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domingo, 31 de julho de 2005

Formula ONE and "the killer ONE"...


Fórmula 1

Entrou hoje em vigor, a directiva comunitária que proíbe a publicidade ao tabaco no espaço europeu. A proibição atinge os eventos desportivos e culturais. No entanto, no Grande Prémio da Hungria, a publicidade manteve-se, excepcionalmente, mas a partir de agora acabou. Para garantir a continuidade do patrocínio, que deve ser extremamente lucrativo, os responsáveis ameaçam com a deslocalização para continentes e países onde não haja, ainda, proibição ao tabaco. Aqui está mais um problema que se resolve nada mais, nada menos com a deslocalização. Sendo assim, é muito provável que, no futuro, sejamos “mimoseados” com resumos alargados e transmissões televisivas dos Grandes Prémios do Burkina-Faso, da Somália ou de Vanuatu. Pergunto-me o que acontecerá quando esses países pobres e sofredores começarem a melhorar a sua situação económica e cultural? O que vão fazer os tais patrocinadores e patrocinados? Não acredito que nos vão ameaçar com nova deslocalização, só se for para um outro planeta do sistema solar!
A implementação de qualquer medida proibicionista é seguida de novas estratégias para a contornar. Recordo que, há alguns anos, numa reunião preparatória da Assembleia Médica Mundial, fiquei surpreendido com o facto de alguns colegas terem denunciado o volte-face da OMS ao deixar “cair” a proibição da publicidade ao tabaco nos eventos desportivos e culturais. Os responsáveis foram os governos dos países com fortes interesses na área do tabaco. Ao pressionaram a prestigiada instituição naquele sentido, invocaram os enormes prejuízos no âmbito cultural e desportivo decorrentes da ausência de patrocinadores. A indignação foi geral, facto que permitiu voltar ao projecto inicial da convenção que, posteriormente, foi aprovado.
Afinal, não deixa de ser patético que, um desporto tão “globalizado”, a Fórmula 1 dependa do tabaco, “the killer one”…

Gente Gira

Como hoje é Domingo podemos falar de assuntos mais levezinhos, pelo menos na aparência...
Ficou-me sempre na memória uma frase que ouvi a propósito de se poder ou não avaliar as pessoas pela sua aparência ou a verdade do provérbio "quem vêm caras não vê corações". Essa frase dizia que "até aos trinta tem-se a cara que Deus nos deu e depois dos 30 tem-se a cara que se merece", podendo assim, pela observação atenta dos sinais que o tempo vai deixando, ser avaliada com alguma segurança se se trata de uma pessoa feliz ou amargurada, desconfiada ou confiante, cínica ou optimista, directa ou manhosa, etc.
E é um exercício engraçado de fazer, não raras vezes podemos partir dessa observação para gerir de uma ou outra forma o primeiro contacto com as pessoas.
É ou era? É que, ao ler na revista "Vida" (Independente de 29 de Julho) um artigo com chamada à capa intitulado "Um corpo de Sonho" vemos simplesmente pulverizada esta confortável teoria da simples apreciação imediata.
De facto, aí se descreve as mil e uma formas de dar nova forma ao corpo, aos dentes, à cara, de maneira a podermos, com preserverança e dinheiro, ir construindo uma imagem que corresponde aos estereotipos de beleza em moda. Não se trata de corrigir deficiências de modo a se poder ter uma vida melhor, trata-se de modificar um corpo saudável mas com "imperfeições" tão graves como as rugas da idade, as marcas de expressão, uma pele mais flácida, uma gordurinha que levava tempo a combater mas que assim desaparece num ápice. Um renascimento ao nosso alcance, em resumo, ao ponto de já se poder reproduzir as próprias células e injectá-las nas rugas de modo a que o processo de rejuvenescimento seja milagrosamente recuperado!... Tentador, no mínimo.
Mas não consigo deixar de ser um pouco desmancha-prazeres - então o corpo e a cara já não reflectem o espírito? Esta mutação física fará como que duas pessoas numa só: apaga-se os vestígios do tempo e os da alma e fica-se só com uma fachada muito bonitinha mas completamente separada do seu "link" essencial, que é o reflexo do espírito e da vivência.´Os olhos, por exemplo, se mascarados de cores diferentes, com brilhos artificiais e desenhados por mão hábil, já não são o espelho da alma...Cleópatra, sem o seu nariz, teria causado a mesma sensação? E o sorriso de Mona Lisa, banalisado pelos bisturis, não será muito monótono?
Gente gira, pois claro, mas são máscaras de teatro grego, que não deixam ver o que escondem...

sábado, 30 de julho de 2005

As Vacas Sagradas


Voltando à Índia-As vacas no Hinduísmo

As coisas em Portugal andam aborrecidas, pelo que é mais emocionante voltar ao Hinduísmo.
O carácter sagrado da vaca é dos poucos aspectos do Hinduísmo conhecidos no Ocidente.
Procurei saber a razão pela qual a vaca é sagrada.
Tão sagrada que pessoa que mate uma vaca terá que passar por 8 milhões e quatrocentos mil vidas, em reencarnações sucessivas das mais diferentes naturezas até uma reencarnação humana.
A vaca é um animal sagrado, não no sentido de ser adorada, mas no sentido de ser respeitada, porque foi uma vaca que alimentou Krishna, um dos mais importantes deuses hindus.
Krishna é uma das reincarnações de Vishnu, o deus protector, pertencente à trindade hindú.
Nessas funções, de quando em vez, Vishnu deixa os céus e desce à terra por diferentes formas, para proteger a humanidade do mal.
Vishnu teve dez reincarnações, havendo, no entanto, quem sustente que já tomou 22 formas.
Krishna é a oitava reincarnação de Vishnu e é considerada a mais importante de todas.
Nesta reincarnação, Krishna aparece como o protector do desenvolvimento humano e das ciências.
A propósito, a sétima reincarnação de Vishnu foi Rama. Rama ainda é motivo para atentados nos dias de hoje, Índia.
Rama nasceu na cidade de Ayodhya, na Índia Central, não longe de Agra e de Veranassi ou Benares.
Em 1526, o Imperador muçulmano Baber resolveu construir uma mesquita próximo do suposto local de nascimento de Rama.
Esta mesquita tornou-se um foco de conflitos entre muçulmanos e hindus, desde essa época até aos nossos dias.
Aliás, essa mesquita foi demolida em 1992 por uma multidão enraivecida, causando motins em todo o país.
O local do conflito está severamente guardado.Apesar disso, ainda no início de Julho e dois dias após a passagem do grupo em que me integrava nas imediações da cidade, houve um atentado no local, com mortos, provocando muita comoção em toda a Índia, a avaliar pelo que li e ouvi na televisão

Terceira Via?

É perigosa esta inovação política à volta do papel do Presidente da República, insidiosamente avançada na antecipação de um debate que devia ter protagonistas reais e não expectativas de candidados.
Porquê esta súbita urgência de comentários, de cenários, de atribuição de intenções? Não há mais nada de importante para acompanhar e discutir? Claro que há, mas o sindroma da falta de esperança no que já se conhece impele a descortinar no horizonte uma possível solução, alguém que "tome conta disto" e faça o favor de nos proteger dos descalabros governativos.
E é exactamente isso que deve ser evitado. Quando Jorge Coelho (DN, 27 de Julho, "A Marca de Soares") diz sem pudor que "o que está em causa é um projecto para o País" e o modelo de desenvolvimento" para logo contrapor um Soares "solidário, mobilizador, que inspire confiança" a um Cavaco Silva que "não se importa de sacrificar os pobres e desempregados por uma meta estatistica" lê-se e não se acredita. É uma proposta de descredibilização deste e de qualquer outro Governo, é a teoria mais que enganosa de que cabe ao Presidente da República governar ou, pior ainda, governar na sombra, assumindo a responsabilidade pelo "modelo de desenvolvimento" ou pela capacidade que os Governos tenham de executar os seus Programas em coerência ou ao arrepio de tudo o que prometeram para ser eleitos.
Não estou a querer avaliar os quase-candidatos ou os candidatos que se julga que serão. O que me alarma é a ligeireza com que se assume que os Partidos já não são capazes de gerar Governos dignos desse nome, é preciso ter alguém suprapartidário, "que inspire confiança" (leia-se, ao contrário dos que governam) e que assuma de uma vez por todas as responsabilidades de dar ao país um rumo tranquilo, de preferência a contento de todos.
No meio desta confusão, já é difícil lembrarmo-nos do nosso sistema de governo, do efectivo papel institucional do Presidente da República e, finalmente, da responsabilidade do 1º Ministro e do Governo na execução das políticas aprovadas com o seu Programa. Não há substituições neste papel, e nada é mais grave do que os poderes mal assumidos e as campanhas enganosas, que conduzem ao descrédito e à indiferença dos eleitores. Ou o "Magistério de Influência" passou a ser uma 3ª via, sem contornos definidos, que ocupa o poder vazio de responsáveis?

sexta-feira, 29 de julho de 2005

Excelsa Hipocrisia

A Assembleia da República aprovou ontem a limitação dos mandatos dos Autarcas.
Aprovou, mas só para 2013!...
O que a Assembleia fez ilustra perfeitamente a decadência da nossa classe política, incapaz de tomar qualquer decisão que bula com interesses firmados e refugiando-se no mais acabado comodismo.
Ou se limitam mandatos ou não se limitam, ambas as decisões são legítimas, embora uma mais recomendável que a outra.
Mas limitá-los e não abranger aqueles que estiveram na génese da lei parece-me a prova do mais refinado cinismo e da mais excelsa hipocrisia.
Quem detém um mandato há 30 anos, pela limitação dos mandatos, pode chegar aos 40!...
Não é a limitação a funcionar, mas a lei geral da vida e a idade da reforma!...
Como é bom legislar para os outros, ficando os nossos interesse protegidos!
Até 2013, muita água correrá nos rios, haverá mais legislaturas, os intervenientes mudarão…podemos estar descansados que não haverá nunca discriminação entre os Autarcas de 2005 e os de 2013!...
Neste Estado corporativo, muitos dos de 2005 terão o lugar garantido até 2045!...

quinta-feira, 28 de julho de 2005

Vergonhoso

As manifestações de hoje nas galerias da Assembleia da República no final da sessão parlamentar, com utilização de cartazes e palavras de ordem insultuosas para os deputados, foram uma vergonha. Vergonha agravada pelos sorrisos de sincero gozo com que alguns dos deputados da oposição assistiram ao despautério.
Numa democracia saudável, a discordância das medidas de política nunca legitima a falta de respeito pelas instituições. E não vale, nestes casos, invocar o já roto argumento do direito à indignação, que nestas circunstâncias a ninguém pode ser reconhecido. A não ser a quem dirija a sua indignação contra estes lamentáveis acontecimentos.
Particularmente grave, a confirmar-se, é a participação de elementos de corpos policiais em pleno Parlamento. Constitui, para além de infracção grave aos deveres estatutários, um sinal perigoso de dissolução da autoridade do Estado, sobretudo se nada mais merecer das hierarquias do que um mero encolher de ombros.

