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sábado, 31 de outubro de 2009

As "metades" do País...

No Dia Mundial Poupança surgem duas notícias aparentemente contraditórias. Mas não são. Apesar das boas notícias sobre a melhoria da taxa de poupança nacional registada desde 2008, invertendo o movimento contrário que se verificou entre 2003 e 2007, a má notícia é que, segundo li no jornal i, 48% dos portugueses não têm se quer 1.000 euros de rendimento para fazer a uma despesa súbita. Sim, 48%. Sim 1.000 euros.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística a taxa de poupança dos portugueses subiu em 2008 para 6,4% e no primeiro trimestre de 2009 para 8,6%.
Com efeito, a crise financeira e económica trouxe a estagnação dos preços e uma acentuada descida das taxas de juro com impactos positivos no rendimento disponível de uma parte da população.
Em tempo de crise é normal que as famílias mudem os seus comportamentos, sendo mais precavidas e cautelosas, resfriando hábitos consumistas e colocando de parte algum dinheiro para fazer face a uma eventualidade como, por exemplo, o desemprego.
Os portugueses desde há muito que tinham abandonado hábitos de poupança - Portugal registou durante muitos anos uma das melhores taxas de poupança da Europa - preferindo consumir e recorrer ao crédito sem fazerem contas à capacidade de endividamento e sem pensarem no dia de amanhã. Agora vai sendo tempo de percebermos que o endividamento não cresce até ao céu e que é preciso poupar e ajustar os padrões de vida ao rendimento disponível e à situação económica do País.
Mas se há portugueses que ainda conseguem poupar, parece que cerca de metade do país não tem uma pequeníssima reserva de dinheiro – 1.000 euros - para fazer face a uma despesa extraordinária. É uma realidade triste que atesta bem os nossos precários níveis de bem estar e elevados níveis de pobreza.
E é, também, esta metade do País que, pelas piores razões, continua a recorrer ao crédito ao consumo, ainda que para tal tenha que pagar, apesar da descida das taxas de juro, mais de 20% de juros anuais. Um círculo vicioso e perigoso que vai ser muito difícil de resolver...

Liberdade de expressão, respeito e maturidade

No escrutínio aos escolhidos para cargos públicos entra agora tudo o que alguma vez pudessem ter escrito no Twitter, Face Book ou qualquer rede partilhada. Já nos recrutamentos para postos de trabalho têm surgido sinais preocupantes dessa devassa que permite ver muito mais do que seria legítimo equacionar quando se avalia para esse efeito. Parece-me que não sabemos ainda lidar com a democratização da opinião livre, com a participação em espaços abertos de troca de opiniões e comentários. Parece-me que será fácil, demasiado fácil, que nesta invocação do rasto deixado nas redes haja sinais de ameaça à livre expressão e processos de intenção que permitem que essa participação seja apropriada por quem não tem o direito de o fazer, como se fosse uma espionagem permanente, sempre disponível e pronta a ser manipulada.
O aumento dos níveis de instrução e a facilidade tecnológica de difundir e partilhar ideias democratizaram as tertúlias e ultrapassaram há muito, e bem, os círculos restritos dos intelectuais bem pensantes. No entanto, só poderão sobreviver, na sua essência, num quadro de exigência não só para quem se exprime mas também para quem ouve. Exige maturidade e respeito, quer pela opinião e sensibilidade dos outros quer pelo modo como se reage, honrando o direito de ter estado a ouvir e o de responder em igualdade de circunstâncias.
Um espaço de liberdade fantástico, como aquele de que dispomos hoje, sem precedentes históricos, é tentador para os que, não se atrevendo a arriscar uma opinião ou uma análise identificada que os comprometa, insultam sob anonimato ou esgrimem sem escrúpulo o que puderam saber da opinião alheia. Mau sinal.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Crueldade

A crueldade e a violência fazem parte da natureza humana, contrastando violentamente com o que se passa com os outros animais que não apresentam esses estranhos gostos.
A resolução de conflitos e o desejo de alcançar certos objetivos fazia-se, e continua a fazer-se, embora menos intensamente, através do homicídio e da tortura dos semelhantes, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Empalar, esquartejar, queimar e torturar por gosto, por ódio, por dá aquela palha faziam parte de vastas práticas verdadeiramente arrepiantes, que tinham como alvos homens e animais. Imagens reais indignas da condição humana. Desde os espetáculos do Coliseu de Roma, às masmorras e fogueiras da “Santíssima” Inquisição, passando pelo “desporto” parisiense do século XVI em que gatos eram queimados, depois de lentamente serem descidos sobre fogueiras, para gáudio de reis, príncipes e populaça, entretenimento que entre nós teve também alguns episódios parecidos, como a tortura e morte dos Távoras ditada pelo homem do leão que, sobranceiramente, domina uma avenida chamada da Liberdade, são mais do que ilustrativos da tendência para a violência humana, que, não obstante todo o progresso social e moral, entretanto verificados, produziu, no último século, genocídios e crimes contra a humanidade, caso dos judeus, romenos, arménios, ruandeses, cambojanos, darfurenses e outros perpetrados em vários países e regiões, China, Rússia, África, América, Ásia e na culta e nobre Europa.
Há quem se dedique à história da violência humana, afirmando, categoricamente, que está a diminuir de forma apreciável, pelo menos em termos estatísticos, ou seja, cometem-se hoje menos crimes e violências do que no passado. Talvez seja, mas desconforta-me e, ao mesmo tempo, não conseguem limpar alguns aspetos meio preconceituosos de que tudo continua na mesma. Não se lançam gatos sobre as fogueiras como forma de entretenimento, mas continua a haver violência sobre os animais. Quanto aos seres humanos as guerras adquiriram outras tonalidades e subtilezas, mas continuam, embora sob constantes escrutínios internacionais que tudo fazem, “aparentemente”, todos os possíveis para as evitar. São novos figurinos de velhas e terríficas tragédias. De qualquer modo, considero interessante a explicação segundo a qual a redução da violência verificada ao longo dos tempos tem a ver com o facto de “a vida se ter tornado mais longa e com mais qualidade”. Interpreto este sentido como sinónimo de que quanto menos dor os homens sentirem e estarem mais imunes às tragédias passarão a ter mais escrúpulos sobre o que fazer aos concidadãos. O aumento do conforto e do bem-estar associam-se a um interessante conceito segundo o qual as pessoas são mais preciosas vivas do que mortas.
Questiono-me se noutra escala ou dimensão, caso das crises sociais e económicas que vimos por aí, não haverá comportamentos semelhantes ao entretenimento por parte de poderosos do passado. Não empalam, não queimam, não matam, mas torturam e escravizam. Será que ao provocarem vítimas com as almas cheias de dores e os corpos e os espíritos desprovidos do bem-estar a que têm direito, não estarão a originar o aparecimento de comunidades menos escrupulosas e menos humanas? Afinal o que é que lhes interessa? Sobreviver, dominar e enriquecer a todo o custo.
Entrar num café, sair e disparar um tiro num sujeito à porta do mesmo, seguido de um segundo disparo na cabeça da vítima inanimada, com a maior desfaçatez e frieza, como a que foi revelado em Nápoles, traduz, e bem, que a violência é uma estranha constante e que a vida está longe de ser um bem precioso, antes pelo contrário, nalgumas zonas não passa de um bem descartável.
Confesso que não me sinto otimista quanto ao futuro da violência, ou seja, desaparecimento ou diminuição, a não ser que se possa diminuir a dor e a tortura, aumentar o bem-estar do próximo e estimular a inteligência. Para isso é preciso muito esforço e empenho por parte dos seres humanos. Talvez daqui a alguns séculos, e, mesmo assim, torço o nariz...

Always

Always (Bryan Adams)
I swear to you
I will always be there for you
There’s nothing I won’t do
I promise you
All my life I will live for you
We will make it through
Forever we will be together
You and me
Oh, when I hold you
Nothing can compare
With all of my heart
You know I’ll always be
Right there
I believe in us
Nothing else could ever mean so much
You’re the one I trust
Our time has come
We’re not two people now
We are one
Yeah, you’re second to none
Forever we will be together
Family
The more I get to know you
Nothing can compare
With all of my heart you know
I’ll beright there
Forever we will be together
Just you and me
The more I get to know you
The more I really care
With all of my heart
You know I’ll always be
You know I really love you
Nothing can compare
For all of my life you know
I’ll always be right there

Ela contou-lhe como era a sua vida de todos os dias, o trabalho, os filhos, o casamento estável de quase vinte anos. Falou-lhe de uma felicidade serena, embora reconhecesse de vez em quando aquele ímpeto de quebrar amarras, de se atrever a outros horizontes, ir para fora, ou iniciar uma actividade diferente, no campos das artes, para que era dotada, ou num activismo qualquer que exigisse emoção e entrega.
Ele ouviu-a atento, decifrando a língua estranha que se reflectia num forte acento no inglês. Ouvia-a como se quisesse entrar naquele mundo desconhecido de uma vida regular, família estável, rotinas bem claras. Ele, viajante permanente, homem sem lastro nem casa de família, um filho tão distante quanto o primeiro divórcio, profissional brilhante e reconhecido, ouvia-a contar e por momentos sentiu nostalgia da vida tranquila que não tinha querido fundar. Mas depois lembrou-se das paixões acesas que tinha vivido, das mudanças de casa, quantas vezes de país, para tentar de novo, não podia viver sem aquela procura permanente, quando se sentia na nova casa, a mulher conquistada a seu lado, o dia a dia a instalar-se, não aguentava. O arrebatamento que o cegara dava lugar primeiro à indiferença, depois a um tédio profundo que ele suportava a custo, até de novo se deixar encadear por nova conquista, por outra paixão. Assim fora toda a sua vida e agora, já passados os quarenta anos, agora que tinha casado outra vez e se preparava para recuperar o filho e estabilizar, via o futuro antecipado naquele relato de quem sabia que, como sempre, haveria alguém a esperá-la no aeroporto, com um sorriso, para recuperar a rotina brevemente suspensa. Foi isso que imaginou e rebelou-se.
- Com um sorriso não, - interrompeu ele bruscamente, surpreendendo-a -, eu quero abraços apertados, ansiosos, eu não posso viver sem paixão. Como podes tu viver sem paixão?
E ela parou de falar, interpelada por aquela impaciência e sentiu uma estranha insegurança antes de responder. Viver sem paixão? Talvez. Mas então como chamar à vida partilhada muitos anos, como chamar àquela confiança que era amizade, ternura, exigência e entendimento, como chamar àquela linguagem secreta que dispensava palavras, àquele reconhecer sem ter que olhar? Como interpretar a memória conjunta que uniu juventude e maturidade, que incluía o crescimento dos filhos, os projectos, os riscos, os sucessos e as desilusões, as mudanças de casa e de emprego, a morte dos pais, a doença e a saúde? Num relance reviu a sua vida e respondeu-lhe:
- E tu, alguma vez chegaste a amar alguém?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Conselho Europeu: o clima não parece favorecer grandes mudanças

Para além da disputa, nos corredores, dos cobiçados lugares de Presidente da UE (é assim que vai ser conhecido) e de Alto Representante para a Política Externa que o Tratado de Lisboa institui, para a sala em que reune nos próximos dois dias o Conselho Europeu está agendada a posição a adoptar pelos 27 na Cimeira de Copenhaga sobre as alterações climáticas, marcada para Dezembro deste ano.

