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terça-feira, 22 de setembro de 2020

Uma Pedra não faz um Santo, nem uma Visão um Plano

 Ainda não sei porquê, mas porventura por uma associação de contrários, ao ler a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal de Costa Silva, lembrei-me do Padre António Vieira e do seu Sermão do Espírito Santo, uma peça notável da literatura portuguesa.   

«Arranca o estatuário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar…”.

É que aquele documento, que o Governo chama de Plano de Recuperação da Economia, tem tanta semelhança com um Plano como a pedra tosca, bruta, dura, informe com a estátua de um santo que se pode pôr no altar.

Um Plano define objectivos específicos, mensuráveis, definidos no tempo, coerentes e hierarquizáveis e indica os recursos necessários, sua origem e montante. E particulariza acções para os atingir e o custo de cada um, comprova a sua coerência interna, indica a sua execução no tempo, determina qual a hierarquização face à sua valia interna e aos recursos sempre escassos.

Um Plano, por mais flexível que seja, e deve sê-lo, longe de nós a desgraça dos rígidos Planos Quinquenais, deve atender a estes requisitos, o que a dita Visão, rapidamente transformada em Plano, manifestamente não faz, assemelhando-se mais a um catálogo de possíveis realizações.  

Seguindo Vieira, trata-se de uma pedra em bruto, e obrigatório seria que o Governo, em vez de insistir em colocá-la de imediato no altar dos seus troféus, tomasse de imediato o maço e o cinzel para lhe desbastar o grosso e modelá-la objectivo a objectivo, recurso a recurso, acção a acção, até ao pormenor, de forma a obter um Plano bem esculpido, aberto ao presente e ao futuro, atento aos interesses do povo e não dos lóbis institucionalizados, com cabeça, tronco e membros bem lançados para suportar reveses, sopesar equilíbrios e indicar firmemente o caminho.

Um Plano capaz de rentabilizar o enorme volume de cerca de 69 mil milhões de euros fundos europeus disponíveis até 2030, que quase dobra a média anual de que o país beneficiou desde a adesão, e assim potenciar o aumento da riqueza. Em contraste com o que aconteceu desde 1995, em que o acréscimo do PIB se limitou a igualar o valor recebido, não multiplicando o produto, e o PIB per capita em paridade de poder de compra veio sucessivamente a regredir.

Contudo, Governo e Ministros parecem apenas preocupados em gerir o dia-a-dia e a provar a sua existência nos telejornais, servindo-se de pretextos ou de decisões rotineiras que não trazem dignidade à função, antes diariamente a desprestigiam. Ou então proclamando projectos grandiosos, como o do hidrogénio, sem valia intrínseca demonstrada, um atentado à competitividade das empresas, ou políticas a que chamam de nova geração ou agendas para a inovação, muita pompa e circunstância, mas em que o aparato dos nomes não substitui a parca substância.  

É esta política ociosa, este engano de vida que conduz o Governo, que erigiu a Visão Estratégica a Plano de Reestruturação Económica e já o colocou, para veneração dos crentes, no altar das celebrações governamentais. Esquecendo que, parafraseando Vieira, só aplicando o cinzel, com esforço e perseverança, é possível transformar uma pedra bruta e informe santo que se pode pôr no altar.  É que, sem cinzel e trabalho, uma Pedra não faz um Santo, nem uma Visão faz um Plano…

(meu artigo na edição do i de 18 de Setembro de 2020) 
https://ionline.sapo.pt/artigo/709140/-uma-pedra-nao-faz-um-santo-nem-uma-visao-um-plano?seccao=Opiniao_i



3 comentários:

Carlos Faria disse...

Excelente artigo e conselho, infelizmente os políticos têm cada vez mais ansiedade em colocar pedras toscas no altar e chamar-lhes santos do que cinzelarem para as tornar minimamente perfeitas e adequadas ao lugar. Depois gritam eu é que sou o pai do santo mais ninguém faz melhor. O resultado tem estado à mostra neste Portugal que não deixa de estar de mão estendida.

Pinho Cardão disse...

Pois é, caro Carlos Faria, não posso estar mais de acordo.
Com os santinhos de pau carunchoso que teimam pôr no altar, não há milagre. E a mão estendida é o resultado.

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