Vivemos um período muito difícil. De muito descontentamento. De desalento colectivo. De ilusões perdidas. Oxalá que neste ambiente saibamos guardar os valores da sã convivência, do respeito pelo Direito, pelas instituições que a todos nos representam e da tolerância que (quase) sempre nos distinguiram como Povo.



"Humanização no sacrifício dos animais "…


"Caim e Abel" (Ticiano)

A ética animal constitui uma realidade na área da investigação científica. As leis e as normas, entretanto desenvolvidas, disciplinam o comportamento face aos animais, evitando a todo o custo que sofram. A forma como são sacrificados respeita as directivas que são cada vez mais complexas. Hoje, só podem lidar com animais, investigadores que tenham adquirido a certificação necessária. O mundo da experimentação animal evoluiu de uma forma ímpar, facto que nos faz sentir orgulhosos.
Assim, matar um animal exige cuidados extremos, e ainda bem. Curiosamente, a morte de seres humanos condenados à pena capital com a injecção letal nos E.U.A. não beneficiam dos mesmos cuidados. Levanta-se a hipótese de que muitos prisioneiros possam estar conscientes e, consequentemente, sofrerem dores severas. Ao examinarem o sangue de 49 executados, os autores de um trabalho verificaram que, em 43 casos, os níveis de anestésico era inferior ao observado no decurso de uma cirurgia. Destes, 21 poderiam estar conscientes no momento da injecção do cloreto de potássio. Não podendo exprimir o sofrimento, devido à paralisia provocada pelo relaxante muscular, concomitantemente ministrado, as vítimas deverão sofrer um castigo bastante cruel. Recordo que os animais sacrificados são tratados com mais humanidade. A escolha da injecção letal baseou-se no conceito de evitar ao máximo o sofrimento dos condenados. Esta atitude misericordiosa parece estar em causa.
A pena de morte pode ser legal, mas não tem cobertura moral, seja qual for a circunstância que leva à sua aplicação. Ao homem está vedado matar seres humanos. A posição de ilustres entidades, que chegam a dar cobertura a este procedimento, em circunstâncias extremas, não parece ser a mais correcta e entra em contradição com os princípios que apregoam. Hoje, os governos dos países que ainda aplicam este castigo podem perfeitamente isolar os mais perigosos criminosos sem que tenham de os sacrificar.

Diga?!

" - [o Rei de Espanha] não o convidou a recandidatar-se daqui a cinco anos?"
Pergunta de uma jornalista ao Dr. Jorge Sampaio, nos Açores, onde acompanha os reis de Espanha.
O Dr. Jorge Sampaio respondeu.

Silly season, indeed...

O esquema do renovado Space Shuttle

quarta-feira, 27 de julho de 2005

Alarme...


"Alarm" de Kamil Bekshev
Os periquitos são engraçados.
Quando fazem algazarra lembram alguns políticos…
Sinal de alarme?

Mais vale tarde que nunca!...

Um Grupo de 13 Economistas fez publicar hoje um Manifesto em que alerta para o risco das grandes obras públicas, referindo que “o país não pode entrar em mais experiências fantasistas”.
Refere ainda que o investimento público, nas presentes circunstâncias da economia e das finanças públicas, não é ”um elemento estimulante do desenvolvimento…”
Embora para mim seja uma verdade óbvia, como tenho, aliás, referido várias vezes neste blog, fiquei satisfeito por um grupo de 13 Economistas ilustres ter vindo a público fazer tais afirmações.
Ainda anteontem, na Ordem dos Economistas, confrontei o Dr. Manuel Pinho com a correlação, de 1980 a 2000, entre investimento público e crescimento, nos EUA, na Europa a 15, no Japão e em Portugal.
Os países que mais cresceram não foram os que maior esforço fizeram de investimento público, antes pelo contrário, mas os que estimularam o investimento privado.
O problema, em Portugal, é que, por razões ideológicas, somos avessos a aprender com as boas experiências alheias.
Gostamos mais de aplicar teorias económicas, sem curar do ambiente em que as mesmas foram criadas ou do contexto em que se desenvolveram: aplicamo-las, em quaisquer circunstâncias....
Os desastres estão à vista... o que não significa que sejam reconhecidos por aqueles, Universitários ou Governantes, que as têm defendido e protagonizado.
Mas o mais preocupante é que o Governo continue, aqui e agora, com falsas medidas potenciadoras de crescimento, das quais, pelo contrário, irão resultar, a breve trecho, mais endividamento público, maior défice, mais impostos, menor investimento privado , mais importações e, em suma, menor crescimento.
Parabéns ao grupo dos 13 Economistas: mais vale tarde que nunca!...

Do longe se faz perto

Quando, há muitos anos, li o "1984", de Geoge Orwell, ainda não havia telemóveis, nem videos, nem nada que nos fizesse recear como imediato o perigo aterrorizador que o livro nos mostrava, mas ficou-me sempre o temor de que nos pudéssemos sequer aproximar daquele sufoco de vigilância e de falta de privacidade. Ingenuidade minha, claro, ou falta de atenção.
Algum tempo depois, um colega que tinha ido ao Japão chegou com uma novidade estrondosa - os japoneses falavam ao telefone na rua!, através de pequenos telefones sem fios que traziam no bolso. Contava ele que era possível, em qualquer momento e em qualquer lugar, telefonar para uma pessoa e falar sem grandes limitações. E vaticinava que em breve isso se iria generalizar. Lembro-me de ter dito que achava isso impossível, certamente ninguém quereria andar com um telefone como se fosse "uma coleira", que lá se ia a nossa liberdade.
É claro que quando cá chegou essa maravilha comecei a achar interessante poder falar com as minhas filhas em qualquer momento e que até era muito cómodo poupar preocupações dessa forma tão simples. Hoje, como toda a gente, nem sei como é que se vivia sem isso, mas também se foi uma parte importante da liberdade de só falar quando e com quem quiser.
Depois chegou aquele programa ameaçadoramente chamado "Big Brother", com o sucesso conhecido, e não deixei de suspeitar que havia ali uma intenção mal expressa de nos ir habituando a uma coisa que, em abstracto, nos pareceria intolerável: uma máquina de filmar dentro da própria casa, espiando e gravando todos os movimentos e permitindo que terceiros se divertissem, emocionassem ou discutissem a propósito. Claro, os que lá estavam eram voluntários, claro que só via o programa quem queria.
E claro que deixou de parecer intolerável ter um sistema desses em casa. Ouvi há dias um anúncio às vantagens óbvias de se saber a cada momento o que se passa na sua casa quando os filhos ficam sozinhos, ou quando alguém está doente, ou, ou, ou...Basta comprar o sistema video-qualquer-coisa e do seu emprego controla mesmo tudo.
Também temos os computadores portáteis, não basta ter acesso em casa ou no emprego, agora pode levar para todo o lado a sua preciosa máquina, os seus inseparáveis filmes, enfim, a sua adorada rotina. Onde quer que esteja, não vai estranhar, é como se estivesse sempre no trabalho, ou em casa.
Ou seja, quanto mais liberdade de movimentos temos, para viajar, mais longe e mais depressa, quanto mais coisas podemos ver e disfrutar, mais curto é o nosso raio de acção.
Como vi escrito já não sei onde, não se estimulou os sedentários a sair, sedentarizou-se os nómadas.

terça-feira, 26 de julho de 2005

De Manuel Alegre, um bocadinho...

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

(...)

Ser ou não ser


A pequena implosão de milhões

Acabo de ouvir que o tristemente famoso Prédio Coutinho em Viana do Castelo sempre vai ser demolido.
A notícia em si não me causou qualquer especial impressão. Os órgãos competentes do município já tinham deliberado a expropriação e subsequente demolição no quadro planificatório que enquadra as intervenções Polis naquela cidade.

O que me impressionou foi o esclarecimento dado pelo Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (a mesma pessoa que foi coordenador do Programa Polis e que propôs e sustentou a medida durante o período em que o Engº Sócrates esteve à frente da mesma pasta) de que tal operação vai ser financiada à custa de um “pequeno” esforço do Orçamento de Estado.
O Ministro sabe há muito tempo que Bruxelas não vai na cantiga de subvencionar a fundo perdido as demolições, contrariando os planos da câmara e dos responsáveis pelo ambiente nos tempos do governo do Engº Guterres.
Pois foi encontrada a solução: paga o Estado.

O “pequeno” esforço, segundo o senhor Ministro, vale 3 milhões de euros. E importa ter presente que este “pequeno” montante é só uma das parcelas dos dinheiros públicos que serão consignados à implosão do imóvel.
Independentemente do juízo que se pode e deve fazer sobre a racionalidade de tal decisão perante milhares e milhares “prédios coutinhos” semeados por este País fora, há algo que se vem revelando com cada vez mais nitidez no discurso e nas medidas de política sectorial deste governo: a facilidade com que se desbaratam recursos num período de grande aperto das finanças públicas.
Pede-se aos cidadãos um sobre-esforço contributivo.
Dói perceber que em contrapartida o governo não está disposto a retribuir com reforço da contenção de despesas inúteis, ou pelo menos adiáveis para tempos de menores dificuldades. Sobretudo nos casos, como o que dá o mote a este post, em que nenhuma razão social ou de ingente interesse nacional, impõe a despesa!
Por muito tolerante que se seja na análise destes poucos meses de governação, este não pode deixar de ser um exemplo de lamentável despesismo. Repito, ainda que a demolição encontrasse justificação técnica ou política. Mesmo que não se estribasse numa antecipada preocupação sobre o efeito mediático da implosão.
Trata-se de um inaceitável desprezo pelo dinheiro que a todos nós custa a ganhar; e que a todos nós, perante estes factos, cada vez mais custa a entregar ao Estado.
E é intolerável que se venha dizer sem qualquer rebuço que, face à recusa de Bruxelas em financiar demolições, é um “pequeno” esforço subvencionar o espectáculo da implosão de 3 milhões de euros!

