Nas andanças pelos meus textos tropecei neste que escrevi há
alguns anos por causa de uma neta. Os miúdos são uma adorável fonte de
inspiração.
“É bom estar atento aos miúdos, porque quando menos se espera aprende-se alguma
coisa, pelo menos ficamos a saber, ou a imaginar, como funciona aqueles
pequenos cérebros ávidos em compreender o mundo que os cerca.
O primo, um ano mais velho, sofre de cárie. Uma situação muito comum nestas
idades. Apesar dos cuidados de higiene oral não conseguiu evitá-la. Tomara! É
uma criança como qualquer outra, gosta de se alambazar com produtos altamente
cariogénicos, o que pode ter consequências, por vezes dolorosas, como foi o
caso desta semana. Antes, já tinha sido sujeito a tentativas de tratamento,
mas, como estávamos à espera, opôs-se com determinação, ou seja, com medo,
comportamento típico nestas idades, embora as condições atuais não tenham nada
a ver com os dignos representantes dos "dentistas-barbeiros" que, no
meu tempo de criança, revelavam ainda resquícios de aspirantes a torturadores
da Santa Inquisição.
As conversas sobre este tema, cárie, doces, chocolates, lavagem e escovagem dos
dentes são uma constante lá em casa, escutadas ou não pelos protagonistas
infantis. Mas devem ser ouvidas, porque se não fossem não teria assistido e
tido conhecimento das conversas da mais nova. Face às dores do primo, e ao
conhecimento do seu comportamento em recusar o tratamento de dois
"buracos", a menina acabou por entabular uma conversa com a mãe,
dando provas do seu interesse por este assunto. "- Sabes o que são cáries, mamã?
- Hummm... Não. Conta-me lá!
- São "mactérias" que querem construir casinhas dentro dos dentes. Então, escavam, escavam, escavam e depois levam para lá a família toda!
- Ahhh... E cabem lá todas?
- Cabem, são todas amigas! Mas só que às vezes fazem doer a casa...
- Pois! É uma grande chatice..."
Hoje, face ao heroísmo e à aceitação por parte do primo em deixar-se tratar com sucesso, a conversa centrou-se no tema durante o almoço. A Leonor explicou-me o que eram as "mactérias", como é que elas entravam nos dentes e faziam a sua casinha para si e para os filhinhos e depois, quando começavam a ressonar, provocavam dores.
- Como?! As "mactérias" ressonam?
- Sim. E depois fazem doer.
- E o que é que fazem, quando acordam? Não me digas que começam a pular, a correr e a brincar? Perguntei-lhe.
A miúda esboçou um largo sorriso de admiração, dançou na cadeira, revelando uma manifestação de gozo e de incredulidade, e lançou-me na cara, a rir que nem uma perdida:
- Oh, vovô, mas que pergunta tão "podícula"!
- O quê?!
- "Podícula", vovô! Mas tu não sabes de "mactérias"?
- Bom, um pouquinho.
- Ah. Está bem.
- E agora, o que é que vais fazer?
Com o dedo dá a indicação de esfregar os dentes e diz:
- Vou tirar as "mactérias".
- Antes que escavem os teus dentinhos, não é?
- Pois. É que depois podem "ressonar" e "darem" dores.
- Muito bem. Vai lavar os dentinhos.
Pelo menos fiquei a saber o que são "mactérias", bactérias más, que gostam de escavar os dentes para terem uma casinha e que ao “ressonarem” provocam dores. Esta do ressonar é que ainda não percebi bem. Mas por hoje chega. Espero nos próximos dias aprender um pouco mais. O pior é que o raio de um molar começou a doer-me. Será que tenho lá dentro "mactérias" a ressonar? Às tantas. Na próxima semana vou acordá-las e mandá-las embora, senão quem não vai ressonar sou eu...
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1 comentário:
Pois é, SMC.
Se não ensinarmos e corrigirmos as crianças, estará tudo lixado.
Criança é um adulto em rota de formação ou em rota de deformação.
Nós, os adultos mais ou menos velhos, temos obrigatoriamente esse trabalho, esse dever. Em geral, sentimo-nos agressores dos jovens: nada há de mais errado.
Cumprimenta,
ao
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