Na parábola evangélica dos talentos, um rico senhor, antes de iniciar uma longa viagem, chamou três dos seus empregados e entregou 10 talentos ao primeiro, cinco ao segundo e um ao terceiro, prevenindo que no regresso lhe deveriam prestar contas. Quando voltou, o que tinha recebido os 10 talentos devolveu-os com um rendimento de outros dez, o que tinha recebido cinco apresentou um lucro de outros cinco e aquele que tinha recebido um restituíu-o a singelo, já que o enterrou para se livrar de trabalhos adicionais. Os dois primeiros foram recompensados, enquanto o último foi castigado.
Também Portugal tem enterrado muito dos fundos europeus, não tirando deles a devida rentabilidade. O PIB só cresceu mais que os montantes recebidos nos primeiros 10 anos pós adesão, nos governos de Cavaco Silva, de 1986 a 1995. Ao contrário, de 1995 até hoje o crescimento do PIB apenas igualou os apoios europeus. E a paridade do PIB per capita foi regredindo em relação à média europeia, tendo Portugal sido ultrapassado por muitos países. A política prosseguida não só não rentabilizou esses fundos, como colocou Portugal na bancarrota em 2011, endividou o país como nunca e sujeitou os portugueses à maior carga fiscal de sempre.
Neste quadro, a União Europeia tem sido bem mais generosa para nós do que o proprietário da parábola. E é assim que Portugal irá receber da União Europeia mais 60 mil milhões de euros nos próximos 10 anos, uma média anual incomensuravelmente superior à de que Portugal beneficiou desde a adesão, faz 35 anos.
Apoiar e relançar a economia, tornar as empresas fortes e competitivas deveria ser o foco das políticas, mas a prioridade volta a ser mais e maior Estado.
Como anunciado, o grande beneficiário dos 13 mil milhões de euros do Plano de Recuperação serão o Estado e a Administração Pública, enquanto apenas cerca de 23% do total vão ser afectos ao potencial produtivo, forma vaga que abrangerá o apoio directo às empresas.
E assim, não se alterando, e até se robustecendo as políticas que governaram Portugal durante 18 dos últimos 25 anos, o resultado só pode continuar a ser o da estagnação e retrocesso.
Em detrimento de um suporte à modernização da estrutura produtiva, o governo optou por um acréscimo de gastos públicos, esquecendo que, terminado este excepcional apoio europeu, o seu financiamento não advirá da economia, mas de novos máximos do endividamento e da carga fiscal.
Distribuir antes de investir é o caminho da perdição. E é também o nosso fado.
(Artigo publicado no Diário de Coimbra, Diário de Viseu, Diário de Aveiro e Diário de Leiria de 9 de Outubro de 2020)