Pela amostra não há, para o governo, poupança que faça a diferença.

O julgamento do macaco…


O macaco pintor (1833)
de Alexandre Gabriel DECAMPS
(Musée du Louvre, Paris)


Em 1925, em Dayton, Estado do Tennessee, John Thomas Scope, professor de biologia, foi julgado por ensinar a teoria de evolução de Darwin. O julgamento teve uma enorme repercussão mediática, tendo, inclusive, sido o primeiro a ser radiodifundido para todo o território norte-americano. Os opositores basearam os seus argumentos em motivos religiosos que, ainda hoje, prevalecem, agora sob novas roupagens. No final do julgamento, que ficou conhecido pelo “julgamento do macaco”, o professor foi condenado ao pagamento de uma multa de 100 dólares.
A revolução darwinista é uma revolução tanto científica quanto filosófica e constitui uma ideia científica maravilhosa. Mas, constitui uma “ideia perigosa”, sobretudo, para algumas correntes do pensamento. A imposição obrigatória de ensinar, a par do pensamento darwiniano, o criacionismo bíblico, tem ocorrido em vários estado norte-americanos e ameaça atingir a Europa.
Não é justo colocar em pé de igualdade matéria científica e assuntos religiosos. Luta desigual! Os criacionistas exigem mais provas que permitam afirmar que a teoria da evolução está correcta, mas, em contrapartida não apresentam uma única, sequer, a favor da sua posição! O incómodo é evidente, mais para os defensores do “criacionismo inteligente” do que para os darwinistas.
Não deixa de ser interessante a posição assumida pelo papa João Paulo II que, em 22 de Outubro de 1996, no seu discurso à Pontifícia Academia das Ciências, reconheceu na teoria da evolução mais do que uma hipótese. Cinquenta anos antes, o papa Pio XII, na encíclica Humani generis, considerava a doutrina do “evolucionismo” como uma hipótese séria.
Recentemente, um editorial do New York Times, da autoria do Cardeal Schonborn, Arcebispo de Viena, veio chamar a atenção para a necessidade de um debate na Europa sobre o darwinismo, ou melhor, sobre o neo-darwinismo. O Cardeal “não acredita em dogmas científicos, mas sim em dogmas da fé”. Não podemos esquecer as relações com o actual papa, sendo muito provável que estejamos perante uma mudança de posição face às declarações de João Paulo II.
É bom recordar que, a pretexto da liberdade de ensinar e de aprender, possamos vir a ser confrontados, no futuro, com a oposição de alguns pais, os quais, invocando concepções filosóficas de cariz religioso, considerem as ideias darwinianas como “perigosas” no desenvolvimento espiritual dos seus rebentos.
O “julgamento do macaco” ainda não terminou…

Ministro da Economia na Ordem dos Economistas


O Dr. Manuel Pinho esteve ontem na Ordem dos Economistas a apresentar o seu Plano de Investimentos Prioritários.

Aspectos positivos:
a) enorme assistência: sala à cunha
b) muito grande participação: segundo o moderador, foram colocadas 37 questões ao Ministro
c) boa exposição inicial do Dr. Manuel Pinho

Aspectos negativos:
a) a maioria das questões colocadas ficou por responder.

Ao que me lembro, e entre outras, não foram respondidas ou não foram cabalmente respondidas as questões colocadas sobre os seguintes pontos:
.Lógica do esforço de investimento público versus apoio ao investimento privado à produção de bens transaccionáveis e para exportação
.Justificação do esforço de investimento público, com motor do crescimento, quando as evidências das economias que mais têm crescido negam esse facto
.Justificação da insistência do esforço de investimento público, quando foi o próprio ex-Ministro das Finanças, Prof. Campos e Cunha que referiu que às altas taxas médias de investimento público, em Portugal, nos últimos 20 anos, tem correspondido um crescimento médio medíocre da economia.
.Justificação da introdução da alta velocidade em Portugal, como forma de não ficarmos isolados na Europa, segundo o Ministro da Economia, face á poupança de meia-hora no trajecto Lisboa- Porto: é esta meia-hora que provoca o isolamento?
.Se a alta velocidade traz rapidez, o Aeroporto na Ota torna mais demorado o acesso a Lisboa ou de Lisboa à Europa, em relação à actual situação. Como tal, a rapidez não parece argumento decisivo.
.Custo de exploração do TGV e do Aeroporto e custo a pagar pelos contribuintes
.Impacto sobre o emprego
.Posição da Comissão Europeia veiculada há dois dias sobre o impacto no défice
Etc, etc

O Dr. Manuel Pinho utilizou três argumentos principais: a comparação com Espanha, nomeadamente no que se refere ao seu Plano de Transportes, cerca de 240 mil milhões de euros de intenção de investimento até 2020, a comparação do peso do investimento público em relação ao PIB, na Coreia, Irlanda e Espanha e a inconveniência de decidir os projectos de tal envergadura apenas no último ano da actual legislatura.
Como tal, a sua decisão, neste momento, visaria aumentar a confiança dos agentes económicos.
“En passant”, o Ministro também foi dizendo que o esforço de investimento nas infraestruturas de transportes não será grande nos próximos anos, apenas 0,9% do PIB.
Podemos estar descansados!...

O Hinduísmo


Brahama

“…No começo, este mundo deve ter sido o Ser puro, único e sem segundo…”
Aruni, sábio filósofo, 2600 anos a. C.


O Hinduísmo é uma das três grandes religiões do mundo, seguida por quase mil milhões de pessoas.
Nasceu do choque da invasão ariana sobre os povos hindus e os seus princípios começaram a ser escritos, há cerca de 2600 anos,, quando a Europa ignorava ainda a escrita.
É uma religião com contornos muito específicos: não tem papa, isto é, não tem uma autoridade religiosa, mas tem uma ortodoxia, não tem dogmas, mas tem uma moral, não procura a expansão, mas mantém um fervor desaparecido noutras religiões.
As imagens dos seus deuses estão em todo o lado, nas lojas, nas casas, nos transportes públicos e não é por proselitismo: ninguém é hindu, senão por nascimento ou por adesão espontânea.
Terá sido na Índia que nasceu a filosofia, há 26 séculos.
A ideia de Deus esteve aí, desde logo, presente.
Muita controvérsia deve ter havido, a avaliar pela profundidade do que o sábio e filósofo Aruni, na altura, escreveu:
“No início, este mundo não era senão Ser, sem dualidade.
Alguns, é certo, afirmam que, no começo, este mundo não era senão não-Ser, sem dualidade, não era senão o Ser saído do Não-Ser.
Mas como é que isso seria possível? Como é que o Ser poderia sair do não-Ser?
No começo, este mundo deve ter sido o Ser puro, único e sem segundo…”
No entanto, séculos mais tarde, este Ser puro e único e sem segundocomo que se desdobra numa Trindade dos deuses hindus: Brahama, o Criador, Vishnu, o Protector e Shiva, o Destruidor do mal.
No Hinduísmo, como no Cristianismo, também há uma Trindade.
A história das religiões mostra-nos, aliás, como todas elas têm troncos de mistério comuns, vindos dos primórdios da humanidade, já que o homem é o mesmo, com interpretações várias consoante os tempos e os lugares.
Interessante a nota de que, no hinduísmo, a ideia de Deus não é expressa por um substantivo, mas por um adjectivo, de modo a realçar-lhe as qualidades.

segunda-feira, 25 de julho de 2005

Puberdade acelerada…


Puberty (Edward Munch)



É do conhecimento geral que a obesidade constitui um grave problema no mundo ocidental. Não são só os adultos as vítimas deste flagelo. As crianças também têm vindo a sofrer, de tal forma, que, quando uma criança apresenta uma morfologia normal, vem logo a mamã a pedir ajuda para o seu querido menino que está “magrinho”. – Magrinho uma ova, minha senhora! O seu filho é o exemplo de um jovem normal. Esta constitui uma das minhas respostas face à inquietude dos pais. Não sei se os convenço. Às tantas não! Ao confrontarem o tórax realçado pelos arcos costais e uma barriga plana ou escavada com o torneamento e almofadas gordas dos restantes miúdos devem concluir que não estou bem da cabeça!
A saúde futura destes jovens poderá estar comprometida, não só pelas doenças associadas, mas, também, pelos problemas comportamentais resultantes de uma antecipação do início da puberdade.
Trabalhos em curso estão a demonstrar uma onda de puberdade precoce nos países em que se observa obesidade excessiva. De facto, as crianças europeias começam, nalguns casos, a manifestar sinais aos sete anos de idade, em vez dos dez e onze anos conforme se trata de meninas ou de rapazes. Ou seja, não tarda muito que as crianças ao entrarem no ensino básico manifestem já o desabrochar de sinais com uma antecipação de três a quatro anos! As consequências destas mudanças hormonais vão-se manifestar no próprio comportamento e na aprendizagem. É difícil antever o futuro destes miúdos que já não são crianças, mas também não são adolescentes, são “qualquer” coisa como “betweens” entre os dois grupos. Às tantas já devem sentir-se com capacidade de sair à noite, conviver em espaços próprios dos mais velhos, com formas de relacionamento a traduzir uma estranha mistura entre criança e o vulcanismo inerente dos tradicionais adolescentes.
Claro que as causas deste fenómeno poderão ter a ver com a superalimentação, a qual, estimula a produção de hormonas sexuais, ou mesmo com os efeitos tóxicos de muitas substâncias que andam por aí – fruto da poluição humana – e que também simulam as mesmas hormonas, como se estivessem a ser sujeitos a verdadeiras e perigosas “terapêuticas” hormonais. Outras hipóteses têm sido consideradas, tais como, o excesso de televisão, ou, no caso das meninas, a falta da presença do pai.
São precisos mais estudos para comprovar estas hipóteses, mas, de qualquer forma, convém estarmos atentos para estes fenómenos, os quais vão dar muitas dores de cabeça aos pais e educadores. As hipóteses de maternidade precoce, abandono escolar ou rendimentos económicos diminutos são equacionadas. A par destes eventuais problemas não nos admiraremos se, no futuro, um miúdo ou miúda de nove, dez anos ou onze anos, começar a discutir política ou a exigir a produção de preservativos “small”, apesar de terem, ainda, de andar sentados nas cadeirinhas adequadas à idade nos popós dos papás! …

Sócrates e as presidenciais

Num post anterior havíamos escrito que o dilema de Sócrates passava por optar "entre “piscar o olho à esquerda” (Manuel Alegre) ou tentar conquistar o centro (Freitas), desguarnecendo sempre o flanco contrário". Não me passava pela cabeça que, afinal, queria fazer "marcha à rectaguarda". Depois da demissão de Campos e Cunha e a confirmar-se a opção por Soares, os sinais de regresso ao velho estatismo socialista começam a ser mais nítidos.