Espera-se uma posição sobre o mais que certo fracasso dessa cimeira, já claramente vaticinado pelos mais altos responsáveis da ONU que entendem ser muito improvável a aprovação de um texto compromissório substitutivo do Protocolo de Quioto, dotado de efectividade, isto é, que vincule não só os EUA mas também os grandes poluidores como são os Estados de economias emergentes.

Mas é sobretudo importante ficar a saber que papel desempenhará a UE neste processo, conhecendo-se, como se conhece, que a posição europeia é essencial para locomover o movimento de redução das emissões a nível global. É que no seio da UE as opiniões estão longe de ser comuns. E a crise veio dar argumentos adicionais aos mais recentemente chegados ao clube - como são os países do leste - para se baterem por metas menos ambiciosas dos que os propostos 20% de redução das emissões nos próximos dez anos, invocando a impreparação das suas infra-estruturas produtivas e o imenso esforço que significaria adaptá-las ou mesmo substituí-las.

E Portugal? Tem Portugal uma posição informada sobre esta matéria? Vai pesar a factura que o nosso aparelho produtivo vai ter de suportar, por mais insignificantes que sejamos também no lixo que atiramos para a atmosfera? Gostaríamos de saber.

"Estabilidadezinha" ou "paz podre"?

1. Desde que entramos no novo ciclo político com o desaparecimento da maioria absoluta, quer influentes comentadores políticos quer mesmo figuras do Estado têm apelado à necessidade de “estabilidade política” bem como ao sentido de “responsabilidade” dos partidos da oposição para que não obstaculizem e muito menos inviabilizem a acção do Governo - porque isso é reclamado por um diáfano conceito de “interesse nacional”.
2. Alguns desses apelos ou avisos vão mesmo mais longe e incluem uma velada ameaça aos partidos da oposição: se não se comportarem como “bons meninos”, se criarem dificuldades ao Governo – sejamos claros, se fizerem oposição – arriscam-se a levar com uma maioria absoluta a seguir...
3. Confesso que me impressiona bastante a imaturidade democrática que estes discursos encerram...acabou a maioria absoluta e vamos continuar a viver como se ela subsistisse? Ficamos assim com tantas saudades da maioria absoluta? O veredicto popular torna-se subitamente irrelevante, sendo substituído pela opinião destas vestais do regime que parecem detestar tudo quanto possa parecer politicamente menos correcto? Onde está a sua tão auto-propalada convicção democrática?
4. Bem ao contrário das opiniões destas vestais, parece-me que o bom funcionamento da democracia reclama que os partidos da oposição desempenhem cabalmente o seu papel, apontando os erros às políticas do Governo e sugerindo alternativas claras para as opções fundamentais dessas políticas.
5. Parece-me inequívoco que essa é a verdadeira responsabilidade dos partidos da oposição, responsabilidade perante aqueles que neles votaram e responsabilidade também perante o País. Os seus representantes no Parlamento não foram eleitos para abanar a cabeça às iniciativas do Governo ou para fazer de conta que não percebem o que se passa sempre que discordem dessas iniciativas – isso seria demitirem-se da sua responsabilidade, isso é que me pareceria contrário ao tal “interesse nacional”.
6. O pior que nos poderia acontecer seria entrarmos num período de permanente invocação da necessidade de estabilidade – “estabilidadezinha” seria a expressão mais apropriada – criando-se um ambiente de “paz podre”, em que todos em surdina dirão mal do que se passa mas ninguém ousa enfrentar abertamente, pondo em causa os erros ou vícios que possam afectar a qualidade das medidas de política com receio de ferir a tal “estabilidadezinha”.
7. A discussão do próximo OE/2010, dentro de cerca de 3 meses irá constituir, neste quadro, um importante teste ao estado da democracia portuguesa. Veremos se os partidos da oposição vão ser capazes de apontar o dedo aos sérios equívocos da política económica e de sugerir soluções alternativas, começando pela necessidade de maior transparência na apresentação de contas e clarificação de fenómenos endémicos de “desorçamentação”.
8. “Estabilidadezinha” ou “paz podre” não, obrigado!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

No Dia Nacional do Idoso


Pela estrada plana, toc, toc, toc,
Guia o jumentinho uma velhinha errante
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toc, toc, toc
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...

Toc, toc, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toc, toc, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toc, toc, moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toc, toc, toc, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toc, toc, toc, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toc, toc, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toc, toc, toc, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toc, se levanta,
Pra vestir os netos, pra acender o lume...

Toc, toc, toc, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, prà fazer cristã!

Toc, toc, toc, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!

Toc, toc, como o burriquito avança!
Que prazer d'outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toc, toc, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toc, toc, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d'astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d'oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!
Guerra Junqueiro

Navalhadas


"Ficámos todos amigos. As amizades na política moderna exigem esfaqueamentos, abandonos, rejeição, intriga. Entre todas essas pessoas mantiveram-se relações muito sólidas", diz Alberto Costa numa entrevista publicada na edição de hoje ao i referindo-se à amizade com o seu sucessor na pasta da Justiça, Alberto Martins.

Ali, na Praça do Comércio, pela hora da leitura dos jornais, ouviu-se saído de um gabinete por cima das arcadas um sonoro, mas pleno de ternura, "Aiii!".

Andando (Still Walking)


Hoje fomos ao cinema King ver Still Walking (Andando), do japonês Hirokazu KoreEda. Não se importem que o cinema seja velho e desconfortável, ao fim de 5 minutos de filme estão no Japão, em casa de um velho casal japonês que recebe os filhos, noras, genro e netos para comemorarem juntos a data da morte acidental do filho mais velho. Ao fim de 10 minutos, já não é uma família japonesa mas uma família qualquer, cada um vindo de seu lado, tirado da sua vida autónoma de adultos, de regresso episódico à “sua” casa onde afinal se sentem estranhos, ao mesmo tempo que se deixam aprisionar pelas memórias de infância e pelas querelas que não souberam ultrapassar. Ao fim de pouco mais, já não é uma família qualquer mas sim cada um de nós, de volta à casa dos pais já velhos, incompreensíveis na sua privacidade, nas suas manias, no seu entendimento secreto e nós a querer o nosso espaço de volta, a impor-nos como se tivéssemos esse direito, sem compreender como ficámos excluídos daquela linguagem.
Finalmente, já perto do fim, já demasiado tarde talvez, tornamo-nos adultos de repente e compreendemos tudo. Tudo o que devíamos ter entendido, tudo o que sempre esteve à vista, tudo o que teimávamos em não ver porque só queríamos que eles nos vissem, foi assim que nos habituaram, e afinal não tínhamos sabido vê-los a eles. Pelo menos o suficiente, nunca o suficiente.
Não vou contar o fim do filme, é uma história que cada um escreverá porque é essa a arte extraordinária do realizador, não conta nada, não orienta, não impõe. Apenas mostra para que cada um leia, com uma suavidade e uma delicadeza que só os japoneses e a sua língua suave e doce podem transmitir, quase sem palavras, quase sem pisar o chão, numa intensidade de gestos e de silêncios mais eloquente do que o mais elaborado dos discursos. Como uma borboleta amarela, que esvoaça a marcar os compassos do filme.
Se ainda têm pais, corram a ver o filme. Se já não têm, vão ver sem demora e deixem que a saudade, uma incrível e dorida saudade, vos encha o coração vazio deles.
Um filme mágico.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O Endividamento Externo, o Primeiro-Ministro, o Presidente da República e o Governador do Banco de Portugal

No discurso proferido durante a tomada de posse do XVIII Governo Constitucional, o Primeiro-Ministro apenas por uma vez mencionou o problema do endividamento externo, apenas para referir a aposta nas energias renováveis como forma de “reduzir a nossa dependência do petróleo” e, assim, “reduzir o endividamento externo que essa dependência provoca”. Desta forma, José Sócrates deixou claro que o endividamento externo de Portugal não será uma prioridade para o novo Executivo Socialista. Como não era para o anterior.

Já para o Presidente da República, existem dois problemas que “merecem particular atenção: o desemprego e o endividamento externo”, sendo este último relevante pelos “constrangimentos que pode impor ao desenvolvimento do país”. Em minha opinião, o Presidente tem razão: o endividamento externo português tem crescido de forma galopante, é o mais elevado da União Europeia, e ultrapassará, no final de 2009, e pela primeira vez, a totalidade do PIB – o que significa que, se por hipótese meramente teórica quiséssemos pagar toda a dívida externa, a riqueza gerada em todo o ano de 2009 já não seria suficiente…

Sucede que, enquanto Cavaco Silva abordava este tema e aludia ao problema dos défices gémeos (o défice público e o défice externo), Vítor Constâncio abanava com a cabeça, em sinal de discordância, desvalorizando esta questão (como vem fazendo desde que Portugal aderiu à moeda única em 1999).

Sinceramente, não percebo como é que o endividamento externo que Portugal enfrenta não é uma prioridade para o Governo, ou uma fonte de (enorme) preocupação para o Governador do Banco de Portugal.

