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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Realidade e percepção

Uma discussão há horas atrás entre amigos, punha em saudável confronto duas visões que me vão sendo familiares. De um lado aquele que dizia que, contrariamente á percepção geral, Portugal continua a ter uma carga fiscal inferior à média europeia. Contrapunha-se, do outro lado, a ideia de que a receita deriva essencialmente da tributação dos rendimentos do trabalho. Para o primeiro haverá margem para a subida de impostos sem que isso afecte negativamente a economia. Para o defensor da segunda perspectiva, subir os impostos é ultrapassar o limite do suportável para a classe média, retirando recursos à iniciativa privada, diminuindo as capacidades de consumo e poupança virtuosas e potenciando as hipóteses de uma grave crise social.
Em matéria de receita do Estado a percepção nunca coincide, de facto, com a realidade sejam quais forem as convicções de quem expressa opinião.
Já quanto à despesa pública, aí a percepção é a realidade. A maioria dos portugueses sente que os poderes públicos pouco fazem para gastar menos e sobretudo para gastar melhor (intituivamente duvida-se da qualidade da despesa). E é essa a verdade. Basta olhar para alguns indícios - alguns pequenos, mas nem por isso insignificantes - que todos os dias nos chegam ao conhecimento e que revelam que não há decisor que seriamente se comova com o gasto supérfulo, com a despesa inútil ou mesmo com o custo de algumas vaidades.

O ditador, o demagogo e os telejornais

Sem a presença de dois importantes membros, os Presidentes de Cuba e da Venezuela, decorrem os trabalhos da Conferência Ibero-Americana, dizem e repetem até ao enjoo os jornais da rádio e das televisões. E alguns até insistem em que fazem falta à Conferência, por isto ou por aquilo, obscuras, mas por certo importantíssimas razões que só eles próprios entenderão.
Mas, pergunto eu, que falta podem fazer um ditador, ajudante de ditador durante décadas, e um demagogo aspirante a ditador cujo anseio máximo é perpetuar-se no poder por todo o sempre?

Habituem-se: É a vida!...

Vamos lá então fazer as contas… certas!

Dos cerca de EUR 2300 milhões que o Governo veio dizer que custam as propostas da Oposição que foram debatidas na sexta-feira passada no Parlamento, apenas cerca de EUR 380 milhões têm francas possibilidades de ver a luz do dia.

E isto porque

- A proposta do PCP e do BE que visava dar a reforma completa, sem penalizações, a quem tenha trabalhado e descontado 40 anos (independentemente da idade) foi reprovada. De acordo com o Governo, custava EUR 960 milhões.

- A proposta do PSD de reduzir a taxa social única em 2 pontos percentuais para os empregadores em 2010 – e só em 2010 –, e cujo custo ascendia a cerca de EUR 735 milhões, foi também reprovada.

- A redução do pagamento por conta em sede de IRC, proposta pelo CDS, é um simples diferimento do momento em que o dinheiro dá entrada nos cofres públicos. Assim, se for aprovada na especialidade, terá impacto negativo em 2010 (menos receita, porque as empresas vão entregar menos imposto antecipado) – mas positivo em 2011, altura em que o IRC relativo a 2010 é liquidado. A partir daí não haverá mais impactos.

Restam, assim, a extinção do Pagamento Especial por Conta (PEC) sobre as empresas (avaliado em cerca de EUR 300 milhões) e a suspensão do Código Contributivo da Segurança Social em 2010 (cujo agravamento sobre empregadores e empregados ascenderia a cerca de EUR 80 milhões). Ah, e a extensão do prazo de concessão do subsídio de desemprego em 6 meses durante 2010 – e apenas em 2010 –, apresentada pelo PSD, que ainda não foi discutida (sê-lo-á em breve, e aposto que será aprovada), e cujo custo acenderá a cerca de EUR 120 milhões.
Juntando esta última proposta estamos, assim, a falar de cerca de EUR 500 milhões, ou cerca de 0.3% do PIB.

Não está, aqui, em causa se as medidas rejeitadas beneficiariam ou não a economia – e eu considero, em particular, que a descida da taxa social única em 2 pontos percentuais para todos os empregadores seria importante para defender o emprego no próximo ano, pelo que foi uma pena que não tivesse sido aprovada. Não. O que está em causa é a dramatização – mesmo vitimização – do Executivo perante o resultado adverso da votação de 6ª feira passada.
José Sócrates acusou a Oposição de ser “desleal” (por não apresentar estas medidas no quadro do Orçamento do Estado para 2010), e de aumentar a despesa. Desleal?... Mas as medidas apenas entrarão em vigor em 2010 – naturalmente, no quadro do Orçamento do Estado (OE)!!!... E, francamente: medidas que aumentam a despesa?!... Haja paciência!... Apenas uma, a da extensão do subsídio de desemprego em 6 meses o faz – apenas em 2010 (o que significa que, em 2011, a despesa desce pelo mesmo valor), e por um montante que nem chega a 0.1% do PIB… As outras propõem uma redução da receita, visando proporcionar alguma folga às empresas, sobretudo em 2010.

Vejamos:

- O PEC é uma espécie de colecta mínima indiscriminada, pelo que o seu fim irá beneficiar as empresas que habitualmente não pagam IRC (as outras podem abater no ano seguinte os pagamentos feitos, quando o IRC for liquidado). A sua criação visou combater a fraude e evasão fiscais, colocando todas as empresas a pagar. Os progressos feitos no sistema informático da máquina fiscal nos últimos anos deverão, em princípio, conseguir garantir o pagamento do imposto que é devido – e, assim, sendo, a maior parte da receita que não é cobrada em 2010 deverá sê-lo em 2011… beneficiando, então, os cofres públicos;

- O código contributivo será suspenso em 2010, havendo a possibilidade de esta versão – que aumenta a carga fiscal sobre empresas e trabalhadores – ou uma versão que venha a ser trabalhada, vigorarem a partir de 2011…

Uma nota ainda quando à redução dos prazos de pagamento do IVA às empresas por parte do Estado e ao pagamento de juros por parte deste quando se atrasa nos pagamentos: nada mais justo. O pagamento a tempo e horas deve ser a regra para a toda a sociedade – e o Estado não pode continuar a dar péssimos exemplos nesta matéria. Isto além de que pagar em prazos mais curtos também beneficia a tesouraria das empresas em tempo de dificuldades – e não implica despesa adicional, porque os pagamentos teriam sempre que ser feitos (apenas o prazo é antecipado)... Assim sendo, impacto nas contas públicas… só existirá, na situação absolutamente condenável, de o Estado não pagar a horas –, o que acarretará o (justo) pagamento de juros.

É, portanto, devido a 0.3% do PIB – e apenas em 2010 – que José Sócrates e Teixeira dos Santos fingiram entrar em pânico. Haja paciência e, acima de tudo, pudor, para não confundirem os portugueses. Não há nenhum aumento de despesa a partir de 2011. E impacto do lado da receita, a partir desse ano, é também negligenciável. Ora, não foi a Teixeira dos Santos que ouvimos dizer que seria a partir de 2011 que se iria preocupar em reduzir o défice público?... Será então melhor que se concentre nessa tarefa, para não repetir o rotundo fracasso do período entre 2005 e 2008, em que a consolidação orçamental do lado da despesa, tão apregoada aos 4 ventos através do PRACE, produziu ZERO de resultados. Mas essa afirmação do Ministro das Finanças significa também que ele próprio considera que, em 2010, a economia terá que ser uma prioridade – com o que concordo inteiramente!... Oxalá!...

Quanto a Sócrates, é bom que perceba que, ao contrário do que afirmou (“está para nascer o Primeiro-Ministro que faça melhor do que eu com o défice”), está é para nascer o Primeiro-Ministro que faça pior do que ele com o défice e as contas públicas em geral (e a trajectória explosiva da dívida pública? E o endividamento oculto?)…

Enfim, tudo somado, creio que estas reacções não são para levar a sério. Em minha opinião, elas decorrem, fundamentalmente, do facto de quer José Sócrates, quer Teixeira dos Santos, não estarem ainda habituados a conviver com maioria relativa. Mas, como alguém que conhecemos dizia, ainda há cerca de 4 anos e meio, “habituem-se!”: a maioria absoluta acabou-se. Ou, como dizia um antigo Primeiro-Ministro, de quem também todos nos recordamos, “é a vida!”. São os custos da democracia; há que aprender a conviver com eles. Já agora, se não for pedir muito, de forma séria. Como convém a quem comanda os destinos de um país.

Um cogumelo muito especial...

Poderia ser um fenómeno do "Entroncamento". Mas não é!
Este extraordinário cogumelo, lindíssimo no tamanho, na forma, na textura, na cor e no brilho, é digno de apreciação. Desenvolveu-se em muito pouco tempo com a chegada do frio e agora faz as delícias dos habitantes do bairro.
Está suportado no tronco de uma das muitas árvores frondosas que embelezam e dão vida ao bairro onde vivo em Lisboa. Ainda hoje de manhã por lá passei com a preocupação de ver se alguém lhe tinha feito mal. Continuava viçoso. Espero bem que ninguém se lembre de o apanhar na mira de fazer um qualquer cozinhado para o Natal.
Mas o perigo maior vem de outras bandas. São as brigadas do vereador José Sá Fernandes que ordenou o abate de umas boas dezenas de árvores "doentes" no Jardim do Príncipe Real, um abate controverso que tem sido objecto de várias denúncias.

domingo, 29 de novembro de 2009

Ministro da Economia?

Vieira da Silva tomou posse como Ministro da Economia.
Não sei se é. Creio mesmo que foi engano.
Até agora, a acção ministerial mais notada foi acusar a justiça de espionagem política.
Está certo. Cada qual fala do que sabe. E a mais não pode ser obrigado.
Quanto à economia, já tanto lhe faz.

A bondade escondida...

Hoje de manhã, como acontece normalmente ao Domingo quando estou em Lisboa, fui ao supermercado fazer as compras habituais para a semana. Àquela hora costumo encontrar à porta da loja um homem que aparenta 60 anos, que passa ali uma boa parte do dia à procura de ajuda por parte dos clientes do supermercado. É um homem que veste uma certa pobreza envergonhada, discreto, sossegado, educado, que não precisa de pedir pois lemos nos seus olhos a amargura da vida que o leva àquela condição. Sinto que encontra naquele lugar uma espécie de amparo “familiar”, pois já fez conhecimento com algumas pessoas que ali se deslocam.
Quando saí a porta da loja, já o tinha cumprimentado quando entrei, reparei que o homem tinha na mão um ou dois sacos do Banco Alimentar. Tinha já preparado alguma coisa para lhe oferecer, quando me segredou que estava a juntar algum dinheiro para ir lá dentro ajudar o Banco Alimentar. E, de imediato, explicou-me, sorrindo, que queria ser solidário com aqueles que mais precisam. E, sem que eu tivesse tempo para retorquir, acrescentou que há pessoas que ainda têm mais privações que ele.
Fiquei emocionada com a nobreza de alma deste homem. Um Homem com letra grande. Estamos sempre a aprender e às vezes os melhores exemplos vêem de quem não se espera. Hoje ganhei o dia...