Richard Doll


Sir Richard Doll
Faleceu, hoje, com 92 anos, Sir Richard Doll, famoso e brilhante epidemiologista, que contribuiu de forma ímpar para o desenvolvimento científico da medicina.
Dentro da sua vasta obra, destacamos o estudo sobre o consumo do tabaco em médicos britânicos e o cancro do pulmão iniciado em 1951 e que possibilitou provar pela primeira vez os seus efeitos negativos na saúde humana. Na sequência deste estudo pioneiro, e um dos mais completos, foi possível inaugurar uma nova era: a prevenção das doenças crónicas, nomeadamente, cardiovasculares e cancro.
Muitos milhares de cidadãos vivem hoje e são saudáveis graças ao trabalho deste notável cientista.

Transfusão de sangue

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida debruçou-se, recentemente, sobre a problemática das transfusões de sangue nas Testemunhas de Jeová. É do conhecimento geral que os crentes desta doutrina não aceitam as transfusões de sangue e a ingestão de produtos que o contenham. As razões prendem-se com a sua interpretação do texto sagrado, a Bíblia. Não discuto os seus fundamentos, embora, como médico, não consiga compreender e muito menos aceitar aquela posição. Estão em causa situações delicadas que podem comprometer a vida das pessoas.
O parecer, no seu cômputo geral, veio "legitimar" práticas já assumidas pela classe médica. Em caso de recusa consciente por parte de um adulto, os médicos devem-na respeitar, embora lhes custe testemunhar o esvaziamento da vida de um ser humano à vista do sangue que as suas mãos carinhosamente transportam. No caso das crianças, compete ao médico decidir o que melhor lhes convém. Aqui, a vontade dos pais não deve sobrepor-se à do clínico. Hoje, em caso de conflito, basta ter autorização judicial para subtrair, temporariamente, aos pais os direitos sobre os seus filhos.
Durante todo este processo, tive oportunidade de acompanhar e analisar a posição das Testemunhas de Jeová. Não obstante não concordar com os seus argumentos, reconheço que se comportaram com muita dignidade. A postura face ao parecer revela facetas muito interessantes. Por exemplo, não vieram a terreiro afirmar que era iníquo. Apesar de não concordarem com algumas das conclusões, revelam um sentido de respeito que importa dissecar. Não vão opor-se, pelo contrário, vão aceitar que, nos casos dos filhos, os médicos procedam à transfusão de sangue sem a sua autorização. Penso poder interpretar esta posição de duas formas. A fé das Testemunhas é indiscutível e intensa, mas, em caso de perigo de vida das crianças, a força do amor é também indiscutível e intensa. Perante este conflito qual a posição a tomar? A fé ou a vida dos filhos? A situação é dramática. Provavelmente, no seu íntimo, a dúvida deverá privilegiar a vida de um filho, pelo menos na grande maioria. Havendo alguém que tome uma decisão, retirando a responsabilidade aos pais, deverá ser um alívio, já que não têm de entrar em conflito com a sua fé e a vida dos filhos será salva. A outra interpretação poderá basear-se no facto de podermos estar perante uma tentativa de evolução e adaptação relativamente ao conceito do valor do sangue na perspectiva religiosa.
Como bem ouvi, as Testemunhas amam os seus filhos, querem o melhor para eles, são respeitadoras de estilos de vida saudáveis, não embarcam em misticismos ou fantasias, pelo que a atitude médica e o parecer do Conselho Nacional de Ética acabam por ajudá-los sem por em causa a legitimidade das suas crenças.

domingo, 24 de julho de 2005

No Reino do Absurdo

Há que reconhecer que a política nacional começa a perder a capacidade de nos surpreender.
De facto, se olharmos de repente para os acontecimentos extraordinários com que convivemos nos últimos anos, só nos resta riscar do nosso vocabulário aquela expressão comum "Não é possível!"
Vejamos, muito sumariamente. Em 1999, as eleições deram ao Partido Socialista uma 2ª vitória, desta vez a rasar a maioria absoluta. Estão lembrados de que até estavam já feitos os cartazes a dizer "Obrigado Portugal", tal era a confiança no conforto da vitória? Pois o Governo saído dessa eleições governou metade do mandato e, na sequência da derrota nas autárquicas, o 1º Ministro, num gesto dramático sem precedentes, atirou-se para chão e declarou o país um pântano ingovernável... Não é possível, teríamos dito uns tempos antes se alguém alucinado aventasse tal cenário. Mas foi.
Novas eleições, vitória do PSD, maioria assegurada pela coligação com o PP. Corria o início do 3º ano de Governo, o País vivia a euforia do Euro 2004, distraído por alguns dias da necessidade de trabalhar com afinco para recuperar da grave crise económica. Na Europa, escolhiam-se os novos Comissários e a discussão por cá seguia morna, ainda que com alguns laivos de mistério para os mais atentos.
Eis que, sem aviso prévio, é anunciado que o 1º Ministro português será o futuro Presidente da Comissão Europeia, facto que seria certamente motivo de grande orgulho e honra nacional. Todos os maçadores detalhes daí resultantes teriam que estar resolvidos em poucos dias, para que o candidato pudesse ter tempo de se preparar. Não é possível! dissémos todos. Mas foi.
O Presidente da República, que não se tinha eximido a críticas sobre o eventuais excessos da política de rigor do anterior Governo, dá posse ao novo Governo sob o signo da vigilância apertada em matéria de rigor. O novo 1º Ministro, para calar rumores sobre a falta de legitimidade, consagra-se em Congresso já em exercício de funções, como se fosse de admitir que o próprio Partido derrubasse o seu 1º Ministro. Como foi tudo isto possível?, mas foi.
Mas eis que 6 meses decorridos, o Presidente da República conclui que afinal aquele Governo não servia e decide dissolver o Parlamento sem demitir o Governo, gerando-se um consenso (??) sobre a razoabilidade de, ainda assim, ser apresentado o orçamento para 2005. Alucinante? Não, pois aconteceu.
Temos portanto novas eleições, que deram a maioria absoluta ao Partido que durante os três anos anteriores se disitinguiu por combater tenazmente as políticas de contenção orçamental e de reformas públicas necessárias. Assumido o Poder, o novo ministro das Finanças nãoperdeu tempo: durante dois meses, a catadupa de medidas de carácter restritivo atordoou os portugueses e convenceu-os de que não havia mesmo outro caminho senão o que já tinha sido anunciado pelos Governos anteriores, só que desta vez com cores ainda mais carregadas. Impossível, esta reviravolta política? Não, aconteceu.
Mas eis que, no auge da vaga de medidas e quando se esperava, em suspense, pela sua execução, se demite, sem mais nem ontem, o próprio Ministro das Finanças! Cansado, exausto, ao fim de 4 meses de anúncios. Drama nacional, vergonha pela credibilidade perdida? Não, o melhor é depositarmos todas as esperanças no novo titular e repetir, agora já frouxamente, a bondade das políticas anunciadas. Impossível, isto não pode ter acontecido? Erro, aconteceu.
Mas o País olhava esperançado as eleições presidenciais, saltando agilmente sobre as autárquicas que não parecem oferecer o grau de stress a que já nos vamos habituando. Candidato para aqui, recusas para li, Manuel Alegre diz que não vai, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral dá uma entrevista surrealista e (pouco) cifrada em que diz "Never say Never".
Esta parece ser de facto a frase que mais se adapta à vida política nacional.
Porque o Dr.Mário Soares que, ainda há pouco, ao celebrar 80 anos de idade, tinha esclarecido o povo sobre as sua intenções firmes de dizer "Basta!" à sua intervenção política activa, surge agora, com emoção de comentadores e grande azáfama dos militantes socialista, como o óbvio candidato da esquerda!
Será o Dr. Mário Soares, por mais respeito e consideração que mereça, o Presidente da República que os portugueses precisam? Ou o que interessa é compôr o tabuleiro do xadrez político a curto prazo, resolver um problemazinho de apresentação de nomes, e entreter os jornais com mais uns editoriais e comentários próprios de quem não contava com esta?
Impossível? No reino do Absurdo já nada nos pode surpreender.

Instituto de Medicina Tropical


Instituto de Medicina Tropical


É uma foto do Ferreira de Almeida.
Eu também vi muitos consultórios semelhantes, com publicidade garrafal a “medical facilities”, como Raios X, Análises Clínicas, etc.
Num deles, em Delhi, passou-se o curioso episódio que passo a contar.
Caminhava eu, com um médico amigo, por uma rua próximo do hotel, rua extremamente movimentada, com casas de um ou dois andares, com o piso térreo fervilhante dos comércios mais variados, publicitados em enormes letras e imagens coloridas.
As cozinhas de rua tinham animada clientela.
Ao saltar sobre uma poça de água, pareceu-me ver um sujeito com um estetoscópio auscultando um cliente, num espaço aberto para a rua.
Voltei atrás, contornando o pequeno charco, para me certificar e dei com o meu colega médico, parado, a observar a cena.
Era, de facto, o consultório médico do Dr. Singh: uma sala aí de 10 metros quadrados, com um canto ocupado com uma mesa pequena e uma cadeira para o Dr. Singh e um banco para o cliente, servindo o resto do espaço como sala de espera, onde havia uns cinco ou seis pretendentes à consulta.
Olhando para o exterior, e vendo em nós dois potenciais clientes, o Dr. Singh não perdeu tempo e convidou-nos a entrar.
O meu amigo entrou, identificando-se, de imediato, como médico português e eu fiquei à porta.
O Dr. Singh deve ter ficado felicíssimo, já que deixou a auscultação e o doente e veio para a porta conversar, que o espaço era exíguo.
Após cinco ou dez minutos de animada troca de impressões e também de cartões, o Dr. Singh voltou à profissão e nós regressámos ao hotel.
O interessante é que, durante o “intervalo”, nenhum dos clientes se manifestou impacientado!...
Entretanto, fui imaginando o Prof. Massano Cardoso (ou o estimado Reformista que, por vezes, visita este blog), a dar consultas num contentor de 10 metros quadrados e os seus sofisticados doentes sentados junto à porta, com um charco de água à saída e uma vaca a refrescar-se!...

sexta-feira, 22 de julho de 2005

As aparências iludem: afinal, é só fachada!...