Sim, é verdade que o facto de Portugal pertencer à Zona Euro nos protege de situações de crise que, no passado, obrigaram a intervenções do FMI. Mas não é menos verdade que as consequências de défices externos anuais elevados (que conduziram ao fortíssimo endividamento externo com que hoje somos confrontados) continuam a ser sentidas. Simplesmente, enquanto que antes os efeitos eram sentidos rapidamente quer nas variáveis financeiras (taxas de juro e moeda), quer reais (actividade, emprego, salários), agora eles são sentidos totalmente, e mais lentamente, do lado real. É por isso que, vagarosamente, o nosso crescimento económico tem vindo a definhar, o desemprego a aumentar e o nível de vida a regredir.

Não há volta a dar: um forte endividamento externo acaba sempre por ter que ser pago, deixando menos recursos disponíveis para consumir e/ou investir. A desgraça económica que tem sido a última década de Portugal aí está para o confirmar… Que mais é preciso para que a este tema seja considerado com a atenção – e a prioridade – que ele realmente merece?...

Princípios de boa ética

Se "os cargos públicos são efémeros"..."o carácter dos homens é duradouro...", pelo que "não são os cargos que definem a nossa personalidade , mas aquilo que somos em tudo aquilo que fazemos...".
"Nunca faltei à palavra dada e aos compromissos que assumi, em público ou em privado".
Cavaco Silva, Presidente da República, na tomada de posse do novo Governo.

Palavras oportunas e certeiras.

Política económica: Alemanha e Portugal com opções antagónicas, quem está certo?

1. Foi notícia de grande destaque ontem em diversos jornais (F. Times por exemplo), a decisão anunciada pelo novo Governo alemão de baixar significativamente os impostos sobre o rendimento, tanto das Famílias como das Empresas, a partir já de 2010.
2. Esse alívio fiscal, que tinha sido assumido em parte pela CDU/CSU vencedora das eleições, viria a ser melhorado no acordo de governo com os Liberais, parceiro da coligação governamental, que pretendiam uma redução fiscal ainda maior – a redução atingirá € 24 mil milhões/ano a contar de 2011, sendo que em 2010 o impacto da redução será parcial talvez não mais do que € 15 mil milhões.
3. Os € 24 mil milhões representam cerca de 1% do PIB alemão de 2009 e constituem segundo os analistas um ambicioso programa de estímulo à economia em tempos de crise, sobretudo às empresas que se situam nos sectores concorrenciais – a Alemanha vive muito da exportação de bens de equipamento que certamente vão aproveitar este estímulo para reforçar a sua capacidade competitiva.
4. Este ambicioso plano de desagravamento fiscal é assumido quando o défice do orçamento federal estimado para 2010 deverá atingir um valor elevado, de € 86 mil milhões ou seja mais de 3,5% do PIB.
5. A Alemanha não esteve com hesitações: a economia precisa de ser estimulada e para isso nada melhor do que reduzir impostos...estimulando o crescimento na sua perspectiva.
6. Por cá, temos o “dejà vu”...na edição de hoje do F.Times lá vem em honroso destaque a “infalível” receita:” Sócrates makes pledge on public investment” - mais obras públicas, mais despesa do Estado são a receita para “combater” a crise...
7. E, para que o Mundo tenha bem a noção de quanto é ambicioso este plano “anti- crise”, o F. Times esclarece que no seu discurso inaugural o PM deixou bem claro não estar disposto a ceder nos seus planos para investir mais de € 60 mil milhões (37,5% do PIB de 2009) durante os próximos 10 anos (temos Governo para 10 anos...) num novo aeroporto de Lisboa, ligações ferroviárias de alta velocidade, auto-estradas, hospitais, renovação de escolas...
8. Quanto a redução de impostos...nada a não ser a implícita promessa (entendi eu) de que, se necessário for, os impostos serão agravados para assegurar os meios financeiros que viabilizem este programa...
9. Quanto ao problema do excesso de endividamento, de que falou o PR (fora de moda, claro está...), também nada a não ser a implícita promessa (entendi eu) de que será "esticado" até onde for preciso para viabilizar o mesmo programa...
10. Que diferença abissal entre políticas económicas! Quem estará certo? A resposta é quase óbvia – a Alemanha está errada, profundamente errada! Os economistas do regime em Portugal não tardarão a demonstrar que assim é.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A vacina

A Linha Saúde 24 é uma entidade criada pelo Ministério da Saúde para informar o cidadão sobre saúde pública e cuidados de saúde. Neste momento, em termos de saúde pública, o problema candente é o da Gripe A e, aconselhando o Ministério da Saúde a vacina, a Linha de Saúde 24 é o instrumento do Ministério para a informação aos cidadãos. Aliás, a página de entrada do Portal da Linha de Saúde 24 na Internet chama logo a atenção para as informações sobre a pandemia.

Acontece que a maioria dos enfermeiros que trabalha na Linha de Saúde 24, em Lisboa, arrogando-se de competência que não têm para julgar da qualidade de um medicamento, consideram que a vacina não foi suficientemente testada e recusam-se a ser vacinados. Os mesmos funcionários que têm a tarefa profissional de informação correcta e oficial ao cidadão ou ao doente, num caso tão melindroso como o da saúde pública.

Se querem ou não tomar a vacina, é com eles; a moléstia não se pega por via telefónica ou informática. Mas fazerem saber publicamente que pessoalmente se opõem à medida, quando a sua função profissional é aconselhá-la nos termos das orientações em vigor, é matéria disciplinar grave.
Que confiança merecem os funcionários da linha 24, se vão aconselhar aos outros o que recusam a si? E que confiança passa a merecer a Linha de Saúde 24?
Uns ou outra estão a mais. Salve-se a Linha que, ao menos, é útil. E permitirá que funcionários de outras linhas possam desde já ficar “vacinados” contra vírus portadores de idiotices cretinas do mesmo género.

domingo, 25 de outubro de 2009

Mais uma vez o depenar da águia...


Com o pé ou com a mão, a águia lá deixa as penas no dragão!...

É noite tão cedo!

Que pena a mudança da hora de Inverno. As noites vão cair mais cedo e a madrugada vai passar a ser mais noite.
Que pena que tenha que ser assim, quando o sol e a luz são por estas paragens abundantes e nos fazem tão bem...
São 18h e já é noite cerrada!

sábado, 24 de outubro de 2009

O novo Governo e a sua "circunstância"

A qualidade de um Governo afere-se pelos resultados e estes dependerão certamente de muitos factores, nomeadamente da liderança do 1º Ministro e dos Ministros, da sua capacidade política e técnica, da mescla do valor acrescentado que as experiências profissionais dos seus membros poderão trazer ao todo.
Não pondo em causa neste post nem a liderança, nem a capacidade, nem a competência de cada um dos ministros de per si considerados, parece-me, no entanto, que se trata de um governo fraco, sem o golpe de asa e a audácia necessárias e exigíveis para fazer as reformas necessárias ao país.
Precisamente porque a grande maioria dos ministros tem a sua única ou mais relevante experiência profissional ou na política, ou no funcionalismo público ou nas Universidades, também com óbvia relação com a função pública.
Abundam os que tiveram na política a sua única ou predominante profissão (Sócrates, Silva Pereira, Jorge Lacão, Alberto Martins, Vieira da Silva) ou os que têm geralmente vivido no ambiente bacteriologicamente puro das Universidades (António Mendonça, Mariano Gago), ou os que combinaram esse ambiente com o da política profissional (Santos Silva, Teixeira dos Santos) ou com o do ambiente liofilizado da função pública (António Serrano, Rui Pereira), ou os que exclusivamente têm esta última experiência profissional (Dulce Pássaro) ou os que se dedicaram a outras burocracias, como a sindical ( Helena André).
Resta uma licenciada em Música( Helena Canavilhas), uma professora e escritora (Isabel Alçada), a médica Ana Jorge, ligada aos hospitais públicos e com passagem pela burocrática e administrativa Direcção Regional de Saúde de Lisboa) e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, bom Ministro, mas cujo curriculum profissional desconheço.
Não há no governo gente das profissões liberais ou dos quadros empresariais, habituados a definir objectivos, a lutar por eles, a ser proactivos, com poder de decisão, e até habituados a decidir discricionariamente, independentemente de pareceres e de consultores, tomando absoluta responsabilidade pelos seus actos, no quadro dos poderes que lhes são delegados.
Estas experiências trariam certamente o valor acrescentado de gente mais habituada a definir as rupturas necessárias e menos sensível à continuidade das burocracias estabelecidas.
Nada de desprimoroso se veja neste escrito: de facto, quer se queira ou não, o homem não deixa de ser também a sua circunstância. E o Governo necessariamente padecerá das circunstâncias dos seus Ministros. Oxalá possam alguns dos escolhidos ultrapassar essas suas circunstâncias.

Momentos


Pias - Serpa, o amanhecer de um magnífico dia passado entre amigos

Pelo consumo privado...não vamos lá!

