Quando se vive muitos anos somos invadidos por uma estranha sensação, viver sem compreender. Pelo menos está a acontecer comigo. Cada dia que passa sou inundado da esperança de ser atingido pelo esquecimento súbito. Não sei bem o que isso é, mas pressinto-o como algo sublime, ser esquecido e esquecer. Haverá algo mais belo e poderoso? Não. A minha mente é lambida por recordações pontuais, quais flashes de raios e coriscos numa noite de verão. Gosto de as amarrar ao meu coração, mas desaparecem na primeira ocasião. Gente sem nome, olhos húmidos a imitar verdadeiros lagos de felicidade, lágrimas de rios de sofrimento, conversas belas a ofuscar o por de sol no fundo de um mar calmo e sensual, atitudes de coragem mais altas dos que as maiores das montanhas, poetas cheios de caráter mesmo no reino do analfabetismo, ternura tão vasta a querer subjugar o universo. Gente sem nome. Viveram e foram esquecidos. Devem sentir-se felizes na vastidão de um novo mundo. Felizes e livres. Julgo que sim. Até as almas perdidas acabarão por se achar e encontrar os seus Edens, mesmo que não saibam ou nunca tenham desejado. Não importa, o que interessa é ser esquecido e esquecer. Refugio-me atrás da beleza e sensualidade de uma caneta. O seu azul perturba-me, o peso encanta-me e o brilho do seu olhar emociona-me. Preciso, não de viver, nem ainda de esquecer, apenas sentir alegria com a doçura de um aparo de ouro e as lembranças quentes e doiradas a relembrar as areias do rio que acariciavam o meu corpo, libertando-me de forma doce e encantadora nas tardes de setembro do final do verão, prometendo pinturas da beleza colorida do meu outono. Outono, a estação que precede a morte, o sono, mas que encerra por momentos a beleza de uma vida simples e eternamente esquecida.
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