Jaipur-Palácio do Vento(Fotografia gentilmente cedida pelo Ferreira deAlmeida)

A fachada permite adivinhar um palácio grandioso.
Mas não é assim.
Trata-se apenas de uma fachada de um palácio que não existe, o Hawa Mahal ou Palácio do Vento, em Jaipur.
As concubinas do Marajá de Jaipur andavam tristes e desgostosas, por estarem confinadas ao palácio real, já que não era de bom tom saírem à rua.
Não viam ninguém, a não ser o marajá e os eunucos e só podiam conversar entre elas.
Invadiu-as uma grande monotonia.
Temendo uma generalizada falta de motivação das damas para as suas nem sempre fáceis tarefas, que a prática do Kama Sutra continha exigências de elevado nível qualitativo, e procurando preservar a sua qualidade de vida, o Marajá resolveu presenteá-las com uma varanda de onde pudessem ver o movimento da cidade e recriar a vista com os passantes.
A fachada foi erguida em 1799 e constitui um dos símbolos de Jaipur.
Quando, há dias, passei em Jaipur, era voz corrente que as antigas concubinas ainda vivas, as suas filhas, netas e bisnetas viram no Ferreira de Almeida, que tinha visitado Jaipur em Novembro passado, o novo Marajá, pelo que o convidaram para os seus antigos aposentos.
Da sessão ou das sessões havidas, o Ferreira de Almeida só me enviou a fotografia da fachada…reservando tudo o resto para si!...
Depois desta revelação, pode ser que, agora, ele nos mostre algumas coisas proibidas!...

Até doi a alma!


Avião a "beber" água na Aguieira...
O país arde!
A água desaparece!
Os aviões lá vão lançando gotinhas de água dos céus...
Até dói a alma!

São seres humanos, como nós!...


Madre Teresa

Estação dos comboios de Jaipur, 5 de Julho: São seres humanos, como nós!...

Depois da cidade cor-de-rosa de Jaipur, o destino era a cidade azul de Jodhpur, assim colorida para amenizar as temperaturas do vizinho deserto de Tahar.
Como entre Jaipur e Jodhpur a distância se mede por mais de 8 horas de autocarro (menos de 300 quilómetros), o percurso foi feito em comboio, cerca de 5 horas.
Na estação de Jaipur, tive uma das experiências mais terríveis da minha vida, de exposição brutal da miséria e da degradação humanas.
De um lado e do outro, ao longo de uma extensa plataforma que atravessava a estação e dava acesso à gare, alinhavam-se corpos humanos, deitados no chão, imóveis todos, muitos estropiados, na maioria cobertos , situação estranha num fim de tarde de muito calor, alguns literalmente embrulhados dos pés á cabeça, possivelmente mortos á espera de serem recolhidos.
Os detritos, o lixo e porcaria de toda a espécie acumulavam-se entre os corpos inertes e o odor era nauseabundo.
Entre as alas de homens, mulheres e sujidade, um corredor estreito para passar: teria duas, três centenas de metros, mas não me lembro de um caminho me parecer tão comprido e tão sem fim.
E ainda me martelam a cabeça as palavras de um companheiro de excursão, que, atrás de mim, exclamou: óh Pinho Cardão, e pensar que todos eles são seres humanos, como nós!...
Em Jodhpur, a saída da estação faz-se por uma passagem superior semelhante á de Jaipur, com as mesmas alas de pessoas deitadas, quais estátuas jazentes.
Já não fiquei tão impressionado, efeito da vacina de Jaipur: a facilidade de adaptação dos humanos é enorme!...
A poucos minutos de autocarro, aguardava-nos, num belo parque, um requintado e luxuoso hotel.

quinta-feira, 21 de julho de 2005

Este blog só publica coisas sérias


... sendo eu responsável por alguns desvios, como a imagem acima, recolhida num criativo e muito divertido blog, documenta.


Fatehpur Sikri- O capricho de um Imperador


Um palácio de Fathepur

Agra, 4 de Julho
No século XVI, o Imperador muçulmano de Agra, Akbar, debatia-se com o drama de não ter filho varão que lhe sucedesse.
Um vidente disse-lhe que, se casasse com uma esposa hindú, teria um filho.
Assim aconteceu.
Em homenagem ao vidente, Akbar resolveu mudar a capital do seu império para o local, a 40 quilómetros de Agra, em que aquele lhe apareceu a dar tão profícuo conselho.
Como era um sítio árido e sem água, o Imperador foi aconselhado a não edificar a capital nesse local.
Os argumentos não o convenceram e construiu uma grandiosa cidade fortificada, com portas imponentes, zonas públicas e privadas, em que se incluía o harém, palácios luxuosos, mesquitas e tudo o que, de requintado, uma cidade imperial poderia ter.
Em homenagem à sua esposa hindú, a arquitectura é uma fusão harmoniosa de estilo islâmico e hindu, aparecendo figuras como elemento decorativo, totalmente banidas na arquitectura islâmica.
O Imperador convencera-se de que o vidente, se teve a virtude de lhe dar um filho, também teria o poder de obter água para o abastecimento da cidade.
Por fatalidade, o vidente morreu antes que o Imperador o tivesse reencontrado para lhe pedir tal desígnio.
De qualquer forma, a cidade de Fatehpur Sikiri, assim se chamava e chama, foi capital do império de Akbar, durante 14 anos, de 1585 a 1599, altura em que teve que ser abandonada, por nela ser impossível viver, dada a escassez da água.
A cidade abandonada é verdadeiramente monumental e encontra-se excelentemente conservada. Restará dizer que Akbar foi o avô do construtor do TajMahal, em Agra.

Início de colaboração Miguel Frasquilho

Meus caros: só para informar que, depois de muitos adiamentos, sobretudo por dificuldades de incompatibilidade informática (alguns dos meus textos têm quadros e não os consigo passar em condições para o blog...), iniciei hoje formalmente a minha colaboração - que muito me honra - com a "Quarta República".
Mas como o texto é longo, é preciso procurar em "o quarto da república".
Espero que não tenham insónias!...
Cumprimentos a todos e obrigado.

PS(D) - E para fazer inveja (!), sábado, Julho 23, vou de férias por três semanas, que bem precisado estou!...
Desejo igualmente boas férias a quem também vai gozar de um merecido descanso anual!

Shifting Perspectives


Maternidade
Foto: Maria de Fátima Campos (a mãe)

Shifting Perspectives é o título de uma exibição fotográfica que foi organizada por Richard Bailey.
Bailey, fotógrafo, tem uma filha com a Síndroma de Down. Com o objectivo de reduzir o estigma associado, foram apresentadas fotografias de 365 crianças a fim de “mostrar que cada uma é diferente”.
A foto é de uma colega cuja filha, Vitória, também sofre da síndroma. A foto foi tirada pela própria mãe…


De apoiante a abstencionista, de abstencionista a adversário

Vale a pena ler este texto publicado no Diário de Notícias de hoje.

Autoridade quer acabar “blogs”

Pois é! Se for avante a notícia, um dia destes, deixaremos de conviver e expor as nossas ideias. Bonito!...

Parque Natural do Litoral Norte



De saudar a reclassificação da Área de Paisagem Protegida do Litoral de Esposende em Parque Natural do Litoral Norte com a publicação do Diário da República do Decreto-Regulamentar nº 6/2005. Um estatuto bem mais compatível com os valores naturais presentes naquele troço de costa.
Faço votos para que a reclassificação que finalmente vê a luz do dia (preparada que estava há três anos) contribua para a execução de políticas de protecção do litoral, em especial das zonas abrangidas pelo novo Parque Natural, gravemente ameaçadas pela erosão.

Ainda sobre os nossos Parques.

Oiço as notícias de mais um incêndio na Serra da Arrábida. E vem-me à memória a profecia de um activo político, então deputado da oposição e hoje membro do Governo, ocupante de uma das casas condenadas à demolição pelo poder judicial, que aos microfones de uma rádio dizia que a aprovação do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida era um convite aos incendiários.
Ironia do destino: foi o Governo de que agora faz parte que acabou por aprovar o tal Plano. E a Arrábida arde, é um facto...


Entradas de leão...

Sabe-se ainda pouco ou nada sobre os motivos da intempestiva saída do Ministro das Finanças. Mas à tradicional e opaca fórmula "motivos pessoais e familiares" acrescentou-se um sibilino "cansaço" que merece a nossa curiosidade, já que a indignação de pouco vale...
Cansaço?? Ao fim de 4 meses, dos quais uma boa parte em pleno "estado de graça"?
A mensagem oculta do Ministro das Finanças não lhe fica bem, por muitas razões que possa ter para a confessar. E não lhe fica nada bem porque a aceitação de um lugar desta responsabilidade significa um compromisso que deveria ter sido cuidadosa e seriamente ponderado, não só nas vertentes pessoais e familiares que obviamente sempre acarreta, mas na avaliação das suas forças e da sua coragem para enfrentar as enormes dificuldades que se anteviam.
Arriscou, convencido de que, por ser ele, tudo se iria acomodar à sua vontade? Ou esqueceu-se de garantir a solidariedade e o apoio do 1º ministro e da equipa governamental para então avançar com as medidas que entendia adequadas? Foi vaidade ou insensatez?
Para ser Ministro das Finanças ou de outra pasta qualquer não basta ser um técnico competente e isso não é de agora, a política é uma arte bem difícil apesar de ter caído na desconsideração geral. Mal, como se vê, porque a cada momento se prova a sua real dificuldade.
Cansou-se, ao fim de poucos meses de estar num Governo com maioria absoluta, de ter tido condições para anunciar com estrondo a sua receita para curar todos os males do país que somos e eis que atira com a porta às primeiras contrariedades (não contaria com elas?).
Terá talvez a ilusão de ficar para a história como o ministro iluminado que sabia muito bem tudo o que era preciso fazer mas que foi imolado no altar das conveniências políticas antes de ter podido sequer começar a concretizá-las. Fraca glória.

Nostálgicos das economias de direcção central

A demissão do Ministro Campos e Cunha é grave.
É grave, porque significa a vitória dos que defendem a virtuosidade da despesa pública e das grandes obras públicas(aeroporto e TGV) para gerar crescimento.
É grave, porque significa a vitória dos que pretendem mais intervenção do Estado na economia.
É grave, porque uma e outra desta vitórias se vai traduzir, em prazo curto, em novos impostos, decréscimo do rendimento e do investimento privado e, afinal, em decréscimo do produto.
No estado actual da nossa economia, o investimento estatal também não vai resolver o problema do desemprego dos portugueses, já que tal tipo de obras públicas recorre sobretudo á mão de obra barata dos imigrantes.
É este o nosso problema , o de termos políticos completamente impreparados, por ideologicamente nostálgicos das economias de direcção central.
É este o drama dos socialistas e, por tabela, dos portugueses.

quarta-feira, 20 de julho de 2005

Foi...