1. Diversas análises de conjuntura recentemente divulgadas – INE, BdeP – dão conta de que se assiste nesta altura a uma recuperação da actividade económica movida pelo consumo privado. E isso é interpretado pelos comentadores, de uma forma geral, como um “indicador positivo”.
2. Não podemos deixar de nos interrogar sobre o significado desta realidade, nomeadamente quando se têm conta os problemas fundamentais da economia portuguesa de que quase diariamente se fala: (i) competitividade (insuficiente), (ii) produtividade (baixa), (iii) desequilíbrio persistente das contas com o exterior, evidenciando um desajustamento crónico entre a procura e a oferta de bens e de serviços, (iv) endividamento ao exterior muito elevado e em forte agravamento, (iv) desemprego a aumentar para níveis record…
3. O aumento do consumo privado – provavelmente resultante do elevado ganho real dos salários na função pública e nos sectores protegidos da economia duma forma geral, bem como do efeito-riqueza dos ganhos da Bolsa nos últimos 6 meses – constitui, à luz da necessidade de resolução daqueles problemas estruturais, uma pura ilusão na minha perspectiva.
4. Pura ilusão porque nos pode levar a crer que “as coisas estão a melhorar” quando, na realidade, se trata de uma “melhoria” efémera e de uma “melhoria” que só contribui para agravar aqueles problemas – nem a competitividade nem a produtividade nem o endividamento, nem mesmo o desemprego vão melhorar com esta recuperação do consumo privado.
5. Na fase em que nos encontramos, só o investimento produtivo, em actividades concorrenciais, gerando capacidade exportadora adicional de bens e de serviços (turismo de qualidade, por exemplo) pode ajudar a resolver aqueles problemas – mas não é isso que está a acontecer…
6. Nesta fase, que pode ainda ser demorada, em que o investimento produtivo está retraído ou “encolhido” – se alguma coisa acontece é desinvestimento, através da cessação da actividade de inúmeras empresas do sector concorrencial, por falta de mercado ou por incapacidade de acompanhar a concorrência.
7. Por outro lado, esta recuperação do consumo privado assenta numa carga fiscal excessiva, que suporta os aumentos reais na função pública e em boa parte dos sectores protegidos (via subsidiação orçamental, directa ou indirecta), a qual é certamente inimiga da competitividade.
8. E ainda contribui para eternizar o problema do endividamento ao exterior – num ano em que a economia contrai cerca de 3% ou mais, a balança corrente com o exterior vai apresentar um défice de quase 10% do PIB (FMI, último World Economic Outlook) – nunca em Portugal se viu uma coisa assim…
9. A conclusão parece-me manifesta: não é pelo consumo privado que vamos lá…mas o contraditório está aberto obviamente!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Enfermeiros da “Linha Saúde 24” dizem não à vacina contra a gripe A

Tem sido dado realce ao comportamento de oposição à vacinação contra a gripe suína, H1N1 ou A, como a queiram designar, por parte da maioria dos enfermeiros que prestam serviço na “Linha Saúde 24”. Então, os técnicos responsáveis pelas informações sobre o que fazer em caso de suspeita de gripe não querem vacinar-se? É verdade. Não querem. E porquê? Porque não têm confiança na ausência total de efeitos secundários, devido à rapidez com que foi produzida a vacina e, também, face à “benignidade” da gripe. Em contrapartida, as autoridades de saúde saíram a terreiro afirmando que não há motivos de preocupação, e o próprio diretor-geral de saúde afirmou que irá vacinar-se. E faz muito bem, digo eu. Foram pedidas opiniões aos presidentes das ordens dos médicos e dos enfermeiros que, sem se comprometerem totalmente, lá vão dizendo que sim senhor, devem vacinar-se, mas que os profissionais têm todo o direito a recusar, blá, blá, blá.
Mas estavam à espera de quê? Que aceitassem sem reservas os conselhos e orientações das autoridades? Sem as questionar? Sem por em causa a veracidade das suas afirmações? Claro que têm todo o direito em questionar sobre a segurança da vacina. Não propriamente porque possam ocorrer efeitos secundários graves, já que as condições atuais na sua produção obedecem a regras muito criteriosas, e já experimentadas com as vacinas contra a gripe sazonal, pelo que os riscos de algumas complicações, como as que ocorreram há cerca de 30 anos, não são previsíveis no nosso tempo. O que há, na minha opinião, é desconfiança face ao comportamento das autoridades de saúde, as quais foram longe de mais com o dramatismo e empolamento dado à situação. O exagero, as mensagens de choque, as imagens dramáticas criadas sobre a pandemia, o contínuo traumatismo mental, diário, excessivo, sobre os cenários de morte e de desagregação social, são responsáveis pela falta de confiança e de reação negativa face à vacinação. Como acreditar agora naqueles que se comportaram ao velho estilo de Artur Albarran? Quando é para anunciar a desgraça vale tudo, apesar de ficarmos muito longe do previsto, e agora querem que acreditemos na segurança e boa vontade da vacinação? Quem é que os mandou exagerar? Sinto, porque já fui contactado por muitas pessoas que me perguntaram se devem ou não vacinar-se, desconfiança e receio. Não sou fundamentalista e, por este motivo, vou adotar um comportamento que me parece ser razoável, ou seja, uma atitude similar aos casos de risco elevado que exigem a vacina sazonal. Acrescento as grávidas, a partir do segundo trimestre de gravidez, porque, de facto, correm riscos de virem a sofrer complicações preocupantes.
Para ganhar a confiança dos cidadãos, e dos profissionais de saúde, é imperioso que a informação seja feita de forma adequada, evitando acenar com cenários apocalípticos. Já aconteceu com a gripe aviária, com a pneumonia atípica e agora com a gripe suína.
E presumo que não iremos ficar por aqui...

Novo governo - II - impressões sobre as novas aquisições

As novas aquisições para a equipa governamental não provocam especial comoção. Das personalidades desconhecidas ou menos conhecidas espera-se que venham a ficar na história por bons motivos, embora algumas pastas se tenham transformado em berloques que o politicamente correcto não consente que desapareçam da orgânica governamental. Mesmo sem conhecimento dos méritos das personalidades, atrevo-me a tecer estes comentários sobre algumas escolhas.
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Ministra da Educação - Isabel Alçada. Um bom nome. A "solução Ana Jorge" encontrada para a educação onde o PM e o PS anseia por pacificação. Poderá, no entanto, ser vítima das expectativas altas com que entra para o governo. Ainda por cima não conta com a frecura do efeito novidade que poderia ter a sua nomeação, face ao pré-anúncio a que as eleições obrigaram. Acabou por ser, aliás, das mais previsíveis designações.
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Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações - António Serrano. Uma escolha preocupante. As referências que dele se tem, colhidas numa ou noutra intervenção pública, apontam para um fervoroso adepto do "quanto mais obras melhor", entendimento que não encontra limite na situação actual do País, em especial face aos níveis de endividamento e à nova derrapagem das contas públicas. Dizem-me que será incapaz de rever as apostas feitas no sector pelo último governo. E se assim for, acentua-se a incógnita sobre como irá lidar o Ministro das Finanças com as suas pulsões despesistas.
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Ministro da Justiça - Alberto Martins. É a prova pessoalizada da completa insensibilidade do PM para a importância da justiça. Ao "Deus-dará", sujeito ao experimentalismo de legisladores sem o mínimo conhecimento dos meandros do sistema e a mais ligeira consciência do que move e de como se movem os chamados "actores judiciários", a administração da justiça é entregue a quem parece não ter o pulso capaz de fazer vibrar a mesa. Mas pode ser que nos surpreenda...
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Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território - Dulce Pássaro. Não estando em causa a competência técnica da nova ministra em algumas áreas ambientais, da qual, aliás, sou testemunha, a sua nomeação torna evidente a absoluta perda de relevância do ministério. É um dos tais que só não é degradado em secretaria de estado, porque pareceria mal. Ninguém melhor que Sócrates sabe quanto é embaraçante para um PM e para um governo, um ministro do ambiente forte. Ou dito de outra forma, de como é cómodo ter no governo um ministro do ambiente obediente e grato pela distinção...

Novo governo - I - impressões sobre conhecidos

Alinho com aqueles que dizem que decisivo para uma boa governação não são os ministros mas as políticas que protagonizam. Ressalvo que não é irrelevante a capacidade que cada personalidade feita ou mantida ministro ou ministra, à partida revela para protagonizar boas políticas. Os "velhos" ministros deste governo semi-novo ontem anunciado, porque se lhes conhece da experiência governativa anterior e dos seus resultados, essa capacidade, torna mais fácil subjectivar uma apreciação.
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Ministro da Presidência - Pedro da Silva Pereira. Designação sem qualquer surpresa. Protocolo à parte, é o nº 2 de facto do governo não sendo ministro de Estado. Há muito que é o fiel compagnon de route do Primeiro-Ministro e se tornou indispensável no núcleo político da governação. Tem, a meu ver, o perfil certo para promover a coordenação inter-ministerial. Discreto, meticuloso e eficaz, é injusto dizer-se dele que deve a sua carreira exclusivamente a Sócrates. Quem o conhece, reconhece facilmente os seus méritos e não estranha que continue a ser necessário.
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Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros - Luís Amado. Sem qualquer surpresa a sua confirmação na pasta que já desempenhava. Houve quem vaticinasse que era a personalidade adequada para repetir a (bem sucedida) experiência de Jaime Gama de acumulação com a Defesa. Naturalmente que não se sabe se isso passou pela cabeça de Sócrates. A ter passado, a arrumação de Santos Silva na Defesa afastou a hipótese que, a concretizar-se, seria objectivamente um ganho.
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Ministro do Estado e das Finanças - Teixeira dos Santos. A previsível aposta num valor que se revelou seguro. Incógnita: como vai o ministro, que poucos duvidam da competência, lidar com a situação de endividamento e recuperar do agravamento do déficite, convivendo com ministros - como o novo das obras públicas - doutrinados no reforço do sector público e no despesismo estadual.

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Ministro dos Assuntos Parlamentares - Jorge Lacão. Surpresa completa. Via no cargo alguns parlamentares socialistas com reconhecido prestígio, autoridade e ascendente político para as difícieis relações com os líderes parlamentares, relações essenciais para a sobrevivência de um governo minoritário. Nunca imaginei no cargo um "peso leve". Talvez a denunciar que ao contrário da prognose que fazem muitos dos nossos sábios analistas, o governo vai actuar mais por via do regulamento e do despacho, do que pela via da lei.
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Ministro da Defesa Nacional - Augusto Santos Silva. Brincando com coisa séria, dir-se-á que a sua designação premeia o mais belicista dos anteriores ministros, o ministro encarregado do "malhanço". Para a pasta que mais sentido de Estado se exige, foi nomeado aquele que, sendo ministro dos assuntos parlamentares, disse um dia, vestido de dirigente partidário, que a eleição do actual Presidente da República prenunciava um golpe de estado constitucional. Brincadeiras à parte, uma designação incrível...
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Ministro da Administração Interna - Rui Pereira. A renovação do mandato do MAI é um erro político de todo inesperado. É notória a sua falta de jeito para os problemas de segurança. Apostava que a insensibilidade do PM em relação aos assuntos da justiça o faria migrar para essa pasta. Enganei-me nesse cálculo. Mas não me enganei na insensibilidade do PM...

