Dentro do prazo anunciado (final de Agosto), foi conhecido o Documento de Estratégia Orçamental (DEO), em que o Governo revelou o que, em seu entender, os Portugueses podem esperar até 2015 em termos de grandes agregados macroeconómicos e contas públicas. Como era fácil de prever, o que nos espera não é nada fácil. O que tinha sido definido no Memorando assinado com a missão internacional de BCE/CE/FMI em Maio último já era doloroso; como, desde então, a situação se deteriorou, quer em termos internacionais, quer a nível nacional (com um enorme “buraco” orçamental a ser detectado – e a ter que ser corrigido), as dificuldades são, agora, ainda maiores.
Prevê o Governo que, em 2015, se atinja um Orçamento quase equilibrado (défice de 0.5% do PIB), sendo a redução do desequilíbrio, a partir de 2012, feita em cerca de 2/3 à custa de cortes na despesa e em próximo de 1/3 por via do aumento da receita (isto é, de impostos que todos vamos pagar a mais). Não podia estar mais de acordo: há muito que defendo uma consolidação orçamental assente maioritariamente do lado da despesa, cuja probabilidade de sucesso (leia-se, redução do endividamento público e dinamização da economia), como a maior parte da vasta literatura da especialidade confirma, é bem maior do que se tiver uma contribuição mais elevada da receita. Trata-se, portanto, de uma estratégia que, sendo cumprida (e o Ministro das Finanças tem enumerado um conjunto de razões para garantir que “agora é que é” e que não terão lugar os fracassos do passado recente), levará Portugal a sair da difícil situação em que se encontra. Com uma actuação deste Executivo que será diferenciadora – para melhor – em relação à dos anteriores. Mas, tratando-se de uma trajectória muito dura e exigente, ela não podia deixar de ser explicada de forma exemplar, de modo a não deixar instalar ideias erróneas na sociedade. E as explicações deviam, aliás, ter começado pelo início: o que nos trouxe à situação em que nos encontramos; e como fazer face aos desvios orçamentais detectados em 2011. Porém, depois de no debate parlamentar do Programa do Governo, no final de Junho, ter sido anunciado que a introdução da sobretaxa extraordinária correspondente a cerca de 50% do subsídio de Natal para salários acima do mínimo, seria acompanhada por uma redução adicional da despesa pública sensivelmente do mesmo montante (entre EUR 800 e EUR 1000 milhões), desde então, e até ao fim de Agosto, apenas foram apresentados aumentos adicionais de impostos. E, durante esse tempo, a verdade é que não foi convenientemente explicado à sociedade por que razão aquelas opções estavam a ser tomadas. O passado recente (as razões que nos conduziram até ao ponto em que estamos) prati-camente não foi abordado e, portanto, deixou-se instalar a ideia de que, no corrente ano, a correcção do desvio orçamental detectado será toda feita à custa de mais impostos. Ideia que, aliás, é reforçada pelo quadro do DEO em que, à enumeração e quantificação dos motivos dos desvios orçamentais face ao objectivo estipulado (um défice de 5.9% do PIB, que temos que cumprir escrupulosamente em 2011), sucede a identificação e quantificação das medidas de correcção… todas do lado da receita. Só depois de as críticas generalizadas terem sugerido que pouco havia que diferenciasse a prática deste Governo da dos anteriores, é que surgiram explicações por parte do Ministro das Finanças.
Ora, nos últimos 6 anos, PSD e CDS, na Oposição, exigiram sempre – e bem!... – uma consolidação orçamental assente maioritariamente do lado da despesa pública, tendo fornecido, inclusive, vários exemplos de cortes possíveis. Nestas condições, era imperioso que, mal entrasse em funções, o Executivo tivesse esclarecido que existiam derrapagens orçamentais em várias rubricas (incluindo aumentos salariais, promoções, progressões e admissões na função pública que não deviam ter acontecido, porque o Orçamento do Estado para 2011 não o permitia), a que se juntaram os custos associados à reprivatização do BPN e também um desvio nas contas da Região Autónoma da Madeira. E que tivesse também explicado que, embora fosse poupar e cortar adicionalmente todos os dias na despesa pública, os compromissos tinham sido inscritos e assumidos no Orçamento (e teriam, na sua maior parte, que ser cumpridos), o ano ia a meio, e o efeito destas medidas seria diferido no tempo – pelo que, perante a urgência de corrigir o “buraco” orçamental detectado (e que devia ter sido quantificado a preceito com a informação disponível na altura), não havia alternativa senão lançar mão dos aumentos de impostos que todos conhecemos. Até porque Portugal não pode mesmo falhar os objectivos quantitativos traçados no Memorando, nem podia deixar que a primeira avaliação trimestral da missão internacional, ocorrida em Agosto, não fosse positiva. E foi – o que se deveu, não tenhamos dúvidas, à forma como o Governo Português esteve
ahead of the curve, isto é, actuando quando se exigia… e marcando uma enorme diferença para o Governo anterior que esteve sempre
behind the curve, isto é, reagindo e andando a reboque dos acontecimentos (o que contribuiu para o pedido de ajuda internacional a que acabámos por não poder escapar). Mas, mesmo nessa ocasião, foi a própria missão que referiu preferir cortes na despesa em vez de aumentos de impostos, ajudando à ideia que se estava a instalar…
Foi, pois, uma pena que a gestão dos esclarecimentos – fundamental quando são tomadas medidas duríssimas e quando o pior ainda está para vir – tivesse sido a que foi. Estou certo que o Orçamento para 2012 constituirá a oportunidade para emendar a mão neste aspecto e mostrar ainda mais diferenças positivas face ao passado recente.
Nota: Este texto foi publicado no jornal Sol em Setembro 16, 2011.