Míscaros e regionalismos


Hoje de manhã fui às compras e encontrei uma preciosidade: míscaros! É altura deles, bem sei, mas nos últimos anos, não sei se por causa das chuvas se por não haver quem saiba ou queira ir apanhá-los aos pinhais para os vender, são raros e muito caros. Estes eram lindos, enormes e cheios de areia, a um preço decente, e comprei logo 2 kgs.
É claro que passei uma boa hora a lavá-los, escová-los um a um, raspá-los delicadamente com uma faca afiada para tirar a pele e lembrei-me entretanto, a olhar os meus dedos encarquilhados da água e o cano a entupir com a areia, porque é que a minha mãe resmungava quando o meu pai trazia sacos enormes cheios de míscaros, uma autêntica guloseima para a tribo com costela da Covilhã pelo lado paterno.
Depois deste trabalhão fiquei desolada a pensar que não tinha um “nativo” tão apreciador como era o meu pai para partilhar a iguaria, e então telefonei ao irmão dele, a convidá-lo para o almoço, o meu tio tem já 90 anos mas é uma força da natureza e grande apreciador de petiscos.
- Tens míscaros?, dizia ele do outro lado, e já os cozinhaste? Tem que ser com a receita da Covilhã, vê lá não os estragues com invenções, isso tem um preceito, a tua avó é que os fazia bem…
E fez questão de me ditar tudo com detalhe, incluindo o modo de picar a cebola, o lume baixinho para a água ir evaporando e, no fim, os ovos misturados mas já com o lume apagado. Eu ouvi tudo mas resolvi deitar no refogado umas lasquitas de bacon, como a minha mãe fazia, só para “abrir”, dizia ela, o sabor dos cogumelos, mas ela é lisboeta e nunca gostou muito dos bairrismos serranos.
Foi um dia muito bem passado com um conversador incansável, a lembrar-se da inimizade ancestral “dos” da Covilhã com “os” de Castelo Branco, duas comunidades que se distinguem logo pelos petiscos que uns sabem fazer e outros não (nos míscaros, claro, mas também nos pastéis de molho e na panela no forno) e que se mimoseavam com epítetos vários, os primeiros eram os “lãzudos”, que retribuíam chamando “rolheiros” aos outros, que fabricavam rolhas mas os humilhavam porque tinham que ir para lá viver se queriam ir para o liceu, na Covilhã só havia escola primária.
Os de Alcains também eram segregados e a certa altura ocorreu-me que o meu pai nunca queria parar no Fundão quando íamos à Serra. -Então e os do Fundão, tio, esses não eram inimigos? E ele fez-se muito sério e respondeu logo:
- Oh, do Fundão, nem homem, nem mulher, nem cão!
E começou logo a pôr defeitos nos míscaros, um bocado mal humorado, que lhe parecia que eu afinal não tinha seguido a receita à risca porque tinham um ligeiro gosto a gordura de toucinho…Palavra que, quando fizer a panela no forno, vou cumprir os preceitos da Covilhã e levar os regionalismos a sério!

À procura de justificações...

O que somos em cada momento é sempre um somatório do que fomos. O passado explica quem somos e porquê, o que somos capazes de fazer e as nossas dificuldades, o que nos distingue dos outros e porquê. Para nos conhecermos e perspectivarmos o futuro não devemos ignorar o passado. Temos que com ele conviver, porque ele faz parte da nossa personalidade e identidade. Podemos, isso sim, actuar sobre ele, por exemplo aprendendo com os erros e repetindo os sucessos. Se tudo isto é verdade na vida de uma pessoa, funciona também na vida de uma nação e de um povo.
Vem tudo isto a propósito da entrevista de António Barreto hoje publicada no jornal i. António Barreto chama a atenção para as marcas do passado do País no traçado do presente e do futuro, não apenas numa perspectiva histórica e factual que é fundamental conhecer, mas também numa perspectiva transformadora em que a compreensão da herança do passado é fundamental para operar as mudanças necessárias e urgentes:
(...)
- Qual a falta mais gritante?
Parece-me óbvio que há uma falta de empresários, de capitalistas. Será um problema ancestral? Vem da nossa maneira passada de viver e de gastar? Dos desperdícios? Do facto de os ricos portugueses terem vivido à sombra do Estado durante 200, 300 ou 400 anos? De o Estado ter ocupado tudo desde os Descobrimentos? Não quero ir por aí, mas o resultado é este. Há poucos empresários, poucos capitalistas com capitais, as elites são fracas e têm uma noção medíocre do serviço público. É raríssimo encontrar ricos, poderosos, famílias antigas, com um sentimento forte do contributo que podem dar à sociedade.
- Que mais falta?
Falta literacia. Tínhamos há 30 anos a mesma taxa de analfabetismo que a Inglaterra de 1800. Em matéria de alfabetização havia 150 anos de atraso. Porque é que os portugueses não lêem jornais? A falta de hábito de ler os jornais é muito importante, porque o jornal é a fonte de informação que mais está virada para o raciocínio, o pensamento, a participação.
Quem vê televisão está geralmente em posição passiva.
- Mas hoje a imagem é rainha. O apetite por um jornal nunca igualará o da televisão...
Mas quem tem como informação exclusiva a televisão subordina o raciocínio, o pensamento, o estudo, o lápis que toma as notas, às emoções. É mais fácil ser livre e independente com um papel na frente do que diante de uma imagem que é fabricada com som e se dirige às emoções e aos sentimentos e não à razão - ou pouco à razão. Sou consumidor de televisão e da net, mas o que quero dizer é que, ao contrário de todos os países europeus, quando os portugueses começaram a aceder à escola e a aprender a ler, nos anos 50 e 60, já havia televisão. Não se fez o caminho que todos os outros países da Europa fizeram, que foi dois séculos a lerem jornais e só depois com uma passagem gradual para a rádio e para a televisão.
(...)
No mundo sem fronteiras em que estamos integrados, abertos à concorrência e entregues à nossa capacidade de criar riqueza aproveitando as oportunidades que a economia global tem para oferecer, as marcas do passado, algumas delas bem pesadas, continuam a pesar muitíssimo por não termos sido capazes de antecipar os problemas e perceber as mudanças necessárias e em alguns casos a sua urgência. O tempo passou e muito lentamente sem quase nos apercebermos disso fomos empobrecendo. Diz António Barreto que agora estamos a iniciar um percurso para a irrelevância e o desaparecimento.
Fica, contudo, a velha questão sobre porque fomos incompetentes para compreender as nossas fragilidades e debilidades e para fazer as correctas opções? Se os nossos parceiros europeus, em particular os de Leste, melhor ou menos bem, o fizeram porque persistimos em ficar para trás? A falta de liderança parece ser, a meu ver, a resposta para o ponto a que chegámos. Refiro-me também à "liderança" colectiva no sentido da existência de uma clara consciência e de uma vontade assumida capazes de impor a mudança.

sábado, 28 de novembro de 2009

Seguindo um par de botas


Confesso a minha relutância, - que era absoluta até há poucas semanas, - em fazer compras pela net, faz-me confusão escolher por catálogo, encomendar a criaturas que não vejo e com quem não falo, enviar o número do meu cartão para o espaço cibernético, enfim, um verdadeiro bloqueio geracional.
Mas fui a Londres há poucos dias e vi que muitos jovens usavam umas botas fantásticas, forradas a lá de carneiro da Austrália, exactamente o que procurava há que tempos para uma das minhas filhas, algures nessa Europa gélida. Mas o preço era exorbitante e comentei com surpresa como é podia ser tão popular uma coisa tão cara, mesmo considerando que uma actriz conhecida usou esse modelo num concerto, o preço era dissuasor de modas. Compram na net, disseram-me logo, custa 30% do preço que vê na loja.
Apliquei-me então a vencer a minha relutância e encomendei as botas no meio virtual, depois de várias tentativas. Depois fiquei em pânico porque o site dava que eu tinha feito não uma, ou duas, mas sete encomendas, todas iguais, apesar de me parecer que só tinha pago uma. Fiz um pedido de socorro para a minha filha e pouco depois recebia um link fantástico que me permite ver o “estado da compra” – sete encomendas mas só uma paga, uf! – e ainda seguir on line o “avanço” da encomenda no seu trajecto. Vi então que as botas australianas que vi em Londres saíram de uma cidade algures na China, seguiram para Beijing e daí já partiram rumo à Europa, calculam que chegue ao destino dentro de 3 dias.
Agora sigo fascinada o progresso da encomenda de um par de botas, talvez ainda faça uma surpresa aos correios e me apresente a perguntar por ela no preciso momento em que a desembarquem à porta!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Solidariedade social para caçar mais uns cobres

A não entrada em vigor do Código Contributivo prejudica irremediavelmente o controle das contas públicas, acaba de referir o Ministro das Finanças (cito de memória).

Afinal, os altos desígnios políticos propalados pelo Governo e pelo Ministro Vieira da Silva aquando da aprovação do Código Contributivo, Lei 110/2009, de maior justiça social, de modernização das relações sociais, de combate da concorrência desleal, de reforço da segurança social pública, de combate ao trabalho precário e de defesa, com equilíbrio, do emprego de todos os trabalhadores, foram hoje completamente pulverizados pelo insigne Ministro Teixeira dos Santos.

Pois é. Afinal de contas, e mais uma vez, a exploração da solidariedade social para caçar mais uns cobres. Levada a cabo pelo Governo.
Haja vergonha!...
Nota: Citei de cor, mas parece-me ter sido fiel. As palavras de Teixeira dos Santos foram as seguintes: “Se a Assembleia da República vier a confirmar [o adiamento do Código Contributivo], cria-se um quadro muito preocupante em termos do reequilíbrio. Com este quadro que a oposição criou, eu não posso aceitar, não há condições para levar a cabo a consolidação” .