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Ministro da Economia, Inovação e Desenvolvimento - José Vieira da Silva. Outro dos valores seguros que se tornou indispensável ao PM. O planeamento, isto é, a gestão do último quadro de apoios comunitários, faz dele não só um super-ministro, mas uma peça fundamental da estratégia política do governo. A história recente diz-nos que os ministros mais relevantes são os que têm condições para satisfazerem ou deixarem sossegados múltiplos e poderosos interesses. Vieira da Silva ficou com o grosso dos meios, logo tem nas mãos essas condições.
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Ministro da Ciência e Tecnologia - Mariano Gago. Diziam dele que estava cansado dos muitos anos que leva de governo, sempre com as mesmas responsabilidades, tendo pedido para sair. Sócrates compreendeu e fez melhor: manteve-o na pasta. Para descansar...
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Ministra da Saúde - Ana Jorge. A "solução Isabel Alçada" na saúde, que provou ter resultado. Ninguém a via fora deste governo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Parece sempre diferente...


Mandaram-me pela net uma imagem do globo terrestre visto a partir da Austrália e é incrível como aquela disposição dos diferentes países nos parece estranha, como se o mundo de repente estivesse todo baralhado. O que daqui parece pequeno ali é enorme, o que visto de cá parece vizinho e ameaçador ali parece perdido nas longuras dos antípodas.Também tive a mesma sensação quando vi a colecção de mapas do tempo dos descobrimentos que estão na exposição “Encompassing the Globe” especialmente um mapa que tem a China no centro e todas as legendas escritas em chinês, numa extraordinária e minuciosa descrição do mundo até então conhecido. Sem entendermos as legendas é muito difícil de decifrar e, no entanto, a realidade física é a mesma.
Quando viajamos para longe também temos essa percepção de como o nosso espaço de todos os dias parece minúsculo e ao fim de poucos dias o que nos parecia problemas enormes e escândalos capazes de abalar o universo soam ridículos ou são pura e simplesmente esquecidos. Bem sei que não podemos relativizar tudo ao ponto de não dar importância a coisa nenhuma mas o facto é que ver as coisas de longe, noutro ambiente e noutro ângulo, ajuda muito a ter uma noção mais clara do que é importante e do que não vale mesmo a pena. Nem é preciso viajar para longe, basta conviver em ambientes diferentes e com pessoas com vivências que não cruzaram os nossos caminhos. As pessoas que se fecham em círculos muito pequenos ou que se isolam nas suas rotinas acabam por se consumir em pequenos nadas que se agigantam, irritam-se com detalhes, desistem do que lhes daria prazer ou infernizam a vida dos outros que não sabem ou não querem entender a microscópica importância do que lhes absorve a atenção e as energias.
Uma vez conheci um egípcio que se gabava da história milenária do seu País e contei-lhe um pouco dos Descobrimentos, ficou abismado porque não imaginava que deste canto desconhecido se tivesse aberto tantas portas ao mundo, para ele nenhum povo tinha tido tanta importância como o egípcio. Perguntou-me se havia judeus e não quis acreditar quando lhe disse que por cá ninguém se preocupava com isso, não dividíamos as pessoas por religiões. Surpreendi-me a pensar que estávamos ali a conversar como se o mundo de cada um não existisse para o outro e que tudo era uma descoberta e um espanto.
Mesmo que não seja possível viajar para longe, ou conhecer pessoas de outras latitudes, talvez olhar o mapa do mundo a partir de diferentes pontos do globo seja um bom exercício para ver que os recortes da realidade mudam consoante a perspectiva com que os olhamos. E isso pode ajudar a resolver muita coisa.

Lição de vida

Vai fazer cerca de um ano que escrevi um pequeno texto intitulado “Lição de vida” em que relatei a história de uma criança deficiente e os cuidados da sua mãe ao longo de catorze anos, com muito carinho e amor. Tudo me tocou na vida daquela menina, que à distância, e ao longo tempo, ia acompanhando, mas o que não esperava foi a afirmação segundo a qual tinha sido “uma criança feliz. Verdadeiramente feliz. - Eu sei que foi!” Deu-me uma lição. Hoje, no seguimento de uma campanha de saúde, cruzei-me com a mãe. Cumprimentou-me. No final, disse-me: - Eu li o que escreveu. O senhor doutor não me disse nada, mas li. E duas pungentes lágrimas correram-lhe pela cara. - Obrigada. Não esqueço o que escreveu. Não disse nada, porque não sabia o que dizer. Mas também não era preciso...

Momento de poesia-Guerra Junqueiro

A propósito das opiniões de Saramago sobre a Bíblia, um comentador evocou Guerra Junqueiro e o seu livro A Velhice do Padre Eterno para ilustrar o que diz ser o maior libelo contra a Igreja Católica feito por um dos nossos mais insignes poetas. Na sequência, o Ferreira de Almeida publicou um poema de Antero de Quental, pensando que o nosso comentador se tinha referido a este poeta.
Mas fica bem no 4R também um poema de Guerra Junqueiro e que até ilustra uma faceta muito diferente da de Saramago. É que Guerra Junqueiro dispara contra a Igreja, mas não contra Deus. Guerra Junqueiro é anticlerical, mas não ateu. E manifesta em muitas poesias uma grande sensibilidade religiosa. Aqui vai um extraordinário poema retirado de Os Simples

Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.

Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além , por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!...

E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.

Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.

O meu coração puro, imaculado e santo
Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
Para toda a nudez um pano do seu manto,
Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
E para todo o crime o seu perdão de Pai!...
………………………………………………
A minha mãe faltou-me era eu pequenino,
Mas da sua piedade o fulgor diamantino
Ficou sempre abençoando a minha vida inteira
Como junto dum leão um sorriso divino,
Como sobre uma forca um ramo de oliveira!

Relação entre o desemprego e os índices bolsistas - como avaliar?

1. As notícias financeiras dão hoje conta de que “dados do desemprego ensombram Wall Street”, a propósito da divulgação de dados oficiais que mostram um aumento superior ao esperado, na última semana, dos pedidos de subsídio de desemprego nos USA (531.000). Receia-se que o número de desempregados ultrapasse 10% da população activa no início de 2010.
2. Esta notícia é curiosa pois parece estar em contra-mão relativamente ao que tem sido o desempenho dos mercados bolsistas ao longo dos últimos 6 meses quando comparado com a evolução dos números do desemprego.
3. Uma análise atenta da evolução dos mercados bolsistas das economias desenvolvidas, que registaram nos últimos 6 meses ganhos extremamente rápidos, mostra-nos que numa fase inicial (Abril a Junho) a recuperação das cotações se deveu à percepção pelos investidores e analistas de que a quebra da actividade económica teria atingido o seu "nadir" pelo que uma fase de recuperação estaria a chegar – estávamos então numa altura em que os resultados das empresas ainda não evidenciavam melhorias mas adivinhava-se que estas não tardariam...
4. Passou-se depois a uma fase, a partir de Julho, em que os resultados começaram a melhorar e a bater nalguns casos as expectativas, com isso contribuindo para reforçar os ganhos dos índices bolsistas que se prolongaram até início desta semana.
5. No entanto e como alguns relatórios de análise técnica têm posto em evidência, as melhorias dos resultados das empresas, que têm vindo a verificar-se de forma mais visível no 3º Trimestre do corrente ano, devem-se não ao aumento de actividade – de um modo geral os dados de actividade estão ainda em queda – mas sim às drásticas reduções de custos implementadas que permitiram melhorias substanciais dos indicadores de exploração e dos resultados líquidos.
6. As reduções de custos são por sua vez resultado, "prima-facie", das poupanças realizadas ao nível da massa salarial - por redução dos efectivos em 1º lugar mas também por redução de níveis remuneratórios...
7. Pode assim afirmar-se, com segurança, que tem existido até agora uma correlação positiva entre o aumento do desemprego e a euforia bolsista que se tem verificado em boa parte deste ano...o que parecendo paradoxal numa primeira análise acaba por se perceber quando se atenta melhor na mecânica dos “drivers” das cotações...
8. Mas também é verdade que este aparente paradoxo pode deixar de o ser se, por hipótese que nos apetece rejeitar liminarmente, o desemprego continuasse a agravar-se sem saída visível...aí os chamados fundamentais da economia acabariam por sobrepor-se aos resultados das empresas e mesmos estes acabariam por inverter a marcha de recuperação...
9. Dai que estas notícias da reacção de Wall Street aos números do desemprego nos deixem nesta dúvida: estarão os mercados menos confiantes na melhoria dos resultados das empresas e no contributo que o aumento do desemprego tem dado para essa melhoria? Pensarão que o aumento do desemprego prenuncia agora um recuo da tímida retoma da actividade a que temos assistido?
10. Ou será que na próxima semana voltaremos ao "business as usual" e os resultados vão impor novas subidas das cotações?
11. Será que Nouriel Roubini vai ter razão mais uma vez?Tema do maior interesse para seguir nos próximos dias e semanas.

Lembrando Antero

Alguém, em comentário a um post sobre a polémica a propósito do mais recente livro de Saramago, se lembrou de Antero de Quental. Apeteceu-me recordar dele um poema de que tinha uma memória já difusa. Encontrei-o. Com gosto aqui o partilho.


