas, nem o rugir dos cursos de água, nem as pedras roladas das encostas são capazes de mudar o que quer que seja. O mundo gira a uma velocidade louca em que o esquecimento é rei e senhor. O tempo, meio escalavrado, serve para isso mesmo, para nos relembrar a nossa frágil e fatal perenidade. Assusta, e muito, mas ao mesmo tempo recoloca-nos num estado de letargia, à espera de alcançar um qualquer utópico nirvana, como se tivéssemos direito à felicidade. E não temos? Não sei, nem me interessa, o que importa é viver na ilusão de que sim. Foi tudo alterado. Ainda bem, assim, a rotina patológica do fim de semana foi lancetada e expurgada de um pus doloroso.
O fim de semana obriga-nos a regressar à base e repor as condições para mais uma semana. Uma rotina que é quebrada apenas por uma ou outra notícia, quase sempre dolorosa e triste, porque as agradáveis são consideradas como um direito, prontas a serem esquecidas no próprio momento.
Abro os jornais e verifico que um velho amigo meu morreu. Não é que tenha ficado muito admirado, porque há vinte anos tinha-me comunicado o seu estado. Um estado que augurava apenas alguns meses de vida, mas que foi negado através do tempo de uma forma que nunca consegui compreender, mas também nunca fiz qualquer esforço nesse sentido, era o que mais faltava. Vive e deixa viver. Já não o ouvia há algum tempo. Era sempre ele que me telefonava. Telefonava-me para me convidar para alguma reunião, conferência, para voltar a ocupar algum cargo social, enfim, um homem que se empenhava nas suas tarefas de uma forma ímpar, talvez para justificar e prolongar a vida. Prolongou até que desapareceu.
Quando me telefonava, começava sempre pelas mesmas palavras e frases, mas sempre a rir, como que a desculpar-se do que iria dizer e pedir. Pedia sempre e eu recusava quase sempre. Não se importava, e agradecia por cima. Agora, nunca mais me vai pedir nada, e eu, também, não lhe vou recusar o que quer que seja. Fico apenas com a sensação de que conseguiu sobreviver muitos anos graças ao seu empenho e dedicação à sua causa. Há coisas que nos escapam, mas nós não conseguimos escapar a certas coisas, e a morte é uma delas.

Chapéus-de-chuva


Fim de tarde, chuvosa, irritante, deprimente, fria de sentimentos e despovoada de gente. Saio pela porta principal e sou aspergido por gotas amaldiçoadas de um tempo de homens sem tempo, de um povo descoroçoado, de almas sem esperança. O avolumar das notícias e dos acontecimentos são verdadeiras e destruidoras tempestades para quem quer viver e não sabe como, seres que nasceram na esperança de um futuro melhor, um futuro que se transformou no presente repleto de ouro da angústia e de prata do desespero, seres que sofrem na carne e na alma fomes sem sentido. É desesperante chegar a um ponto da existência sem que se consiga descortinar caminhos ou vielas para a vida.
Ei-los nas faculdades. Ei-los a prepararem-se para o futuro, mas qual futuro? O desemprego decerto, antes de tudo, e, depois, uma ou outra ocupação temporária, quase sempre sujeitos a regras que envergonham os tempos idos da escravatura. Sempre ganham em estudar, dizem. Sim, ganham conhecimentos que nem sempre servem para as suas atividades, mas que apenas lhes reforçam a dor da existência. Sim, mas têm mais probabilidades de sucesso. De sucesso? Teoricamente sim, teriam, se as oportunidades fossem criadas em função das necessidades e do respeito que qualquer um merece, mas a prática diz-me que não. Sempre podem emigrar. Pois podem, talvez possam ir para alguma terra de oportunidades enriquecer os seus donos e serem recompensados por isso. Podem, mas quem pagou a formação fomos nós, e os outros é que vão tirar o proveito. Mas a vida é assim, foi sempre assim, que é que se há de fazer? O que é que se há de fazer? Ficarmos com eles, já que investimos na sua preparação, eles deviam é permanecer aqui, produzir riqueza e bem-estar para todos, e para eles, naturalmente. O que é que ouço? Um encolher de ombros, próprio de quem não acredita em si, nem nos outros. Foi sempre assim, ouço. Se foi é porque há razões para isso, que nem são difíceis de descortinar, razões filhas de gente canalha, de gente sem escrúpulos que sempre souberam viver à custa da incredulidade de uma maioria confiante nas suas palavras e atitudes. Gente de bem que morre às mãos de ambiciosos desmesurados, gente de bem que, de tempos a tempos, acaba sempre por perder as estribeiras ou tomar consciência da situação, acabando com a maldição dos que provocam a desgraça de quem quer apenas viver com trabalho, alegria e esperança de ser recompensado.
As gotas amaldiçoadas do final de tarde, que se esborrachavam dolorosamente na minha cara, não conseguiram apagar os meus pensamentos de revolta. Olho para a esquina da faculdade e vejo um jovem com um impermeável amarelo, bem-parecido, cuidado mesmo, com vários chapéus-de-chuva nos braços à procura de clientes. As poucas pessoas que passavam levavam os seus guarda-chuvas. Os que não tinham decerto nem se atreviam a sair à rua. O jovem permanecia, impávido e sereno, sob a impiedosa queda de água, com a sua dúzia de chapéus-de-chuva em ambos os braços à espera de clientes. A ideia não é má, pensei, mas o local não era o melhor, às tantas não deverá ter conseguido vender nenhum, mais sorte teria se os vendesse no deserto. O rapaz deveria ser um estudante, quem sabe se não estaria à espera de ganhar algum dinheiro para pagar as propinas ou para se por a mexer daqui para fora. Tenho que confessar que foram as duas únicas hipóteses que teimei em pensar...