Ministro das Finanças


Ex-ministro !
Cansou-se!!!

Ainda as Castas: um brâmane a pedir esmola?


Um brâmane a pedir esmola?


O comentário do Prof. Massano a um post anterior sobre as castas, leva-me a contar a seguinte história, que ilustra como a ideia de casta ainda está arreigada na sociedade indiana.
Passeava, a pé, conversando com o guia, na cidade de Jaipur.
Ao virar de uma esquina, vejo um indiano, montado num enorme elefante, em atitude que me pareceu de pedir esmola aos turistas que passavam.
Parei um pouco, a apreciar a cena.
O guia também parara dois passos à frente.
Quando lhe ia perguntar se o sujeito estava mesmo a pedir esmola, ouvi o guia exclamar, de forma expontânea e em alta voz: um brâmane a pedir esmola?
Para mim, a curiosidade era alguém pedir esmola montado num elefante; para o meu guia indiano a estupefacção era ver um brâmane, membro da classe mais elevada, a pedir esmola!...
Este simples episódio do comentário do guia ilustra como, de facto, a ideia de casta ainda está presente nas mentalidades: um brâmane nunca poderia pedir esmola!..
Perguntei ao guia se já ia havendo casamentos entre brâmanes e párias, a classe mais baixa.
O guia explicou-me que um verdadeiro brâmane, mesmo muito, muito pobre, nunca daria o seu consentimento para um filho ou filha casar com um pária, mesmo muito, muito rico.
E sem consentimento dos pais, dificilmente há casamento entre os hindús.
Embora os membros das diversas castas já não sejam distinguíveis pelo aspecto exterior, todavia são perfeitamente distinguíveis pelo nome.
No entanto, mercê da quota de 30% para párias introduzidas no acesso às Universidades, tem havido progresso no que respeita à igualdade entre indianos e à ocupação de lugares públicos.
Por exemplo, o actual Presidente da República é um pária.
Uma curiosidade no que respeita às quotas dos párias para entrada nas Universidades: como tudo na Índia, também podem ser transaccionadas!... Basta acertar o preço!...

Freitas e o “plebiscito unanimista”

Nem dificuldades de comunicação nem críticas ao Governo. A entrevista de Freitas do Amaral só tem um propósito: o de reafirmar que também é “presidenciável”, evidência que tem barbas de muitos anos. A única crítica substancial é feita ao PS e a José Sócrates por tardarem em fazer opções e deixarem Cavaco Silva tornar-se uma “inevitabilidade”. A forma como Freitas pretende criticar “a direita” por apostar em Cavaco e as referências ao “cheque em branco” e ao “plebiscito unanimista”, soa a nervosismo e ansiedade. O recurso às analogias com o tempo do Estado Novo não se me afigura como bom caminho. Esquece-se Freitas que nessa altura também o candidato do regime a Presidente da República era escolha exclusiva do Presidente do Conselho.

Agora o problema de Sócrates está na opção entre “piscar o olho à esquerda” (Manuel Alegre) ou tentar conquistar o centro (Freitas), desguarnecendo sempre o flanco contrário.

O cobertor continua a ser curto. Só que ninguém o puxa!

“Pílula milagrosa”….


Polypill

As doenças cardiovasculares são cada vez mais frequentes originando sofrimento e morte. As razões, de um modo geral, prendem-se com o facto de vivermos cada vez mais e com os nossos estilos de vida.
Como queremos viver mais tempo, o que é natural e desejável, devemos centrar os nossos esforços e atenção na modificação dos hábitos, dos maus hábitos, claro. Mas, não é nada fácil alterar os comportamentos de risco, porque envolvem muitos factores de natureza cultural, social e económica. São necessários muitos anos e até gerações para que possamos actuar, pelo que não é possível no curto espaço de tempo da existência de cada um observarmos os resultados.
Sendo assim, todo o esforço com o objectivo de prevenir muitas dessas doenças é bem-vindo. Como as doenças cardiovasculares ocupam o primeiro lugar, e muitos dos factores de risco são susceptíveis de controlo terapêutico, caso dos medicamentos para baixar a pressão arterial, reduzir o colesterol ou impedir a formação de “trombos”, foi proposto recentemente a produção de um comprimido com seis substâncias activas para ser ministrado, com objectivos profilácticos, a todos as pessoas com mais de 55 anos. De acordo com os proponentes, esta pílula poderia prevenir 80% dos ataques cardíacos naquele grupo etário.
A proposta tem sido alvo de discussão e de críticas por parte de alguns, como seria previsível. Os argumentos de que tal medida facilitaria a manutenção de estilos de vida prejudiciais não parecem ser suficientemente fortes, já que a tendência é para a melhoria.
Ainda vai demorar um pouco a entrada desta pílula nos nossos hábitos. De qualquer forma, é muito provável que a curto ou a médio prazo, lá tenhamos de a tomar ao pequeno-almoço… E, quem sabe, se às seis substâncias que protegem as nossas artérias, ainda não vão juntar uns pozinhos de um ansiolítico, de um antidepressivo, de produtos para impedir a queda de cabelo (existem mesmo!) ou combater a disfunção eréctil!
É a vida, como dizia o engenheiro! Mas se for para melhor, por que não?

Cartoon

terça-feira, 19 de julho de 2005

“Vida criada pelo homem”…


Árvore da vida

Quando o homem comeu o fruto da árvore da sabedoria teve consciência da sua existência e, consequentemente, da fragilidade e perenidade que o futuro lhe reservava de forma absoluta e angustiante. Começou o sofrimento. Ao longo da existência tentou tudo, e continua a tentar, para conseguir a eterna juventude. Anda com uma fome dos diabos para comer o fruto da árvore da vida. As últimas conquistas nas áreas da biologia são paradigmáticas da sua ânsia em conhecer os segredos da vida. Não contente com as suas descobertas, o que é perfeitamente compreensível para quem foi expulso do paraíso, procura criar vida. Novas formas de vida estão a ser equacionadas, desta feita, a criar pelo próprio homem. Sendo a criação uma emanação de Deus, poderíamos pensar que o homem estaria a substitui-lo. Claro que não. Mas pretende imitá-lo. Pergunta-se: - Afinal o que é que distingue a vida da não vida? Cientistas e filósofos têm discutido de forma aprofundada esta temática. Não é fácil. No entanto, não deixa de ser curioso que a explicação aceite para separar os dois estados seja, precisamente, a evolução darwiniana. Só os seres vivos são susceptíveis de evolução darwiniana, facto extraordinário que contraria a posição dos criacionistas. Mas para que serve criar novas formas de vida? Para gáudio do homem? Para demonstrar que pode imitar o Criador e ambicionar um estatuto semelhante? Não haverá perigo para o planeta com a libertação e ausência de controlo desses seres? São perguntas pertinentes. Com as novas formas de vida será possível resolver problemas diversos. A tecnologia viva possibilitaria produzir combustíveis não poluentes, eliminar resíduos perigosos, enviar seres vivos pelo corpo humano para fazer diagnósticos, corrigir e reparar lesões, trazer informações, ministrar medicamentos vivos que saberiam onde ir, resolvendo os problemas, fazer parte de máquinas capazes de auto-reparação, enfim um sem número de possibilidades que parecem mais fruto de ficção científica. Mas não, na próxima década irão surgir surpresas susceptíveis de atingir estes objectivos, já que várias equipas estão a trabalhar com determinação no sentido de criar vida diferente da existente. Andamos todos ansiosos por saber se existe vida extraterrestre em Marte ou em Europa, satélite de Júpiter, e, um dia destes, ainda corremos o risco de acordar com novos seres ao nosso lado. Claro que vai haver muita discussão no plano ético e religioso. Mas que vai haver mudanças nas formas de estar e de ser da sociedade, ai isso vai! Gostava tanto de ver…

O Nababo de Junadagh


palácio de um nababo


Para os Ocidentais, um nababo é o sinónimo de homem muito rico, vivendo luxuosamente.
O termo foi “importado” da Índia muçulmana, em que os nababos ocupavam um dos lugares superiores da hierarquia.
Estavam para os Imperadores como, no Ocidente, os Marqueses para o Rei.
Já agora, e por curiosidade, na hierarquia dos antigos Estados Hindús da Índia, o Marajá equivalia ao Rei, enquanto os Rajás equivaliam ao Duque.
Os Nababos eram, de facto, muito ricos, possuindo palácios grandiosos e vastíssimas terras.
O Nababo de Junadagh, na Índia Ocidental, á altura da independência, não era excepção à regra.
Como muitos, não tinha especial carinho pelas pessoas, mas tinha uma predilecção especial por cães e possuía 800 destes animais.
Os 800 cães viviam num palácio, em luxuosos aposentos, com quartos e criados individuais.
O Nababo organizava banquetes para celebrar os respectivos “casamentos”.
Na altura da independência, queria que o seu território fosse integrado no Paquistão, o que não lhe foi permitido.
Como tal, resolveu abandonar Junadagh.
No momento de partir, embarcou no seu avião e alugou outros para os 800 cachorros.
Como já não cabiam, as concubinas ficaram todas no harém, entregues à sua sorte!...
Entre pessoas e os cães, escolheu estes últimos.
Não se trata de história de há séculos: é, mesmo, uma história recente.
Com efeito, este Nababo morreu em 1959.
E é capaz de explicar muito do que, ainda hoje, é a Índia!...E de nos fazer reflectir sobre o que é, de facto, o homem!...

Grão a grão...