O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Sigo com um certo interesse as notícias do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos quando condena o Estado Português. A comunicação social também só faz referência aos casos em que somos condenados, desconhecendo as outras decisões que confirmam os acórdãos dos tribunais. Confesso que fico surpreendido com as condenações que, ao serem proferidas pela mais elevada instância europeia, revelam, penso eu, “má prática” da justiça nacional. Como é possível que aconteçam casos como o que acabei de ler hoje e que diz respeito a um acontecimento ocorrido num concelho vizinho e julgado na comarca da minha terra natal? Por acaso acompanhei o incidente na altura, em que um cidadão, durante o Carnaval, andou a gozar com o presidente da Câmara Municipal de Mortágua, ao parodiar e jogar o seu nome com “empreendimentos menos corretos”, usando, inclusive a sua figura e o anagrama do nome, tudo isto à mistura com um saco azul enfiado num pau e música sugestiva lançada pelo altifalante da viatura em que se fazia transportar. Nessa campanha carnavalesca, o autor fazia referências ao modo como se arranjavam empregos, nada abonatórias para o senhor presidente. Apesar de o juiz de instrução ter entendido que não havia crime - o mesmo não aconteceu com o Tribunal de Relação -, o parodiante acabou por ser condenado. Não se conformou e queixou-se ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que lhe deu razão. Agora, o Estado foi condenado a pagar a multa de então, 4.000 euros, mais 4.400 euros por danos morais e 1.500 euros de custas, ou seja cerca de 10.000 euros. Nesta quantia há uma pequeníssima fração minha, mas adiante.
O autor da campanha considerou que a sua condenação violava “a liberdade de expressão”. A perspetiva do Tribunal Europeu confirmou-a, considerando não ter havido difamação.
É muito comum coisas desta natureza, sobretudo durante as campanhas eleitorais em que muitas pessoas denunciam alto e em bom som, ou passam mesmo a escrito, críticas sobre os comportamentos dos autarcas, quanto à forma como arranjam empregos para algumas pessoas, sendo rotulados de agentes ou comissários de empregos, em troca dos quais exigem o voto. Em termos práticos como é que poderemos analisar este fenómeno? Podemos aceitar que as críticas são mesmo reais, ou seja, há mesmo um tráfico de influências do género: “tu e a tua família votam em mim e eu arranjo-te emprego”, desrespeitando as regras de competência e de concurso em igualdade de circunstâncias. Mas podem, também, não ter razão, e as contratações serem transparentes e corretas.
Quanto aos denunciantes, alguns são mesmo corajosos. Podem e devem utilizar os meios que acharem mais adequados, desde a denúncia formal ou a sátira, como foi este caso. Se são justas ou injustas isso são contas de outro rosário, se têm interesses ou não, se se sentem preteridos, ou se sofrem de inveja, isso só eles é que sabem. Quanto aos políticos, e personalidades públicas, alvos destas apreciações, têm que as encaixar, embora, muitas vezes, sejam bastante incomodativas. Eu compreendo-os. Muitos são homens de bem e lá diz o ditado que “quem não se sente não é filho de boa gente”. Mas há outras formas de sentir. Através da atitude, da transparência e de decisões acertadas, acabarão por dar as devidas respostas à população, a qual, acabará, caso os atingidos tenham razão, por sancionar social e civicamente os promotores das perfídias e infâmias, moeda corrente no nosso povo. E, em termos sociais, este tipo de censuras perduram muito mais tempo do que qualquer multa ou condenação proferida pelo tribunal. Mas também é certo que existe uma apetência inusitada na corrida à justiça para intimidar os cidadãos. No fundo, traduz uma forma de controlo social que, cada vez mais, grassa entre nós. Sendo assim, independentemente da razão, ou ausência dela, por parte do queixoso em causa, aplaudo a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o qual vem reforçar e legitimar as críticas e iniciativas dos cidadãos imunizando-nos contra o crescente medo da sociedade portuguesa, para a qual, incompreensivelmente, os tribunais portugueses estão a colaborar.

Jogar com os pés

A candidatura ibérica ao Mundial de Futebol é mais um exemplo de que o Presidente da Federação Espanhola joga com a cabeça e Gilberto Madaíl com os pés.
Ficamos com 30% dos jogos e arcamos com 40% dos custos.

Finalmente, uma boa notícia!

Segundo se lê aqui "afinal a terra não tremeu no Algarve" ao contrário do noticiado meia hora antes anunciando um abalo de 4,2 na escala de Richter com epicentro a escassos 110 km de Faro (que todavia, já se dizia então, não tinha sido sentido por quem quer que fosse!).
Parece que esta espera pelo anúncio da composição do novo governo anda a abalar algumas redacções. Mais um dia de ansiedade e ainda escrevem que o País está à beira do abismo...

De pequenino se torce o pepino...

Tenho tido ecos através de familiares franceses, que a qualidade da educação em França se tem vindo a deteriorar. Os liceus franceses têm vindo a registar aumentos nas taxas de absentismo e de insucesso escolar.
Recentemente o governo francês, tendo por objectivo combater o absentismo, decidiu criar um prémio financeiro para recompensar os alunos que se esforçarem por não faltar às aulas. Trata-se de um prémio que será tanto mais elevado quanto maior for a assiduidade registada face aos objectivos fixados no início do ano. Não se trata de um prémio individual, mas de um benefício atribuído por turma, de valor incremental em função da observação mensal da resposta dos alunos aos obejctivos fixados. Segundo li, com a atribuição do prémio por turma, incentiva-se a responsabilização individual e a solidariedade de grupo tendo em vista um resultado colectivo.
Esta medida gerou grande polémica política e na opinião pública, o que, a bem dizer, não surpreende. Com efeito, é difícil encarar uma tal medida de ânimo leve e encontrar razões normais para aceitar o princípio do benefício do infractor.
Primeiro, a escola é um local que existe para ensinar e formar e transmitir aos alunos princípios e valores essenciais, tais como a disciplina, a obediência e o trabalho, cujo nível de aprendizagem tem impacto na formação de hábitos e costumes que influenciarão as suas vidas em sociedade.
Segundo, a escola não deve premiar o infractor, sob pena de caucionar comportamentos sancionáveis e de os incentivar. Uma tal prática convida os alunos (e os pais) a não cumprirem com obrigações elementares, para no momento seguinte os recompensar por se comportarem bem.
Trata-se de um mecanismo perverso, porque para além de premiar o incumpridor desmotiva e desvaloriza o cumpridor.
Será que este tipo de medidas é já um último recurso, porque não há outras formas de levar os alunos à escola?
Os defensores da medida justificam-na colocando-a no mesmo plano das bolsas de estudo atribuídas aos alunos com necessidades financeiras ou invocando que o prémio colectivo ao contrário do prémio individual promove o espírito de solidariedade e contraria o individualismo.
Assim vai a inovação educativa em França. Uma medida que me parece de difícil socialização, pelas razões atrás referidas e pelos elevados custos financeiros que acarretaria. Esperemos que por cá ninguém se lembre de adoptar uma tal "proeza"...

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Um "case study" de como afugentar investidores…

O restaurante era um bom restaurante. Localizado numa zona central e privilegiada de Lisboa. Cozinha predominantemente italiana – a nacionalidade do (jovem) dono (na casa dos 30). Com uma óptima relação qualidade/preço. E um serviço bastante eficiente. E que, por isso, estava frequentemente lotado. Quer ao almoço, quer ao jantar. Tinha aberto em meados de 2004. E encerrou portas na última semana de Setembro.

Por esta descrição, o leitor não ficará surpreendido se lhe disser que era cliente habitual deste restaurante. Uma frequência semanal, pelo menos, em média… O que me levou a conhecer quer os empregados, quer o proprietário. E foi assim que, no início de Setembro, conversa puxa con-versa, o tema versou (naturalmente, digo eu) sobre as eleições que estavam à porta. E foi então que L. me atirou: “Ó Dr. veja lá se contribui para mudar isto!... Agora, para mim, já pouco inte-ressa, mas como as coisas funcionam neste país, nada pode avançar. Ao mesmo nível de Portu-gal, só mesmo o meu país, a Itália!...”. E para ele as coisas já pouco interessavam porque tinha resolvido ir-se embora, encerrar o restaurante em Portugal e abrir, com outro sócio, um estabe-lecimento no Reino Unido. Fui completamente apanhado de surpresa. E, claro, quis saber por-quê. “Ó Dr., abri o L. (o estabelecimento tinha o seu nome) em 2004 e, desde então [isto é, qua-se 5 anos depois!...], acredita que ainda não consegui obter o licenciamento do restaurante?!...”.

E relatou-me, então, as intermináveis diligências junto dos serviços e dos responsáveis da Câma-ra de Lisboa (CML), os incontáveis periódicos pedidos de licenciamento, as promessas feitas e nunca cumpridas, todo um rol de situações capazes de fazer perder a paciência a um santo... Claro que qualquer pedido entregue na CML funcionava como comprovativo perante a fiscaliza-ção – mas na verdade não substitui a autorização que nunca lhe chegou… O que o poderia dei-xar à mercê de qualquer fiscalização, digamos, excessivamente zelosa.

Como diz o povo, “não mata mas mói”. Cansa. Desespera. E por isso, mesmo depois de (muitos) contactos ao nível dos responsáveis da vereação da CML – incluindo o Presidente – e mesmo perante (novas) promessas de resolução rápida do problema, logo que a oportunidade surgiu, L. decidiu-se por abandonar o nosso país. Em parceria com outro investidor, está já em Londres a tratar da abertura de um restaurante. Onde, estou certo, não se deparará com as dificuldades que encontrou em Lisboa.

É dramático que assim seja. Porque estou certo que este caso não será único – muito pelo con-trário. Definitivamente, constituímos um case study de como afugentar investidores…

Diga lá, caro leitor: se quisesse iniciar um projecto de investimento, instalar-se-ia em Portu-gal?!...

Nota: Este texto constitui uma versão editada do artigo pubicado no Sábado, Outubro 17, 2009, no semaná-rio Sol.

Poluição e Diabetes

Pediram-me para fazer uma conferência sobre a diabetes. Mais uma. Deram-me, novamente, liberdade para escolher o tema. Pois é! Quanto maior é a liberdade maior é a responsabilidade. Para não cair em lugares comuns, costumo enveredar por temas polémicos e especulativos. É excitante construir perguntas para podermos responder, nós ou os nossos descendentes. E foi o que fiz, uma abordagem entre “Poluição, infeção e diabetes”, tentando descortinar nos reversos das medalhas as belezas “escondidas”. Elas estão lá!
É preciso recordar que a diabetes não é apenas uma doença do metabolismo, é antes de mais o filme da nossa vida, do nosso passado, do nosso presente e que promete revelações impensáveis no futuro.
O texto é longo. Por esse motivo vou “enfiá-lo” no “O Quarto da República”.
Passo a transcrever apenas os primeiros parágrafos:

O conceito segundo o qual a maior facilidade em conservar a energia está na base da obesidade e, consequentemente, da diabetes está devidamente estabelecido a nível científico, começando agora, inclusive, a ser compreendido pela população ou pelo menos por parte dela, nomeadamente a mais culta.
Ultrapassar as inúmeros crises de fome à custa de processos genéticos, frutos da evolução, parece ser uma forma razoável, e com muitos bons resultados, expressos na nossa continuidade como espécie.
Se nos reportarmos à época industrial, verificamos que foi neste preciso momento que ocorreram transformações radicais no nosso modo de viver, não só a nível biológico, mas também cultural, técnico-científico e, sobretudo, político. Num ápice tudo se transformou. Acabou o ancien regime, as sementes da democracia começaram a ser lançadas à terra, a organização social modificou-se com base na tríade cantada pela marselhesa, a justiça autonomizou-se, as constituições começaram a proliferar, o poder absoluto entrou em declínio e os direitos do homem emergiram com toda a beleza criativa. Entretanto, as conquistas técnico-científicas revolucionaram ainda mais as sociedades. Inicialmente chegaram a ser fonte de riqueza para poucos e de morte para muitos. Polos de atração fomentaram as zonas urbanas, despovoaram os campos, geraram conflitos e acabaram por acelerar o progresso, embora com vertentes muito negativas das quais se destacam as doenças profissionais, a invalidez e a morte prematura. Em termos ambientais começou-se a assistir a um dos mais terríficos fenómenos antropológicos: a poluição a todos os níveis. Nunca a humanidade tinha sido sujeita a tamanhas agressões ambientais quer a nível da água, do ar, dos solos, dos alimentos e, até, da própria alma.
Fome aliada à poluição, más condições das habitações, resistências diminuídas e focos de infeções geraram doenças e mais doenças dentro das quais destaco a tuberculose. Apesar de ter sempre existido, mesmo antes do homem aparecer, esta doença começou a expandir-se de forma ímpar e pandémica neste período. A peste branca fez a sua entrada triunfante em meados do século XVIII, provocando mais devastação do que a peste negra ou a gripe espanhola. Calcula-se em mais de mil milhões o número de mortes devido à tuberculose. Mas afinal, por que é que estou a falar da tuberculose e da revolução industrial numa conferência sobre diabetes? Será que me enganei e estou a desviar o assunto para outras áreas? Não! Passo a explicar.
(Continua no Blog “O Quarto da República”)

Reflexão e pragmatismo

A propósito da onda de suicídios de trabalhadores numa empresa em França, mas também a propósito de outros graves problemas sociais, como a drástica redução da natalidade ou a crescente exclusão social, vale a pena ler alguns documentos que rejeitam o pragmatismo e as decisões mediáticas e nos obrigam a pensar. É o caso da nova encíclica Caridade na Verdade, que nos confronta com as causas e os efeitos de muitos dos problemas da chamada modernidade e propõe um olhar exigente e por vezes impiedoso sobre os caminhos que nos esperam ou que poderemos talvez evitar.
Sobre os problemas laborais, por exemplo:
A mobilidade laboral, associada à generalizada desregulamentação, constitui um fenómeno importante, não desprovido de aspectos positivos, porque capaz de estimular a produção de nova riqueza e o intercâmbio entre culturas diversas. Todavia, quando se torna endémica a incerteza sobre as condições de trabalho, resultante de processos de mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade psicológica, com dificuldade para se construírem percursos coerentes na própria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimónio. Consequência disto é o aparecimento de situações de degradação humana, além de desperdício de força social. Comparado com o que sucedia na sociedade industrial do passado, hoje, o desemprego provoca aspectos novos de irrelevância económica do indivíduo, e a crise actual apenas pode piorar a situação. A exclusão do trabalho por muito tempo ou a dependência da assistência pública ou privada corroem a liberdade e a criatividade da pessoa e as suas relações familiares e sociais, causando enormes sofrimentos a nível psicológico e espiritual. Queria recordar a todos, especialmente aos governantes que estão empenhados em dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar é o ser humano, a pessoa, na sua integridade: com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social” (Ponto 25).

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ora abóbora!

A China não deixa de nos surpreender em todos os sentidos. Manda homens para o espaço, albergou os jogos olímpicos, exporta órgãos dos condenados à morte, imita e falsifica o que de melhor se produz no Ocidente, é uma potência militar, constrói a maior barragem do mundo, preserva uma das novas sete maravilhas, a grande muralha, manda avançar os tanques por cima dos cidadãos, sempre que os dirigentes assim o entendem, ignora que os mesmos têm direitos, inclusive as crianças, e exporta “amarelos” capazes de se instalarem nas mais remotas vilas e aldeias do país, vendendo na maioria dos casos produtos muito duvidosos e provavelmente perigosos para a segurança e bem-estar das pessoas. Mas não devem incomodar-se muito. Nem sei se esses produtos são ou não fiscalizados pelas nossas autoridades competentes. Pelo menos não tenho reparado que tenham saído notícias de “ataques” da ASAE. Às tantas devem ter medo. Não os chineses, mas a polícia. Pode muito bem acontecer que aqueles sejam praticantes de artes marciais!
Tive curiosidade, numa ida a Lisboa, de ver como era uma loja dedicada a produtos naturais e biológicos. Deu-me para aí. Entrei e vi inúmeros e curiosos produtos. Fiquei surpreendido com a criatividade e diversidade. De repente vejo sacos de pevides. Fiquei de olho nelas. Lembrei-me dos meus tempos de criança, quando a minha avó secava as sementes das abóboras na varanda. Quando estavam secas deliciavam-me. Ainda hoje guardo o seu sabor. O pior era descascá-las. Custava um pouco, mas acabava compensado. As sementes que vi já estavam descascadas o que seria uma vantagem. Agarrei num pacote e antecipei o prazer de as consumir. Foi quando olhei para a embalagem e vi que tinham origem na China. China? Nem pensar! Recoloquei-as ao mesmo tempo que idealizava as abóboras a serem criadas em terrenos contaminados, já que a China é useira e vezeira nessas matérias. Muito provavelmente a minha atitude foi injusta, despropositada e preconceituosa, porque o território das abóboras chinesas não deverá estar todo contaminado como é óbvio. Mas não as levei. Não confio nos chineses. E não são de confiar. Desta feita conseguiram mais uma façanha. Mais de mil crianças de uma zona apresentam níveis elevados de chumbo no sangue devido à contaminação ambiental de uma fundição. Os relatos das mães e pais de algumas crianças são assustadores; apresentam quadros clínicos graves e alterações cognitivas marcadas como o caso de uma criança que ao fim de um ano escolar não consegue contar mais do que três. É preciso uma violação de tudo o que é admissível para causar tamanha tragédia. É impossível que as autoridades não tivessem conhecimento dos casos. Quanto à empresa deverá ter-se sentido muito à vontade aliando o seu desrespeito ambiental com a complacência das autoridades. Para que a situação seja resolvida encontraram uma interessante solução: deslocar a população da cidade, nada mais dos 15.000 habitantes o que vai custar uma pipa de massa! À partida a solução até poderia ter alguma razão de ser. A situação é tão grave que seria impossível continuar a viver na zona poluída por muitos e bons anos. Mas não. De acordo com a análise efetuada por um cidadão, o que as autoridades querem é que a fundição continue a laborar e a contaminar o ambiente, porque paga muitos impostos e o governo agradece. Parece que esta prática é muito comum para aquelas bandas, revelando conluios, falta de respeito pelo ambiente e desprezo pelos direitos mais elementares dos cidadãos. Só espero que a produção agrícola daquela zona não seja exportada para Portugal. E que não cultivem abóboras...

É curto para um Prémio Nobel

José Saramago afirmou que “a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”.
A Bíblia é formada num período histórico que se inicia cerca de 1200 a. C. e termina cerca do ano 100 d. C.. É constituída por vários livros definidos depois de enormes discussões, no Concílio de Hipona, no ano 393 d. C., mas não são unanimemente adoptados pelas várias religiões cristãs. O protestantismo reconhece 66 livros, a religião católica 73 livros e as religiões ortodoxas um número ainda superior. A discrepância está na fixação dos livros do período antes de Cristo, já que todas aceitam os mesmos 27 livros do Novo Testamento.
Também eu não gosto de alguns livros da Bíblia. Embora possam ser descrições fidedignas de alguns períodos históricos, como o confirmam recentes e menos recentes descobertas arqueológicas, não vejo razão para serem considerados como guia de uma religião. Jeová, deus como que “criado” para uso exclusivo e pessoal dos israelitas, aliado a quem se pede a destruição dos inimigos de Israel não é, com certeza, um Deus para toda a humanidade.
Porventura, só o período muito próximo da ruptura com o judaísmo pôde justificar a escolha de alguns livros como “cânone” a seguir na religião cristã. Parece ser esta uma matéria que as diversas religiões cristãs deveriam considerar para discussão nos suas reuniões doutrinárias.
Mas Saramago faz uma análise tendenciosa e tortuosa da Bíblia. Sendo uma obra que abarca um período de 1.300 anos, é também uma obra escrita por 40 autores. Como tal, os livros não têm um estilo de escrita, mas diversos tons consoante os autores, os temas e o período e as circunstâncias históricas em que foram escritos.
Entre os livros da Bíblia contam-se algumas das maiores obras- primas da cultura universal. O Cântico dos Cânticos atribuído a Salomão é uma delas. Por sinal, cantando o amor livre e até pelo seu evidente erotismo, foi um dos livros que mais discussão sofreu para ser integrado na Bíblia. E muitos temas da Bíblia tornaram-se clássicos da literatura universal, e muitos tipos descritos continuam a ser os ícones com que expressamos muitas das nossas ideias e as parábolas dos Evangelhos, poderosas alegorias que o tempo não destrói, são usadas por todos, crentes ou ateus.
Saramago continua vesgo. Os Dez Mandamentos, por exemplo, definem o mais poderoso código de boa conduta que, só por si, desmente a sua desgraçada afirmação. Saramago interpreta literalmente textos de há mais de mil anos. Não procura o contexto. Não conhece a história. Não vê mais do que os seus ódios de estimação. É curto para um Prémio Nobel.