sábado, 19 de janeiro de 2013

"Liga dos Maltrapilhos"



Não é difícil compreender a afirmação de que escrever é o mesmo que andar à procura de problemas. Seja, sempre é melhor do que estar quedo e mudo. Os “atrevidos” são, muitas vezes, direta ou indiretamente, convidados a não se pronunciarem sobre determinadas matérias ou problemas. Pessoalmente não tenho razão de muitas queixas, embora já tenha sido objeto de atenção por parte de alguns proselitistas, que, fiéis aos seus dogmas, pensam que são os únicos detentores da verdade. Quase que me apetecia contra-argumentar dizendo que cérebro e intestino andaram sempre ligados durante a evolução darwiniana; quem sabe se por isso não possamos explicar tais comportamentos. 
Face à situação em que vivemos não é difícil de verificar a explosão de um sentimento de revolta e de indignação. Paira algo de estranho em Portugal que merece ser analisado. O cidadão comum anda atordoado, sente que está a pagar uma fatura pesada, dura, inconcebível, provocada por uns sacanas que sabem “honrar” como ninguém as suas leis e princípios. Este fenómeno não é de agora, basta olhar para o passado, andamos sempre a repetir as mesmas cenas de uma tragédia sem fim; nunca mais somos capazes de aprender. Oh Lusa ingenuidade. 
Ramalho Ortigão, na sua notável obra, Holanda, consegue desenhar com precisão literária, e histórica, alguns aspetos que podem explicar o insucesso do nosso povo. Na altura em que Filipe II passou a dominar o mundo, acabando com o nosso, os holandeses emergiram com uma nação ímpar. É emocionante a forma como descreve o temperamento daquele povo e a formação da “Liga dos Maltrapilhos”, constituída por “indivíduos de primeira nobreza”, que resistiram ao rei espanhol, levando o país a libertar-se e a transformar-se numa pequena grande nação. Essa revolta foi das mais emocionantes que conheço. Nunca pensei que um povo fosse capaz de tamanha resistência, um povo notável que chegou a ser condenado à morte, sim, todos os holandeses, cerca de três milhões, foram condenados em 16 de fevereiro de 1568 pelo Santo Ofício à morte por heresia. Singularidade inquisitorial. 
O que é necessário para determinar um movimento revolucionário? Nada de complicado. “Em primeiro lugar, é preciso que haja uma ideia; depois, que essa ideia se traduza numa fórmula artística, que produza emoção e, por último, é preciso que uma espada dê o exemplo”. Esta é a receita de Ramalho Ortigão. No entanto, em Portugal, não sei onde param os “indivíduos de primeira nobreza”, não descortino ideias, nem fórmulas e nem vejo “espadas”. 
Os holandeses tiveram um Marnix e um Guilherme de Orange; conseguiram criar a “Liga de Maltrapilhos”, através da qual “nasceram”, vencendo o direito à liberdade de consciência e, consequentemente, transformando-se num povo de sucesso. E nós? Na altura afundámo-nos. E agora? Será que voltámos ao mesmo? Não seria possível criar uma liga de “indivíduos de primeira nobreza”, mesmo que não passem de uns maltrapilhos?