Crise do DUBAI e a economia mundial

1. Os mercados financeiros foram abalados, neste final de semana, pela inesperada decisão das autoridades financeiras do DUBAI de suspender, até final de Maio de 2010, o pagamento de dívida externa da principal Holding estatal, a DUBAI World e de uma participada desta para o mercado imobiliário, a Nakheel.
2. A cidade do DUBAI era até agora considerado um caso de sucesso no Médio Oriente e em particular nos Emiratos Árabes, em termos de desenvolvimento económico, nela tendo sido lançados nos últimos anos projectos de investimento “fabulosos”, atraindo capitais externos em grande escala em busca de rentabilidades muito generosas.
3. Esta atractividade do DUBAI e dos grandiosos projectos que caracterizavam o seu modelo de desenvolvimento conduziu a uma situação de elevado endividamento, que segundo as fontes noticiosas atingiu mais de USD 80 mil milhões (1/3 do PIB português), tendo recentemente aumentado bastante apesar da crise internacional e da quebra no mercado imobiliário.
4. Muito provavelmente esta situação vai requerer, como noutros casos do passado, uma reestruturação global da dívida, envolvendo negociações extremamente complexas com o mundo de financiadores daquelas entidades, incluindo talvez uma parcial transformação de créditos em capital ainda que remível a prazo.
5. Os próximos 6 meses que dura a moratória imposta pelas autoridades do DUBAI deverão envolver frenéticas negociações, devendo constituir uma fértil fonte de notícias para a imprensa especializada.
6. Este acontecimento, pela enorme repercussão que teve nos mercados financeiros e de mercadorias, vem colocar nova questão no processo de recuperação económica a que se vem assistindo um pouco por todo o Mundo: a sustentabilidade dessa recuperação.
7. Com efeito, uma boa parte dessa recuperação deve-se à noção de que os sistemas financeiros das economias mais desenvolvidas atingiram uma fase de estabilidade, graças nomeadamente aos apoios oficiais recebidos, gerando expectativas de que, com essa estabilidade, a economia teria condições para crescer de forma mais sustentada.
8. Se fenómenos com este vierem colocar novas dúvidas sobre a saúde dos sistemas financeiros, isso pode rapidamente por termo às expectativas de retoma económica.
9. Por outro lado, esta situação pode vir a perturbar os planos da chamada “exit strategy” anunciada pelas autoridades financeiras e monetárias das principais economias e que consiste na retirada gradual dos apoios concedidos em especial pelos bancos centrais aos sistemas bancários...se, de um momento para o outro, essa “exit strategy” tivesse que ser revista – adiada “sine die” por exemplo - isso pode estimular bolhas especulativas em mercados de activos de risco, suscitando novos riscos de uma “buble burst”, com todo o seu cortejo de implicações económicas. Nouriel Roubini bem tem avisado...
10. Para países como Portugal, os efeitos desta “mini-crise”, combinados com problemas internos bem conhecidos, pode vir a traduzir-se num agravamento do custo da nossa dívida ao exterior que é a última coisa de que precisávamos neste momento...
11. Esperemos pois que esta crise fique o mais possível confinada ao DUBAI e seus credores, deixando-nos com os problemas que temos e que nos bastam...

A tradição do Thanksgiving Day


Em 1621, o Mayflower aportava ao porto de Plymouth, no actual Estado de Massachussets, cheio de homens, mulheres e crianças inglesas fugidas das perseguições religiosas.
Chegados ao porto onde esperavam construir uma nova vida de acordo com as suas convicções, os Peregrinos (Pilgrims) começaram a instalar-se, construíram as suas casas de madeira e tentaram lavrar a terra que ocuparam, mas o Inverno rigoroso apanhou-os sem provisões, com abrigos precários e morreram mais de metade dos que tinham conseguido superar a dura travessia de mar.
Só não morreram todos porque houve um índio, Squanto, que, com a sua tribo, os ajudou a semear milho, a caçar e a pescar com os instrumentos que usavam, a construir abrigos e a curar as doenças.
Foi assim que os sobreviventes puderam fazer a primeira colheita e celebraram os novos tempos de abundância convidando os índios que os tinham ajudado para, com eles, darem Graças pela benesse que tinham recebido.
Manda a tradição que no Thanksgiving se convide para a ceia de peru, compota e puré de abóbora, alguém que tenha acabado de chegar de fora, como forma de lhe manifestar o acolhimento que há séculos lhes permitiu sobreviver na América.
Visitei Plymouth no ano em que estive nos EUA, lá está o barco com figurantes vestidos ao rigor da época, podem ver-se toscos talhões de terra semeados com milho e, no museu de cera, revivemos com um realismo impressionante todos os tormentos daqueles ingleses que atravessaram o oceano em busca da liberdade.
No Thanksgiving fomos convidados para a ceia por uma hondurenha casada com um americano, a família reunia-se toda em casa da sogra, nos arredores.
Levámos algumas garrafas de um bom vinho português, de acordo com a nossa própria tradição, e fomos recebidos pela dona da casa, uma americana de meia idade com um ar triste e um tanto alheado, que se animou logo quando recebeu o nosso tributo para o jantar.
Havia imensa gente no jantar e só voltámos a encontrar a senhora já no fim da ceia, ria muito divertida e junto dela duas das garrafas vazias. Contou-nos então que o bom vinho português tínha-a ajudado a superar uma difícil prova porque, passados vinte anos de divórcio, essa era a primeira vez que voltara a ver o ex marido que, a convite do filho, se tinha apresentado à ceia na companhia da actual mulher, visivelmente mais jovem do que a nossa anfitriã. E ria-se muito alto, olhava feroz para o casal e dizia, Não a acham tão gira?, ele tem bom gosto, nisso não mudou, Viram as fotografias na sala, viram como eu fui uma jovem tão atraente, ah, olhem para ele, quem é que se julga, também está velho, ela é que o vai deixar, vão ver, ele não percebe mas ela olha-o com desdém, vê-se nos olhos…
Deixámo-la nas suas recordações, e nós viemos com as nossas. A lembrança de um Dia de Acção de Graças, um delicioso peru e uma família de todas as raças misturadas, a ajustar contas antigas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Quando tudo é corrupção, nada é corrupção!...

Na onda que passa, a “corrupção” é palavra da moda e, de geometria variável, aplica-se a todas as situações. O conceito foi democratizado, e abrange indistintamente a “grande corrupção” do Freeport e a “pequena corrupção” da sucata; a “criminosa” gestão do BPN e as “negociatas” do Terminal de Contentores; a “fraude” dos Contratos de adjudicação das auto-estradas e o “roubo” inerente aos contratos de adjudicação de submarinos. Tudo é democraticamente tratado por igual: casos que estão em Tribunal, casos em processo de averiguações e casos em que se pretendem averiguações para os “réus” irem a Tribunal.
No entanto, trata-se de situações muitos diferentes. Uma negociação de preço das auto-estradas por alterações supervenientes de condições financeiras e de acesso ao crédito, que as houve, e que respeitam à vida das concessões, nada tem a ver com negócios rápidos de sucatas a troco de brindes, mesmo que automóveis.
A onda é avassaladora e tudo arrasta. Fabricam-se “réus” e produzem-se “corruptos” e “corruptores” da noite para a manhã. Por atacado, ou a conta gotas, os nomes e as caras são exibidos diariamente nas televisões, à entrada e saída dos Tribunais. E assim sumariamente julgados. O julgamento verdadeiro pode assim esperar, que a produção de prova só é complexa quando é necessário provar, não quando é necessário acusar.
No meio de tudo isto, o Governo em vez de produzir legislação eficaz que regule os processos e defenda os cidadãos presumivelmente inocentes, tem a suprema hipocrisia de falar de "espionagem política", se os acusados lhe são de feição, ou de aconselhar a que se deixe a justiça funcionar, se os acusados lhe são indiferentes.
A corrupção é um dos maiores males que nos pode atingir: abala a sociedade, destruindo importantes valores, e abala a economia, destruindo um dos seus pilares, a concorrência.
Mas o espectáculo actual não dissuade a corrupção, antes a promove. É que, quando tudo é corrupção, e os processos demoram anos, nada é corrupção!...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Uma Recondução Acertada

Na semana passada, o Presidente da República reconduziu, por proposta do Governo, o Presidente do Tribunal de Contas, Guilherme Oliveira Martins para um novo mandato de três anos.

Esteve bem o Governo ao propor; esteve bem o Presidente da República ao reconduzir. E fica Portugal a ganhar com a renovação de funções de Oliveira Martins.

Sou insuspeito para abordar o tema: Oliveira Martins é próximo de um partido diferente (o PS) daquele a que pertenço (o PSD) e o facto de ter passado directamente do Grupo Parlamentar do PS (onde era Vice-Presidente) para a Presidência do Tribunal de Contas não foi propriamente tranquilizante, se é que me faço entender…

Pela minha parte, transmiti, nessa altura, a Guilherme Oliveira Martins, de forma privada, as felicitações pelas funções que iria desempenhar, devido às características de independência, honestidade e isenção que, já nessa altura, via na sua pessoa. Mas, também nessa ocasião, na minha qualidade de Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, critiquei a forma como entrou em funções no Tribunal de Contas, com uma divulgação que foi entendida como pouco adequada da Conta Geral do Estado de 2004, quer em termos de conteúdo (com menções a operações que não tinham sido propriamente pacíficas, mas que tinham sido realizadas em 2003, como a titularização de créditos fiscais e da Segurança Social, e também a integração das responsabilidades em pensões dos CTT), quer de forma, com a divulgação desse relatório a ter lugar numa sala de conferências em plena Assembleia da República, uma sala reservada a Deputados e não a outras personalidades… Ora, tendo sido Oliveira Martins Deputado do Partido Socialista até ter entrado no Tribunal de Contas, percebe-se que a gestão daquele primeiro momento mediático não terá sido a mais cuidada.

Entretanto, o tempo foi passando – e, como sempre acontece, isso permite-nos encarar as coisas de outra forma, e traz a verdade ao de cima.

Assim, não me caem os parentes na lama se admitir que, vista hoje, à distância, a reacção do PSD foi manifestamente exagerada…

… e que “aquela” entrada de Oliveira Martins no Tribunal de Contas se tratou, mesmo, de um mero – e pequeníssimo – acidente de percurso. Daí para cá, creio não estar a cometer nenhum exagero, por um lado, e a resumir tudo o que queria referir, por outro, se afirmar que toda a independência e seriedade que na altura achei que iria pautar a sua actuação no Tribunal de Contas têm sido amplamente confirmadas. Isto, claro, para já não falar na competência…

E como chegámos, agora, à justíssima recondução de Guilherme Oliveira Martins – toma posse amanhã, 26 de Novembro –, pareceu-me da mais elementar justiça publicar este post. E desejar, apenas, que o Presidente do Tribunal de Contas continue a desempenhar as suas funções como aconteceu até agora!...

