O corona
vírus que nos atingiu de forma tão violenta deveria lembrar os agentes
políticos que a protecção da saúde e o apoio à doença não podem ser tratados
como uma questão ideológica, bem patente na Lei de Bases da Saúde recentemente
aprovada, mas, ao contrário, como a concretização plena de um direito dos
cidadãos legalmente reconhecido. Competindo ao Estado assegurar esse direito,
já a sua prestação concreta tanto pode ser assegurada por serviços do próprio
Estado como por outras entidades e nomeadamente quando o Estado, só por si, não
o consegue garantir de forma eficaz. É irracional que a lei o impossibilite ou
dificulte essa prestação, em vez de a facilitar, quando são tantas as carências
dos hospitais e serviços de saúde públicos, em organização, pessoal, instalações,
equipamentos, material hospitalar e que têm a sua tradução visível nas filas de
espera de meses para tratamentos de doenças graves, nas dificuldades de
atendimento ou mesmo no encerramento de urgências, na demissão de corpos
clínicos, etc, etc.
E assim é
incompreensível que, por razões puramente ideológicas não se aproveite a
capacidade disponível, quer no sector privado como no social, para suprir essas
carências. Aliás, qualquer colaboração do SNS com estabelecimentos privados é
radicalmente combatida por forças políticas que sobrepõem a ideologia aos direitos
dos cidadãos.
É esta mesma ideologia
cega que presidiu à aprovação pelo Parlamento de norma que estabelece mesmo que
nem a própria gestão de unidades hospitalares públicas possa ser efectivada por
entidades privadas (as ditas PPPs da saúde), a não ser em circunstâncias
excepcionais.
No entanto, os
Relatórios oficiais de avaliação recomendaram a continuação do modelo, já que os
hospitais em PPPs, Braga, Vila Franca, Loures e Cascais cumpriram os "princípios
de economia, eficiência e eficácia" que levaram à sua criação, lideraram
na qualidade de serviço e a um preço que permitiu uma poupança superior a 300
milhões de euros considerando os custos de hospitais similares.
A situação de
pandemia que vivemos, no quadro de uma economia em que os recursos são
escassos, deveria impor uma alteração da Lei de Bases da Saúde, propiciando uma
boa colaboração do SNS com o sector privado e social, protocolando a prestação
de serviços e utilizando a capacidade instalada disponível, servindo melhor o
seu objectivo, a protecção da saúde. Temos
agora essa oportunidade. Possa o governo aproveitá-la para que o SNS sirva
melhor os portugueses.
(meu artigo publicado no Díário de Coinmbra, Diário de Viseu, Diário de Aveiro e Diário de Leirisa em 27 de Março de 2020)- link
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