No livro de Eça
de Queiroz, A Ilustre Casa de Ramires, o fidalgo Gonçalo Ramires explica
Portugal a um grupo de amigos: “Portugal
é uma fazenda, uma bela fazenda possuída por uma parceria. Como vocês sabem, há
parcerias comerciais e parcerias rurais. Esta de Lisboa é uma parceria política
que governa a herdade chamada Portugal. Nós, os Portugueses, pertencemos todos
a duas classes: uns cinco a seis milhões que trabalham na fazenda, ou vivem
nela a olhar, como o Barrolo (seu cunhado), e que pagam, e uns trinta sujeitos em cima, em Lisboa, que formam a “parceria”
que recebem e que governam. Mas, para entrar na parceria política, o cidadão
precisa de uma habilitação, ser deputado. Exactamente como, quando pretende
entrar na magistratura, necessita de ser bacharel. E um dos seus amigos,
João Gouveia, concordava: Sim…na Arcada (Terreiro
do Paço), também cresce cacau e há mais
sombra!...”
Passados 120
anos, a situação não difere, os sócios da parceria, Regeneradores, Progressistas,
Reformistas ou Republicanos mantêm-se, agora com denominações igualmente
postiças e alguns filhotes, legítimos ou bastardos, e só a população cresceu um
pouco.
E também os
sócios se equivalem na má gestão: se em 1892 levaram a quinta à bancarrota, em
2011 à falência a levaram, e às intervenções do FMI de 1975 e 1983, convém
lembrar.
Apoio de
parcerias amigas é o que não tem faltado, sucedendo-se as doações de frugais
fazendas europeias, condoídas pela aridez das terras e pela escassa produção
interna, visando novas e acrescidas colheitas.
Só nos últimos 25
anos, um número redondo, as doações atingiram 119 mil milhões de euros que gerências inaptas
e desleixadas em nada rentabilizaram, contrariando os 10 anos anteriores de boas
safras e gestão rigorosa. No período, sucederam-se meia dúzia de feitores, nomeados pelas duas
principais tendências da parceria, predominando durante 18 anos quem não
poupava nas promessas e garantia ao povo o grosso da fatia no acréscimo da
lavra. Compromisso nunca cumprido, o acréscimo de produção da quinta não
reproduziu mais que o valor das oferendas e os trabalhadores viram regredir fortemente
o seu quinhão de rendimento em relação à média das fazendas europeias.
De 1995 a 2001 um feitor tão propenso ao diálogo
como falho de acção útil deixou
a fazenda num pântano, segundo as próprias palavras, ou em modo de tanga, no dizer de outros,
e ameaçada pelas fazendas amigas com sanções por défices excessivos. E o novo
feitor nomeado para aguentar a herdade não pôde livrar-se de sujeitar, durante
3 anos, os trabalhadores a acrescidos ónus e sacrifícios.
Um novo intendente
pastoreou a quinta de 2005 a 2011. O acréscimo das colheitas nem sequer igualou
as doações recebidas, o rendimento dos trabalhadores tornou a baixar em relação
à média das granjas amigas, e gastos exorbitantes levaram a herdade à falência.
O intendente viu-se obrigado a pedir urgente socorro externo e a aceitar um
pacote de severas condições de austeridade. E um novo feitor foi chamado a concretizar
as medidas de renúncia e sofrimento, tábua última de salvação da fazenda.
Novo gerente tomou
conta da herdade em 2015. Em esmerada obra de aparências, conseguiu feitos
notáveis, como o de convencer o povo da recuperação dos rendimentos, mesmo que dissolvidos
em anestesiante tributação indirecta e na maior carga fiscal de sempre, ou da
convergência com as outras fazendas, mesmo que os níveis de rendimento só mostrem
divergência.
Em contrapartida,
e tal como no passado, os fartos proventos e, porventura, o enriquecimento sem
causa de muitos rendeiros, caseiros e outros acólitos comprovam que, como no
tempo do Eça, continua a crescer cacau no Terreiro do Paço.
Oxalá os estimados
5000 milhões do projecto hidrogénio não o transformem numa roça!...
(meu artigo no i de 12 de Junho)
https://ionline.sapo.pt/artigo/699601/-a-parceria?seccao=Opiniao_i
3 comentários:
António,
Gostaria que comentasses a notícia do dia: "Injecção no Novo Banco em 2021 é automática em “cenário de extrema adversidade”
aqui: https://www.publico.pt/2020/06/16/economia/noticia/injeccao-novo-banco-2021-automatica-cenario-extrema-adversidade-1920658
Para começar, mil milhões de euros, directamente do OE, isto é, do bolso dos contribuintes.
Mas, pelos vistos, o compromisso assumido não tem limites.
abç
Caro Rui:
Não consegui ler a notícia no Publico, cancelada, excepto para assinantes.
Se é mesmo assim, seria colocar o Novo Banco em situação diferente da dos restantes Bancos, mais um atentado fundamentalista à concorrência.
No entanto, há que prever que a Administração do Banco se agarre a todas as claúsulas que lhe possam trazer proveitos.
Assim, e porque seria uma enormidade, prefiro pensar como o novo Ministro das Finanças, a saber:
"A haver eventos extremos podem colocar-se questões sobre o capital dos bancos. Os rácios são para cumprir, as normas europeias impõem que se cumpram e num quadro desse contexto, se houver questões colocadas teria de se encontrar mecanismos de injeção de capital no Novo Banco", disse, adiantando que o reforço "seria do próprio acionista atual, ou de outro, e se fosse do Estado seria do estado enquanto acionista. Seria um mecanismo diferente."
De qualquer forma parece-me que a Administração do NB o que está é a acautelar os creio que 900 milhões que faltam para os 3,9 mil milhões.
Mas com o NB nunca se sabe...
Abraço sem contenção
António
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