Eu sei que já passaram alguns dias sobre o Live8, o mega concerto contra a fome no mundo. Mas, passadas as notícias dos jornais, os clamores aos responsáveis políticos “do mundo” para decidirem pensando em partilhar com os mais pobres a riqueza de que usufruímos, podemos pensar num plano um pouco diferente, já não ao nível dos mega-qualquer-coisa (sem lhes diminuir o mérito) mas ao nível de cada um de nós e do que, individualmente, estaremos dispostos a fazer para reparar, de qualquer modo, nos que precisam de nós.
As pessoas acorrem aos milhares a estas iniciativas, pagam o que for preciso pelo bilhete, sofrem muitas vezes o desconforto da viagem, do calor, da espera que comece, das horas em pé para ouvir e cantar em multidão por um mundo melhor.
E paravam na rua para perder dois minutos a ouvir uma pessoa a pedir ajuda? E faziam uma viagem para visitar um doente? E arriscavam dar um décimo do preço do bilhete a uma família do outro lado da rua? É claro que é pouco, é infinitamente menos, não se traduz no perdão da dívida de países nem nada que se pareça, mas talvez não se perdesse o esforço.
Uma vez encontrei um grupo de jovens que vinha muito entusiasmado de um encontro em que tinham decidido organizar uma série de iniciativas para angariar dinheiro para os idosos do bairro e arredores e discutiam animadamente sobre as hipóteses de sucesso do que estavam a planear. Aquilo ia dar-lhes trabalho, exigia inúmeras reuniões, telefonemas, procura de espaços, enfim, muito tempo e dedicação “aos idosos da nossa comunidade”. Quando lhes perguntei há quanto tempo é que não iam a casa dos avós ficaram a olhar para mim.
Às vezes o mais difícil é começar pelas coisas simples.

segunda-feira, 18 de julho de 2005

Os liberais e o poder

Um dos enigmas que alguns sectores liberais identificam de forma frequente resume-se na questão: porque é que os liberais, uma vez chegados ao poder, esquecem-se do liberalismo e adoptam políticas não liberais?
Três hipóteses de trabalho e reflexão:
1. Porque o país não é liberal e o liberalismo não se decreta.
2. Porque as elites e as classes médias em Portugal – de que uma parte tem a capacidade de decidir eleições, ao centro – cresceram e vivem à sombra do Estado, dele dependem e com ele se confundem.
3. Porque os partidos onde possam existir esses liberais, colocados face à alternativa de cumprir princípios ou ganhar eleições, optam invariavelmente pela segunda.
Desde os primeiros assomos liberais do século XIX que vivemos escravos desta incorrigível realidade.

As Castas- De Párias a Oprimidos


As Castas

Na minha estadia na Índia, procurei saber qual a evolução da estratificação social designada por Castas.
Como é sabido, as Castas eram (são) classes sociais nas quais os Indianos estavam (estão) agrupados de acordo com o seu nascimento.
Os cinco níveis de castas, por ordem decrescente de importância social, são os brâmanes, os kshatriyas (proprietários, aristocratas), os vaishyas, os shudras e os párias ou intocáveis, designação esta devido à sua indignidade para serem tocados por membros de castas superiores.
Depois do que ouvi, continuei com muitas dúvidas, aliás perceptíveis na dupla apresentação do tempo dos verbos do 2º parágrafo deste texto.
Com efeito, se as castas foram constitucionalmente abolidas, permanecem ainda arreigadas no espírito colectivo.
Tanto assim que, se uma pessoa nasce na casta X, irá viver, casar e morrer nessa mesma casta.
A grande constatação da sua continuidade está mesmo no estabelecimento de quotas para os párias, por exemplo, para entrarem nas Universidades: 30% das vagas são destinadas aos membros desta casta.
Contudo, vem-se esbatendo a segregação devido ao nascimento.
As novas gerações estão a libertar-se desse estigma e a classe política tem vindo a criar, com maior ou menor lentidão, legislação que vai promovendo, no concreto, igualdade entre as pessoas.
Este caminho levou até à alteração do nome pelo qual são agora designados os membros da casta mais baixa: passaram a ser designados por uma expressão mais geral, os “dalit”, ou oprimidos, em vez de párias ou intocáveis.
Esta política, contudo, ainda precisa de ser muito aprofundada, tanto assim que, neste momento, os trabalhos mais sujos ou mais duros ainda estão reservados para os intocáveis, agora designados como oprimidos.
No entanto, segundo me referiram, já se vai tornando muito difícil, ou mesmo impossível, distinguir, pelo seu aspecto exterior, os membros das diversas castas, o que comprova o progresso obtido.

Carreira docente: entre conter a despesa e qualificar o ensino

Na última reunião do Conselho de Ministros foram aprovadas as alterações ao Estatuto da Carreira Docente do ensino não superior que haviam sido anunciadas pelo ME. Todas elas reflectem a preocupação meritória – e já aqui subscrita – de conter a despesa pública. Nenhuma delas contribui de forma evidente para a qualificação da actividade docente. Estaria à espera que se aproveitasse a oportunidade para alterar ou regulamentar aspectos decisivos do recrutamento e progressão na carreira docente, o que não aconteceu. Perdeu-se uma oportunidade única para se proceder de forma integrada a essa revisão.

Problemas como o do recrutamento (é urgente a despistagem vocacional e científica à entrada da carreira, bem como a regulamentação do período probatório ou de indução), da avaliação do desempenho como condição de progressão (introduzir a avaliação e discussão do “portfolio” do docente, substituindo o “documento de reflexão crítica” que ninguém avalia) e a criação da categoria de “professor coordenador”, a que se acede mediante provas públicas, ficaram para melhor oportunidade.

Só que, perdida que foi esta, duvido que surja uma melhor.

O que fica: algumas medidas de limitado impacto sobre a despesa pública, sem que a urgente qualificação e reconhecimento do mérito dos docentes se concretize.

domingo, 17 de julho de 2005

Riscos em denegrir a imagem de uma vila e de um país


Residuos da Mineração de Urânio e outros Elementos Químicos


A análise do comportamento de alguns canenses, no decurso de uma apresentação preliminar dos dados do estudo epidemiológico sobre os efeitos dos materiais radioactivos, merece algumas reflexões e até uma comparação com o comportamento de Jya Youling, director do Departamento de Veterinária, do Ministério da Agricultura da China.
Em primeiro lugar deve ser realçada a implementação do estudo por exigência da Assembleia da República. Os atentados ambientais são uma constante que urge eliminar. É curioso verificar que, só ao fim de muitos anos, se avalie o impacto ambiental e na saúde das pessoas, como se nada de anormal tivesse ocorrido nas barbas de técnicos altamente qualificados, para não falar dos sucessivos responsáveis ministeriais.
Os dados apontam para alterações hormonais, sobretudo, da tiróide e perturbações da capacidade reprodutiva, entre outros. A população suspirou de alívio, porque a situação, afinal, não era tão grave como alguns faziam crer. Esta posição foi secundada pelos peritos. Mas estavam à espera de quê? Que andassem a morrer pelas esquinas numa versão hodierna de qualquer peste pneumónica? Que os seus filhos nascessem uns atrás de outros com malformações a lembrar a malfadada talidomida? Se assim fosse já há muito que o problema tinha sido identificado sem a necessidade de recorrer a este tipo de estudos. O que se pretende é saber se uma determinada exposição ambiental de origem humana está ou não associada a problemas de saúde. O estudo revela que existe associação.
As múltiplas e crescentes agressões ambientais podem originar perturbações, as quais, mais cedo ou mais tarde, podem provocar doenças. Convém não esquecer que muitas dessas perturbações não se confinam aos alvos presentes, mas podem continuar a manifestarem-se em futuras gerações, mesmo que o problema de base tenha sido resolvido.
O compromisso das novas gerações é uma realidade. Um estudo, recente, demonstrou, por exemplo, a presença de mais de 200 substâncias estranhas no sangue do cordão umbilical de recém-nascidos. Ou seja, antes de entrarem em contacto directo com o meio ambiente já sofreram agressões através das mães.
A situação em Canas de Senhorim exige a tomada de medidas de requalificação ambiental, o mais breve possível, a fim de eliminar as agressões a que estão sujeitos os canenses, sobretudo os mais novos.
As atitudes tomadas pelos ambientalistas locais merecem o máximo respeito e deverão ser acarinhadas. É lamentável, de acordo com a informação da comunicação social, que tenha sido negada a entrada de um ambientalista, na altura da apresentação do estudo à população, sob o pretexto de que anda a denegrir a imagem de Canas de Senhorim!
Jya Youling rejeitou a investigação efectuada sobre a gripe das aves publicada, recentemente, na Nature. O artigo científico de Yi Guan demonstrou que a mortandade de aves ocorrida no Nordeste da China foi da responsabilidade de aves migratórias proveniente do Sul do país. As aves vieram de outro país, afirmou o alto responsável do ministério da agricultura! Coitado do cientista! Um chinês a denegrir a imagem da China? O melhor é preparar-se para as represálias habituais naquele quadrante do globo. Apesar de tudo, em Portugal, o máximo que lhe podia acontecer, era ficar à porta de uma reunião por vontade de meia dúzia de bairristas "preocupados" com a imagem da sua terra. Agora na China…

De Delhi a Agra


Delhi, 3 de Julho
A viagem por estrada de Delhi para Agra é, só por si, um espectáculo.
Passa-se de uma cidade super povoada, com 10 milhões de habitantes, para o Estado mais povoado da Índia, o Uttar Pradesh.
Por esta razão e também porque essa mesma via serve a cidade de Benares ou Veranassi, um dos Santuários da Índia, aonde as pessoas se deslocam para se purificarem no Ganges ou para morrer e onde as piras ardem continuamente para cremação dos corpos, o trânsito é intenso.
E é também a Agra que se deslocam muitos turistas, em busca do Taj Mahal.
Ao longo da estrada, filas intermináveis de aldeias cheias de movimento e cor, com os charcos e o lixo omnipresentes.
Nas povoações em que havia feira, o trânsito era naturalmente obrigado a parar, o que permitia dar uma olhada em volta.
Alinhados ao longo das bermas, por entre as bancas da fruta, dos legumes, das roupas, da electrónica e das quinquilharias várias, os encantadores de serpentes, sempre rodeados de gente e de vacas, que também encantam, os artistas de circo e faquires, apresentando as suas habilidades, e espectáculos de ursos polares, nascidos nos gelos dos pólos, exibindo-se, presos pelo nariz, a temperaturas de cerca de 40 graus centígrados, tudo e todos impassíveis perante o trânsito que passa a poucos centímetros...
Deste tumulto de imagens diversas de que a Índia é feita, e que retratam uma vida dura e difícil, passa-se à harmonia da Índia dos Imperadores.
O Taj Mahal, em Agra, é o símbolo maior desta harmonia.
Começou a ser construído em 1631 pelo Imperador Shah Jahan, por amor e em memória de sua mulher, que morreu durante um parto, terminando a construção 22 anos depois.
Deposto por um dos filhos, que também matou os irmãos, o Imperador foi preso no Forte de Agra, tendo-lhe sido concedida uma masmorra de onde podia avistar o Taj Mahal.