O oráculo do 4R

Bom, não é bem oráculo. O oráculo era sábio na forma como predizia o futuro incerto. Em Portugal, e em matéria de impostos, o futuro é totalmente claro. Para os incautos, que ainda há, aqui fica ele desvendado.
20 de Agosto de 2009- Governo afasta Orçamento Rectificativo
10 de Novembro de 2009- Governo diz que é muito cedo para saber se há Orçamento Rectificativo.
19 de Novembro de 2009- Governo apresenta Orçamento Rectificativo
22 de Novembro de 2009- Vítor Constâncio afirma que será necessário pôr em prática novas medidas até 2013 para controlar o défice orçamental, que podem passar por um aumento dos impostos.
24 de Novembro de 2009- O Ministro das Finanças nega o aumento de impostos
24 e Novembro de 2009- José Sócrates afasta qualquer hipótese de aumento dos impostos, frisando que o Orçamento para 2010 irá apostar na recuperação do emprego e crescimento económico.
24 de Novembro de 2009- O governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, nega ter defendido o aumento dos impostos para breve, frisando que a subida da carga fiscal é apenas uma hipótese teórica para reduzir o défice até 2013.
Primavera de 2010- No lançamento do Relatório da Primavera, o Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, defende o aumento dos impostos, como forma de equilibrar as contas públicas.
Maio de 2010- Teixeira dos Santos refere que as contas públicas estão controladas e desmente qualquer aumento de impostos
Julho de 2010- Na última sessão do Parlamento antes de férias, e em resposta a pergunta do líder da bancada do PSD, José Sócrates diz que o aumento do emprego e a recuperação económica são incompatíveis com subida de impostos. Como o PSD devia saber.
Agosto de 2010- Teixeira dos Santos, refere que as contas públicas estão controladas e desmente qualquer aumento de impostos. Digo e repito, salientou o Ministro.
Setembro de 2010- Na sua 1ª Sessão após as férias, o Parlamento vai apreciar o Orçamento Rectificativo para 2010, onde se prevê um aumento de impostos, como forma de contrabalançar o aumento da despesa exigido pelo esforço de recuperação económica. IRS e Imposto sobre Combustíveis entre os impostos que aumentam, já com efeitos no 4º Trimestre do ano.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

A propósito do artigo de Pedro Lomba, intitulado "A apologia da ignorância", publicado no jornal Público de ontem, lembrei-me do poema de Luis de Camões que, já no séc. XVI, constatava com tristeza como as circunstâncias levam a que se mude de opinião com toda a facilidade e como isso muda também a confiança.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Públicas virtudes...vícios privados


Pelo brilho das faces visíveis, não se suspeitaria
da grandeza das faces submersas!...
Mas mil anos têm os glaciares...

Tudo é possível...

Imaginemos, por momentos, que estamos em aparente estado de coma a ver, ouvir e sentir tudo o que se passa à nossa à volta, mas totalmente impossibilitados de comunicar estas faculdades aos que nos rodeiam, a família, os amigos e os médicos que pensam que estamos em coma.
É difícil fazer um tal exercício. Mas foi o que aconteceu a um doente que viveu durante mais de duas décadas num estado, imagino eu, de grande angústia e desespero, consciente da realidade à sua volta.
Durante "todo este tempo eu tentava gritar, mas não havia nada para as pessoas ouvirem". É assim que o belga Rom Houben, de 46 anos, descreve o martírio de viver um falso coma e não conseguir comunicar com os médicos e as pessoas que o visitaram durante 23 anos.
O médico neurologista Steven Laureys descobriu, depois de realizar alguns exames de tomografia de última geração, que afinal Rom Houben, apesar de ter perdido o controlo do seu próprio corpo, estava consciente do que se passava à sua volta.
Este médico acredita que podem existir muitos outros casos semelhantes de falso coma e alerta para o facto de poder haver um diagnóstico errado em relação a casos de doentes classificados em estado vegetativo.
Embora sendo uma história de horror, este caso acabou por ter um final feliz, mas poderia não ter sido assim…
É uma lição de vida e um sinal de esperança e de aviso para a humanidade. O corpo humano tem ainda muito de desconhecido e a medicina continua a fazer milagres. O debate sobre o direito de morrer não pode estar encerrado e o direito de viver continua a ter uma grande força. A vida é uma permanente descoberta, uma fonte inesgotável de inigmas.
O doente manifestou ainda esperança no futuro: "Quero ler, falar com os meus amigos através do computador e apreciar a vida, agora que as pessoas sabem que não estou morto."

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

5.500 posts!...


Com o último texto publicado pelo Tavares Moreira atingimos 5.500 posts.
Política, economia, finanças e poesia, questões sociais, ciência, humor e filosofia, ambiente, justiça, histórias de vida e de muitas vidas, muito do país por aqui tem perpassado.
Expressando as vivências pessoais e profissionais de cada um dos Autores.
Vincando as nossas opiniões livres, farpeando atitudes, políticas e costumes, mas procurando sempre respeitar as pessoas.
Cinco mil e quinhentos textos, dois livros e várias edições.
De gente que não se conhecia e que circunstancialmente um dia se conheceu. E que, sem qualquer pacto editorial, foi escrevendo o que sentia. De forma séria, mas sem se levar muito a sério. E sempre de forma honesta, simples e transparente. Assinando com os nossos nomes próprios.
A quem nos lê e a quem nos comenta o nosso obrigado.

Subir impostos mais uma vez? Não, obrigado!

1. Como seria de esperar, começam a ouvir-se vozes sustentando a necessidade de mais um aumento de impostos em Portugal, como “solução” para recuperar um mínimo equilíbrio orçamental, subitamente perdido depois de ter soçobrado uma consolidação orçamental que, como aqui temos sustentado, era bem mais aparente e frágil do que real, fundando-se no crescimento excessivo da receita fiscal e em receitas extraordinárias, não repetíveis.
2. Como o Governo não o pode fazer para não perder a face, são alguns “compagnons de route” que avançam a ideia...percebe-se. Assim, foi hoje noticiado que o Gv/BdeP propõe essa solução, na nossa perspectiva totalmente contra-indicada.
3. Aqui no 4R temos sustentado a tese (vide, “inter alia”, os abundantes e bem documentados textos de Pinho Cardão dedicados a esse tema) de que a carga fiscal atingiu níveis exagerados para um País do nível de desenvolvimento e de rendimento do nosso, havendo por isso um único caminho a apontar na política fiscal - baixar os impostos, nomeadamente os que incidem sobre o rendimento de pessoas singulares e colectivas, os quais constituem um forte desincentivo ao investimento nos sectores concorrenciais da economia.
5. O País enfrenta com efeito um sério problema estrutural de insuficiente competitividade, o qual decorre, a nosso juízo, do excesso de peso dos sectores que se encontram protegidos da concorrência, a começar no Estado - com as suas extensas e gastadoras administrações centrais, regionais e locais, incluindo empresas públicas e participadas e todo o rol de adventícios - os quais consomem recursos em excesso, deixando à míngua e impondo custos de contexto cada vez mais elevados aos sectores expostos à concorrência que têm sofrido, alguns de forma brutal, todo o impacto da crise económica.
6. Vir propor como solução neste quadro um aumento de impostos significa que se pretende transferir ainda mais recursos a favor dos sectores protegidos, agravando a factura fiscal das Famílias e das empresas expostas à concorrência, o que, se bem entendo, só contribuiria para aprofundar o problema da falta de competitividade...
7. A esta luz, confesso que estas propostas me deixam perplexo, tanto mais quando são sugeridas por pessoas que têm insistentemente chamado a atenção para o problema da competitividade...
8. Entenderão tais pessoas que a competitividade se recupera “engordando” os sectores públicos e protegidos, fornecendo-lhes cada vez mais recursos, agravando em última análise o problema estrutural? Recursos esses retirados aos sectores concorrenciais que precisam de ser estimulados e não sacrificados?
9 Assim não vamos lá...com propostas destas a tendência de empobrecimento do País prosseguirá a sua trajectória de irreversibilidade...
10. Espero que a nova composição parlamentar tenha pelo menos a virtude de impedir que propostas destas se convertam algum dia em matéria de lei...ainda bem que "a maioria absoluta está agora na AR". Subir impostos, mais uma vez? Não obrigado!

O Distribuidor do M.A.I.

O Diário da República nunca foi um dos meus jornais preferidos e só muito violentado e em desespero de causa o leio. E penso que, quem por missão ou profissão tem que o ler devia mesmo ter um subsídio especial de trabalhos forçados. Mas às vezes encontram-se por lá umas cenas pitorescas, como a que um amigo me fez chegar através do D.R. 2ª Série, nº 225 de 19 de Novembro. D.R. esse que traz um grande número de nomeações feitas pelos novos membros do Governo, claro está para colaboração no “meu gabinete”, frase que define missões de elevada responsabilidade e íntima confiança política: secretárias, adjuntos, assessores, etc.
Mas se assessor a mais ou a menos já não faz mossa, uma nomeação chama particularmente a tenção: a contratação de um cidadão “para exercer as funções de distribuidor no meu gabinete”. Portanto, um distribuidor da confiança política e pessoal do Secretário de Estado.
Um grande distribuidor! Dei por mim a matutar sobre que preclara e distinta função seria essa.
Distribuidor de trabalho não me parece, pela própria natureza do conceito e do lugar.
Distribuidor de envelopes ou malas com dinheiro, também não, pois vêm sempre de fora para dentro e a distribuição de dentro para fora reveste outras características.
Distribuidor de preservativos, não, pois o Ministério não é uma escola de ensino básico. Distribuidor de produtos herbalife nutricionais para controle de peso, kit básico e concentrado, também não me parece, e seria mais próprio do Ministério da Saúde
Distribuidor de bacalhau, pizzas e caldo verde, não me parece ainda, competiria mais à Solidariedade Social.
Também poderia tratar-se de distribuidor de sabão anti-bacteriano por infra-vermelhos, mas o pessoal não teme a gripe A, não haveria consumidores.
Ocorreu-me então que, tratando-se do Ministério que administra as polícias, talvez a distribuição pudesse ser de paint-balls, de modo a marcar os ladrões que são presos e logo libertados; mas não, atentaria contra os direitos humanos.
Num último e reflexivo esforço, creio ter encontrado a solução: sendo o novo Orçamento um Orçamento redistribuidor, não tem mesmo que haver um distribuidor?
Sensata, pois, e justificada nomeação. E o distribuidor, o primeiro beneficiário!...

domingo, 22 de novembro de 2009

Pássaro & Martins, o mesmo combate


Inesperadamente, as preocupações da justiça e do ambiente concentram-se nos resíduos. Sinal dos tempos?

Uma espécie de "jogo do gato e do rato"...