Responsabilidade dos juízes e sindicalismo judiciário

O editorial do último Boletim Informativo do Conselho Superior da Magistratura (CSM) constitui uma impiedosa condenação dos métodos e práticas do actual sindicalismo judiciário. Quem quiser ler uma peça de que, estou certo, se vai continuar a ouvir, pode encontrá-la aqui, na íntegra.
Tenho estima e apreço pelo Juiz Conselheiro Noronha do Nascimento, Presidente do STJ e do CSM e naquela qualidade a quarta figura do Estado. Distancio-me das suas concepções - aliás, claramente expressas no editorial que justifica esta nota - sobre a responsabilidade dos juizes, bem como sobre outros aspectos nucleares do sistema de justiça. Mas não posso deixar de registar aqui a minha satisfação pelo que escreveu sobre a conduta do sindicato dos magistrados judiciais, a pretexto da classificação de serviço de um senhor magistrado, que aliás motivou uma nota por mim subscrita aqui no 4R.
Dizem-me alguns dos meus amigos e ilustres colegas que a forma como o senhor Presidente do CSM o diz não é própria de quem ocupa um lugar cimeiro na estrutura do Estado. Pode ser que até tenham razão. Digo-lhes, porém, que há ocasiões em que nos devemos abstrair da forma e sublinhar a substância quando, ultrapassados todos os limites do que é institucionalmente tolerável é imperioso que se digam, na cara e cruamente, algumas verdades e não nos fiquemos todos no limbo das posições equívocas. Neste caso, verdades afirmadas com autoridade que não me custa aplaudir, a despeito do meu nariz torcido à primeira parte do editorial.
Recordar ao sindicato que apelou a um compromisso ético dos juizes para renunciarem a cargo de vinculação estatutária, que "a ética pratica-se e não se declara", mandamento que deveria a ser dos primeiros da cartilha de qualquer juiz , é, apesar da quase banalidade, qualquer coisa de extraordinário e inesperado. Digno, por isso, do destaque que aqui fica.

domingo, 18 de outubro de 2009

Mentiras com pés de barro!...

Como forma de atenuar a crise e dinamizar a economia, o Governo informou os portugueses e também a UE que o investimento público iria crescer 33% em 2009. Esclarece-se que o último Relatório oficial que traça este objectivo é de há pouco mais de um mês, tem a data de 30 de Setembro. Agora verifica-se que, no fim do 1º Semestre, o investimento apenas cresceu cerca de 4%.
Apesar disso, Sócrates, o Governo e o Ministro das Finanças insistem que a desaceleração do diminuição da actividade económica se deve às medidas tomadas, particularmente ao acréscimo do investimento público.
Para atingir o que se propôs, e segundo contas apresentadas ontem pelo Público, e que são lógicas, o Governo teria que investir mais do dobro do que no 1º semestre e mais 53% do que em igual período do ano anterior, meta impossível de atingir. Impossível, quer à luz do histórico dos últimos anos, quer pela simples razão de essa meta arrastar consigo um ainda maior aumento do défice público que não é suportável, mesmo para este 1º Ministro e para este Ministro das Finanças. Digo eu, que sou um incorrigível optimista!...
Conclui-se que o Governo promete investimento público, porque a promessa é politicamente correcta e tem o apoio de todas as forças que se servem do Orçamento de Estado. Mas não cumpre, com a agravante de a despesa de investimento constituir um peso cada vez menor na despesa pública. Isto é, os gastos correntes são cada vez mais predominantes.
E tem sido sempre assim no Governo de Sócrates: o investimento público tem diminuído todos os anos e a despesa corrente e a despesa total têm aumentado todos os anos.
A desaceleração da diminuição da actividade económica pode dever-se a muito coisa, mas nunca à principal e reclamada medida do Governo que diz ser o esforço do investimento público. Mentiras com pés de barro.

sábado, 17 de outubro de 2009

Lá vai um, lá vão dois, lá vão muitos


Lá estamos nós outra vez em estado de choque. Acontece sempre que uma notícia é ilustrada com números, pelos vistos a única forma de entendermos a realidade, mesmo quando ela já nos tinha entrado pela casa dentro, e pela do vizinho, dos primos, dos amigos. Com números é outra coisa e aí estão eles: mais de 100 licenciados deixam o País todos os meses. (p.20 e 21 do 1º caderno do Expresso de hoje). Dá direito a uma entrevista ao Presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional e a mais umas entrevistas a alguns dos jovens emigrados e ainda a mais uns quantos números, entre os quais avultam o do desempregados com formação superior (48 850), o dos que estão nos call center ou como empregados de balcão ou de mesa (44 700) e mais umas quantas novidades.
Curioso que pensei que o que era mesmo essencial era discutir, alínea por alínea, as alterações ao Código do Trabalho, flexibilizando. Não me lembro de ter então ouvido alguém perguntar qual o impacto na competitividadedas empresas que contratam jovens qualificados a recibo verde, anos a fio. Também deu uma grande polémica o impacto da fixação do salário mínimo. Não me lembro de alguém ter perguntado a vantagem das empresas que pagam 500 euros, ou menos, ou mesmo as que admitem “estagiários” de borla, até ao limite da decência.Podemos ainda lembrar como de vez em quando há uma gritaria sobre o número de vagas para cursos sem saída profissional, porque é que não metemos estas universades na ordem? Pois o problema é que os nossos emigrados são cientistas, dentistas, enfermeiros, sociólogos, arquitectos, gestores, professores, psicólogos, engenheiros, criativos, juristas, artistas...
Mas lembro-me do que contam os muitos jovens que passam por cá de vez em quando, a matar saudades do sol e da família (por esta ordem), e que falam do acolhimento nos novos empregos, na formação, no ordenado, na inscrição nos centros de saúde, no tempo para a vida pessoal, na dinâmica que conhecem no trabalho.
Lembro-me da jovem publicitária que tinha entrado para o quadro de uma empresa das melhores nesta área, depois de 2 anos a recibo verde. Foi despedida de um dia para o outro, ao fim de um ano. Procurou durante 6 meses novo emprego, apresentando o seu curriculo já muito interessante. Foi admitida a recibo verde numa empresa pequena, a ganhar 400 euros e a trabalhar sem horário, onde ficou, desesperada e sem qualquer indicação sobre o valor do seu trabalho, mais de um ano. Por sua iniciativa, e com outro amigo nas mesmas circuntâncias de entregue à sua sorte, concorreu a um concurso, de referênca internacional, de jovens criativos e ficaram em 1º lugar. Vi a notícia num pé de página qualquer, página essa que dava relevo aos muitos e meritórios prémios que outras figuras já conhecidas no mundo tinham ganho. Logo ali recebeu vários convites de empresários atentos a estes meios, para ir trabalhar para outro País, mas ela acreditou que aqui seria finalmente acolhida com algum interesse, podia ser que assim lhe dessem uma oportunidade, apesar de tudo gosta de surf e do sol, já tinha casa, sempre preferia ficar.
No trabalho dela nem os parabéns lhe deram, não só ignoraram em absoluto o galardão como sentiu frieza por parte dos colegas, com receio de que o prémio lhe desse a infeliz ideia de que poderia passar-lhes à frente. Do patrão, nem uma palavra, das outras empresas, nem um convite.
Está longe, já que ia para fora quis ir para o mais longe possível, ganha muito bem e sobretudo, dão-lhe asas para voar nos seus talentos e na sua criatividade.
Lembro-me de outra que está na Holanda há mais de dois anos e cuja ONG onde trabalha teve que suspender a actividade, por falta de fundos devido à crise. Como esperam recuperar esses apoios no fim do ano, arranjaram-lhe colocação noutro lado, nas mesmas condições, desde que prometa que regressa para eles logo que possível. A explicação foi simples: “We don’t want to loose you”.
E podia contar muitas e muitas destas histórias, ouça-os quase todos os dias, tantas vezes quantos os jovens que conheço e se foram embora e chamam ainda outros para se lhes juntarem.
Por cá, vamos então debater o Código do Trabalho, ou outro Código qualquer, o nosso problema é mesmo o excesso de garantia no emprego, é mesmo por isso que as empresas estão atrofiadas ou então vamos lá perguntar que medidas é que o Estado vai tomar para pôr um ponto final nisto tudo. Vamos então sentar-nos à espera da resposta, isto não tem mesmo nada que ver com cada um de nós. Vamos então sentir arroubos patrióticos contra uma brasileira que diz uns disparates, ou então vamos empolgar-nos com insultos aos políticos, ou com, ou com.
A mim dá-me raiva, a vocês não?

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Malabaristas

Desde pequeno que adoro ver os malabaristas a fazer exercícios com bolas, massas, argolas e facas, alguns conseguindo utilizar até dez objetos o que é uma tarefa quase impossível. Mesmo utilizando apenas três bolinhas não é nada fácil. Julgo que serão muito poucos os que não terão tentado este exercício. É uma arte de destreza muito utilizada no circo. Li que o recorde de bolas lançadas ao ar foram treze! Uma prática muito antiga que exige muita coordenação. Só um cérebro muito bem treinado é que consegue atingir algum grau de perfeição. Após esta introdução circense, queria chamar a atenção para um interessante estudo, recentemente publicado, em que foi provado que a prática do malabarismo aumenta a massa branca do cérebro. É do conhecimento geral que a massa cinzenta do cérebro é a responsável pelas atividades motoras, sensoriais e cognitivas. Mas para um cérebro poder funcionar bem é preciso que as informações circulem rápida e eficientemente entre as diferentes regiões. E é precisamente através da massa branca que se estabelece essas conexões. Ou seja, um aumento da massa branca acompanha-se de eficiente e rápida propagação da informação com consequências facilmente deduzíveis. Os autores do estudo concluíram que os indivíduos sujeitos a 30 minutos diários de malabarismo durante seis semanas acabaram por aumentar em 5% a massa branca. Foi a primeira vez que se conseguiu verificar este fenómeno a nível de tão importante e vital rede de comunicação cerebral.
Na prática, os indivíduos sujeitos a malabarismo não se transformaram em artistas de circo e nem sei se conseguiram mesmo lançar no ar três bolinhas. Mas parece que é mais o tempo aplicado no exercício, do que a destreza atingida, o principal responsável pelo aumento da massa branca. No fundo, o que está em causa é o tempo despendido num exercício complexo que exige desteridade, mesmo que não seja alcançada. Abrem-se, pois, novas e interessantes perspetivas para resolver alguns problemas neurológicos e exercitar certas funções cerebrais. Os cientistas escolheram estes exercícios por serem atividades complexas.
Face a estes achados, que terão de ser comprovados num futuro próximo, sobretudo os efeitos práticos dos mesmos, quase que poderia perguntar como se comporta a massa branca cerebral de alguns políticos, e não só, que andam por aí e que são verdadeiros malabaristas, tamanha é a destreza que revelam no dia-a-dia. Estou convicto de que a sua “massa” ultrapassa de longe os tais 5%. E se tiverem dificuldade em os recrutar sempre poderão dar uma saltada a Portugal, país de verdadeiros malabaristas....