Portugueses de segunda

Pedro Rolo Duarte assina o editorial de hoje do DN sob o lamentável título ´Uma boa ideia num mau país´.
Nele se manifesta o recorrente e mórbido exercício auto-flagelatório e miserabilista de uma elite que gostava de ver o país à sua medida.
Ao desfiar a longa lista de "imoralidade" e de "irresponsabilidade" dos governantes (a que terá de acrescentar as causais inconsciência e boçalidade dos portugueses que os escolhem, como aliás ontem desabridamente opinava João Pereira Coutinho nas páginas do ´Expresso´), prova-se que há efectivamente portugueses de segunda. São aqueles que não gostam de se sentir portugueses, que prefeririam viver num país "exemplar" para usar a palavra do editorialista. Os que à mesa do café ou nas conversas onde pretendem patentear o brilho das suas análises oraculares - que sempre apontam para a mais absoluta desgraça nacional, presente e futura -, não se cansam de desejar, em voz alta, emigrar. Os que, enfim, parecem envergonhar-se do País onde vivem.
A verdade porém é que a maioria deles, ao contrário dos seus concidadãos incultos e irresponsáveis que por necessidade tiveram de emigrar, vivem bem, muito bem no País que a toda a hora menorizam e desprezam.

Esquecem que nos países "exemplares" já aconteceu, e continua a acontecer, tudo aquilo que verberam em Portugal. Todos os escândalos. Todos os erros de governação. E muito pior.
Reconheço, todavia, que existirá entre a maioria desses países e Portugal duas assinaláveis diferenças. A primeira é que entre as elites desses países é comum encontrar-se um salutar orgulho nacional, que é condição de otimismo na sociedade e crença nas qualidades e capacidades do seu Povo. Mesmo que aí também haja a noção que só o escândalo, a malidiscência o "quanto pior, melhor" vende jornais e atrai publicidade.
A segunda é que não será tão fácil como entre nós encontrar quem a toda a hora ache que o seu país é mau.
Não será por acaso que Eça de Queiroz, Raul Brandão, Oliveira Martins e outra figuras ilustres das nossas letras, são mais conhecidos e quase sempre citados pela circunstancial má relação que tiveram com o país do seu tempo, do que pelo que reconheceram nele de glorificante e motivo de orgulho de sermos quem somos e como somos.
Infelizmente o que escrevo a seguir não é um lugar comum (antes o fosse!): eu tenho muito orgulho em ser português. E julgo que só este orgulho pode mover-nos a lutar por uma sociedade melhor. Nunca o contrário.

sábado, 16 de julho de 2005

Chowk - Old Delhi



O mundo caótico das impressões: cores, cheiros, sons, sabores de que fala Pinho Cardão.
Inesquecível.

I have a hard life...


Forte Vermelho

Delhi, 3 de Julho de 2005
Delhi é o resultado de sete cidades formadas ao longo dos séculos, ao sabor das invasões e dos novos senhores, a que se juntou a última, a Nova Delhi, construída pelos ingleses, para acolher a nova capital, antes Calcutá.
A visita programada abrangeu, entre outros pontos, o Forte Vermelho, construído em 1638, a Jama Masjid, a maior mesquita da Índia e, dizem, a segunda maior do mundo e ainda a Rua Chowk, um espectáculo de cor e de movimento, um imenso bazar, onde tudo se troca, tudo se compra e tudo se vende…
Caótico é o adjectivo mais meigo para definir o trânsito: carros, bicicletas, riquexós, triciclos, camionetas, autocarros, carros de cavalos, peões e vacas disputam cada centímetro...é mesmo cada centímetro... de terreno e as “tangentes” são de arrepiar.
Os indianos devem ser os melhores condutores do mundo e também os que mais apitam!....
Nas bermas, proliferam todos os negócios imagináveis, no meio de toneladas de lixos acumulados, dos dejectos dos animais, da lama das chuvadas…
Para a deslocação do Forte Vermelho, património da humanidade, à mesquita, utilizei um riquexó, bicicleta com atrelado para duas pessoas, conduzida e puxada por um indiano a quem um braço tinha sido decepado pelo ombro.
Conduziu o riquexó com esforço e mestria pelo emaranhado das vielas cujo alcatrão esburacado exigia um esforço suplementar.
Dei-lhe uma boa gorgeta.
Mas não posso esquecer o traço do seu rosto, a pedir-me um pouco mais, com as seguintes palavras, textuais:” as you see, I have a hard life and you are a rich man, give me some rupias more…”.
Não acedi.
Mas quando me lembro do seu ar triste e, ao mesmo tempo, conformado, pela educação hinduísta, arrependo-me de não o ter feito.

Índia


Índia
Nova Delhi, 2 de Julho, 2 horas da manhã.
Integrado numa excursão dos Lions, visitei a Índia.
Chegados a Nova Delhi, espera-nos o autocarro para o Hotel.
Calor. Ar húmido e peganhento. Trânsito caótico.
Estamos realmente num outro mundo: ao longo do percurso, gente deitada, estendida no chão ou em cima de qualquer muro ou suporte, por todo o lado.
Homens e mulheres conversam de cócoras ou dormem nas bermas da auto-estrada e, mesmo, no meio dos separadores centrais da via rápida, a escassos centímetros dos carros.
Vacas, de pé, olhando a paisagem ou dormindo como os humanos.
O ambiente e os odores da Índia começam a fazer-se sentir.
Em meia hora, o autocarro põe-nos no Hotel, na parte nova de Delhi.
Um hotel da cadeia Oberói, a mais luxuosa da Índia.
O Oberói Nova Delhi tem o aspecto exterior do Ritz de Lisboa, implantado num belo parque.
Primeiro contraste violento: a miséria extrema da rua e o luxo ostentatório do hotel.
Dou graças por ter nascido em Portugal.

sexta-feira, 15 de julho de 2005

"Oh! minha América, minha doce terra achada"


William Bouguereau
Étude d'une femme pour Offrande à l'Amour



A publicação recente de um livro sobre o orgasmo feminino (The case of the female orgasm de Elisabeth A. Loyd) e a sua interpretação em termos evolutivos, aliado à compra, em Madrid, de mais uma obra do notável escritor argentino Federico Andahazi, obrigou-me a reflectir sobre um órgão que ainda encerra alguns segredos: o clítoris.
A lembrança de que é alvo de mutilação em certas culturas causa arrepios, não só pelo facto de constituir uma ofensa física, mas também por ser uma violação da dignidade feminina. Deste modo, recordei-me de alguns aspectos, uns de natureza histórica e outros de natureza literária. Aliás, é até possível fazer uma ponte entre os dois. Basta para o efeito ler a primeira grande obra do já citado escritor argentino, O Anatomista.
O "descobridor" deste órgão, inexistente em cerca de 140 milhões de mulheres, sobretudo africanas (pela extirpação mais ou menos completa), foi Mateus Reinaldo Colombo, professor de anatomia em Pádua. Na sua obra, De re anatomica, publicada em 1559, está descrita a pequena e preciosa protuberância. Como prova do entusiasmo da sua descoberta, destaca-se a célebre frase "Oh! minha América, minha doce terra achada", comparando-se deste modo ao outro Colombo que tinha descoberto o Novo Mundo. E por que não?
O Anatomista descreve a vida romanceada deste médico e a forma como descobriu a função de algo, a quem atribuiu a origem do amor feminino, ao rotulá-lo de Amor Veneris.
Se Inês de Torremolinos, a mulher que permitiu ao mestre a descoberta, acabou por prescindir do amor, ao excisar-se voluntariamente do seu Amor Veneris, vel Dulcedo Appeleteur, para ser senhora do seu próprio coração, nada justifica esta prática ancestral, praticada em tantos países. Nem os próprios motivos religiosos justificam, já que não ocorre, praticamente, na Arábia Saudita, coração do islamismo.
Mateus Colombo quis colocar neste órgão a sede do amor, e sabia quais os riscos de tanto atrevimento. No século XVI, a possibilidade de ser "churrascado" é do conhecimento geral. E o nosso "descobridor" tinha particular repulsa pelo cheiro de carne humana queimada. Mesmo assim, conseguiu transmitir aos vindouros a sua descoberta, contribuindo para a emancipação da mulher. Não podemos esquecer que este século foi designado pelo "século das mulheres".
Afinal, onde está localizada a sede do amor? Numa extensão que vai desde o Amor Veneris ao coração, ou do coração ao Amor Veneris

Uma pequena história

Ainda a propósito das dificuldades com a matemática, o David Justino lançou aqui um desafio para se preencher um questionário e os comentários ao seu post lembraram-me um pequeno episódio a que assiti e que mostra bem o que pode fazer um bom estímulo em vez da falsa compreensão, que muitas vezes esconde a indiferença.
Era a altura das provas de acesso ao ensino superior e o ambiente de críticas à "violência" dos exames e ao stress que causaria aos alunos estava no seu auge. Chegavam então ao Ministério (e ainda deve ser assim...) centenas de cartas de pais e filhos a queixarem-se das dificuldades que sentiam, uns para aturarem as crises dos jovens, outros dos tormentos que sofriam para estudar e passar.
Uma das cartas era de uma rapariga que se dirigia ao Ministro pedindo por tudo que acabasse com o exame de informática, porque era tema que ela, boa aluna a tudo o resto, nunca conseguiria aprender. Ora isso ia impedi-la de seguir o curso que queria o que, dizia ela, era uma grande injustiça, porque não ia poder realizar-se nunca na vida.
- A si não custa nada - dizia ela - é só fazer o despacho a acabar com este exame. Com esse gesto vai fazer com que um jovem possa seguir a sua vocação e ser um bom profissional... Não é isso que um Ministro deve querer?
Acontece que a carta teve resposta num cartão escrito pela mão do próprio responsável pela pasta e dizia que não era por lhe retirarem o obstáculo da frente que ela seria ajudada, porque certamente encontraria muitos outros perante os quais voltaria a sentir fraqueza. A ela caberia ajudar-se a si própria, trabalhando o dobro ou o que fosse necessário para conseguir alcançar o seu sonho e, com cada sucesso, ficava mais perto da vitória. E que sabia que ela iria conseguir superar essa insegurança.
Pouco tempo depois chegou um postal da rapariga, a contar com evidente orgulho a boa nota que tinha obtido em informática e a dizer que nunca mais se esqueceria da preciosa ajuda que tinha recebido.
E que tinha passado a gostar de informática.