Quando entrei hoje de manhã no carro e abri o rádio estava a decorrer uma entrevista ao líder de um grupo parlamentar. Não estava propriamente para aí virada. Preparava-me para procurar um bocado de música, o que fiz logo de seguida, mas acabei por me reter uns minutos na entrevista por me ter despertado a atenção, quase instantânea, uma troca de perguntas e respostas em que dei comigo a pensar onde eu que já ouvi ou vi isto? Confesso que não me lembro da substância da conversa, pois fiquei presa no vazio das palavras
Assistimos cada vez mais à construção de conteúdos de notícias políticas através, justamente, do seu próprio vazio. Como é possível? Não deveria ser, mas é assim que acontece.
É assim que surgem as perguntas e respostas numa espécie de "jogo do gato e do rato”. O entrevistador ou jornalista faz uma pergunta acompanhada da conveniente resposta, para no final concluir questionando o entrevistado com um concorda ou um confirma. É, então, que o entrevistado responde não concordo nem confirmo.
Então segue-se uma coisa deste género.
. Bem, então, podemos concluir que não?
. Não, eu não disse, que não!
. Então, podemos concluir que sim?
. Não, eu não disse que sim, não quero dizer nem que sim nem que não!
. Bem, mas então podemos depreender das palavras que é possível que seja sim e também é possível que seja não?
. Sim, tudo é possível, mas agora não é o momento de discussão!
. Bem, então, é porque já tem uma ideia ou uma decisão, mas não quer falar?
. Precisamente, agora não é tempo de falar, porque se eu disser que não, os senhores vão concluir que eu não disse bem que não, que disse que sim, ora eu não disse. E como já sei que depois vão retirar conclusões diferentes daquelas que queria dizer, o melhor é não dizer nada!
Esta sucessão do disse que disse e que não disse e do disse que não disse mas que afinal disse, faz-me lembrar as crianças muito pequenas na fase da curiosidade em que não param de fazer perguntas, daquelas que às vezes deixam os pais atrapalhados, querendo saber tudo, mesmo aquilo que ainda é cedo para saberem.
Começam com o porquê? E depois vem uma resposta dos pais, às vezes pouco pensada e cuidada, para logo de seguida a criança voltar a perguntar porquê? E de porquê em resposta e de resposta em porquê a conversa que nunca mais acaba, termina, não raras vezes, em nada, com os pais cansados, mas divertidos, de tantos porquês e respostas e com a criança muito contente com a sua infinita curiosidade.
Às vezes há momentos em que não convêm de todo certas perguntas e certas respostas, mas o fruto proibido é sempre o melhor. Enfim, às vezes o silêncio é mesmo de ouro. O problema é que na era mediática em que vivemos, o direito ao silêncio, que em determinadas circunstâncias deveria ser um dever do silêncio, é cada vez mais difícil de exercer, embora cada vez mais valioso o seu sábio exercício.
Por um lado, os media são incansáveis na sua insaciável “procura da verdade” e necessidade de vender e fazer o futuro e, por outro lado, os protagonistas da política, e os outros que não sendo não resistem aos holofotes, são fazedores de expectativas na busca permanente de afirmação, esquecendo o passado e fazendo do presente o futuro. E assim se reúnem os ingredientes para um bom "jogo do gato e do rato"...

LIXO!


"Lisboa, 22 Nov (Lusa) - Documentos de processos judiciais, com a identificação e os contactos dos intervenientes, foram deitados nos caixotes do lixo do Palácio da Justiça de Lisboa, na via pública, um acto ilegal que viola a confidencialidade e as normas dos tribunais.

Escrituras com nomes, moradas e telefones, relações de heranças, notificações para audiência e peritagens de seguradoras com identificação das viaturas são exemplos de documentos encontrados pela agência Lusa em diversos contentores com a tampa aberta, à mão de quem passa na rua e colocados nas traseiras do Palácio da Justiça, em Lisboa.

Em apenas três sacos, das dezenas distribuídas pelos nove contentores ali instalados, a Lusa identificou várias peças processuais, incluindo uma disquete contendo uma acção judicial completa".

Calculo que, após a divulgação desta notícia (i) Os sindicatos verão aí a prova da falta de condições em que trablham os agentes da justiça, obrigados a desembaraçarem-se assim dos residuos dos processos; e (ii) os partidos da Assembleia da República discutirão nos próximos dias uma alteração da lei, quiçá uma lei nova, para por cobro à situação.

E confirmo a ideia, que já tinha firmada, que há quem não resista à atracção de um bom caixote do lixo e que veja nele uma fonte inesgotável de informação...


sábado, 21 de novembro de 2009

O défice pode ser disfarçado, mas a dívida não engana!

Segundo o Orçamento Rectificativo agora apresentado (redistributivo, diz comicamente Teixeira dos Santos), o Governo pediu autorização para contrair dívida pública até 15 mil milhões de euros, valor equivalente a 9,2% do PIB, estimado em 163 mil milhões de euros. O mesmo Governo prevê um défice orçamental de 8% deste valor, logo um défice à volta de 13 mil milhões de euros.
Do que resulta uma diferença de 2 mil milhões de euros entre a dívida que o Governo se propõe contrair e as necessidades de fundos para cobrir o défice orçamental.
O que é que isto significa?
Significa que o Governo não apenas gastou mais nas rubricas que tinha orçamentado, como ainda incorreu em custos adicionais de 2 mil milhões de euros à margem do Orçamento, isto é, que nem tinha previsto nem incluído no orçamento rectificativo que tinha apresentado já em Janeiro deste ano.
Não acreditando que esse valor corresponda aos 1,8 mil milhões de euros que vêm sendo referidos como resultantes da nacionalização do BPN, dado provavelmente não haver tempo para apurar o custo total só possível conhecendo as receitas da reprivatização, que dificilmente terá lugar este ano, o diferencial de 2 mil milhões refere-se certamente a despesas que, não onerando nem passando pelo défice, vão directamente à dívida pública.
Contra todas as regras. Para o ano, e como habitualmente, lá virá o Tribunal de Contas a falar de desorçamentação. Mas isso que importa para o Governo eleito, se não há sanção, e foram essas despesas que ajudaram à reeleição? Razão de facto têm aqueles que classificam o nosso Ministro entre o pior e o quarto pior da União Europeia. Pela amostra, eu diria o mesmo do Governo.
É que o défice pode ser disfarçado. Mas a dívida pública e dos organismos públicos não enganam!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O ginásio dos anos 50...

Assim eram os ginásios dos anos 50! Bem mais divertido do que correr em cima de um tapete rolante com os olhos postos no contador das calorias consumidas...

Síndrome bipolar colectiva?

Têm surgido várias teses que procuram vender a ideia de que a pandemia da Gripe A é uma criação da indústria farmacêutica que anda a ganhar muito dinheiro com as vacinas.
E teorias da conspiração também não têm faltado, havendo uma teoria defendida, segundo li, por uma auto-proclamada ex-ministra da saúde da Finlândia, que considera a Gripe A um produto dos americanos destinado a extinguir a população de várias regiões do mundo. Muitas conjecturas têm sido feitas acerca da pandemia do vírus H1V1.
Li na última edição da revista Sábado (não consegui fazer o link porque o documento não está disponível on line) uma teoria diferente, que foi para mim uma novidade. Desconheço a sua credibilidade, mas encontro-lhe alguma aderência à realidade.
Trata-se de uma entrevista realizada a um psiquiatra e professor da Universidade de Erlangen – Nurnberg na Alemanha, Wolfgang Sperling, que defende a teoria de que a epidemia da Gripe A é um efeito da crise económica e que esta e a recessão são sintomas de uma mesma doença colectiva. Segundo o psiquiatra, o vírus H1N1 deu origem a uma epidemia e a explicação para a sua eclosão é a ligação entre o seu aparecimento e a crise mundial e que essa ligação são os meios de comunicação social que classifica de “bombardeiros de informações”, capazes de, cada vez mais, criarem a nível global estados de alternância emocional de euforia e de depressão.
Sendo dois acontecimentos tão diferentes, um na esfera económica e outro na esfera da saúde, ambos assumiram uma dimensão pandémica com a ajuda dos media.
Explica, então, que a humanidade sofre da síndrome bipolar com os sintomas e as reacções próprias de um doente bipolar. A síndrome bipolar é a alternância brusca entre dois sentimentos muito diferentes que causam ansiedade. De um lado, temos as emoções ligadas ao estado de depressão; do outro lado, as ligações ao estado de euforia.
No caso da crise financeira despoletada pela Leman Brothers o sentimento global de depressão que se instalou agiu como facilitador para o advento da epidemia. Há uma ligação clara entre os humores da economia e da saúde pública, sendo razoável supor que uma crise económica mundial afecte o sistema imunológico, criando-se o ambiente propício para eclodirem epidemias.
O que me parece interessante nesta teoria utilizada para explicar o pânico que se instalou em torno da Gripe A, é que realmente o mundo parece mover-se por elevadas expectativas que conduzem a epidemias, ora de euforia, ora de depressão, em que os “bombardeiros de informações” ávidos de fazer e vender notícias, de ganharem guerras de audiência e aumentarem a sua share introduzem a adrenalina suficiente para gerar espirais colectivas de comportamentos irracionais difíceis de deter.
Não é difícil transportarmos estes fenómenos para Portugal e verificarmos que os media se assumem muitas vezes como verdadeiros protagonistas de processos - exercendo uma influência significativa no seu rumo e no seu desfecho e mobilizando comportamentos de elevada carga emocional despidos, não raras vezes, de racionalidade e lógica - que atingem uma dimensão nacional mediática perigosa, dificultando o normal funcionamento das instituições.
Será que a globalização da informação, que já é um património da humanidade inalienável, está a motivar síndromes bipolares colectivas?

Riram-se da denúncia da asfixia democrática?

E se for verdade isto?
«Na entrevista [ao SOL], José António Saraiva diz que uma pessoa do círculo próximo do primeiro-ministro, e que conhecia muito bem a situação do SOL e a relação com o BCP, disse-lhe que os problemas financeiros do jornal ficariam resolvidos se não fosse publicada a segunda notícia sobre o Freeport».

A singeleza da democracia europeia

Nada de celeumas desnecessárias, discussões eternas ou a maçada dos aerópagos reunidos para escolher candidatos ou traçar-lhes o perfil. A democracia europeia é bem mais chique e ao mesmo tempo eficaz. Entre a sopinha e o prato principal escolhe-se a alta representante para os assuntos externos da UE; antes que a sobremesa aqueça, vai de escolher o presidente do Conselho Europeu. Por alturas do digestivo brindaremos a este exercício da democracia simplex, erguendo os copos e gritando em uníssono: PORREIRO, PÁ!

BPN: privatizar o quê e como?

1. Foi ontem anunciada a decisão de privatizar o BPN pouco mais de um ano após a polémica nacionalização deste Banco.
2. Não deixa de ser curioso notar que as notícias referem a privatização do capital social do BPN – quer dizer que se vai privatizar algo que de todo não existe?
3. O capital social do BPN é hoje um conceito abstracto, toda a gente saberá que esse capital social foi totalmente (várias vezes, até) “comido” por prejuízos, desapareceu na voragem insaciável dos prejuízos – como é possível assim privatizar uma mera abstracção, algo cujo valor é reconhecida e expressivamente negativo?
4. Nada é dito, por outro lado, quanto à assunção dos prejuízos líquidos do Banco pelo Estado – alguém acredita que um investidor, por mais generoso que seja, vai adquirir o BPN com uma situação líquida negativa de € 2 mil milhões ou superior (é o valor que tem sido publicitado) sem que o Estado assuma previamente o compromisso de repor essa quantia de forma a colocar o capital próprio em ZERO pelo menos?
5. Estão assim por esclarecer aspectos fundamentais desta operação, sem os quais a mesma se afiguraria à partida destinada a um insucesso...
6. Mas não parece crível que os responsáveis governamentais não tenham percepção exacta destes mesmos problemas, pelo que oportunamente não deixarão, por certo, de esclarecer o mercado - e o "taxpayer" - sobre a forma escolhida para os resolver.
7. Aguardemos pois pelos próximos episódios, este assunto ainda deverá dar muito que falar, até pelas implicações orçamentais que certamente levantará...

