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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Orçamento em modo de Péradon


Eu explico.
A discussão do Orçamento do Estado para 2019 lembrou-me um episódio insólito, mas verdadeiro, ocorrido por volta dos idos de Maio de 1970. À época, um grupo de quatro ou cinco bons malandros de Lisboa, vistos como gente de cultura, mas longe da clássica comunidade cultural, anunciaram por vários meios e também num prestigiado vespertino a vinda a Portugal de um brilhante filósofo francês, de seu nome A. Péradon, para uma Conferência sobre a sua obra. A Conferência, apresentada sob o título A revolução teórica de A. Péradon, realizou-se numa sala com nobreza à imagem do ilustre orador. Presentes, vultos da cultura, académicos, deputados, profissionais liberais.
Feita a apresentação por um dos promotores da iniciativa, jurista e mais tarde administrador de um grande Banco português (tenho uma cópia da apresentação), que considerou o pensamento de Péradon como uma poderosa e coerente síntese de diversas escolas filosóficas, o convidado discorreu em francês sobre a sua obra. No período de debate, convenientemente limitado porque o Professor tinha que antecipar inesperadamente o regresso, alguns dos presentes ainda puderam expressar o seu apreço pela obra do filósofo, lamentando o relativo desconhecimento da mesma e atribuindo-o às debilidades do ensino e a uma menor atenção das editoras nacionais. A Conferência terminou em beleza.
Eis senão quando, num rápido cocktail final, um amigo dos promotores segreda a alguém que tudo não passara de uma pantomina, o Professor Péradon nunca fora nem francês, nem filósofo, era um português radicado em França desde pequeno, desconhecido em Portugal, e que se prontificou a participar na brincadeira. Num fósforo a informação espalhou-se e os promotores só não passaram um mau bocado, porque já tinham saído com o palestrante. E o vespertino, que tinha caído na esparrela de divulgar a Conferência, não mais falou no assunto. Aliás, não seria admissível divulgar que personalidades importantes da cultura tenham caído no logro de conhecer e comentar um autor e uma obra inexistentes…
O episódio saltou-me à memória ao ouvir os comentários sobre o Orçamento de Estado, uma ficção não menor que a obra de Péradon. É que, a avaliar pelo passado, o Orçamento que tantos solenemente debatem não durará mais do que o tempo da sua aprovação. Depois, será rapidamente golpeado, ferido, cortado, cativado, transferido de rubrica para rubrica, aliviado de despesas de investimento e incrementado por vistosa despesa corrente.    
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1 comentário:

António Andrade disse...

Quando se veem extraordinárias figuras a dissertar sobre política,música,desporto,dia a dia de figuras variadas… admitimos que conheçam bem Péradon e mesmo D.Pérignon … PARABÉNS