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O último a saber!...

Perante todas as evidências, o Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, vinha afirmando, insistente e regularmente, inclusive já neste mês de Novembro, não haver necessidade de Orçamento rectificativo. As contas do Estado estão sob controle, dizia o Ministro.
Hoje, o Conselho de Ministros aprovou o Orçamento Rectificativo para 2009.
Face às afirmações que vinha proferindo, Teixeira dos Santos terá sido o último a sabê-lo. Acontece aos melhores e em muitas situações…
Noblesse oblige, lá teve de o anunciar. Todavia, numa atitude de suprema arrogância, teve o desplante de o classificar como Orçamento Redistributivo!... Como se qualquer orçamento também não o fosse.
Não admira.
O Ministro das Finanças acaba de ser nomeado pelo Finantial Times como o quarto pior Ministro das Finanças da União Europeia.
Estamos fartos de o saber, não pela análise fria dos números, como o Finantial Times, mas pela realidade vivida.
Aqui, no 4R, temos cumprido um verdadeiro serviço público de chamar a atenção para as erradas políticas públicas. Que obviamente produzem os efeitos que agora se confirmam e o Governo é obrigado a rectificar. Ou, segundo Teixeira dos Santos, a "redistribuir". Mas o que é facto é que somos nós mais uma vez a pagar !...

Maldito acordo ortográfico!


Os efeitos do polémico acordo ortográfico estão a fazer-se sentir de forma inesperada, gerando a maior dificuldade em entender palavras que antes tinham um sentido preciso e que hoje se tornaram autênticas nebulosas.
Por exemplo, há uns anos falava-se em orçamentos suplementares, na altura em que se recorria a alterações do orçamento para aumentar a despesa. Mas houve um ano em que o objectivo era apenas alterar a despesa e não aumentá-la e, para marcar a diferença, passou a chamar-se orçamento rectificativo. Essa expressão foi consagrada até que hoje ouvimos o Ministro das Finanças anunciar que vai propor um orçamento, não rectificativo, não suplementar, mas redistributivo, ao que parece porque a razão que o determina não é nenhuma das outras. Depois de muito instado pelo confuso jornalista, que teimava em lembrar os qualificativos anteriores, o Ministro acabou por remeter para a “expressão técnica” da Lei de Enquadramento que fala em “alterações orçamentais”.
Também tivemos hoje oportunidade de assistir, durante 4 horas, a um debate no Parlamento do qual deveria ter resultado claro se havia, ou não, a suspensão do sistema de avaliação dos professores. Em vão. Não houve suspensão, diziam uns, antes se optou por dar orientações para que as escolas não desenvolvam “procedimentos desnecessários”, uma vez que o modelo vai ser alterado. Outros diziam que sim, que devia haver suspensão, porque sem isso vão continuar os procedimentos necessários porque os outros, os tais que seriam desnecessários, já não teriam lugar em caso algum, precisamente porque o modelo vai ser substituído. Ou seja, não se suspende o que já não se faria ou suspende-se o que estava a ser feito? Em todo o caso, parece que a suspensão deu lugar à substituição, para evitar a confusão (salva-se a terminação…).
Há também o caso da dívida externa, que aumenta com o consumo mas não é para aqui chamada quando se trata de fazer obras públicas que exigem empréstimos, não, isso não é dívida, mas investimento.
O que me parece é que os críticos do acordo ortográfico nunca suspeitaram que a confusão entre factos e fatos era muito mais grave do que se podia prever. É que, na criatividade portuguesa, ao cair o “c” os factos deram lugar a fatos…à medida!

Vírgula

Recebi por mail este excelente texto que me dizem fazer parte de uma campanha da Associação Brasileira de Imprensa.
Cá vai ele:

Vírgula pode ser uma pausa... ou não.
Não, espere.
Não espere
.

Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.


Pode ser autoritária.
Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.

Pode criar heróis.
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.

E vilões.
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto...

Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.

A vírgula pode condenar ou salvar.
Não tenha clemência!
Não, tenha clemência!

SE O HOMEM SOUBESSE O VALOR QUE TEM A MULHER ANDARIA DE QUATRO À SUA PROCURA.
Se você for mulher, certamente colocou a vírgula depois de MULHER.
Se você for homem, colocou a vírgula depois de TEM.

Ministros e media, a mesma luta: the show must go on

Após o Ministro Correia de Campos “racionalizar” as maternidades, não houve dia em que não fossem noticiados partos nas ambulâncias, de norte a sul do país. Antes, não havia partos nas ambulâncias; passado algum tempo, também deixou de haver.
Aqui há uns anos, por alturas do verão, os incêndios abriam os telejornais e novos incêndios fechavam os telejornais. Com o Ministro António Costa, os incêndios passaram a ignições, e este ano nem ignições de jeito foram noticiadas. No entanto, veio a saber-se que, mesmo sem incêndios ou ignições, o número de fogos foi maior e a área ardida também superior à de muitos anos anteriores.
Após o início da vacinação das grávidas contra a Gripe A, aconselhada pela Direcção Geral de Saúde e pelas autoridades médicas, quase não há dia em que não é noticiada a morte de uma criança em gestação em grávida vacinada. Antes, não havia morte de fetos; daqui a algum tempo, deixará também de haver.
A comunicação social está ávida de produto para alimentar o circo diário a que chama informação. E os políticos servem-lhe o produto em bandeja de prata. Assim facilmente servidos, e porque campanha promove campanha e propaganda atrai propaganda, os media não desmontam o circo e habituaram-se a viver dele. Escolhem os números e seu bel-prazer, tendo sempre nos ministros os comediantes mais disponíveis e reverentes.
No fim, é uma verdadeira estratégia win, win, tão grata aos aprendizes de tecnocratas governantes socialistas. Ganham existência os Ministros que aparecem nas televisões, e ganham as televisões com o espectáculo rasca, mas barato, que a partir daí promovem e desenvolvem. Opiniões científicas e técnicas têm a mesma valia que sentimentos pessoais de cidadãos entrevistados, muitos ainda na emoção da dor que a matéria em apreço lhes causou.
Mas perde o cidadão, que não é informado com seriedade e as suas dúvidas aumentam. Torna-se, também ele, terreno fértil para toda a manipulação.
Mas isso que importa? Aos Ministros, o que lhes interessa é fazer prova de vida; às televisões, prova de audiências. The show must go on!...

Desemprego é culpa da crise internacional...e PIB é obra nossa?

1. Numa sucessão algo desconcertante, foram na semana passada e já nesta divulgados dados característicos do andamento da conjuntura económica doméstica:
- O PIB, embora mantendo uma variação homóloga bastante negativa (-2,7%) cresceu 0,9% do 2º para o 3º trimestre, acima do ritmo médio observado na União Europeia que foi de 0,4%;
- O desemprego registou forte subida no 3º trimestre, para 9,8% da população activa, o valor mais elevado desde a mega-crise de 1983.
2. Como é habitual nestas conjunturas, logo que os números aparentemente favoráveis do PIB forma divulgados, assistimos a um coro de auto-congratulações por parte de alguns prestimosos comentadores e de responsáveis governamentais, revisitando falsa ideia de que esta melhor performance de um trimestre se deve a “trabalho de casa”, a sinalizar que estaremos no bom caminho...
3. Entretanto chegaram os dados muito comprometedores do desemprego e a reacção oficial não se fez esperar: esses são consequência da crise internacional...as reacções da oposição também não destoaram do habitual responsabilizando as políticas do Governo pelo forte aumento do desemprego.
4. Sempre que aparecem dados um pouco mais favoráveis os responsáveis governamentais não resistem à tentação propagandística de reclamar méritos que não são seus...e depois, como é natural, têm a maior dificuldade em explicar porque é que os dados desfavoráveis como este do desemprego são alheios à sua acção...
5. Por sua vez a oposição, em contra-ciclo, costuma desvalorizar as boas notícias e acentuar as más...
6. Já por várias vezes aqui tenho procurado exprimir a opinião de que o desempenho no curto prazo de uma economia tão aberta e dependente do exterior como é a nossa, em que os decisores se encontram quase desprovidos de instrumentos de actuação sobre a procura, nada ou quase nada tem a ver com políticas do Governo.
7. Assim, a evolução mais favorável do PIB no 3º trimestre é tanto obra do Governo como é sua responsabilidade o aumento do desemprego no mesmo período...
8. Parece-me todavia que estou pregando no deserto, pois a cada vaga de novos dados, melhores ou piores, a cena do auto-elogio ou da exclusão de responsabilidades repete-se invariavelmente...com a oposição em contra-ciclo.
9. Na nossa específica situação os Governos terão influência no desempenho das variáveis económicas no longo prazo, assumindo políticas que estimulem o investimento nos sectores mais competitivos...nós optamos pelo investimento em sectores pouco competitivos, comprometendo nesse esforço os escassos recursos de que ainda dispomos e atirando para as futuras gerações encargos cada vez maiores decorrentes desse esforço – o que podemos esperar nesse futuro?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Uma aprendizagem fundamental

A Junta da Extremadura espanhola iniciou uma campanha, financiada pelo Governo regional, “el placer está en tus manos”, que quer “pôr os jovens espanhóis entre os 14 e os 17 anos em contacto com o seu corpo e com a sexualidade”, sendo que “as técnicas de masturbação estão entre os assuntos debatidos e explicados”.
A cadeira incluirá tudo o que “é preciso saber sobre jogos eróticos, carícias, auto-erotismo e anatomia masculina ou feminina”. As sessões incluem demontrações com uma série de “brinquedos sexuais”, incluindo vibradores e bolas chinesas. E duas formadoras coordenarão o programa. Que deixa “especialmente orgulhosa” a Presidente do Conselho da Juventude.
Bom, não sei como foi estruturado cientificamente o curso de masturbação. Mas, a avaliar pelos nossos cursos, uma sua eventual introdução em Portugal não fugiria muito do esquema seguinte:
-1º semestre- semestre dedicado a Noções Fundamentais de Masturbação ou Introdução à Masturbação, respeitando a autonomia das escolas
-2º semestre- semestre dedicado a aprofundar a matéria na cadeira Teoria Geral da Masturbação , com aulas teóricas e exercícios práticos
-3º Semestre- o plano de estudos prosseguiria com Técnicas Avançadas de Masturbação, sendo aí elaborados os trabalhos finais, individuais e de grupo.
Claro que esses trabalhos seriam depois devidamente submetidos a exame, a fim de os alunos obterem a sua licenciatura de Bolonha em masturbação técnica. Obviamente que seguiria o Mestrado e o Doutoramento, com as devidas e exigíveis bolsas de estudo.
E por aqui me fico, ainda acabrunhado pela ignorância em que o fascismo e este regime respectivamente deixaram e têm deixado a juventude portuguesa. O exemplo das boas teorias e das boas práticas está aqui ao lado. Para que a juventude entenda a sexualidade como “fonte de prazer”.
Nota: As aspas transcrevem frases da notícia do Público de 15 de Novembro, página 20, sendo que algumas delas se referem ao original.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O rentável negócio da exploração do escândalo

Em nome de que valores, de que interesses, se deve fazer o combate pela transparência da vida pública?
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O circo mediático que se monta a propósito dos frequentes escândalos que, com frequência, têm atingido pessoas e instituições, interroga-nos sobre se o que está muitas vezes em causa não é o superior interesse do respeito e da salvaguarda da moralidade e da ética públicas, mas interesses dos próprios media ou de quem deles se serve para inconfessáveis propósitos.
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Num tempo em que o princípio da presunção da inocência, uma das traves mestras do nosso tão badalado Estado de Direito, é substituído pelo seu contrário, pela presunção inelidível da culpa, sem que ouça o mais ligeiro protesto daqueles que sempre aparecem como os arautos e defensores da moralidade republicana, não se pode acreditar nas boas intenções de quem explora o escândalo e faz dele o alimento do seu negócio.
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Num tempo em que os mais altos responsáveis deste País assistem complascentes e medrosos - não vá acontecer-lhes o mesmo! - a verdeiros julgamentos e condenações sumárias na praça pública, a justiça feita no recato dos tribunais passou a ser coisa dispensável, que só interessa quando acentua ou amplia o escândalo.
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Quando o segredo de justiça é violado pelos próprios agentes da justiça no mais absurdo clima de impunidade, chegámos áquele ponto de concluir, à margem de qualquer dúvida, que a justiça não está ao serviço do Povo mas dos interesses de uns tantos que dela se servem, arruinando de vez com os fundamentos de um Estado que, em 1976, os constituintes quiseram subordinado à lei e ao Direito.
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A revolução tecnológica sempre em curso

Quando comecei a trabalhar, há umas dezenas de anos, já havia uma revolução tecnológica em curso, a que antecedeu muitas outras e se tinha sucedido a outras tantas. Essa era a que ia substituir as velhas máquinas de escrever, que implicavam que se pusesse duas folhas novas quando a dactilógrafa se enganava, uma para escrever de novo o trabalho, outra para ficar com a cópia impressa através do papel químico, colocado entre as duas folhas. Os ministérios compravam máquinas automáticas e fotocopiadoras e até já havia uns computadores gigantes só acessíveis a uns magos que percebiam para que é que aquilo servia.
Quem me ajudou a perceber o novo mundo em que tinha acabado de entrar foi uma rapariga, poucos anos mais velha que eu, que era administrativa e que me surpreendeu não só pela generosidade com que me explicava tudo mas também pela curiosidade que tinha pelos assuntos jurídicos, que aprendia com toda a facilidade. Era muito magra e pálida e a sua timidez mal encobria uma força de vontade e uma determinação que se revelaram em pouco tempo. Um dia perguntei-lhe porque é que não tinha estudado mais e se nunca tinha pensado em ir para a faculdade de Direito, já que era matéria para a qual tinha manifesta vocação.
Contou-me então que era de uma aldeia do Norte, de família pobre e com muitos irmãos e que ela e uma irmã tinham vindo para Lisboa porque sofriam ambas de uma doença cardíaca grave. Mas a irmã tinha acabado por morrer porque só uma operação em Londres é que podia salvá-la, cá ainda não havia meios para acudir à doença. Então e ela?, perguntei angustiada, a reparar de repente na palidez e na fragilidade pouco usuais numa pessoa tão jovem. Ela contou-me que, depois da irmã morrer, entrou em desespero. Via-se sozinha, com um parco salário que fazia Londres parecer uma miragem, os médicos a abanar a cabeça, impotentes, que só em Londres, aqui não havia nada a fazer, ia enganando os pais, para não os afligir espaçava as visitas, até que chegou ao ponto de já nem conseguir fazer a viagem de comboio.
Foi então que o Ministro visitou os serviços, para anunciar o investimento que iam fazer numa dessa máquinas novas, e de quanto iam gastar em formação do pessoal, porque o arranjo de uma avaria era uma fortuna, tudo números que a deixaram aterrada em comparação com o precisava para se salvar. Pareceu-lhe o Ministro pessoa simpática, também não tinha nada a perder, escreveu-lhe uma carta, Senhor Ministro, eu tenho uma doença de coração, preciso de ir a Londres para sobreviver, é a minha única salvação, se fosse uma máquina havia dinheiro para a concertar, como sou só uma pessoa deita-se fora sem substituir as peças, Senhor Ministro eu se fosse uma máquina havia de trabalhar muitos anos mais, quem é que ia deitar fora um instrumento que ainda podia render tanto, assim não tenho esperança, só se o senhor Ministro puser a minha despesa como se fosse uma fotocopiadora, talvez ninguém desse por isso mas eu sim, eu ia trabalhar toda a vida com a certeza de que valho mais do que a máquina mais cara que o Senhor Ministro vai mandar comprar. E fico-lhe muito grata por ler esta carta e pensar, um minuto que seja, que me pode salvar, eu só tenho 28 anos.
Passado pouco tempo recebeu uma carta pessoal do Ministro, com um cheque suficiente para a ida a Londres, ele pedia-lhe que não contasse a ninguém, que era uma viagem que ele ia fazer com a mulher mas da qual abdicava com muita esperança de que a ela lhe fosse o suficiente para se curar.
Ela foi operada em Londres e sobreviveu, já tinha passado mais de um ano quando me contou esta história, estava em franca recuperação. Mais tarde matriculou-se em Direito, ainda fez dois anos mas, apesar de todos os apoios dos colegas, não conseguiu aguentar o esforço e ficou só no emprego, foi promovida várias vezes até ser chefe de secção.
Estive muitos anos sem a ver até que me falou há dias para me contar que se tinha reformado, aos sessenta anos, porque queria aproveitar ao máximo o tempo de vida que ainda espera ter.
Foi assim que aprendi que não há revoluções tecnológicas se as pessoas não contarem sempre mais que as máquinas.

Uma gota de memória...

Nascemos no meio de lembranças esfumadas e esparsas que não passam de pequeninas gotas de água desejosas em se unirem para dar origem ao fino fio de água da memória que, com o tempo, acaba por encher e correr o vale tortuoso da existência, umas vezes com fúria, outras parando para brincar e refrescar.
Os rios não se lembram do local onde nascem, mas recordam com saudade as primeiras gotas que, incessantemente, alimentam a origem da sua vida. Nós também não nos recordamos do momento em que nascemos, mas lembramo-nos das primeiras gotas da memória.
Recordo uma dessas gotas. Numa silenciosa manhã de sol, sentado no chão, olhava para canas finas cortadas ao meio, papel de seda verde-claro e amarelo e cordel, muito cordel ao redor de um pau. Via como se construía um papagaio. Eu já sabia o que era um papagaio. Tinha visto um num jardim de um senhor e que dizia algumas palavras. Era bonito, e eu sempre quis ouvir um pássaro que falasse. Os outros não falavam. Quando disseram que me iam dar um papagaio, julguei que fosse um papagaio dos que falavam. Perguntei o que estavam a fazer. – Um papagaio! Olhei e fiquei atento a ver como se fazia um papagaio. Afinal é possível fazer papagaios.
O papel de seda era verde e amarelo. Esperei que saísse dali um papagaio a falar. – Está pronto! – Mas onde está o papagaio? – Aqui! Não vês? – Não. – Isto chama-se um papagaio. – E voa? – Voa. – E fala? – Fala? Não! – Porquê é que não fala? Os papagaios falam. Foi então que aprendi que havia dois tipos de papagaios, os de papel de seda e os de carne e osso. Eu preferia estes últimos, mas tive que contentar-me com o primeiro. – E agora? – Agora vamos para a rua. Começou a correr e o papagaio levantou voo, e à medida que dava cordel mais alto voava. Estampado no céu azul eu via o meu papagaio verde e amarelo a subir, a subir, com uma cauda feita do mesmo cordel com laçarotes amarelos, verdes e vermelhos. Fiquei de boca aberta. Também quis lançar o papagaio, mas não consegui. Arrastava-o pela rua. Não insisti, porque não queria estragá-lo. – Contigo, voa alto. – Pois voa. E se houver vento, então, ainda voa mais alto. – Até ao céu? – Quase. Mas para isso temos que ir para um ponto alto, onde haja vento. No dia seguinte, de manhã, fomos para um pinhal que ficava um pouco longe. Colocaram um cobertor castanho com riscas amarelas e vermelhas entre os pinheiros numa zona onde não havia mato. Comi sobre o cobertor e descansei depois. Não dormi, porque não podia dormir. Queria ver o meu papagaio a voar alto, muito alto, mais alto do que os pinheiros, a tocar o céu. Lançaram o papagaio. Voou alto, passando acima das copas dos pinheiros e eucaliptos. Olhava para cima e via o meu papagaio a ficar cada vez mais pequenino. Perguntei: - O meu papagaio voa mais alto do que o outro que está no jardim? – Voa. Fiquei satisfeito. O meu papagaio não falava mas voava mais alto. Depois começou a baixar, até que bateu num ramo de um pinheiro. Rasgado, caiu aos trambolhões. Corri e peguei nele. Fiquei muito triste. Estava estragado. Ajudei a levá-lo para casa de mão dada, porque era quase da minha estatura. Em casa, chorei. As canas estavam partidas. Tentaram tranquilizar-me, dizendo que me faziam um novo. Não quis. Eu queria aquele. Não queria outro, porque foi o primeiro papagaio que eu vi fazer sem saber o que era um papagaio de papel. Agora, se visse a fazer outro eu já sabia que iria aparecer um papagaio de papel. E qual é a piada de ver fazer uma coisa que eu já conhecia? Pensei. O melhor era partir para outras gotas de memória que eu ainda não tinha...
A partir de hoje vou no seu encalço. Talvez consiga as recuperar. Assim espero. Até um dia...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O que eu gostava de saber sobre os gastos públicos em I&D

De acordo com o Público de sábado passado, Sócrates e Mariano Gago anunciaram os “resultados” do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, no que respeita aos “investimentos” feitos em ciência em Portugal. Classificados por Sócrates como verdadeiramente extraordinários. Assim:
• O investimento em investigação e desenvolvimento ultrapassou, pela primeira vez, 1,5% do PIB, equivalente a 2,513 mil milhões de euros (em 2007, 1,21% do PIB, 1,973 mil milhões de euros. Deste total, o dinheiro investido pelas empresas atingiu os 0,76% do PIB, 1,258 mil milhões de euros (em 2007, 0,62% do PIB e, há cinco anos, inferior a a 0,3%). Assim, o dinheiro investido pelas empresas ultrapassou o “investimento” do Estado.
• O nº de empresas com I&D passou de 940, em 2007, para mais de 1700, em 2008.
• O nº de investigadores em ciência atingiu 7,2 por mil pessoas activas, ultrapassando a média europeia de 5,5 por mil, sendo que esse número se traduz em 40.000, dos quais cerca de 10.000 em empresas e 30.000 no Estado.
• O nº de doutoramentos em 2008, em Portugal, foi de 1500.
• Os investigadores escrevem cerca de 50% dos seus artigos em co-autoria com colegas estrangeiros.
• Em 2007 e 2008, dos 1200 doutorados contratados a cinco anos 40% eram estrangeiros.
Os valores investidos são sempre uma grandeza relativa e dependem dos resultados. Não os “resultados” que Sócrates e Mariano Gago anunciaram, que foi o dinheiro gasto. Nessa anedótica óptica, quanto mais se gasta mais e melhores resultados traz...
Mas, para poder valorar o "investimento" feito, o que eu gostava de saber, sempre perguntei, e nunca ninguém me respondeu é o resultado desse “investimento” em inovação, mais propriamente: que produtos esse investimento ajudou a criar para colocar no mercado; que novos produtos esse investimento ajudou a produzir, criando emprego e actividade económica. E o que eu gostava também de saber, sempre perguntei, e nunca ninguém me respondeu é o número, tipo e natureza de parcerias com as empresas com vista ao desenvolvimento de novos produtos.
No fim, o que eu gostava de saber, sempre perguntei, e nunca ninguém me respondeu é o que concretamente fazem, para além de fazer ciência, claro está, os 30.000 investigadores em que o Estado orgulhosamente investe. Para poder medir e avaliar os resultados.

FED estimula nova bolha especulativa e põe recuperação económica em risco?

1. O responsável pela regulação do sector bancário chinês (não é o Banco Central da China) dirigiu este fim-de-semana uma crítica muito dura em relação à política monetária do FED, afirmando que essa política, por ser excessivamente acomodatícia, estará a contribuir para uma nova bolha especulativa nos mercados de títulos (nomeadamente de dívida) e de “commodities”.
2. A crítica aponta o facto de a política de taxas de juro muito baixas e a correlativa fraqueza do USD terem estimulado em grande escala a prática de “carry-trade”, a qual consiste no endividamento especulativo em USD e na aplicação dos fundos em activos financeiros e outros, designadamente expressos noutras moedas.
3. A forte valorização desses activos, a fraqueza do USD e o nível baixíssimo das taxas de juro em USD explicam que esse tipo de “carry-trade” se tenha mostrado altamente lucrativo ao longo dos últimos 7 a 8 meses pelo menos.
3. O facto de o FED ainda na semana passada ter reafirmado a sua intenção de manter as taxas próximas de 0% bem como as medidas de expansão da oferta de moeda primária por um longo período de tempo ainda, estará a contribuir para que o dito “carry-trade” vá continuando e assim os mercados de títulos prossigam o seu movimento ascendente apesar das incertezas quanto à consistência da recuperação económica.
4. Este tema tinha motivado um interessantíssimo artigo de Nouriel Roubini – sempre ele - no F. Times de 2 do corrente intitulado “The mother of all carry trades faces na inevitable bust”, no qual Roubini disseca este tema com notável clareza apontando os enormes riscos da política monetária ultra-expansionista do FED.
É bem possível que a leitura desse artigo tenha influenciado a referida crítica do responsável chinês.
5. Vale a pena citar a parte final desse artigo, pelo carácter premonitório que a caracteriza: “ But the longer and bigger the carry trades and the larger the asset buble, the bigger will be the ensuing asset buble crash. The FED and other policy makers seem unaware of the monster bubble they are creating. The longer they remain blind, the harder the markets will fall”.
6. Até pode acontecer que essa premonição encerre alguma margem de exagero, mas não deixa de ser sedutora a análise de Roubini pela extrema clareza com que expõe os seus argumentos...ao ponto de convencer os sempre reservados chineses.
7. Se vier a ter alguma razão, nomeadamente se vierem a ocorrer a prazo breve (Roubini aponta para meados de 2010) factos que mudem as expectativas dos que têm apostado nesse “mother of all carry trades”, bem se poderá dizer que a política monetária do FED de tanto pretender estimular a economia ainda acabará por empurra-la para uma nova recessão...
8. As notícias muito recentes de um considerável e inesperado abrandamento do consumo privado nos USA neste último trimestre de 2009 retiram um pouco a pressão sobre estes riscos uma vez que colocam as perspectivas de subida da inflação mais distantes...mas ao mesmo tempo, suscitando a dúvida quanto à eficácia das medidas de estímulo à economia, podem dar ainda maior impulso ao negócio do “carry trade”...
9. Um verdadeiro dilema se coloca pois aos decisores económicos quanto ao momento e ao ritmo de retirada dos estímulos financeiros e monetários às economias. Roubini vai avisando...

domingo, 15 de novembro de 2009

A inclinação do "plano inclinado"...

Estive a ouvir o Plano\nclinado na Sic Notícias, pois a semana passada assisti à estreia e gostei. A nossa Suzana fez, aliás, a semana passada, um post sobre o novo programa.
Agradou-me mais uma vez um programa que procura fazer alguma matemática social, com a preocupação de explicar pedagogicamente às pessoas o que se passa com Portugal, embora tenha notado desta vez uma intervenção algo monopolista de Medina Carreira e a ausência de apresentação de caminhos concretos para encontrar a nova geometria política defendida, capaz de quebrar com a política “ilusionista” que tem levado ao plano inclinado.
Medina Carreira, e muito bem, lembrou que o plano inclinado não é uma obra recente. A inclinação acentuou-se desde a entrada de Portugal na CEE porque o país pouco fez para se adaptar à nova realidade, à realidade do comércio internacional. Durante 20 anos não fomos capazes de fazer a reconversão da economia para responder aos desafios da competitividade num espaço alargado e livre. E quando perdemos o escudo, a decadência acentuou-se e o plano inclinado mais inclinado ficou. De facto, não é demasiado afirmar que padecemos de um problema crónico que se chama inadaptação ao mundo global. E como este corre e se transforma a grande velocidade, o esforço que temos que fazer para o apanhar será crescente se não invertermos o plano inclinado
E à pergunta porque é que não fomos capazes de o fazer, veio a resposta de que os políticos preferiram a “caça ao voto” e desenvolveram uma lógica de poder de distribuir benesses e de fazer negócios que agora estamos todos a pagar. Os portugueses não se aperceberam verdadeiramente sobre o que estava a acontecer e, ainda hoje, não têm consciência da real situação do país. Continuam a ser enganados por “optimistas profissionais”.
É, por isso, que as actuais políticas, os actuais partidos do arco do governo e as pessoas que os militam não servem. E sem consciência de tudo isto as pessoas não podem ser exigentes e escolher correctamente. Este é um ponto que todos à volta da mesa concordaram que é uma condição para alterar a qualidade da política e, logo, a capacidade de o país enfrentar com verdade os problemas e traçar um futuro viável. Mas no final, nenhum dos intervenientes à volta da mesa foi capaz de explicar como é que se mudam os partidos e os políticos…

Corporativismo geracional

Segundo o Público, a Geração Social-Democrata de 70, um grupo de três dezenas de militantes do PSD entre os 30 e os 40 anos, reunida em Fátima, apresentou-se à Nação. Tem como lema a necessidade de fazer um "corte geracional com os rostos e as soluções já testadas do passado" e decidiu apoiar Pedro Passos Coelho.
Já um ou dois anos antes das últimas Eleições Presidenciais, um outro Grupo de uma outra geração sustentava a candidatura de Santana Lopes também na base da necessidade de um “corte geracional”.
Acontece que alguns, talvez muitos, dos rostos destas duas gerações já estão por demais gastos e conhecidos. Sempre militaram na política, sempre tiveram os mesmos gestos, os mesmos tiques, as mesmas palavras, os mesmos actos. Sempre tiveram os seus grupos e grupinhos, sempre apoiaram e desapoiaram líderes, conforme as conveniências e os interesses de momento. Sem qualquer desprimor para a palavra, são velhos na política, não constituem qualquer corte, são mera continuidade na continuidade.
Porque o “corte” não se faz assim de maneira tão simplex, mudando de uma geração para outra.
Ideias novas e arrojadas não dependem das gerações: há velhos com ideias muito novas e força para as concretizar e novos que já nasceram velhos.
E não vejo como um candidato, seja ele qual for, possa vislumbrar qualquer valor acrescentado em ser apoiado por uma geração. Isso só lhe retira valor.
A não ser que o corporativismo geracional já tivesse chegado à política e o candidato não o seja para todas as idades, mas apenas para servir a sua geração.

Divagações que a leitura estimula

Não é de hoje. Apesar de a teoria da separação de poderes aparecer desde o princípio do século XIX como um dogma, no final desse século já existia quem entendesse que os mecanismos de limitação interna do poder nos sistemas políticos se revelavam insuficientes para promover a igualdade relativa que a democracia pressupõe, para obstar à corrupção ou à asfixia de uma força política sobre todas as outras de modo a perpetuar o seu domínio.
As respostas encontradas pelos cientistas políticos no vasto doutrinário impresso no final do século passado, acentuam, todas quase sem excepção, a essencialidade de um controlo externo, protagonizado pela sociedade civil. No final do século passado variaram os modelos propostos - o neocorporativismo de Hirst, a democracia participativa de Bobbio, a democracia associativa de Cohen ou a democracia deliberativa de Habermas. Mas todos estes e outros grandes pensadores associam o combate ao abuso do poder, o reforço da democracia e a afirmação do Estado de Direito, à necessidade de uma maior participação dos cidadãos, não exclusivamente mediada pelos partidos políticos e pelos meios de comunicação social que são hoje, inequivocamente, centros de um poder que carece tanto de limitação e de controlo como o poder político tradicional.
Olhando para o que se passa actualmente, em especial no País e na Europa, e revisitando algumas das obras da ciência política do final do século XX, resulta mais clara e imperiosa a necessidade de um sistema político em que a sociedade civil seja forte e participativa, que contrabalance o asfixiante avanço do Estado e que recupere e reafirme alguns valores e princípios, designadamente, alguns direitos fundamentais dos indivíduos. Uma nova república, portanto.